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O princípio da proibição do retrocesso social (efeito “cliquet”) frente à Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017

Agenda 18/12/2019 às 20:42

Partiu-se da contextualização e conceituação do direito do trabalho, para a aplicação, importância e significado do princípio da proibição do retrocesso social, bem como os efeitos da reforma trabalhista.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 considera o Direito do Trabalho como um direito social e fundamental, inserindo-o em seu núcleo essencial, o qual exalta de forma clara, o valor do trabalho humano. Verifica-se já em sua porta de entrada, ao se expressar no sentido de que assegurar os direitos individuais e sociais, igualdade e justiça constitui objetivo de nosso Estado.

O Direito do Trabalho é listado como direito social no art. 6º do Texto Magno, e é exaltado ao ponto de compor a integralidade do art. 7º, são esmiuçados de forma analítica todos os direitos fundamentais trabalhistas assegurados indistintamente aos trabalhadores urbanos e rurais.

Portanto, trata-se de evidenciar que os direitos trabalhistas apresentam-se como um fundamental instrumento de concretização da dignidade da pessoa humana, e que se trata, portanto, de um direito fundamental, deve a ele ser aplicado o princípio do não retrocesso social. A eficácia vedativa desse princípio está ao impedir que o legislador revogue direitos sociais já adquiridos sem apresentar alternativa equivalente ou compensatória, apresentando a seguinte problemática: de que forma a lei 13.467 de 13 de julho de 2017 afronta o princípio do não retrocesso social?

O objetivo geral deste trabalho será analisar sobre a aplicabilidade do princípio da proibição do retrocesso social frente à lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Tendo como objetivos específicos: conceituar o direito do trabalho e suas características, e sua inserção como direitos sociais; analisar a aplicação do princípio da proibição do retrocesso social “efeito cliquet” no direito do trabalho; apresentar e analisar a reforma trabalhista e possíveis limitações perante as flexibilizações dos direitos e garantias.

E como hipótese, o presente trabalho trata-se de demonstrar sobre a aplicabilidade do princípio da proibição do retrocesso social no ordenamento pátrio, considerando sua relação direta com a concretização dos direitos sociais, garantindo a manutenção dos direitos trabalhistas conquistados.

Esta pesquisa possui como justificativa social as dificuldades dos trabalhadores em ter seus direitos tutelados, e justifica-se juridicamente pela dificuldade em ter o acesso à justiça, dificuldades essas trazidas pela lei da reforma trabalhista, a qual aponta obstáculos ao acesso à tutela jurisdicional, uma vez que os trabalhadores são a parte hipossuficiente da relação e, pelo o ferimento do princípio ao amplo acesso ao poder judiciário, assim como pela a própria dificuldade imposta à justiça do trabalho em tutelar tais direitos fundamentais sociais, a justificativa acadêmica fundamenta-se na suma importância do reconhecimento desses impasses e a busca de sua resolução, através do princípio da proibição do retrocesso social, para alcançar a devida proteção aos direitos dos trabalhadores.

O primeiro capítulo buscou contextualizar o direito do trabalho na história como um fenômeno social, bem como sua conceituação como ramo jurídico especializado, assim como seu surgimento no Brasil a partir da Revolução de 1930, demonstrando também os princípios peculiares do direito do trabalho e seu reconhecimento como direito fundamental.

O segundo capítulo apresentou o princípio da proibição do retrocesso social, também conhecido como “efeito cliquet”, como forma de garantia aos direitos sociais constitucionais e sua consequente aplicação aos direitos trabalhistas, revelando seu significado e a forma como ocorre sua violação, e como que, no direito comparado, tal princípio é aplicado em países como Alemanha e Portugal.

Por fim, o terceiro capítulo veio expor a reforma trabalhista e as possíveis limitações ocorridas perante as flexibilizações dos direitos e garantias dos trabalhadores, apresentando os principais pontos modificados e flexibilizados. Ao buscar demonstrar o recepcionamento jurisprudencial da reforma trabalhista perante o enfoque do princípio do não retrocesso social, verificou-se o engessamento das súmulas e orientações jurisprudenciais da justiça do trabalho trazido pela reforma.

Para este trabalho será utilizado o método dedutivo, utilizando-se da pesquisa bibliográfica e doutrinária a respeito da importância do direito dos trabalhadores como direito social e fundamental, e aplicação da vedação do não retrocesso social frente às mudanças e possíveis limitações desses direitos, bem como artigos científicos e a legislação, trazendo como marco teórico os juristas Ingo Wolfgang Sarlet e Maurício Godinho Delgado. Trata-se de um raciocínio puramente formal, no qual a conclusão não fornece um conhecimento novo, ao contrário da indução, isto porque a dedução já está implícita nos princípios. O presente trabalho foi formatado dentro das normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO

Ao contextualizar o Direito do Trabalho, é importante apresentar, primeiramente, a origem do termo “trabalho”, que segundo Lázaro Matter dos Santos (2012, p.12, apud SANTOS, 2009, p.4), “trabalho vem do latim tripalium, que era uma espécie de instrumento de tortura de três paus ou uma canga que pesava sobre os animais”.

O termo acima exposto, caracteriza a origem do termo trabalho, remetendo-o a algo árduo e até torturante, interessante essa análise, pois, ao longo da história, o trabalho muitas vezes era tido como algo inferior e desonroso de ser praticado.

Ao longo dos tempos verificou-se que as relações trabalhistas passaram por processos e mudanças, as quais foram se modificando com o passar dos tempos, como diz Francisco Kennedy da Silva de Oliveira, ao dizer que:

Data de muitos anos a origem do trabalho na sociedade. Desde os primórdios da História, o homem realizava inúmeras tarefas com o intuito de garantir a sua sobrevivência. As primeiras manifestações de labor humano revelam, portanto, a indissociabilidade entre o esforço despendido naquelas atividades e as necessidades visíveis as quais o homem estava submetido. (OLIVEIRA, 2018, p.2).

O labor é algo necessário desde os primórdios da civilização, uma vez que advém da própria necessidade humana de se manter, se alimentar e sobreviver. Atualmente, o trabalho pode ser compreendido como um fenômeno social, como explica Francisco Kennedy da Silva de Oliveira, ao expressar:

O trabalho é um fenômeno social encontrado em todas as civilizações do mundo. A análise de sua evolução histórica é o que permite abstrair sua moderna concepção, fruto de uma construção pautada nos movimentos operários e no intervencionismo estatal. (OLIVEIRA, 2018, p.2).

Acontece que a história da humanidade é manchada por muitos abusos, marcada pela exploração do trabalho humano, sem levar em conta a dignidade da pessoa humana, a qual por muitas eras foi ignorada. Houve a época em que o trabalho era tido com a atribuição dos escravos, sem direitos ou retornos financeiros, eram subordinados aos nobres, como elucida Marli Fernandes Gorjon Martins (2006, p.4), “as relações trabalhistas foram se modificando com passar dos tempos. Primeiramente o trabalho era tido como atribuição dos escravos e dos servos, sendo que os nobres não se dedicavam ao trabalho”.

Contudo, as eras encarregaram-se de suceder profusas mudanças, é o que aconteceu com o Direito do Trabalho, em que para se ter uma melhor compreensão, é indispensável lançar o olhar para sua conceituação e história.

1.1 Breve análise conceitual e histórica do direito do trabalho

No decorrer da história do direito do trabalho houve diversas mudanças e evoluções, assim como nas definições do termo, sobre essa definição, Maurício Godinho Delgado, ensina que:

Definir um fenômeno consiste na atividade intelectual de apreender e desvelar seus elementos componentes e o nexo lógico que os mantém integrados. Definição é, pois, a declaração da estrutura essencial de determinado fenômeno, com seus integrantes e o vínculo que os preserva unidos. Na busca da essência e elementos componentes do Direito do Trabalho, os juristas tendem a adotar posturas distintas. Ora enfatizam os sujeitos componentes das relações jurídicas reguladas por esse ramo jurídico especializado — trata-se das definições subjetivistas, com enfoque nos sujeitos das relações justrabalhistas. Por vezes enfatizam o conteúdo objetivo das relações jurídicas reguladas por esse mesmo ramo do Direito: são as definições objetivistas, que afirmam enfoque na matéria de conteúdo das relações justrabalhistas. Há, finalmente, a elaboração de concepções mistas, que procuram combinar, na mesma definição, os dois enfoques acima especificados. (DELGADO, 2017, p.45). 

Como explicado acima, definir um fenômeno se torna complexo, ao entender que é necessário desvelar seus componentes para compreendê-lo, por isso juristas tendem a adotar diferentes posturas.  Como expressa Maurício Godinho Delgado, ao declarar:

O Direito do Trabalho é ramo jurídico especializado, que regula certo tipo de relação laborativa na sociedade contemporânea. Seu estudo deve se iniciar pela apresentação de suas características essenciais, permitindo ao analista uma imediata visualização de seus contornos próprios mais destacados. (DELGADO, 2017, p.45).

Portanto, ao buscar esse entendimento, é interessante visar uma conceituação que explica a definição de direito do trabalho nas relações justrabalhistas de forma mais concisa, como faz Carla Teresa Martins Romar, ao explicar:                                                                                                                  

Ramo da Ciência do Direito composto pelo conjunto de normas que regulam, no âmbito individual e coletivo, a relação de trabalho subordinado, que determinam seus sujeitos (empregado e empregador) e que estruturam as organizações destinadas à proteção do trabalhador. (ROMAR, 2011, p.36).

Assim sendo, analisa-se que o direito do trabalho não abrange todos os tipos de trabalhos, mas apenas os que possuem caráter subordinado, seus sujeitos são o empregado e o empregador, que também podem se relacionar por categorias que os representam, sua função primordial é a proteção do trabalhador, encontrando aí seu fundamento, qual seja proteger a parte mais frágil da relação, a parte hipossuficiente e economicamente mais fraca, buscando o equilíbrio e a justiça.

Como origem do direito do trabalho, assim como do direito processual do trabalho, pode-se citar o advento da Revolução Industrial, como explica Marli Gorjon Martins (2006), houve o enorme crescimento de utilização de máquinas, o que resultou em dispensas de trabalhadores, uma vez que não eram mais necessários ao serem substituídos pelo maquinário, o que também acarretou diminuição dos salários, uma vez que houve um aumento da mão-de-obra acessível.

Em contrapartida, os empresários se viam mais capazes e com mais poder diante do aprimoramento da produção fabril e das máquinas a vapor, incluindo as facilidades que essas novas tecnologias trouxeram para o meio de transporte, facilitando, assim, a conquista de novos mercados.  Como elucida Jairo Santos, em que diz:

Com a revolução industrial, as máquinas tomara o lugar de vários trabalhadores, e sendo assim os salários dos trabalhadores tornaram-se baixos, pois a oferta de mão de obra é maior que a de trabalho. Como não poderia de deixar de acontecer os trabalhadores passaram por uns empobrecimentos generalizados e as concentrações de riquezas se concentravam nas mãos de poucos empresários. (SANTOS, 2008, p.17).

                                        

As consequências para a classe operária de toda essa automatização foram infelizes, pois sucedeu-se o declínio de seus salários e empregos, e em consequência, o empobrecimento generalizado da classe, enquanto a riqueza concentravam-se apenas com poucos empresários.

Diante dos acontecimentos, os trabalhadores constataram que deveriam reclamar seus interesses, o que resultou no surgimento dos conflitos trabalhistas através das greves. Como ensina Eloá de Fátima Gava (2011), mesmo com o ressoar do impacto da Revolução Francesa no que concernia a conquista da liberdade contratual, afirmando a igualdade de todos perante a lei, o Estado nada fez, manteve-se em inércia enquanto o trabalhador era explorado.

Contudo, com o problema das greves, o Estado arrecadando menos impostos, entendeu que deveria começar a intervir, surgindo as primeiras medidas para poder disciplinar as relações trabalhistas, como revela Marli Gorjon Martins:

Iniciou-se assim a Conciliação, o que seria num futuro próximo, a justiça do trabalho. Entretanto, esta tentativa não frutificou devido aos ânimos permanecerem acirrados. O processo de Conciliação foi logo substituído pela mediação, onde o Estado designava um representante que tentaria chegar a uma proposta viável para empregados e empregadores. Sendo assim, alguns países não conseguiram ultrapassar o ponto inicial do surgimento da justiça do trabalho, mas outros evoluíram e regularam os conflitos trabalhistas, viabilizando assim, inicialmente, a existência do processo do trabalho, cuja finalidade era promover a conciliação e arbitragem.  (MARTINS, 2006, p.6).

Assim, o Estado começou a mediar as relações entre operários e patrões, ao designar um representante, o qual apresentava uma proposta viável para ambos, portanto, o Estado resolveu eleger um arbítrio para solucionar os conflitos e controvérsias das partes. Houve países que não ultrapassaram esse ponto inicial do surgimento da justiça do trabalho, mas outros evoluíram, o que tornou viável o surgimento da justiça do trabalho em seu aspecto processual.

1.2 O direito do trabalho no Brasil

Verifica-se que, no Brasil, não podemos falar de direito do trabalho enquanto uma de suas premissas essenciais não era respeitada, qual seja o trabalho livre, pois o Brasil usava da mão-de-obra oriunda da escravatura, portanto, só se pode dizer que houve a formação de um possível começo da consolidação de tal direito após a extinção do trabalho escravo, que começa a contar de 1888, após a Lei Áurea, como relata Maurício Godinho Delgado:

Em país de formação colonial, de economia essencialmente agrícola, com um sistema econômico construído em torno da relação escravista de trabalho — como o Brasil até fins do século XIX —, não cabe se pesquisar a existência desse novo ramo jurídico enquanto não consolidadas as premissas mínimas para a afirmação socioeconômica da categoria básica do ramo justrabalhista, a relação de emprego. Se a existência do trabalho livre (juridicamente livre) é pressuposto histórico-material para o surgimento do trabalho subordinado (e, consequentemente, da relação empregatícia), não há que se falar em ramo jurídico normatizador da relação de emprego sem que o próprio pressuposto dessa relação seja estruturalmente permitido na sociedade enfocada. Desse modo, apenas a contar da extinção da escravatura (1888) é que se pode iniciar uma pesquisa consistente sobre a formação e consolidação histórica do Direito do Trabalho no Brasil. (DELGADO, 2017, p.115).

