PARA RELEMBRAR O FRANQUISMO
Rogério Tadeu Romano
Segundo se lê do jornal O Globo, em seu site, no dia 12 de dezembro do corrente ano, o Assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, publicou uma mensagem no Twitter na noite de quarta-feira, na qual cumprimenta o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) utilizando uma expressão do franquismo, período histórico de caráter autoritário em que a Espanha foi comandada pelo ditador Francisco Franco.
Martins havia sido felicitado pelo filho do presidente Jair Bolsonaro pelo próprio aniversário e, ao responder a mensagem, chamou Carlos de "irmão", disse que se sente honrado em trabalhar com o vereador e finalizou o texto com a expressão espanhola "Ya hemos pasao" ("Já passamos", em português). A frase foi cunhada por Franco e seus aliados, como uma resposta ao lema "Não passarão", historicamente utilizado por grupos de esquerda.
"Valeu, irmão! É uma honra fazer parte deste momento e lutar ao lado de gente que está disposta a morrer pelo nosso país e a sacrificar tudo em nome do que é justo e bom. Que a escória continue se mordendo de raiva. ¡Ya hemos pasao!", escreveu Martins.
Sabe-se que, na Espanha, entre 1936 a 1975, houve uma experiência particular de ditadura de início muito próxima do fascismo, mas que dele se foi progressivamente distanciando.
Os princípios desse regime(identificado com o general Franco) eram o nacionalismo e o tradicionalismo(a Espanha como unidade de destino), uma concepção orgânica da vida social e da representação política, através da família, do município e do sindicato, o autoritarismo político, com largas restrições das liberdades individuais; o intervencionismo econômico e social; e a recusa dos princípios democráticos e da separação de poderes.
No plano estritamente jurídico-constitucional, o regime oferecia três características gerais:
- Ausência de Constituição, texto único, e em vez dele, sete Leis fundamentais do Reino, elaboradas em épocas distintas(entre 1938 e 1967);
- A concepção da ordem constitucional como processo, ou seja, como ordem constitucional em formação;
- Valor hierárquico superior das Leis fundamentais, embora com compreensão mais política do que jurídica.
Eram órgãos políticos os seguintes:
- O chefe do Estado, General Franco, com Caudilho de Espanha e, para futuro, um rei ou regente;
- O governo, constituído pelo Presidente do Governo(nomeado por 5 anos pelo Chefe do Estado) e pelos Ministros;
- As Cortes, assembleia de composição complexa, constituída por Procuradores designados por nomeação, inerência e eleição, e traduzindo os Procuradores eletivos um princípio da representação orgânica, nomeadamente familiar e sindical;
- O Conselho do Reino, também de composição complexa, com importantes funções consultivas(junto do Chefe de Estado) e não consultivas;
- O Conselho Nacional, expressão orgânica suprema do Movimento Nacional, isto é, da organização política de apoio do regime.
Na Espanha daqueles tempos preponderava o Chefe de Estado, representante supremo da Nação e detentor do poder supremo político e administrativo, o qual exercia a Chefia Nacional do Movimento, assegurava o regular funcionamento dos altos órgãos do Estado, sancionava e promulgava as leis, exercia o comando supremo dos Exércitos e em nome do qual era administrada a justiça(artigo 6º da Lei Orgânica do Estado).
Observa-se, então, que o interesse do regime franquista para o Direito Constitucional é duplo;
Em primeiro lugar, foi o único regime autoritário de direita da Europa que criou instituições próprias, a meio caminho entre as monarquias absolutas, as monarquias constitucionais e as ditaduras fascistas.
Em segundo lugar, foi o único em que essas instituições, por obra interna, por transição constitucional, mudaram e foram subtraídas por instituições democráticas pluralistas.
O Rei João Carlos, sucessor de Franco, liberou o regime, abrindo um processo constituinte, realizando eleições.
De toda sorte o exemplo franquista na Espanha, e suas alusões, são, por certo, indicações de um regime que tende à ditadura.