O FILÓSOFO PONDÉ E AS RELIGIÕES
Considere-se duas afirmações, que representam juízo de valor sobre a postura de pessoa culta, em relação às diferentes religiões existentes:
-A adesão a uma delas revela certa pobreza de espírito...
-A adesão a elas revela certa pobreza de espírito...
Ambas se concluem com uma contradição: o desprezo para com elas (por outro lado) revela uma certa pobreza de alma.
A sutileza que existe entre os conceitos filosóficos de espírito e alma, a par da beleza estética do texto construído pelo filósofo Luiz Felipe Pondé, torna o encerramento de sua coluna semanal publicada na edição impressa do Jornal Folha de São Paulo, de 16 de dezembro de 2019 (página C-8 – A revolução cultural cristã *) digna de alguma reflexão sobre a força dos conceitos e das palavras.
A frase reproduzida em primeiro lugar é parte integram de chamada de primeira página da edição onde publicado o texto. Sabe-se que manchetes de jornal representam criação que nem sempre corresponde a fatos ou conteúdos existentes na própria edição jornalística; ela é colocada ali, em destaque na capa do jornal, para provocar no leitor o desejo da leitura, ou em uma visão puramente econômica, os títulos estão ali para vender jornal.
No entender deste escritor a primeira página da Folha, neste caso específico, não foi fiel à ideia do colunista e filósofo Pondé. Quando o editor fez publicar na primeira página o juízo de valor sobre associação de eventual pobreza de espírito a aderência a uma religião – a uma única e determinada religião, portanto – perdeu-se o significado profundo da afirmação do filósofo.
As pessoas cultas não devem ignorar a principal característica das religiões (de todas, que em profusão existem), elas sempre exigem de seus seguidores a aceitação de algumas ideias fundamentais, ou seja, sempre se exige aceitação a dogmas que fundamentam a própria religião.
Toda religião exige, como alicerce daquele edifício, uma postura de seu afiliado que se resume em um único conceito; palavra pequena, rica de significado e insubstituível em sua função social e humana. Trata-se da Fé.
A fé religiosa, desde os primórdios, em todas as épocas, culturas e civilizações representa valiosa ferramenta à disposição da humanidade; a única que se mostra capaz de oferecer resposta satisfatória para a mais importante das questões que o ser racional é capaz de formular: existe sentido para a vida?
Criada pelo próprio homem para seu conforto e alento ou revelada por alguma divindade ou inteligência superior, é fato que religiões existem e evidentemente esta realidade não deve ser ignorada pelos seres que buscam algum tipo de conhecimento ou cultura.
Aderir a religiões, como forma de nelas encontrar um sentido e explicação para a vida (que, entretanto, efetivamente pode não ter explicação ou sentido algum) é a mais humana das características. A adoção de alguma fé religiosa representa a mais simples e confortável postura que o ser humano pode adotar como explicação, alento, valor e significado para a própria vida, a história e a existência de todos os seres racionais e irracionais.
O colunista daquele grande jornal, em seus textos, tem o inegável mérito de trazer conceitos de filosofia para as massas. Certamente é a busca de conhecimento profundo que move a pessoa culta e, inegavelmente culto, o filósofo acerta integralmente quando afirma que aderir a religiões é característica das pessoas comuns, pessoas normais dotadas de certa pobreza de espírito e ainda distantes da máxima sabedoria e virtude ao alcance do ser racional (o Filósofo, amante da sabedoria).
Muitos seres humanos, sentindo-se pouco mais do que arbustos pensantes, aderem a alguma fé religiosa, sempre irracional e absurda em alguns pontos, mas igualmente libertadora e eficaz em oferecer respostas para quem pretende simplesmente viver uma vida feliz e rica de significado.
Conceitos como Graça, Destino, Pecado, Plano Divino, Ressureição, Milagres e tantos outros existentes nos credos religiosos, evidentemente são irracionais, mas a adoção de uma fé religiosa, quando o ser racional verdadeira e sinceramente acredita naquilo que não pode ver ou compreender, representa comportamento humano com inegável potencial para oferecer um sentido para a vida.
Não se pode ignorar a importância das religiões para o ser humano assim como não se pode ignorar o valor da física ou da matemática para compreender e prever os acontecimentos naturais.
O desprezo a qualquer forma de religiosidade, a defesa incondicional do ateísmo e da supremacia da racionalidade humana, como fruto de um processo evolutivo e natural, não parecem mesmo representar a mais sábia das atitudes.
Representaria tal escolha uma postura que exigiria um esforço sobre-humano de negação de sua busca por sentido para a sua própria vida e de seus semelhantes, além de difícil de fazer e sustentar, a pura e simples negação da religiosidade humana não combina com a busca metódica do conhecimento e do saber.
Acerta ainda o filósofo, quando no desfecho de seu artigo, afirma que desdenhar das religiões é atestado de fraqueza intelectual.
Se, a adesão incondicional a uma das religiões existentes representa escolha íntima e pessoal, por outro lado a compreensão da importância e significado delas (de todas e da qualquer uma delas) revela apenas o reconhecimento da natureza humana em sua busca de sentido para a vida. Por este motivo afirmou-se acima que a mudança sutil do texto do filósofo, publicada na primeira página da Folha, modificou o significado mais profundo da ideia contida em sua afirmação.
(*) o texto de Luiz Felipe Pondé denominado A revolução cultural cristã, publicado na edição impressa do jornal também pode ser acessado pelo endereço https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2019/12/a-revolucao-cultural-crista.shtml