Mesmo sem caráter justrabalhista, não se pode olvidar que a Lei Áurea foi um marco inicial para que, ao menos, reunisse pressupostos estruturais das premissas necessárias ao que no futuro seria a relação de emprego, não que não existisse nada concernente a uma relação de emprego antes da lei, mas não havia um campo fértil para poder nascer essas compreensões justrabalhistas, muito menos a sensibilidade do Estado em ouvir os “trabalhadores” para que se pudesse surgir normas que regularizaria essas relações.

Por conseguinte, essa receptividade do Estado em lançar olhar a essas questões apenas surgiram em fins do século XIX, com o fim da escravatura.

Após esses acontecimentos, começa a entrar a fase do que pode-se chamar a fase de manifestações esparsas, em que o Estado começa a intentar sobre questões sociais, surgindo assim algumas legislações abordando tais questões, surgindo também os primeiros órgãos para solucionar conflitos trabalhistas, como explica Sérgio Pinto Martins, ao relatar:

Os primeiros órgãos que surgiram no Brasil para a solução de conflitos trabalhistas foram os Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem em 1907, previstos pela Lei nº 1.637 de 5-11-1907, mas que sequer foram implantados. Tinham composição mista e paritária. Destinavam-se, contudo, a solucionar todas as divergências entre o capital e o trabalho. Em 1922 são criados os Tribunais Rurais em São Paulo pela Lei estadual nº 1.869, de 10 de outubro, compostos pelo juiz de direito da comarca e de dois outros membros. Um deles era designado pelo locador de serviço (trabalhador) e o outro pelo locatário (fazendeiro). As controvérsias resolvidas eram pincipalmente de salários, mas também decorrentes da interpretação e execução de contratos de serviços agrícolas, até o valor de “quinhentos mil réis". Nosso sistema foi criado copiando-se literalmente, em muitos aspectos, o sistema italiano da Carta del Lavoro, de 1927 de Mussolini, adotando-se o regime corporativista. A outra causa foi o advento das convenções coletivas de trabalho. Havia dois órgãos incumbidos de dirimir os conflitos: as Juntas de Conciliação e Julgamento e as Comissões Mistas de Conciliação. As antigas Juntas de Conciliação e Julgamento foram criadas pelo Decreto nº 22.132, de 25-11-1932, tendo competência para resolver os dissídios individuais. (MARTINS, 2011, p.12).

Foram muitas as leis expedidas e revogadas na década de 30, que se tornou difícil seu estudo e aplicação, portanto, não eram suficientes para estabelecer um sistema que protegessem os trabalhadores, desta forma, pode-se dizer que o direito do trabalho no Brasil começou a partir da Revolução de 30, de Getúlio Vargas, como expõe Carla Teresa Martins Romar, ao explicar:  

Pode-se afirmar que o Direito do Trabalho no Brasil inicia-se a partir da Revolução de 1930, quando o Governo Provisório chefiado por Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e deu início à elaboração de uma legislação trabalhista ampla e geral. Antes disso, as poucas leis existentes com dispositivos e conteúdo de caráter trabalhista não podem ser consideradas para efeito do estabelecimento de uma normatização capaz de ser caracterizada como um sistema de proteção dos trabalhadores. Somente a partir de 1930, com a mudança da maneira de encarar a questão social, a legislação trabalhista começou a ganhar corpo, e inúmeras leis foram elaboradas, entre as quais destacamos o Decreto n. 19.671-A, de 4 de fevereiro de 1931, que dispunha sobre a organização do Departamento Nacional do Trabalho, o Decreto n. 19.770, de 19 de março de 1931, que regulava a sindicalização, e os Decretos n. 21.186, de 22 de março de 1932, e n. 21.364, de 4 de maio de 1932, que regulavam, respectivamente, o horário de trabalho dos empregados no comércio e na indústria. No âmbito do direito coletivo do trabalho, destacaram-se o Decreto n. 24.594, de 12 de julho de 1934, que estabelecia a reforma da Lei Sindical, e o Decreto-lei n. 1.402, de 5 de julho de 1939, que regulava a associação profissional ou sindical. (ROMAR, 2018, p.47).

Todos esses decretos e leis que surgiram, mesmo que esparsos, tiveram sua importância, para então estruturarem o modelo justrabalhista, chegando a um único diploma normativo, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto‑lei n. 5.452, de 1.5.1943), como expressa Delgado (2017, p.121), “embora o nome reverenciasse a obra legislativa anterior (consolidação), a Consolidação das Leis do Trabalho, na verdade, também alterou e ampliou a legislação trabalhista existente, assumindo, desse modo, a natureza própria a um código do trabalho”.

Carla Teresa Martins Romar explica como se deu a criação da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, ao explanar:

Assim, em janeiro de 1942, o então Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Alexandre Marcondes Filho, autorizado por Getúlio Vargas, nomeou uma comissão constituída de dez membros que, sob sua presidência, ficou encarregada da elaboração do que foi designado de anteprojeto de Consolidação das Leis do Trabalho e Previdência Social. Em 1º de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho foi aprovada pelo Decreto-lei n. 5.452, que, no entanto, somente foi publicado no Diário Oficial em 9 de agosto daquele ano, entrando em vigor três meses depois, em 10 de novembro de 1943. Desde sua entrada em vigor, a CLT sofreu inúmeras alterações, inclusive com a revogação de diversos dispositivos a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, mas a sua base original continuou a mesma. A despeito das críticas que sempre foram feitas à CLT, principalmente aquelas que se referiam ao seu caráter intervencionista, não há como negar sua importância única para o desenvolvimento do Direito do Trabalho no Brasil. (ROMAR, 2018, p.47).

Mesmo sendo criticada pelo o seu caráter intervencionista, não há dúvidas que a Consolidação das Leis do Trabalho trouxe um importante marco para o desenvolvimento do Direito do Trabalho no Brasil, apesar das críticas também do ponto de vista técnico, em que, como diz Gava (2006, p.13), “como as afirmações da terceira corrente de que não se tratava de consolidação, pois inovava, alterando a legislação vigente; mas também não era código, pois para isso lhe faltava estrutura lógica, sistema e coerência, com repetição, contradições”.

Ocorre que optaram por uma Consolidação, não apenas um código ou lei, mas sim, coordenar os textos legislativos e princípios. No entanto, o direito do trabalho no Brasil acabou por passar por profusas mudanças, com a lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, mais conhecida como a reforma trabalhista, trazendo ampla e significativa alteração na Consolidação das Leis do Trabalho. Como relata Sandro Sacchet de Carvalho, a dizer:

O Brasil, por meio da Lei n° 13.467, de 13 de julho de 2017, acaba de passar pelas mais profundas alterações no ordenamento jurídico que regula as relações trabalhistas desde a instituição da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943. A lei, amplamente reconhecida como reforma trabalhista, altera, cria ou revoga mais de cem artigos e parágrafos da CLT e mudará de forma substancial o funcionamento do mercado de trabalho brasileiro quando entrar em vigor em novembro de 2017. (CARVALHO, 2017, p.1).

Segundo o autor, a reforma trabalhista acabará por trazer ampla mudança no que concerne ao funcionamento do mercado de trabalho brasileiro, pois criou, revogou, e alterou mais de cem artigos da referida Consolidação.

Essa mudança é explicada por Carla Teresa Martins Romar, que esclarece:

Dos 922 (novecentos e vinte e dois) artigos da CLT, foram alterados 54 (cinquenta e quatro), inseridos 43 (quarenta e três) novos artigos e 9 (nove) foram revogados, totalizando 106 (cento e seis) modificações. Muitas dessas alterações, em especial as que consubstanciam a previsão de prevalência do negociado sobre o legislado, terão reflexos significativos na própria estrutura do Direito do Trabalho e inauguram um novo momento das relações de trabalho no Brasil. (ROMAR, 2018, p.47).

Desse modo, essas modificações reverberam na estrutura do direito do trabalho em si, ocasionando um momento novo nas relações de trabalho, assim diz Sandro Sacchet de Carvalho (2017, p.1), “mudanças de tamanha magnitude dificultam a tarefa de se antever seus impactos. Muitas vezes diferentes dispositivos podem atuar em direções opostas, impedindo que se preveja o resultado final do conjunto”.

1.3 Princípios específicos do direito do trabalho

O dicionário jurídico brasileiro, ao conceituar os princípios gerais do direito, esclarece: “doutrina universal e genérica de direito decorrente da própria essência da legislação positiva, estabelecendo, assim, as opiniões lógicas necessárias das normas legislativas” (SANTOS, 2001, p.192).

Para Robert Alexy princípios são mandados de otimização, podendo ser cumprido em diferentes graus dependendo das possibilidades reais de seu cumprimento como também das jurídicas, assim esclarece Letícia Balsamão Amorim, ao expor:

[...] princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Por isso, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais como também das jurídicas. O âmbito do juridicamente possível é determinado pelos princípios e regras opostas. (AMORIM, 2005, p.126).

No que tange a esfera Constitucional, há os princípios instrumentais de interpretação da Constituição, como esclarece Luís Roberto Barroso, ao ensinar:

[...] desenvolveram-se ou sistematizaram-se categorias doutrinárias próprias, identificadas como princípios específicos ou princípios instrumentais de interpretação constitucional. Impõe-se, nesse passo, uma qualificação prévia. O emprego do termo princípio, nesse contexto, prende-se à proeminência e à precedência desses mandamentos dirigidos ao intérprete, e não propriamente ao seu conteúdo, à sua estrutura ou à sua aplicação mediante ponderação. Os princípios instrumentais de interpretação constitucional constituem premissas conceituais, metodológicas ou finalísticas que devem anteceder, no processo intelectual do intérprete, a solução concreta da questão posta. Nenhum deles encontra-se expresso no texto da Constituição, mas são reconhecidos pacificamente pela doutrina e pela jurisprudência. (BARROSO, 2010, p.306).

                                 

A palavra princípio traz em sua concepção a ideia de começo, assim como a ideia de “causa primeira”, que forma a base de algo, e ainda, como expressa Maurício Godinho Delgado (2017, p.202), “carrega consigo a força do significado de proposição fundamental. E é nessa acepção que ela foi incorporada por distintas formas de produção cultural dos seres humanos, inclusive o Direito”.

Assim, traz o sentido de proposição fundamental que forma na mente das pessoas a partir de certa realidade, e que com isso dá origem a recriação, reprodução, que advém dessa compreensão formada, como explica Delgado (2017).

Sobre os princípios gerais do direito, Alice Monteiro de Barros (2011, p.132), relata que “o jurista, ao interpretar a lei, deverá utilizar-se da teoria geral do direito e dela extrair, no processo de integração, os princípios gerais do direito, os princípios constitucionais e os princípios peculiares do Direito do Trabalho”.

No que condiz com as aplicações dos princípios ao direito do trabalho, Maurício Godinho Delgado, explica:

Qualquer dos princípios gerais que se aplique ao Direito do Trabalho sofrerá, evidentemente, uma adequada compatibilização com os princípios e regras próprias a este ramo jurídico especializado, de modo que a inserção da diretriz geral não se choque com a especificidade inerente ao ramo justrabalhista. Esse processo de adequação será, obviamente, mais extenso naqueles específicos pontos objetivados pelo princípio geral em que, topicamente, se realçar a identidade singular do Direito do Trabalho perante o conjunto do sistema jurídico em geral. (DELGADO, 2017, p.208).

Acontece que os princípios que se aplicarão ao direito do trabalho, principalmente aqueles de caráter mais generalizado, sofrerão a adequação necessária para a sua aplicação nesse ramo, exatamente por seu caráter específico, visando cumprir os objetivos inerentes do ramo justrabalhista.

2.3.1 Princípio da proteção

O princípio da proteção tem como objetivo equilibrar a relação jurídica entre empregado e empregador, entendendo o empregado como a parte hipossuficiente da relação, o princípio da proteção vem para corrigir essa desigualdade, através de uma superioridade jurídica a favor do empregado, como é ensinado por Alice Monteiro de Barros, ao explicar:

O princípio da proteção é consubstanciado na norma e na condição mais favorável, cujo fundamento se subsume à essência do Direito do Trabalho. Seu propósito consiste em tentar corrigir desigualdades, criando uma superioridade jurídica em favor do empregado, diante da sua condição de hipossuficiente. (BARROS, 2011, p.142).

                                                   

Compreende-se que esse princípio consubstancia-se na própria essência do direito do trabalho, pois esse ramo do direito possui em si o propósito de equilibrar essa relação, no que consiste na norma e na condição mais favorável, a favor da parte mais frágil da relação, o trabalhador.

Entende-se que o princípio da proteção pode se concretizar nestas três ideias, se desdobrando em três outros princípios, quais sejam: in dubio pro operario, princípio da norma mais favorável, princípio da condição mais benéfica.

1.3.1.1 Princípio in dubio pro operario

Traz a ideia que, se determinada regra traz a possibilidade de duas ou mais interpretações, interpretar-se-á de forma que seja mais favorável para o trabalhador. Carla Teresa Martins Romar traz a explicação dessa regra na interpretação da norma jurídica, ao dizer:

A regra in dubio pro operario é regra de interpretação de normas jurídicas, segundo a qual, diante de vários sentidos possíveis de uma determinada norma, o juiz ou o intérprete deve optar por aquele que seja mais favorável ao trabalhador. (ROMAR, 2017, p.66).

                   

Apesar dessa regra ser muito criticada pela doutrina, por ser considerada uma dimensão já superada, Romar (2017, p.66), explica, “o fato é que a ideia geral de interpretação mais favorável ao trabalhador, no contexto geral, sempre embasou o conceito de proteção fixado como princípio do Direito do Trabalho”.

1.3.1.2 Princípio da norma mais favorável

Esse princípio traz o entendimento de que, havendo mais de uma norma que possa ser aplicada no caso concreto, o juiz deve aplicar aquela que seja mais favorável para o trabalhador, mesmo que para isso deva não seguir a hierarquia das normas, pois, mesmo que a norma mais favorável seja hierarquicamente inferior, deve ela, mesmo assim, ser aplicada no lugar da mais superior.

Alice Monteiro de Barros (2011, p.142) ensina seu significado, explicando que o “fundamento do princípio da norma mais favorável é a existência de duas ou mais normas, cuja preferência na aplicação é objeto de polêmica. Esse princípio autoriza a aplicação da norma mais favorável, independentemente de sua hierarquia”.

1.3.1.3 Princípio da condição mais benéfica

Esse princípio conduz a compreensão de que uma norma nova não deve trazer uma condição mais desfavorável ou menos vantajosa do que aquela em que o trabalhador já havia estabelecido. É o que diz Teresa Martins Romar, a relatar:

Segundo a regra da condição mais benéfica, a aplicação de uma nova norma trabalhista nunca pode significar diminuição de condições mais favoráveis em que se encontra o trabalhador. As condições mais favoráveis devem ser verificadas em relação às situações concretas anteriormente reconhecidas ao trabalhador, e que não podem ser modificadas para uma situação pior ou menos vantajosa. Situações pessoais mais vantajosas incorporam-se ao patrimônio do empregado, por força do próprio contrato de trabalho, e não podem ser retiradas, sob pena de violação ao art. 468 da CLT. (ROMAR, 2017, p.68).

Portanto, uma nova norma trabalhista não pode acarretar a diminuição da condição mais favorável em que se encontra o trabalhador.

2.3.2 Princípio da primazia da realidade

Desprezando a ficção jurídica, esse princípio diz que deve se levar em conta a realidade, o que de fato ocorreu, pouco importando os nomes os quais nomearam certos atos na relação justrabalhista, o que se preza é o que aconteceu de fato, a realidade, como diz Alice Monteiro de Barros, ao elucidar:

É sabido que muitas vezes a prestação de trabalho subordinado está encoberta por meio de contratos de Direito Civil ou Comercial. Compete ao intérprete, quando chamado a se pronunciar sobre o caso concreto, retirar essa roupagem e atribuir-lhe o enquadramento adequado, nos moldes traçados pelos art. 2 e 3 da CLT. Esse princípio manifesta-se em todas as fases da relação de emprego. (BARROS, 2011, p.146).

Dessa maneira, independentemente da roupagem em que as partes tentam encobertar o que de fato ocorreu, deve o intérprete alcançar os fatos reais para atribuir o correto enquadramento do caso concreto, notabilizando-se a verdade.

2.3.3. Princípio da irrenunciabilidade

Esse princípio, também conhecido como princípio da indisponibilidade, tem sua logicidade baseada na imperatividade das normas trabalhista, ou seja, da indisponibilidade de direitos. Como diz Maurício Godinho Delgado, ao dilucidar:

                

Ele traduz a inviabilidade técnico-jurídica de poder o empregado despojar-se, por sua simples manifestação de vontade, das vantagens e proteções que lhe asseguram a ordem jurídica e o contrato. A indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui‑se talvez no veículo principal utilizado pelo Direito do Trabalho para tentar igualizar, no plano jurídico, a assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação socioeconômica de emprego. O aparente contingenciamento da liberdade obreira que resultaria da observância desse princípio desponta, na verdade, como o instrumento hábil a assegurar efetiva liberdade no contexto da relação empregatícia: é que aquele contingenciamento atenua ao sujeito individual obreiro a inevitável restrição de vontade que naturalmente tem perante o sujeito coletivo empresarial. (DELGADO, 2017, p.217).

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Destarte, significa dizer que, o trabalhador não pode por sua própria manifestação de vontade renunciar aos seus direitos garantidos pelo o contrato e ordem jurídica, apesar de aparentar que a observância desse princípio causa contingenciamento na liberdade do trabalhador, na verdade, é um instrumento que assegura a sua liberdade, garantindo que o obreiro nunca se sinta impelido a renunciar seus direitos pela pressão e temor de não conseguir ou perder o emprego.

2.3.4. Princípio da continuidade

Como explica Alice Monteiro de Barros (2011), o princípio da continuidade visa a preservação do empregado, dando maior segurança econômica ao empregado, ensejando que ele seja incorporado na empresa, portanto, visa a continuação do vínculo empregatício e maior segurança ao trabalhador.

Assim, deve-se respeitar o trato sucessivo do contrato de trabalho, o qual deve buscar perdurar no tempo. Esse princípio sofreu certas flexibilizações com a incidência dos contratos de trabalho determinado, mas ainda assim, esse princípio continua a inspirar o ordenamento jurídico, como relata Alice Monteiro de Barros, que diz:

Esse princípio sofreu os efeitos da flexibilização, com a ampliação das formas de contratação por prazo determinado, mas ainda persiste inspirando o nosso ordenamento jurídico. O princípio da continuidade ainda favorece o empregado na distribuição do ônus da prova. Isso porque se o empregador limita-se a negar a prestação de serviços e o despendimento, evidenciada a relação de emprego compete-lhe o ônus de provar as razões ensejadoras do término do contrato do trabalho, já que o princípio da continuidade do vínculo constitui presunção favorável ao empregado (Súmula n. 212 do TST). (BARROS, 2011, p.147).

Como bem relata a citação exposta, esse princípio tem enorme importância no que condiz em proteger o trabalhador, inclusive quanto ao momento da distribuição do ônus da prova, em que fica a encargo do empregador provar os motivos que ensejaram o rompimento da relação empregatícia.

1.4 O direito do trabalho como direito fundamental

Umas das premissas que buscam opor a inclinação de se flexibilizar o direito do trabalho, na época recente, é a de reconhecê-lo como direito fundamental, como explana Amauri Mascaro Nascimento e Sônia Mascaro Nascimento, ao argumentar:

                                                                                                                       

Uma das concepções de direito do trabalho que procura reagir contra a tendência flexibilizadora da época recente é a do direito do trabalho como um direito de primeiro grau compreendido como um conjunto de direitos fundamentais ou uma parte dos direitos humanos, expressões que não têm o mesmo significado. (NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2014, p.212).

Verifica-se que a Constituição Federal de 1988 fixou profusos direitos sociais dos trabalhadores, analisa-se o entendimento de que a Constituição elevou os direitos dos trabalhadores para o status de garantia fundamental, como expressa Geraldo Magela Melo, ao elucidar:

Denota-se que a CR/88 fixa uma gama de direitos sociais dos trabalhadores e, ainda, claramente firma posição ao mencionar “além de outros” de que outras normas que porventura advierem devem trazer ao obreiro uma condição social melhor do que a anteriormente alcançada no mundo fenomênico. Fortalece o entendimento de que Constituição da República elevou os direitos laborais ao status de garantia fundamental o fato de esses estarem presentes no Capítulo II - Dos Direitos Sociais, do Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu art. 6º, bem como no Capítulo I - dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, do Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira, em seu art. 170, o qual estabelece que a ordem econômica estará fundada na valorização do trabalho humano. (MELO, 2010, p.66).

Desse modo, uma vez que tais direitos se encontram na Constituição da República de 1988 e são direitos e garantias fundamentais, os quais possuem caráter progressivo, cabe a eles a garantia de que não deve haver flexibilizações que resultem em retrocesso.

3 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL

Na Constituição Federal o direito do trabalho é tratado como direito social e compõe a integralidade do art. 7º, esmiuçando analiticamente todos os direitos fundamentais trabalhistas, e ainda, é notório que essa valorização dos direitos trabalhistas verifica-se também já na porta de entrada do Texto Magno, pois no seu preâmbulo encontra-se referência expressa que constitui o objetivo do Estado garantir os direitos sociais e individuais, da igualdade e da justiça. Nesta concepção, Geraldo Magela Melo, esclarece que.

Os direitos constitucionais fundamentais são o alicerce do Estado Contemporâneo, na medida em que asseguram e evitam abusos dos dirigentes em face dos cidadãos, por isso todo direito fundamental implementado na realidade prática não pode sofrer abalo no que concerne à sua efetividade, por nenhuma medida estatal, haja vista o caráter progressivo desses direitos e, principalmente, em razão de sua essência de fundamentalidade, o que traz, por consequência, a vedação ao retrocesso na fruição dos direitos. Sendo os direitos dos trabalhadores um direito fundamental social, merecem proteção jurídica eficiente contra atos estatais que visem a suprimi-los ou alterá-los, sem que ocorram medidas compensatórias similares. (MELO, 2011, p.1).

O princípio da proibição do retrocesso social, conhecido como “efeito cliquet” vem dizer que não se pode reprimir ou revogar um direito social constitucionalmente já adquirido sem apresentar outra alternativa ou outro direito que compense a perda desse primeiro. Segundo Eliane Romeiro Costa e Osvaldo Ferreira de Carvalho (2010. p.2) “não se poderá admitir que o legislador venha reduzir ou suprimir o grau de desenvolvimento infraconstitucional de um direito fundamental social. Do contrário, o projeto de modernidade da Constituição brasileira será ignorado”.

Ocorre que a Carta Constitucional não pode ser usada apenas como um “meio” que o governo utiliza instrumentalmente, pois a mesma apresenta diretrizes, fins e programas a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Com esse entendimento, é importante evidenciar a necessidade de não apenas ter tais direitos apontados, mas também de ter mecanismos que possam assegurá-los, principalmente no que diz respeito aos direitos sociais e fundamentais através dela conquistados, e é exatamente como uma forma de assegurar esses direitos que se apresenta o princípio do não retrocesso social, não os deixando a mercê de serem simplesmente omitidos.

A violação ao princípio da proibição do retrocesso social ocorre quando há uma supressão a direitos sociais já realizados e efetivados por medidas legislativas, seria considerar inconstitucional medidas estaduais que queiram “revogar” ou “aniquilar” tais direitos que constitucionalmente já foram garantidos sem apresentar outra medida alternativa ou compensatória. Ocorre que, os direitos sociais adquiridos, por exemplo: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação, os quais já alcançaram certo grau de realização passam, portanto, a ser uma garantia institucional e um direito subjetivo.

No que consiste ao direito pátrio, ao analisar a citação acima, não se pode negar que a proibição de "desfazer o grau de efeitos da norma constitucional já alcançado através de lei anterior” já é o próprio princípio em si, mesmo que dito de forma implícita no ordenamento brasileiro. Sobre esse tópico, Eliane Romeiro Costa e Osvaldo Ferreira de Carvalho, esclarece que:

Contra o reconhecimento, em princípio, de uma proibição de retrocesso na esfera das conquistas sociais, costuma debater-se especialmente o argumento de que o princípio em comento esbarra no fato de que o conteúdo do objeto dos direitos sociais fundamentais não se encontra, em regra, definido na órbita da Constituição, sendo, além disso, indeterminável sem a intervenção do legislador, de sorte que este deverá dispor de uma quase absoluta liberdade de conformação nesta seara, que, por sua vez, engloba a autonomia para voltar atrás no que se refere às próprias decisões. (COSTA; CARVALHO, 2010, p.18).

No entanto, é notário como a aplicação do princípio da proibição do retrocesso social vem ganhando espaço na doutrina pátria, que vem cada vez mais reconhecendo o seu valor, ainda mais por se tratar de um país com tanta desigualdade social como o Brasil, esse princípio impeditivo tem como virtude evitar planos políticos que venham a enfraquecer os direitos fundamentais. Segundo o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet:

Negar reconhecimento ao princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do constituinte. Com efeito, como bem lembra Luís Roberto Barroso, mediante o reconhecimento de uma proibição de retrocesso está a se impedir a frustração da efetividade constitucional, já que, na hipótese de o legislador revogar o ato que deu concretude a uma norma programática ou tornou viável o exercício de um direito, estaria acarretando um retorno à situação de omissão (inconstitucional, como poderíamos acrescentar) anterior. (SARLET, 2006, p.15).

É inadmissível negar a existência do princípio do não retrocesso social, pois isso significaria dizer que os órgãos legislativos possuem toda a liberdade de tomar decisões que são desrespeitosas para com os direitos fundamentais, acarretando uma omissão inconstitucional.

O princípio da vedação ao retrocesso é uma garantia constitucional implícita, decorrente do denominado bloco de constitucionalidade, tendo sua matriz axiológica nos princípios da segurança jurídica, da máxima efetividade dos direitos constitucionais e da dignidade da pessoa humana, mas se constitui em um princípio autônomo, com carga valorativa eficiente própria.

Tal princípio alude a ideia de que o Estado, após ter implementado um direito fundamental, não pode retroceder, ou seja, não pode praticar algum ato que vulnere um direito que estava passível de fruição, sem que haja uma medida compensatória efetiva correspondente, é o que explica Marina de Oliveira de Vasconcellos e Fernando Vieira Luiz (2015).

Portanto, após averiguar sobre a importância que o princípio da proibição do retrocesso social possui como forma de garantir os direitos sociais constitucionais, cabe apresentar a razão pela a qual o princípio supracitado deve ser aplicado aos direitos trabalhistas, mas antes disso, podemos relembrar o que venha ser o direito do trabalho.

Entende-se que direito do trabalho é um conjunto de regras e princípios e instituições atinentes à relação de trabalho subordinado e situações análogas, tem como objetivo assegurar melhores condições sociais e de trabalho para o trabalhador, segundo Ricardo Resende (2014, p.1), “pode-se conceituar Direito do Trabalho como o ramo da ciência jurídica que estuda as relações jurídicas entre os trabalhadores e os tomadores de seus serviços e, mais precisamente, entre empregados e empregadores”.

Destarte, nota-se a importância que o direito do trabalho possui, de tal forma que a Constituição Federal de 1988 o insere em seu núcleo essencial, caracterizando o mesmo como um direito social e fundamental, deixando clara a exaltação do valor do trabalho humano.

Somando com o que foi exposto acima, a característica peculiar dos direitos trabalhistas para a Constituição Federal de 1988, ao exaltar o valor do trabalho, sendo digno de seu núcleo essencial, procurou estabelecer claros limites ao poder de conformação infraconstitucional mediante amplo leque de normas laborais, denotam a intenção constitucional de se constituir balizadores – não apenas ao Legislador, mas também à Administração e ao Judiciário – dirigidos ao incessável objetivo de proteção do trabalhador brasileiro, independentemente de momentos economicamente críticos. Segundo consta Eliane Romeiro Costa e Osvaldo Ferreira de Carvalho:

O princípio da proibição de retrocesso social veda ao legislador subtrair da norma constitucional definidora de direitos sociais o grau de concretização já alcançado, prejudicando sua exequibilidade. Portanto, o princípio da proibição de retrocesso social reclama que seja observado em nosso ordenamento jurídico-constitucional, onde o Estado deve se abster de atentar contra as normas consagradoras de direitos sociais ao adotar medidas de cunho retrocessivo que tenham por escopo a sua destruição ou redução. (COSTA; CARVALHO, 2010, p.18).

Considerando, então, que o direito do trabalho faz parte dos direitos sociais e fundamentais, é necessário a análise de que existe implicações referente à relativização e supressão que tal direito vem sofrendo diante do delicado momento que se encontra o atual cenário econômico e político do país.

Conforme Antônio Braga da Silva Júnior e Roberto Freitas Filho (2017), é cristalina a fundamentalidade desse ramo sócio-jurídico, uma vez que tem como objetivo garantir condições materiais para a afirmação social, ao buscar igualar situações desiguais, buscando realizar os princípios fundamentais que estão dispostos nos arts. 1º a 4º da Constituição da República, figurando como uma base de respeito e consideração ao atingir a dignidade da pessoa humana tanto na dimensão social como na individual.

 Os direitos dos trabalhadores apresentam-se como fundamentais instrumentos de concretização da dignidade da pessoa humana, e portanto, tratam-se de direitos fundamentais, devendo ser aplicado o princípio do não retrocesso social no âmbito dos direitos trabalhistas.

Como já dito anteriormente, a violação ao princípio da vedação do retrocesso social ocorre quando há uma supressão a direitos sociais já realizados e efetivados por medidas legislativas, sem apresentar outra medida alternativa ou compensatória. Sendo assim, os direitos sociais adquiridos, por exemplo: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação, os quais já alcançaram certo grau de realização, passam, portanto, a ser uma garantia institucional e um direito subjetivo, dessa forma, é evidente que o direito do trabalho deve ser protegido por esse princípio.

Por conseguinte, capta-se que o princípio do não retrocesso social não busca apenas a concretização dos direitos fundamentais sociais, é mais do que isso, abrange também mecanismos de proteção ao assegurar a concretização de tais direitos, para que não seja posteriormente reprimidos por legislação advinda, é uma forma de garantir as proteções alcançadas pelo o Estado Social, inclusive diante de posterior reforma constitucional.

É como uma forma de proteção social, a fim de se manter a confiança nas promessas do Estado que se diz democrático-constitucional de Direito. De acordo com Antônio Braga da Silva Júnior e Roberto Freitas Filho:

A propósito, no tocante aos direitos trabalhistas, em sua grande maioria identificados como direitos fundamentais sociais de defesa, mormente quando observados pela perspectiva do Estado – conforme visto acima –, o argumento de crise econômica perde força, pois em regra não se está a falar de direitos prestacionais dependentes de recursos materiais fornecidos pelo Estado. Ao contrário, por tutelarem a manutenção do equilíbrio de forças nas relações de trabalho, os direitos trabalhistas demandam essencialmente apenas uma atitude de abstenção dos poderes estatais ou mesmo dos particulares, sem que vicissitude de caráter material os comprometa. É o caso, exemplificativamente, do direito à jornada limitada de trabalho, da repulsa ao trabalho degradante e da vedação de trabalho nocivo ao menor de dezoito anos de idade, que visam tão somente à defesa da dignidade, à valorização do trabalho humano e à justiça social no ambiente de labor, sem qualquer apelo direto a prestações materiais. (FILHO, JÚNIOR, 2017, p.4).

Ocorre que, o argumento de que o Estado teve que interferir nos direitos sociais do trabalho, utilizando como justificativa a crise econômica do país, como ocorreu com a reforma trabalhista, perde sua veemência uma vez que esse ramo tutela em sua essência direitos fundamentais e sociais de defesa, e para isso não depende de recursos materiais do Estado.

 Em vez disso, diz respeito ao equilíbrio, a busca por igualdade, respeito às pessoas, como por exemplo, a repulsa de trabalho nocivo ao menor de dezoito anos, o objetivo do direito do trabalho se encontra em valorizar e respeitar a dignidade da pessoa humana e não necessariamente a um apelo direto por prestações materiais estatais. Portanto, implica que tais direitos não devem retroagir. Assim, Marina de Oliveira de Vasconcellos e Fernando Vieira, deixam claro que:

Os direitos sociais possuem a característica da progressividade, isto é, a sua alteração deve ocorrer para amoldar a sociedade às mutações na vida cotidiana, mas dita alteração apenas pode vir a acontecer desde que implique acréscimo à carga de fruição, de efetividade na realidade prática ou, no máximo, modificação, sem perda da concretude para o cidadão. Nessa esteira, considerando que os direitos laborais lapidados na Carta Magna de 1988 são direitos humanos, estes também estão jungidos à garantia constitucional da não retrocessão, principalmente em face da expressa natureza progressiva estampada no caput do art.  7º da Constituição Republicana: “Art.  7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.” (LUIZ; VASCONCELLOS, 2015, p.2).

Em suma, é importante analisar como o princípio da proibição do retrocesso social possui uma direta relação no que tange a concretizar os direitos sociais, tanto no que diz respeito em sede infraconstitucional quanto nas normas constitucionais. Ao contextualizar o tema ao caso brasileiro, um dos objetivos da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e para isso ocorrer deve, necessariamente, passar pela efetivação dos direitos fundamentais sociais. Para Nilson Matias de Santana:

Portanto, o princípio da proibição de retrocesso social tem relação direta com a concretização dos direitos sociais, tanto em sede infraconstitucional quanto nas normas constitucionais, uma vez que, contextualizando o tema mais uma vez ao caso brasileiro, um dos objetivos da República Federativa do Brasil é construir uma sociedade livre, justa e solidária, o que passa necessariamente pela efetivação dos direitos fundamentais sociais. (SANTANA, 2008, p.16).

Desta forma, é uma maneira de controlar o legislador, servindo como um limitador para que ele não atue livremente no que concerne a querer revogar direitos fundamentais já adquiridos, por novas legislações, ou seja, serve como uma espécie de controle à atuação do legislativo. O objetivo primordial é promover as conquistas sociais a um status de garantia que não seja suscetível a posterior mudanças regressivas, de forma que possua um mecanismo que assegure a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que realmente efetive os direitos fundamentais sociais. Contudo, Ingo Wolfgang Sarlet elucida que:

A partir do exposto, verifica-se que a proibição de retrocesso, mesmo na acepção mais estrita aqui enfocada, também resulta diretamente do princípio da maximização da eficácia de (todas) as normas de direitos fundamentais. Por via de conseqüência, o art.
5.º, § 1.º, da CF/1988 (LGL\1988\3), impõe a proteção efetiva dos direitos fundamentais não apenas contra a atuação do poder de reforma constitucional (em combinação com o art. 60, que dispõe a respeito dos limites formais e materiais às emendas constitucionais), mas também contra o legislador ordinário e os demais órgãos estatais (já que medidas administrativas e decisões jurisdicionais também podem atentar contra a segurança jurídica e a proteção de confiança), que, portanto, além de estarem incumbidos de um dever permanente de desenvolvimento e concretização eficiente dos direitos fundamentais (inclusive e, no âmbito da temática versada, de modo particular os direitos sociais) não pode - em qualquer hipótese - suprimir pura e simplesmente ou restringir de modo a invadir o núcleo essencial do direito fundamental ou atentar, de outro modo, contra as exigências da proporcionalidade. (SARLET, 2006, p.15).

                      

O princípio do não retrocesso é um garantidor da segurança jurídica, não apenas implica que não deve retroagir/retroceder os árduos direitos sociais conquistados, como trata-se, também, diretamente com o princípio da maximização da eficácia das normas de direitos fundamentais, não permitindo que sejam simplesmente suprimidos.

3.1 Direito comparado

3.1.1 Breve análise sobre tratados internacionais

O costume internacional ocupava papel principal nas fontes do Direito Internacional, pois concentrava-se principalmente nas relações internacionais dos Estados, com a sua norma sendo formada naturalmente e voluntariamente, refletindo na situação da sociedade internacional imperfeita e desorganizada.

No entanto, a partir da década de 60 houve um aumento de tratados concluídos entre Estados, surgindo à necessidade de codificação do Direito dos Tratados, levando a Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas a dar origem a Convenção de Viena, em 1969, sobre o Direito dos Tratados. No entendimento de Valério de Oliveira Mazzuoli, em que explica:

Os tratados internacionais são incontestave1mente, a principal e mais concreta fonte do Direito Internacional Público na atualidade, não apenas em relação à segurança e estabilidade que trazem nas relações internacionais, mas também porque tornam o direito das gentes mais representativo e autêntico, na medida em que se consubstanciam na vontade livre e conjugada dos Estados e das Organizações Internacionais, sem a qual não subsistiriam. (MAZZUOLI, 2004, p.114).

Atualmente, os tratados são considerados principais fonte de obrigação no Direito Internacional, não apenas em relação à estabilidade e a segurança, mas porque tornam o “direito das gentes” mais representativo e autêntico, pois se concretizam de forma livre e conjugada. Observe-se que os tratados internacionais multilaterais necessariamente não consagram novas regras, porém acabam codificando ou modificando regras pré-existentes. Nesta seara, Celso Antonio Martins Menezes, explica que:

Os tratados são considerados atualmente a fonte mais importante do Direito Internacional, não só devido à sua multiplicidade mas também porque geralmente as matérias mais importantes são regulamentadas por eles. Por outro lado, o tratado é hoje considerado a fonte do Direito Internacional mais democrática, porque há participação direta dos Estados na sua elaboração. (MENEZES, 2005, p.76 apud MELLO, 2001, p. 200).

Como fonte do Direito Internacional, os tratados podem ser tanto bilaterais como multilaterais. Assim, a partir de 1815 começou a operar-se uma importante modificação no cenário internacional, fundamentada no aparecimento de tratados multilaterais. O autor Valério de Oliveira Mazzuoli define tratados multilaterais, como sendo:

[...] os tratados celebrados por mais de duas partes, ou seja, três ou mais partes, com base nas suas estipulações ou nas estipulações de um instrumento conexo, aberto à participação de qualquer Estado, sem restrição, ou de considerável número de Estados, e que têm por objeto a produção de normas gerais de direito internacional ou tratar, de modo geral, questões de interesse comum. (MAZZUOLI, 2010, p.58).

Destarte, no entendimento de Valério de Oliveira Mazzuoli, ao tratar sobre a natureza jurídica das convenções internacionais, são como tratados-lei “[...] integram o que a doutrina chama de tratados-lei ou tratados normativos, que têm por objetivo fixar normas gerais de direito internacional público pela vontade paralela das partes, confirmando ou modificando costumes adotados entre os Estados” (2013, p.236).

O processo de formação dos tratados compreende-se de várias fases, sendo a negociação, a assinatura, a ratificação, promulgação, publicação e registro. Ocorre sua extinção pela execução integral, consentimento mútuo, termo, perda do objeto, caducidade, denúncia unilateral e guerra. 

Sobre a Organização Internacional do Trabalho e as convenções internacionais do trabalho, como os tratados internacionais multilaterais adotados, Lívia Lemos Falcão de Almeida explica que:

A denominação “convenções internacionais do trabalho” é utilizada, via de regra, para referir-se aos tratados internacionais multilaterais adotados no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e abertos à ratificação voluntária dos Estados Membros dessa organização internacional. Pode-se dizer, de um modo geral, que essas convenções são espécies das quais os tratados internacionais constituem o gênero. Tal denominação normativa consolidou-se na esfera do Direito Internacional do Trabalho, tendo sido utilizada pela OIT, desde 1919, em seu Tratado Constitutivo, como nomenclatura oficial das convenções adotadas na Conferência Internacional do Trabalho. (ALMEIDA, 2005, p. 23).

Desta forma, conforme a citação supra exposta, as convenções internacionais do trabalho são espécies de tratados internacionais. As convenções da Organização Internacional do Trabalho estabelecem um padrão protetivo mínimo aos trabalhadores, buscando condições dignas de trabalho.

Para que essas convenções internacionais sejam integradas no ordenamento jurídico interno brasileiro, é necessário passar por um processo, o qual no Brasil possui diversas peculiaridades, como demonstra Lívia Lemos Falcão de Almeida, ao ensinar:

[...] para que se tornem exigíveis, válidas e eficazes no âmbito interno brasileiro, as convenções internacionais do trabalho precisam ser: (1) incorporadas no ordenamento jurídico nacional, através de um processo de “internalização”, que culmina com a promulgação e publicação de um Decreto Presidencial, exteriorizando o início da vigência interna da norma internacional (ingressando, assim, no plano da existência em relação ao sistema jurídico pátrio); (2) integrados ao direito interno, devendo, para tanto, estarem em consonância e serem compatíveis com as normas hierarquicamente superiores como condição para sua validade em face do sistema jurídico vigente (plano de validade); para, por fim, (3) estarem aptas para produzir seus efeitos jurídicos específicos (plano da eficácia). (ALMEIDA, 2005, p.31-32).

          

Destarte, é necessário haver a incorporação dessa convenção no ordenamento jurídico interno brasileiro, a qual culmina com promulgação e publicação através de um Decreto Presidencial, para posteriormente ser integrada ao direito interno, estando em consonância com as leis hierarquicamente superiores, para que, então, possam estar aptas e serem eficazes para a produção de seus efeitos.

3.1.2 Princípio da proibição do retrocesso social na Alemanha

Mesmo não havendo expressamente no diploma legal alemão, há uma ampla compreensão a respeito do princípio do não retrocesso social, correlacionando-se com o princípio da segurança jurídica, reconheceu, nesse sentido, o Tribunal Constitucional Federal, demonstrado por Ingo Wolfgang Sarlet, ao explanar:

A despeito da ausência de uma proteção expressa até mesmo dos direitos adquiridos no plano constitucional, tanto a doutrina, quanto Tribunal Constitucional Federal, sempre chancelaram a proteção (ainda que não ilimitada) tanto do direito adquirido como das próprias expectativas de direitos (em que pese com menor intensidade), dimensões que, como já demonstrado, integram uma compreensão ampla da proibição de retrocesso. Além disso, no âmbito de uma jurisprudência tida como referencial, especialmente no que concerne à criatividade da solução, o Tribunal Constitucional Federal reconheceu, em uma série de decisões, que a garantia da propriedade alcança também a proteção de posições jurídico-subjetivas de natureza pública(com destaque para os direitos a prestações no âmbito da seguridade social legislativamente concretizados), existindo atualmente, a despeito de uma série de críticas, Um determinado grau de consenso nesta esfera. Como bem demonstrou Peter Badura, a partir do conceito funcionalista de propriedade desenvolvido por Martin Wolff ainda na época de Weimar, a garantia da propriedade, para além da proteção da propriedade em termos de direitos reais, alcançou também uma função conservadora de direitos, oferecendo ao indivíduo segurança jurídica relativamente aos direitos patrimoniais reconhecidos pela ordem jurídica, além de proteger a confiança depositada no conteúdo de seus direitos. (SARLET, 2006, p.9).

                                                          

Apesar de na Alemanha não haver expressamente a previsão legal da proibição do retrocesso social, as jurisprudências se posicionam no sentido de que uma supressão de direito (no caso da propriedade) sem uma compensação, fere o princípio do Estado de Direto, por isso, se vê que o referido princípio em análise tem profunda conexão com a segurança jurídica, como melhor demonstrado a seguir por Ingo Wolfgang Sarlet, ao expor:

O Tribunal Federal Constitucional chancelou este entendimento, considerando que a proteção por meio da garantia da propriedade tem por pressuposto a circunstância de que ao titular do direito é atribuída uma posição jurídica equivalente à da propriedade privada e que, no caso de uma supressão sem qualquer compensação, ocorreria uma colisão frontal com o princípio do Estado de Direito, o que, especialmente pela inclusão no âmbito de proteção da garantia da propriedade de direitos patrimoniais na esfera da segurança social, acabou levando a uma ampliação do conceito de propriedade vigente no direito privado, do qual o conceito constitucional de propriedade veio a se desprender quase que completamente. (SARLET, 2006, p.9).

                  

Mas ocorre que não foram considerados protegidos pela garantia da propriedade todos os direitos patrimoniais de natureza pública, pois alguns requisitos devem ser satisfeitos segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, são eles:

[...] De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, aqui apresentada em apertadíssima síntese, devem estar satisfeitos alguns requisitos: a) à posição jurídica individual (isto é, ao direito subjetivo a prestação social) deve corresponder uma contraprestação pessoal de seu titular, que necessariamente não pode ser irrelevante, de tal sorte que uma equivalência absoluta entre a prestação estatal e a contrapartida pessoal não tem sido considerada indispensável, sendo tido como suficiente que a pretensão do particular não se encontre embasada única e exclusivamente numa prestação unilateral do Estado; b) deve tratar-se de uma posição jurídica de natureza patrimonial, que possa ser tida como de fruição privada para o seu titular, o que ocorre quando o titular do direito pode partir da premissa de que se cuida de uma posição jurídica pessoal, própria e exclusiva, caracterizada por uma essencial disponibilidade por parte de seu titular; c) A prestação deve servir à garantia da existência de seu titular, já que a propriedade também protege as condições necessárias para uma vida autônoma e responsável, especialmente considerando que a maior parte dos cidadãos alcança a sua segurança existencial menos por meio do patrimônio privado imobiliário e/ou mobiliário, do que pelo resultado de seu trabalho e, portanto, por meio de suas posições jurídico-subjetivas patrimoniais. (SARLET, 2006, p.9).

Desta forma, foi enrobustecido a proteção das posições jurídico-subjetivas patrimoniais de direito público, mas para Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p.10) “na Alemanha (e, de resto, na esfera europeia) tal proteção não é absoluta e em que medida - e sob que pressupostos algum tipo de retrocesso é considerado constitucionalmente legítimo”.

Na mesma seara, o autor menciona a estreita relação com a não retroatividade do direito social, o Tribunal Constitucional Federal se posicionou em recente julgado acerca da segurança jurídica e o Estado de Direito. Ocorre que a segurança jurídica é a essência de um Estado Democrático de Direito, a essência do próprio Direito em si.

3.1.3 Princípio da proibição do retrocesso social em Portugal

Como diz Nilson Matias de Santana (2008, p.45), “em Portugal, o princípio do não retrocesso pode ser retirado diretamente de sua Constituição, e a dimensão subjetiva dos consagrados direitos fundamentais se tornam concretização subjetiva através da legislação infraconstitucional”.

A jurisprudência portuguesa se posiciona no acolhimento do princípio do não retrocesso social, como demonstra o Acórdão nº 39/84, de 11 de abril de 1984, abaixo alguns trechos do mesmo, como aponta Felipe Derbli, ao demonstrar:

A Constituição não se bastou com estabelecer o direito à saúde. Avançou no sentido de anunciar um conjunto de tarefas estaduais destinadas a realizá-lo. À frente delas a lei fundamental colocou a "criação de um serviço nacional de saúde" (artigo 64º, nº 2). A criação de um serviço nacional de saúde é pois instrumento - o primeiro - de realização do direito à saúde. Constitui por isso elemento integrante de um direito fundamental dos cidadãos, e uma obrigação do Estado. Ao extinguir o Serviço Nacional de Saúde, o Governo coloca o Estado, de novo, na situação de incumprimento da tarefa constitucional que lhe é cometida pelo artigo 64º, nº 2 da Constituição. Que o Estado não dê a devida realização às tarefas constitucionais, concretas e determinadas, que lhe estão cometidas, isso só poderá ser objecto de censura constitucional em sede de inconstitucionalidade por omissão. Mas quando desfaz o que já havia sido realizado para cumprir essa tarefa e com isso atinge uma garantia de um direito fundamental, então a censura constitucional já se coloca no plano da própria inconstitucionalidade por acção. Se a Constituição impõe ao Estado a realização de uma determinada tarefa - a criação de uma instituição, uma alteração na ordem jurídica -, então, quando ela seja levada a cabo, o resultado passa a ter a protecção, direta da Constituição. O Estado não pode voltar atrás, não pode descumprir o que cumpriu, não pode tornar a colocar-se na posição de devedor. É que aí a tarefa constitucional a que o Estado se acha obrigado é uma garantia do direito fundamental, constitui ela mesma objecto de um direito dos cidadãos (...). As tarefas constitucionais impostas ao Estado em sede de direitos fundamentais no sentido de criar certas instituições ou serviços não o obrigam apenas a criá-los, obrigam-no também a não aboli-los uma vez criados. (Acórdão nº 39/84, 1984, apud DERBLI, 2007, p. 149/150).

                                                   

Nota-se, portanto, a posição de que, uma vez que tal direito é consagrado pela constituição, não se pode voltar atrás, não pode querer descumprir o que cumpriu e nem pode aboli-lo, passando a ser um direito fundamental dos cidadãos, uma tarefa constitucional a qual se encontra protegida pela a mesma, no caso desse acórdão, ocorre que existia a possibilidade de extinguir o Sistema Nacional de Saúde constitucionalmente assegurado, isso poderia ocorrer caso revogasse um diploma legal. Como melhor explanado abaixo por Ingo Wolfgang Sarlet:

[...] (Acórdão 39, de 1984), declarou a inconstitucionalidade de uma lei que havia revogado boa parte da Lei do Serviço Nacional de Saúde, sob o argumento de que com esta revogação estava o legislador atentando contra o direito fundamental à saúde (art. 64 da CRP), ainda mais em se levando em conta que este deveria ser realizado justamente mediante a criação de um serviço nacional, geral e gratuito de saúde (art. 64/2 da CRP), posição esta que, em linhas gerais, restou reafirmada pelo mesmo Tribunal Constitucional ao reconhecer, recentemente, a inconstitucionalidade da exclusão - por meio de lei - das pessoas com idade entre 18 e 25 anos(mesmo com ressalva dos direitos adquiridos) do benefício do rendimento mínimo de inserção, que havia substituído o rendimento mínimo garantido, que contemplava esta faixa etária. Neste contexto, impõe-se uma referência ao fato de que uma declaração de inconstitucionalidade no âmbito da proibição de retrocesso social não se faz necessária tão-somente quando se cuida da revogação, mas também quando estamos diante de uma afronta legislativa ao conteúdo do direito fundamental social concretizado pelo legislador. (SARLET, 2008, p.8).

Portanto, foi declarada a inconstitucionalidade de uma lei que iria revogar ampla porção da Lei do Serviço Nacional de saúde, verdadeira ofensa legislativa ao direito fundamental consumado.

3.1.4 Princípio da proibição do retrocesso social no Brasil

No direito pátrio o princípio da proibição do retrocesso social é um assunto recente, que é escassamente explorado, que vem ganhando mais atenção recentemente na doutrina brasileira. É apontado por Nilson Matias de Santana como um implícito princípio no sistema jurídico-constitucional, ao demonstrar:

[...] trata-se de um princípio implícito decorrente do sistema jurídico-constitucional, e estabelece que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, este passa a se incorporar ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido. (SANTANA, 2008, p.45).

                          

Entende-se que tal princípio está implícito na jurisdição brasileira, pela a proibição de desfazer o grau de efeitos da norma constitucional já alcançado através de lei anterior, podendo pode ser considerado o próprio princípio em si.

Ao argumentar, para fim de esclarecimento, que existe o princípio do não retrocesso social implicitamente na constituição brasileira, Ingo Wolfgang Sarlet enumera os princípios de que tal garantia é decorrente, a seguir:

a) princípio do Estado democrático e social de Direito, que impõe um patamar mínimo de segurança jurídica, o qual necessariamente abrange a proteção da confiança e a manutenção de um nível mínimo de continuidade da ordem jurídica, além de uma segurança contra medidas retroativas e, pelo menos em certa medida, atos de cunho retrocessivo de um modo geral; b) princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais, contigo no art. 5º, § 1º, e que necessariamente abrange também a maximização da proteção dos direitos fundamentais; c) princípio da dignidade da pessoa humana que, exigindo a satisfação - por meio de prestações positivas (e, portanto, de direitos fundamentais sociais) - de uma existência condigna para todos, tem como efeito, na sua perspectiva negativa, a inviabilidade de medidas que fiquem aquém deste patamar; d) as manifestações específicas e expressamente previstas na Constituição, no que diz respeito à proteção contra medidas de cunho retroativo (na qual se enquadra a proteção dos direitos adquiridos, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito) não dando conta do universo de situações que integram a noção mais ampla de segurança jurídica; e) princípio da proteção da confiança, na condição de elemento nuclear do Estado de Direito, que impõe ao poder público o respeito pela confiança depositada pelos indivíduos em relação a uma certa estabilidade e continuidade da ordem jurídica com um todo e das relações jurídicas especificamente consideradas. (SARLET, 2008, p.11).

No Brasil, o princípio do não retrocesso social ainda não ganhou muito destaque, no entanto, apesar de não obter sua devida valorização até este tempo, já foi suscitado junto ao Supremo Tribunal Federal, como demonstra Nilson Matias de Santana, ao expor:

No que diz respeito a jurisprudência brasileira, o princípio do não retrocesso social ainda não obteve a sua devida valorização. Mas já foi suscitado junto ao Supremo Tribunal Federal, em voto vencido, o tema foi apreciado no julgamento da ADI nº 2.065-DF, teve como relator Ministro Sepúlveda Pertence. (SANTANA, 2008, p.48).

Destarte, indagava-se a constitucionalidade de normas que queriam extinguir conselhos estaduais e municipais da previdência social. Eis trecho do voto do ilustre relator:

[...] quando, já vigente a Constituição, se editou norma integrativa necessária à plenitude da eficácia [da norma constitucional], pode subseqüentemente o legislador, no âmbito de sua liberdade de conformação, ditar outra disciplina legal igualmente integrativa do preceito constitucional programático ou de eficácia limitada; mas não pode retroceder – sem violar a Constituição – ao momento anterior de paralisia de sua efetividade pela ausência da complementação legislativa ordinária reclamada para implementação efetiva de uma norma constitucional. (...) Com o admitir, em tese, a inconstitucionalidade da regra legal que a revogue, não se pretende emprestar hierarquia constitucional à primeira lei integradora do preceito da Constituição, de eficácia limitada. Pode, é óbvio, o legislador substituí-la por outra, de igual função complementadora da Lei Fundamental; o que não pode é substituir a regulação integradora precedente – pré ou pós constitucional – pelo retorno ao vazio normativo que faria retroceder a regra incompleta da Constituição à sua quase completa impotência originária. (ADI n° 2065-0/DF, voto do Ministro Sepúlveda Pertence apud SANTANA, 2008, p.49). .

Não obstante, o argumento do Ministro Relator não avançou, pois o colegiado teve o entendimento de que tais dispositivos legais não contrariava a constituição e sim outro texto de lei.

Todavia, o princípio da proibição do retrocesso social deve ser considerado como implícito na Carta Constitucional de 1988, como diz Nilson Matias de Santana (2008), o qual é advindo de outros princípios decorrentes como o da dignidade da pessoa humana, vinculação do legislador aos direitos fundamentais, da segurança jurídica, e aos elementos sociais do Estado Democrático de Direito.

4 A REFORMA TRABALHISTA E POSSÍVEIS LIMITAÇÕES PERANTE AS FLEXIBILIZAÇÕES DOS DIREITOS E GARANTIAS

Para concretizar os direitos sociais é necessário transpor certas dificuldades que se fazem notáveis, considerando a reserva do possível e o mínimo existencial, assim como inúmeras variáveis, como explica Nara Luiza Valente, Vitor Hugo Bueno Fogaça, Silmara Carneiro e Silva (2018 p.291), “sejam elas econômicas, como o orçamento necessário para a implementação de uma política pública específica; ou mesmo políticas e ou sociais, envolvendo, no primeiro caso, os processos deliberativos do poder legislativo e executivo”.

Sendo que no caso das variáveis sociais, essas expressam as demandas frente ao Estado sobre suas necessidades e dilemas experimentados.

1.6 Breve análise sobre os direitos sociais

Delimitar conceitualmente os direitos sociais não é uma tarefa simples, por se tratar de um tema que envolve uma enorme seara de direitos, assim explica Vidal Serrano Nunes Júnior (2017).

Os direitos sociais representam uma garantia ao equilíbrio material na sociedade, de forma a possibilitar aos hipossuficientes o mínimo para que possam viver de forma digna, para que tenham acesso à saúde, alimentação, moradia, trabalho, etc. Como explana Guilherme Augusto Alves Elias, Júlia Fonseca do Nascimento e Valesca Ribeiro, ao explicar:

Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pela nossa Constituição Federal. (ELIAS; NASCIMENTO; RIBEIRO, 2011, p.1).

Portanto, caracteriza-se que os direitos sociais são direitos fundamentais, sendo eles verdadeiras liberdades positivas que devem ser assegurados pelo Estado democrático, uma vez que são o seu próprio fundamento, buscando a igualdade social, e melhores condições de vida para os hipossuficientes.

A Constituição da República de 1988 demonstra quais são os direitos sociais a serem assegurados, “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (Brasil, 1988).

Como expressa Vidal Serrano Nunes Júnior (2017), o objetivo de promover uma qualidade de vida adequada a todos, é a fundamentalização do direito social, uma vez que possui o ideal de colocar a pessoa em um lugar de proteção quanto a essas necessidades que decorrem do não cumprimento e satisfação de tais direitos intrínsecos ao ser humano.

Para Guilherme Augusto Alves Elias, Júlia Fonseca do Nascimento e Valesca Ribeiro, (2011, p.4) “os direitos sociais são fundamentais e servem de base para a luta cidadã contra as desigualdades, a pobreza e a discriminação, de tal modo que seu reconhecimento certamente habilitará os grupos marginalizados a conquistar uma cidadania plena”. Sobre a conceituação e classificação dos direitos sociais, Ingo Wolfgang Sarlet, explica que:

A Constituição de 1988 – e isto pode ser tido como mais um de seus méritos – acolheu os direitos fundamentais sociais expressamente no título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), concedendo-lhes capítulo próprio e reconhecendo de forma inequívoca o seu “status” de autênticos direitos fundamentais, afastando-se, portanto, da tradição anterior do nosso constitucionalismo, que, desde a Constituição de 1934, costumava abrigar estes direitos (ao menos parte dos mesmos), no título da ordem econômica e social, imprimindo-lhes reduzida eficácia e efetividade, ainda mais porquanto eminentemente consagrados sob a forma de normas de cunho programático. Basta, contudo, uma breve mirada sobre o extenso rol de direitos sociais da nossa Constituição, para que não se possa desconsiderar que o nosso Constituinte, sob a denominação genérica de “Direitos Sociais”, acolheu dispositivos (e, portanto, normas neles contidas) da natureza mais diversa possível, o que evidentemente suscita uma série de dificuldades quando se cuida da tarefa de obter uma definição constitucionalmente adequada, assim como uma correta classificação dos direitos fundamentais sociais na nossa ordem constitucional vigente. Diversamente de outras ordens constitucionais, inexistem dúvidas quanto à terminologia a ser adotada, já que o Constituinte expressamente utilizou a expressão “direitos sociais” (leia-se direitos fundamentais sociais). A problemática restringe-se, portanto, à pergunta sobre qual o sentido (conteúdo) a ser imprimido à expressão, o que, de outra parte, nos remete também para o problema da classificação dos direitos fundamentais sociais. (SARLET, p.17, 2017).

Como expressa a trecho supracitado, Sarlet deixa claro que há certa dificuldade em conceituar e definir os direitos fundamentais sociais, uma vez que o Constituinte acolheu tais direitos da forma mais diversa possível, o que dificulta a tarefa de obter uma definição constitucionalmente adequada. Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet, explica ainda:

De acordo com a tradição de nossa doutrina, os direitos fundamentais sociais têm sido compreendidos como direitos a prestações estatais, havendo ainda quem os enquadre na doutrina das liberdades públicas, conceituando os direitos sociais como a liberdade positiva do indivíduo de reclamar do Estado certas prestações. (SARLET, p.4, 2017).

Dessa forma, compreende-se que os direitos fundamentais sociais são direitos a prestações estatais, podendo ser enquadrados como “das liberdades públicas” como versa certas doutrinas, prestações essas que denotam a liberdade positiva do indivíduo de postulá-las frente ao Estado.

Destarte, os direitos sociais não devem ser vistos apenas como programas que precisam ser adotados pelo o Estado, como elucida Guilherme Augusto Alves Elias, Júlia Fonseca do Nascimento e Valesca Ribeiro, a expor:

Privar o cidadão de seus direitos fundamentais sociais garantidos pela Constituição é retirar-lhes a dignidade, excluindo assim, por conseguinte, sua condição de ser humano. Não podem ser vistos simplesmente como programas que devem ser adotados pelo Estado, posto trazerem consigo uma dupla perspectiva, o que lhe confere a característica de poderem ser exigidos judicialmente, sendo-lhes assegurada a efetividade imediatamente decorrente dos próprios termos da Constituição de 1988, e imanentes àquilo que modernamente vislumbra-se como Estado constitucional-democrático de direito. (ELIAS, NASCIMENTO, RIBEIRO, 2011, p.5-6).

                                                              

Sendo assim, fica claro que os direitos fundamentais sociais possuem uma dupla perspectiva, atribuindo-lhes a característica de poderem ser exigidos judicialmente, assegurando sua efetividade.

1.7 A reforma trabalhista

Por meio da Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, o Brasil passou por mudanças em seu ordenamento jurídico no que concerne sobre as relações de trabalho, no conjunto da lei há uma lógica em que busca diminuir a noção de que as relações de trabalho trata-se de relações entre pessoas, para substituir por uma visão de que trata sobre negócio entre coisas, ou apenas, como uma relação contratual.

Assim explica Sandro Sacchet de Carvalho (2017), que é como ocorria na época da Revolução Industrial, em que a força do trabalho era uma mercadoria como outra qualquer, e que prevalecia o acordado entre as partes juridicamente iguais, “determinada quantidade de horas de trabalho por determinada quantidade de dinheiro” (2017, p.2).  

No que consiste sobre o sentido da reforma trabalhista brasileira, Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, vem esclarecer:

A reforma trabalhista implementada no Brasil por meio da Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, desponta por seu direcionamento claro em busca do retorno ao antigo papel do Direito na História como instrumento de exclusão, segregação e sedimentação da desigualdade entre as pessoas humanas e grupos sociais. Profundamente dissociada das ideias matrizes da Constituição de 1988, como a concepção de Estado Democrático de Direito, a principiologia humanística e social constitucional, o conceito constitucional de direitos fundamentais da pessoa humana no campo justrabalhista e da compreensão constitucional do Direito como instrumento de civilização, a Lei n. 13.467/2017 tenta instituir múltiplos mecanismos em direção gravemente contrária e regressiva. (DELGADO; DELGADO, 2017, p.39-40).

Como ensina os autores na citação supra exposta, a reforma trabalhista demonstrou possuir a instituição de mecanismos em direção contrária e regressiva ao instrumento de civilização, demonstrando-se dissociada das ideias matrizes da Carta Magna de 1988. Portanto, viola claramente o princípio da proibição do retrocesso social, ao sedimentar a desigualdade, prejudicando e retroagindo direitos constitucionais.

 Isto posto, a referente reforma desassocie-se dos objetivos intrínsecos da justiça do trabalho e do Estado Democrático de Direito, uma vez que mostrou se aproximar ao papel do Direito na História, em que era um instrumento de exclusão, segregação e desigualdade.

Nesse sentido explica Sandro Sacchet de Carvalho (2017), que cabe ao direito do trabalho determinar o quadrante em que a livre negociação na relação de trabalho pode ocorrer, de forma a respeitar as condições mínimas de trabalho decente, que devem ser invioláveis, não podendo, portanto, essa negociação ser livre ao ponto da irrestrita discricionariedade do empregador. Nessa perspectiva, Sandro Sacchet de Carvalho, expõe:

Quando se propõe que cabe à legislação trabalhista apenas garantir o processo de negociação, e não seu resultado (ponto central do Projeto de Lei n, 6.787), está-se propondo alterações que ferem a autonomia do direito do trabalho, sob o risco de não se garantir condições mínimas de dignidade humana aos trabalhadores. (CARVALHO, 2017, p.2-3).

Desta maneira, qualquer mudança que ocorra nas relações de trabalho, deve-se levar em conta que a legislação correspondente não deve tecer primordialmente sobre o processo de negociação, mas também de buscar satisfazer o seu resultado, recordando que cabe ao direito do trabalho estabelecer condições mínimas de decência ao trabalho, em favor do empregado.

Para melhor elucidação sobre as inovações legislativas trazidas pela a reforma, faz importante destacar os principais pontos modificados, no que consiste seu caráter flexibilizador, demonstrando seus efeitos nos tópicos a seguir.

4.2.1 A jornada de trabalho e suas flexibilizações

                     

Ocorre que com a flexibilização da jornada de trabalho houve um aumento considerável quanto a duração do trabalho, não se pode olvidar que tal aumento acarreta prejuízos nas esferas da vida da pessoa humana, caracterizando a retroatividade no direito do trabalhador, sendo essas flexibilização prejudiciais ao empregado, ferindo o princípio da proibição do não retrocesso social, nesse sentido, explica Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado (2017, p.43) “[...] a saúde, o bem-estar e a segurança dos indivíduos inseridos no mundo do trabalho, além de comprometer as igualmente imprescindíveis dimensões familiar, comunitária e cívica que são inerentes a qualquer ser humano”.

A reforma trabalhista alterou os dispostos quanto ao regime de tempo parcial do trabalho, que é o artigo 58-A da CLT, o que antes era até no máximo 25 horas semanais, passou ser aceitável até 30 horas semanais, além da possibilidade de ocorrer horas extras no caso de 26 horas semanais. Assim explana Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, ao demonstrar:

Em vista das modificações produzidas, o regime de trabalho em tempo parcial se tomou mais abrangente: ao invés de atingir durações do trabalho até, no máximo, 25 horas semanais, passou a atingir durações semanais do trabalho até 30 horas. Além disso, há possibilidade, em um dos modelos de regime de tempo parcial de ocorrer a prestação de horas extras. (DELGADO; DELGADO, 2017, p.123).

                                                                                                                                                   

Também facultou aos empregados desse regime a possibilidade de converter um terço das férias em abono pecuniário, assim expõe Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado (2017, p.125), “estende a nova lei ao empregado contratado sob regime de tempo parcial a faculdade de converter um terço do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário" (novo § 6º do art. 58-A da CLT)”.

Como esclarece Raymundo Pinto (2017), no que condiz ao regime 12x36, disposto no novo art. 59-A, a lei da reforma trabalhista trouxe algumas modificações, autorizando que tal regime possa ser definido por convenção coletiva ou acordo coletivo, como por acordo individual escrito, podendo os intervalos serem observados ou indenizados, e ainda, foi retirado a exigência de comunicação à autoridade competente sobre o excesso de jornada, no § 1º do art. 61 da CLT.

Sobre a compensação de horário, houve mudanças quanto a sua autorização, que atualmente pode ser por acordo individual, nesse caso, a compensação sendo no máximo de até 6 meses, e convenção coletiva e acordo coletivo, o percentual de 20% passou a ser de 50%, no que consiste sobre essas regras, Raymundo Pinto instrui:

No essencial, foi mantida a redação do art. 59 da CLT. A autorização para compensar o horário passou a ser por “acordo individual” (era “acordo escrito”) e também por convenção coletiva e acordo coletivo (antes era contrato coletivo). Corrigiu-se o percentual de 20% para 50% no § 1º. O § 3º teve breve mudança para incluir o banco de horas e o § 4º foi revogado. Foram acrescentados os §§ 5º e 6º, o primeiro dispondo que o banco de horas pode ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação seja no período máximo de seis meses. O § 6º autoriza a compensação em acordo individual escrito ou tácito, mas as horas extras terão de ser compensadas no mesmo mês. O art. 59-B acrescentado dispõe que o não atendimento das exigências legais de compensação, mesmo em acordo tácito, não implica repetição do pagamento das horas extras se não ultrapassada a carga máxima semanal, devido apenas o adicional. O parágrafo único diz que a prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação e o banco de horas. (PINTO, 2017, p. 2).

Quanto aos acordos que flexibilizam a jornada de trabalho, na questão do banco de horas há a permissão de que reduza o intervalo de jornada de uma hora para meia hora, nos casos de jornadas acima de seis horas, além da possibilidade de ampliar a jornada em ambientes insalubres, assim demonstra Sandro Sacchet de Carvalho, que esclarece:   

O Artigo 611-A já permite que sejam negociados acordos que flexibilizem a jornada de trabalho, o uso do banco de horas (nota-se que não há dispositivo na proposta que limite a negociação do prazo para a compensação das horas extras, que atualmente é de um ano), permite reduzir o intervalo em jornadas de mais de seis horas de uma para meia hora e ampliar a jornada em ambientes insalubres. Entretanto, há outros pontos da reforma que elevam a flexibilização da jornada de trabalho e que independem da necessidade de acordos coletivos. O Artigo 59 estende o banco de horas, que hoje necessita de acordo coletivo, para todos os trabalhadores. Estabelece prazo de seis meses para compensação em acordos por escrito (§ 5º) e prazo de um mês para compensação sem a necessidade de acordo por escrito (§ 6º). (CARVALHO, 2017, p.4).

                                                

A reforma trabalhista também trouxe mudanças no que consiste aos intervalos intrajornada, o empregador que cometer a infração de suprimir o intervalo para descanso e refeição do empregado terá que pagar apenas o período suprimido, acrescido em 50% sobre a hora normal, e não todo o período como era na redação anterior, esse pagamento é de natureza indenizatória, ou seja, não reflete nas demais verbas, por não compor a base salarial do empregado.

E sobre a possibilidade de ampliação ou redução do intervalo interjornada, Raymundo Pinto (2017, p.3), explica, “a redução ou ampliação do intervalo interjornada passou a ser possível com a adoção do princípio da prevalência do negociado sobre o legislado (novo art. 611-A da CLT), obedecido o mínimo de trinta minutos para descanso e refeição”.

Por fim, as horas in itinere sofreu a maior mudança, que deixaram de existir, como explica Raymundo Pinto (2017), não é mais computado como jornada o deslocamento de casa até o trabalho ou vice-versa, sendo o transporte oferecido pelo empregador ou não, por não ser considerado tempo à disposição do empregador. Conforme o exposto, é claro que todas essas mudanças desfavoreceram o empregado, prejudicando e regredindo seus direitos que afetam a jornada de trabalho, desrespeitando o princípio da condição mais benéfica.

4.2.2 A composição do salário

Sobre a composição do salário do trabalhador, há dispositivos que buscam a flexibilização da remuneração, sobre essas mudanças, como a alteração do § 1º do Artigo 457, como demonstra Sandro Sacchet de Carvalho, ao elucidar:

A mudança mais relevante é que, com a alteração do § 1o do Artigo 457, abonos pagos pelo empregador e diárias de viagens deixam de integrar o salário, e, assim, sobre esses valores deixam de incidir encargos trabalhistas, inclusive INSS. (CARVALHO, 2017, p. 5).

Portanto, amplia-se a possibilidade da remuneração ser constituída cada vez mais por prêmios, mas sem constituir base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário, nesse sentido explica Sandro Sacchet de Carvalho, ao explicar:

Dado que o Artigo 611-A cria uma ampla possibilidade de que cada vez mais salários constituam-se de prêmios, PLRs e remuneração por produtividade, poderá haver consideráveis perdas nas contribuições previdenciárias. Deve-se notar que apesar de haver grandes queixas sobre os encargos trabalhistas, esta é a única forma em que esses encargos são afetados na proposta de reforma, reduzindo-se a sua base de incidência. (CARVALHO, 2017, p. 6).

                               

Destarte, segundo Raymundo Pinto (2017), infere-se que apenas integra o salário as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador, não integrando, mesmo que habitualmente, ajuda de custo, auxílio-alimentação, assim como, diárias para viagem, prêmios e abono, os quais não podem ser em dinheiro. Em virtude disso, essas verbas não se incorporam ao contrato de trabalho e não incide como base para qualquer encargo trabalhista, o que é mais desfavorável ao trabalhador.

4.2.3 A representação dos empregados

A reforma trabalhista estabeleceu a Comissão de Representação dos Empregados, no entanto não demonstra muito efetiva no que tange garantir que a comissão eleita não seja pressionada pelos empregadores, e também não garante condições mínimas para que os eleitos possam exercer suas atribuições de forma eficaz, assim explica Sandro Sacchet de Carvalho, ao expor:

O Artigo 510 finalmente regulamenta a representação dos empregados na empresa, mas é pouco efetiva em garantir que a comissão eleita não esteja sujeita a pressões dos empregadores e não garante condições mínimas para que os eleitos possam cumprir de maneira eficiente suas atribuições. Além disso, no Artigo 620, a proposta de reforma determina que condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva, invertendo a ordem em que hoje prevalece a convenção na qual ela for mais favorável ao trabalhador. Essa mudança é bastante representativa das contradições da reforma trabalhista. Ao mesmo tempo em que procura ampliar o papel da negociação sobre o legislado, a proposta busca garantir que a negociação dê-se da forma mais descentralizada possível, em condições nas quais o poder de barganha dos trabalhadores tende a ser reduzido. (CARVALHO, 2017, p.8-9).

Outra mudança, é a modificação de ordem, ao prevalecer o acordo coletivo de trabalho sobre a convenção coletiva de trabalho, invertendo a ordem em que prevalece a convenção que for mais favorável ao trabalhador, ampliando o negociado sobre o legislado, e garantindo que a negociação seja de forma mais descentralizada possível, diminuindo, assim, o poder de negociar dos trabalhadores.

Para regulamentar a representação nas empresas com mais de duzentos trabalhadores, foi acrescentado quatro artigos e muitos parágrafos, Raymundo Pinto, esclarece:

[...] a) composição da comissão que representa os empregados, cujos membros serão em número de três (empresa de 200 a 3.000 empregados), de cinco (3.000 a 5.000) e de sete (mais de 5.000); b) atribuições da comissão; c) eleição para compor a contados do término do mandato anterior; d) duração do mandato: um ano, sem se afastar da função. Os membros da comissão não poderão sofrer despedia arbitrária, desde o registro da candidatura e até um ano após o fim do mandato. (PINTO, 2017, p.5).

Destarte, ficou disciplinado que a comissão da empresa que tem de duzentos a três mil empregados terão três membros, de três mil a cinco mil serão, nesse caso, cinco membros, e nas empresas com mais de cinco mil empregados será sete membros, ressaltando que a duração do mandato é de um ano, não afastando da função.

4.2.4 O trabalho autônomo e o trabalho intermitente

Sobre o contrato de autônomo, como expõe Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado (2017), a reforma trabalhista apresentou o novo art. 442-B, a qual declara que a contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado. Sobre a interpretação desse preceito, Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado expõe que:

             

Ora, isso é inviável, do ponto de vista fático, e, por consequência, também do ponto de vista jurídico. Ou o obreiro é contratado como empregado, uma vez que exercerá seu trabalho com os elementos da relação de emprego, ou pode ser contratado como autônomo, caso efetivamente exerça a sua prestação de serviços sem os elementos da relação de emprego. Se for contratado como autônomo, porém cumprir o contrato com os elementos da relação de emprego, será tido, evidentemente, do ponto de vista fático e jurídico, como real empregado. A interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica do art. 442-B da Consolidação das Leis do Trabalho, conduz, inegavelmente, ao seguinte resultado interpretativo: o que importa para o Direito do Trabalho é a presença (ou não) dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego, ao invés do simples envoltório formal conferido ao contrato entre as partes. Estando presentes os elementos da relação de emprego, estruturados, pacificamente, pelos art. 3º, caput, e 2º, caput, da CLT, está-se perante essa importante relação sociojurídica tipificada no Direito do Trabalho brasileiro; não estando presentes esses elementos fáticos-jurídicos - ou, pelo menos, faltando um deles -, não se considera existente a relação empregatícia entre as partes contratuais. (DELGADO; DELGADO, 2017, p.152-153).

A crítica versa sobre a tentativa de se afastar a qualidade de empregado, mesmo que venha a preencher todos os requisitos de uma relação de emprego, quais sejam, o trabalho exercido por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade, portanto, se ocorrer o preenchimento de tais requisitos, é inverossímil que não seja considerado um real empregado, o que vai em desacordo com a interpretação científica do direito que é a lógico-racional, sistemático e teleológica.

No que condiz com o trabalho intermitente, foi conferido nova redação ao caput do art. 443 da CLT e seu novo § 3º, nesse sentido relata Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado (2017, p.153), “em seguida, introduziu novo art. 452-A na Consolidação, preceito composto por diversos parágrafos e incisos. Com essas modificações, buscou a Lei n. 13.467/2017 normatizar a figura do contrato de trabalho intermitente no Direito do Trabalho do País”.

Verifica-se que a reforma trabalhista criou uma nova forma de contrato de trabalho ao trabalhador intermitente, como revela Raymundo Pinto, ao aclarar:

O caput do art. 443 da CLT foi ampliado para incluir o trabalho intermitente e acrescentado o § 3º, que o define como uma prestação de serviço, com subordinação, que não é contínua e alterna períodos de inatividade. As horas, dias e meses serão determinados independentemente da atividade do empregado e do empregador. Os aeronautas, regidos por legislação própria, estão excluídos. O art. 452-A foi incluído na CLT para regulamentar o trabalho intermitente. Podem ser destacados os seguintes pontos: a) o contrato será escrito, contendo o valor do salário, que não pode ser inferior ao mínimo legal (por cada hora) ou inferior ao devido a quem exerce a mesma função; b) a convocação para novo serviço se fará com, no mínimo, três dias de antecedência; c) o prazo para resposta à convocação será de um dia útil, presumindo-se o silêncio como recusa (que não descaracteriza a subordinação); d) aceita a oferta, a parte que descumpri-la pagará multa de 50% da remuneração devida; e) o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador; f) os §§ 6º ao 9º regulam a forma de pagamento, os recolhimentos e as férias. (PINTO, 2017, p.3-4).

                                 

Tal contrato é regulamentado pelo art. 452-A, que como expressa Sandro Sacchet de Carvalho (2017, p.7), “[...] não se exclui a possibilidade que o trabalho intermitente seja determinado a partir de poucos dias durante o mês ou ano, ou seja, qual deve ser uma proporção mínima entre período de inatividade e de prestação de serviços”, portanto, o referido artigo é estabelecido de forma vaga, não sendo muito pontual no que caracteriza o trabalho intermitente.

Sobre esse preceito, Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, traz conclusões interpretativas sobre o tema, o qual tenta, segundo os autores, criar um novo conceito, trazendo a explicação nesse sentido, ao expor:

A noção de duração de trabalho envolve o tempo de disponibilidade do empregado em face de seu empregador, prestando serviços efetivos ou não (caput do art. 4Q da CLT). A Lei n. 13.467/2017, entretanto, ladinamente, tenta criar conceito novo: a realidade do tempo à disposição do empregador, porém sem os efeitos jurídicos do tempo à disposição. Igualmente a noção de salário sofre tentativa de desestruturação pela Lei da Reforma Trabalhista: conceituado como a parcela contra prestativa devida e paga pelo empregador a seu empregado em virtude da existência do contrato 1 54 de trabalho, a verba salarial pode ser por unidade de tempo (salário mensal fixo -o tipo mais comum de salário), por unidade de obra (salário mensal variável, em face de certa produção realizada pelo obreiro), ou por critério misto (denominado salário-tarefa, que envolve as duas fórmulas de cálculo). Lidos, apressadamente e em sua literalidade, os novos preceitos jurídicos parecem querer criar um contrato de trabalho sem salário. Ou melhor: o salário poderá existir, ocasionalmente, se e quando o trabalhador for convocado para o trabalho, urna vez que ele terá o seu pagamento devido na estrita medida desse trabalho ocasional. A interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica do art. 443, caput e§ 3º, combinado com o art. 452-A da CLT, caput, e seus parágrafos e incisos diversos, conduz, naturalmente, a resultado interpretativo diverso. (DELGADO; DELGADO, 2017, p. 154-155).

               

Destarte, traz uma criação, em que, aparenta ensejar que o tempo à disposição do empregador não reflita os seus efeitos jurídicos, e sendo assim, demonstra querer criar um contrato de trabalho sem salário, ou ainda, que o salário só poderá existir ocasionalmente, se e quando for convocado ao trabalho.

4.2.5 As alterações na rescisão do contrato de trabalho

A Lei n. 13.467/2017 alterou diversos dispositivos que afetaram a rescisão contratual, coletiva ou individual, assim como criou a figura da rescisão de contrato recíproco, assim versa Sandro Sacchet de Carvalho (2017), com a revogação dos § 1º, § 2º e § 3º do artigo 477, foi extinta a necessidade de homologação da rescisão para trabalhadores com mais de um ano, nesse sentido explica o referido autor, ao expor:

Os atuais §§ 1º, 3º e 7º do Artigo 477 são revogados; com isso, é extinta a necessidade de a homologação da rescisão para trabalhadores com mais de um ano ser no sindicato ou no MTb; é extinta a necessidade da presença de representante do Ministério Público, juiz de paz ou defensor público durante a homologação, caso o trabalhador não possa pagar advogado; e é extinto o acesso à assistência gratuita ao trabalhador durante a homologação. Com isso, qualquer homologação poderá ser feita na empresa, e o trabalhador poderá contar com um advogado apenas se puder pagar. Isso claramente dificultará a fiscalização do cumprimento do pagamento adequado das verbas rescisórias, motivo que, em 2015, de acordo com Campos et al. (2017), representava 44% dos processos trabalhistas na justiça. (CARVALHO, 2017, p.7-8).

Assim sendo, constata-se que o trabalhador restou prejudicado, uma vez que qualquer homologação poderá ser feita na própria empresa, e como é extinto o acesso à justiça gratuita durante a homologação, o trabalhador só poderá contar com um advogado se puder pagar, o que ergue dificuldades quanto a fiscalização do cumprimento adequado do pagamento das verbas rescisórias devidas.

Posto isto, Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado (2017, p.180), relata que o referido artigo 477-A que foi inserido na CLT, “busca afastar a intervenção do sindicato profissional de trabalhadores do grave contexto socioeconômico de dispensas massivas ocorridas no âmbito da empresa e/ou de algum de seus estabelecimentos”.

À vista disso, capta-se que a lei da reforma trabalhista procura afastar e enfraquecer o sindicalismo dos trabalhadores, bem como dificultar que a entidade associativa consiga conhecer a dinâmica de terminação dos contratos de trabalho, sob o pretexto de desburocratização, assim elucida Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, ao ensinar:

Com a aparente singela desburocratização promovida, a nova Lei afasta cada vez mais o sindicato profissional de seus representados, além de impedir que a entidade associativa conheça mais de perto a decisiva dinâmica de terminação dos contratos de trabalho ocorrida nos diversos estabelecimentos empresariais de sua base territorial. Nessa medida, a simplificação procedimental analisada constitui mais um elemento situado dentro de um conjunto de várias medidas elencadas pela Lei da Reforma Trabalhista dirigidas ao enfraquecimento do sindicalismo de trabalhadores na economia e sociedade brasileiras. Além disso, o fim da assistência administrativa exacerba a lancinante distância de conhecimento técnico-jurídico, no contexto rescisório, entre o staff trabalhista das empresas e o trabalhador isoladamente considerado, com franco prejuízo a esta pessoa humana no tocante a seus direitos individuais e coletivos trabalhistas. Se não bastasse, a medida pulveriza o universo dos trabalhadores das distintas categorias profissionais, acanhando, inclusive, as suas possibilidades de acesso à justiça após a deflagração do desemprego. (DELGADO; DELGADO, 2017, p. 178).

                                      

Consequentemente, verifica-se que o trabalhador, o qual não possui o conhecimento técnico-jurídico ao ser comparado com as empresas, sem a devida assistência, é francamente prejudicado no tocante aos seus direitos.

1.8 A reforma trabalhista e o engessamento das súmulas e orientações jurisprudenciais

Sucede-se que ao analisar o recepcionamento da lei 13.467 de 2017 ao ordenamento jurídico à luz do princípio da proibição do não retrocesso social, verifica-se que o Tribunal Superior do Trabalho não chegou a discutir sobre a atualização de sua jurisprudência desde a reforma trabalhista.

Percebe-se que atualmente a jurisprudência trabalhista encontra-se engessada, pois as alterações trazidas pela lei 13.467 de 2017 produziu rígidas regras, demonstradas na alínea ‘f’ no artigo 702, prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, que redige:

Art. 702 - Ao Tribunal Pleno compete: [...] f) estabelecer ou alterar súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme, pelo voto de pelo menos dois terços de seus membros, caso a mesma matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, dois terços das turmas em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas, podendo, ainda, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de sua publicação no Diário Oficial. (BRASIL, 2017).

Como demonstrado, tal regra dispõe que são necessários votos de pelo menos dois terços dos ministros do Tribunal Superior do Trabalho, podendo ser realizada apenas se a mesma matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, dois terços das turmas em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas.

Diante da excessiva dificuldade imposta que, para todos os efeitos, inviabiliza a edição de súmulas e jurisprudências, o autor Jorge Pinheiro Castelo, elucida que:

É absolutamente inconstitucional o regramento a alínea “f” do inciso I e nos §§s 3º e 4º do art. 702 da CLT posto que impede o exercício e o funcionamento regular da atividade jurisdicional e atenta contra a autonomia do Poder Judiciário. [...] O disposto alínea “f” do inciso I e nos §§s 3º e 4º do art. 702 da CLT transgride e viola disciplina de competência privativa dos Tribunais Trabalhistas, definida pela alínea “a” do art. 96 da C.F. (CASTELO, 2018, p.118).

                    

O referido dispositivo é alvo de ação direta de inconstitucionalidade, apresentada pelo Procurador Geral da República com pedido de medida cautelar contra a interferência na atuação dos tribunais do trabalho, o qual limita a edição de súmulas não vinculantes pelos Tribunais Regionais do Trabalho e pelo Tribunal Superior do Trabalho, requerendo a suspensão imediata de artigos que praticamente inviabilizam a consolidação de jurisprudências, segundo (MPF, 2019).

Na ação direta de inconstitucionalidade 6.188/DF (2019 p.4), o procurador geral da república, através de seu vice, demonstra que o referido dispositivo é inconstitucional e atenta contra o núcleo essencial da autonomia dos tribunais, “tais disposições normativas afrontam direta e ostensivamente os princípios da separação dos poderes e da independência orgânica dos tribunais, para além de se apresentarem irrazoáveis e desproporcionais aos fins visados”. Nesse sentido, o vice-procurador ao propor a ação direta de inconstitucionalidade, demonstra que:

É evidente o perigo na demora processual (periculum in mora), tendo em vista que, enquanto não for suspensa a eficácia das normas impugnadas, bloqueia-se legal e praticamente a atividade de uniformização de jurisprudência própria dos tribunais do trabalho, com um mínimo de celeridade, para além de compeli-los a adequar os seus respectivos regimentos internos, quanto ao funcionamento e deliberação de seus próprios órgãos para edição, alteração, ou cancelamento de súmulas e orientações jurisprudenciais não vinculantes, a uma determinação exógena, abalando o núcleo essencial de sua autonomia e independência. O TST, inclusive, aguarda o posicionamento do STF acerca do tema e suspendeu processo que trata especificamente de um verbete sumular, assim como reputou que não pode rever, ou consolidar a sua jurisprudência e sequer cancelar enunciados que sejam contrários à própria Lei 13.467/2017, ou a recentes decisões da Suprema Corte. (ADI n° 6.188/DF, 2019, p.22-23).

Portanto, o Tribunal Superior do Trabalho aguarda o posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação ao tema, pois sem esse posicionamento, não pode haver consolidação da jurisprudência, assim como não poderá sequer cancelar enunciados que sejam contrários à própria reforma trabalhista. Ocorre ainda que, as outras áreas do direito não precisam submeter a tais exigência como consta no artigo 702 alínea “f”.

Consta na ação direta de inconstitucionalidade 6.188/DF (2019 p.4) “tais disposições normativas afrontam direta e ostensivamente os princípios da separação dos poderes e da independência orgânica dos tribunais, para além de se apresentarem irrazoáveis e desproporcionais aos fins visados”, dessa forma, verifica-se que o dispositivo afronta princípios como o da separação dos poderes e da independência orgânica dos tribunais;

Resta caracterizado que em virtude desse “engessamento”, demonstra inexequível, conforme a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade 6.188 (2019, p.23) a “sistematicidade, organicidade de um sistema de precedentes que confira minimamente previsibilidade, segurança jurídica, celeridade e racionalidade ao processo do trabalho”.  

Urge-se o aguardo da suspensão dos efeitos do dispositivo pelo Supremo Tribunal Federal, pois a demora acarreta a insegurança jurídica. Há “súmulas travadas” que ficaram pendentes de julgamento pelo Tribunal Superior do Trabalho, mas, por maioria, decidiram aguardar decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Destarte, encontra-se um sistema jurisprudencial que não consegue se manifestar sobre os temas pertinentes da reforma, uma vez que estão submetidos ao aguardo do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS  

O presente trabalho buscou demonstrar os reflexos da reforma trabalhista trazida pela lei 13.467 de 2017, frente ao princípio da proibição do retrocesso social, demonstrando que o referido princípio é uma garantia constitucional implícita, que possui sua matriz nos princípios da segurança jurídica, da efetividade dos direitos constitucionais e da dignidade da pessoa humana. Dessarte, analisou-se o princípio citado, e as flexibilizações da reforma trabalhista que resultou na perda de direitos dos trabalhadores.

O primeiro capítulo buscou a contextualização do direito do trabalho, verificando que as relações trabalhistas passaram por processos e mudanças ao longo dos tempos, assim como sua conceituação, podendo ser definido como o ramo do direito que visa regular, no âmbito coletivo e individual, a relação de trabalho subordinado, definindo os sujeitos da relação e a estrutura das organizações que são destinadas a proteger o trabalhador.

 Buscou-se verificar a sua origem com o advento da Revolução Industrial, com o enorme crescimento de utilização de máquinas que resultou em dispensas massivas, resultando no surgimento de conflitos através das graves, e com toda essa pressão, o Estado começou a intervir, assim surgindo as primeiras medidas disciplinadoras da relação de trabalho.

 Bem como demonstrar sua origem no Brasil, que pode-se dizer que foi iniciada a partir da Revolução de 1930 no época do governo provisório de Getúlio Vargas, sendo autorizada por ele, em janeiro de 1942, a elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho, a qual entrou em vigor em 10 de novembro de 1943.

Foi apresentado os princípios específicos do direito do trabalho, quais sejam o princípio da proteção, que se subdivide no princípio in dubio pro operario, o princípio da norma mais favorável, e o princípio da condição mais benéfica. Assim como o princípio da primazia da realidade, da irrenunciabilidade, da continuidade, que trazem consigo o sentido de proposição fundamental.

Houve a demonstração do direito do trabalho como direito fundamental, opondo-se a tendência flexibilizadora desse ramo jurídico, uma vez que que a Constituição Federal fixou amplos direitos sociais dos trabalhadores como garantias fundamentais, observando que os direitos sociais possuem a característica de progressividade, não devendo haver sua flexibilização nem retrocessos.

No segundo capítulo analisou-se a aplicação do princípio da proibição do retrocesso social “efeito cliquet” no direito do trabalho, o qual vem dizer que não se pode reprimir ou revogar um direito social constitucionalmente já adquirido sem apresentar alternativa ou outro direito que compensa a perda desse primeiro. A violação desse princípio ocorre justamente quando há a supressão a direitos sociais já realizados e efetivados. Portanto, evidenciou-se a necessidade de não ter apenas tais direitos apontados, é necessário mecanismos para assegurá-los, principalmente os direitos sociais e fundamentais já conquistados.

Destarte, o princípio da vedação do retrocesso social é uma garantia implicitamente constitucional, aludindo a ideia de que após ter implementado um direito fundamental, o Estado não pode simplesmente retroceder.

No que tange ao direito pátrio, se tratando de um país com tanta desigualdade social como o Brasil, a aplicação do referido princípio vem ganhando espaço na doutrina, por ser um princípio impeditivo que tem como virtude evitar planos políticos que venham enfraquecer os direitos fundamentais, abrangendo mecanismos de proteção ao assegurar a concretização desses direitos.

Ao analisar o direito comparado, fez-se uma breve análise sobre os tratados internacionais, como a mais completa e principal fonte do direito internacional público, assim como uma sintética análise acerca da Organização Internacional do Trabalho, e a incorporação das convenções internacionais no ordenamento jurídico interno brasileiro.

Ao comparar com o direito estrangeiro, averiguou-se a aplicação do princípio da proibição do retrocesso social na Alemanha, através de sua jurisprudência, apurando-se tal princípio também em Portugal, de modo que pode ser retirado diretamente de sua Constituição, assim como por sua jurisprudência.

No Brasil, revelou-se que o princípio do não retrocesso social é explorado escassamente, mas que vem ganhando maior atenção na doutrina pátria, no entanto, é certo que se encontra implícito no sistema jurídico-constitucional brasileiro, e já foi suscitado junto ao Supremo Tribunal Federal.

No terceiro capítulo, ao apresentar a reforma trabalhista e possíveis limitações perante as flexibilizações dos direitos e garantias, fez-se necessário lançar o olhar sobre os direitos sociais, compreendendo-se que os direitos fundamentais sociais ensejam direitos a prestações estatais, com a característica de poderem ser exigidos judicialmente, para assegurar sua efetividade.

No que diz respeito a Reforma Trabalhista, analisou-se sua tendência flexibilizadora, a ponto de pender para uma linha em que a relação de trabalho seja entendida como uma relação entre coisas, ou apenas como uma relação contratual, perdendo seu caráter protetivo, o qual é intrínseco a esse ramo específico do direito.

Posteriormente, explorou seus efeitos sobre os principais pontos, como na jornada de trabalho, em que houve um aumento considerável quanto a duração do trabalho e flexibilizações prejudiciais ao empregado, no que condiz ao regime de tempo parcial em que se tomou mais abrangente, o que antes era no máximo vinte e cinco horas semanais, passou ser aceitável até trinta horas semanais, com possibilidade de ocorrer horas extras no caso de vinte e seis horas semanais.

 No regime 12x36 houve algumas modificações, trazendo a possibilidade que tal regime pode ser definido por convenção coletiva ou acordo coletivo, como por acordo individual escrito.

Na compensação de horário, houve mudanças quanto a sua autorização, que atualmente pode ser por acordo individual, e convenção coletiva e acordo coletivo. No que se refere ao banco de horas há a permissão que reduza o intervalo em jornadas de mais de seis horas, assim como ampliar a jornada em ambientes insalubres.

Em relação ao intervalo intrajornada, há mudanças no que consiste ao pagamento de caráter indenizatório pelos minutos efetivamente suprimidos pelo empregador. No intervalo interjornada passou a ser possível a sua redução com a prevalência do negociado sobre o legislado.

Na composição do salário houve a ampliação da possibilidade da remuneração ser constituída por prêmios, mas sem constituir base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário, apenas integra o salário as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador, não integrando, mesmo que habitualmente, ajuda de custo, auxílio-alimentação, assim como, diárias para viagem, prêmios e abono, os quais não podem ser em dinheiro.

Sobre a representação dos empregados a reforma trabalhista estabeleceu sua regulamentação, mas pouco efetiva em garantir que a comissão eleita não seja pressionada pelos empregadores. Houve a modificação da ordem, ao prevalecer o acordo coletivo de trabalho sobre a convenção coletiva de trabalho, não prevalecendo a condição mais favorável para o trabalhador.

 O trabalho autônomo, em que a reforma trabalhista apresentou o novo art. 442-B, o qual declara que a contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado. Ao trabalho intermitente foi conferido nova redação ao caput do art. 443 da CLT e seu novo § 3º, que o define como uma prestação de serviço, com subordinação, que não é contínua e alterna períodos de inatividade.

No que tange as alterações na rescisão do contrato de trabalho, houve diversos dispositivos que afetaram a rescisão contratual, assim como criou a figura da rescisão de contrato recíproco, com a revogação dos § 1º, § 2º e § 3º do artigo 477, foi extinta a necessidade de homologação da rescisão para trabalhadores com mais de um ano.

 Com a aparente singela desburocratização promovida, a nova lei afasta cada vez mais o sindicato profissional de seus representados, além de impedir que a entidade associativa conheça mais de perto a decisiva dinâmica de terminação dos contratos de trabalho

Por fim, ao buscar analisar o recepcionamento da lei da reforma trabalhista no direito pátrio através da jurisprudência sob a perspectiva do princípio do não retrocesso social, encontrou-se um sistema jurisprudencial engessado, por causa do artigo 702 em sua alínea ‘f’ da Consolidação das Leis do Trabalho, acrescentada pela lei 13.467 e 2017, que produziu regras rígidas, para não se dizer absurdas, de tal forma que inviabiliza a edição de súmulas e jurisprudências, tal dispositivo é alvo da ação direta de inconstitucionalidade 6.188/DF, apresentada pelo Procurador Geral da República.

Destarte, a jurisprudência trabalhista não se manifestou desde a referida reforma, e encontra-se submetida ao aguardo do posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

Por conseguinte, nota-se como a lei da reforma trabalhista foi agressiva ao ponto de, não apenas retirar diversos direitos dos trabalhadores, mas também por atentar contra o próprio sistema de separação dos poderes, no qual é regulamentado suas funções típicas e atípicas, interferindo na atuação dos tribunais do trabalho e na autonomia de sua própria organização.

Sendo assim, percebe-se a tentativa da referida lei em afastar os direitos trabalhistas das proteções que se encontrariam amparadas jurisprudencialmente pela justiça do trabalho.

Conclui-se que a reforma trabalhista não apenas afrontou o princípio da proibição do retrocesso social, o qual pode ser aplicado no sistema pátrio, uma vez que ele está na base do sistema jurídico-constitucional brasileiro, como afrontou princípios como o da tutela jurisdicional, da separação dos poderes e o da independência orgânica dos tribunais, ficando tais impasses dependentes de decisão do Supremo Tribunal Federal

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