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Já escovou os dentes, Felipe?

Agenda 19/12/2019 às 08:49

O ARTIGO DISCUTE ASPECTOS LIGADOS A COMPETÊNCIA PARA INSTRUIR E JULGAR RECENTE CASO ENVOLVENDO O SÍTIO DE ATIBAIA.

O CASO LULINHA E A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA

Rogério Tadeu Romano

Consoante informou o jornal O Estadão, em 18 de dezembro do corrente ano, o desembargador João Pedro Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), negou pedido da defesa do empresário Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, para tirar da Justiça Federal de Curitiba a investigação sobre as ligações entre a Gamecorp/Gol e a Oi/Telemar. Na decisão, no entanto, o magistrado coloca em dúvida a competência da Vara da Operação Lava Jato em Curitiba para julgar o caso. Gebran alega que, antes de tirar o caso do Paraná, é preciso saber para qual foro vai a investigação.

Lulinha e a Gamecorp foram alvo de buscas e apreensões da Operação Mapa da Mina, fase 69 da Lava Jato, desencadeada na terça-feira passada. A força-tarefa de Curitiba argumenta que recursos ilícitos podem ter sido usados na compra do sítio de Atibaia usado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O imóvel está em nome de dois sócios de Lulinha, Jonas Suassuna e Kalil Bittar.

Na semana passada o advogado de Lulinha, Fábio Tofic Simantob, pediu que a investigação fosse tirada de Curitiba alegando que o caso não tem vínculos com os desvios da Petrobrás investigados pela Lava Jato.

“Com a devida vênia, não vislumbro com a mesma nitidez a competência da 13.ª Vara Federal de Curitiba para processamento do feito”, diz o desembargador. “Em linha de princípio, tenho que a conexão entre os fatos principais e possíveis desdobramentos que teriam levado ao pagamento do sítio de Atibaia é bastante tênue, senão inexistente.”

Haveria prevenção para tal?

Há prevenção na matéria e persiste tal prevenção diante da conexão instrumental ou probatória existente?

A prevenção é a razão da reunião desses processos.

A prevenção se dá quando, tendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, venha um dele, antecipando-se aos outros praticar algum ato ou determinar alguma medida, mesmo antes de oferecida a denúncia (prisão preventiva, fiança) que o torne competente para o processo, excluídos os demais" (PAULO LÚCIO NOGUEIRA. Curso Completo de Processo Penal, 3ª ed., Saraiva. l987, pág. 66).

Preventa estará a jurisdictio de um juízo, quando este preceder, antecipar-se aos demais juízes igualmente competentes em algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anteriormente ao oferecimento da denúncia ou queixa.

Prevenção é critério de fixação da competência.

Prevenção é ato de prevenir, e prevenir (de prevenire) é vir antes, chegar antes, antecipar-se etc. Diz-se, então, prevenida ou preventa a competência de um juiz quando ele se antecipou a outro, também competente, na prática de ato do processo ou de que a este se relacione, como sucede com a prisão preventiva, a em flagrante, as buscas e apreensões, o reconhecimento de pessoas ou coisas etc.

Deflagrada em 17 de março de 2014 a chamada “operação Lava-Jato” desmontou um esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas que movimentou enorme quantia de dinheiro.

Informa-se que, de acordo com a Polícia Federal, as investigações identificaram um grupo especializado no mercado clandestino de câmbio.

Por certo, a sociedade de economia mista Petrobras está no centro das investigações, que apontam ex-dirigentes daquela empresa envolvidos no pagamento de propina a políticos e executivos de empresas que firmaram contratos com a petroleira.

Como já salientado foram diversos os ilícitos cometidos que estão sendo investigados: peculato; corrupção passiva e ativa(sendo que há uma vertente onde se argumenta pela existência de crime de concussão, forma de extorsão promovida por servidor público); frustrar ou fraudar licitação mediante ajuste ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório com intuito de obter para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação; organização criminosa, formação de cartel,  todos em concurso material(artigo 69 do Código Penal). Além deles, pode-se falar no cometimento, dentre outros, de delitos de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

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Sabe-se que essa operação levou à prisão de Alberto Youssef, que foi apontado como “chefe do esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas”(este crime de colarinho branco de competência da Justiça Federal, por força da Lei 7.492/86).

O caso envolvendo o filho do ex-presidente Lula, por certo, até aqui, não tem dados suficientes para se ter qualquer vinculação com a sociedade de economia mista, Petrobras, e ainda o doleiro Alberto Youssef, que estava envolvendo a competência da Justiça Federal na seção judiciária do Paraná.

Não há uma cadeia probatória lógica com a Petrobrás.

Sabe-se que não se pode desmembrar fatos, que estejam associados por uma rede probatória lógica, em verdadeira cadeia, formando uma conexão lógico-probatória, uma conexão instrumental.

Essa conexão instrumental não está patente para o caso.

Não se desconhece a alta gravidade das revelações trazidas contra o filho do ex-presidente Lula.

Trago à colação recente reportagem exposta na revista Veja, publicada no último dia 20 de dezembro:

“A Lava-Jato já reuniu elementos que mostram que Lulinha era remunerado pela Oi para que atuasse nos altos escalões do governo petista como lobista, defendendo os interesses das companhias telefônicas. Embora os repasses financeiros da operadora à Gamecorp tenham sido contínuos, os investigadores descobriram que, a cada negociação que envolvesse fusões e aquisições no setor de telecomunicações ou alterações legislativas de interesse da empresa, uma nova bolada era depositada no caixa da firma do “Zero Um” de Lula. A quebra de sigilo bancário da Gamecorp demonstrou que, desde que ela foi criada, em 2003, 74% de todos os valores recebidos tinham vindo de um fundo único: a Oi. A outra parte vinha da Vivo.
Sem expertise para atuar no mercado de telecomunicações, Lulinha agia de um modo que chamava atenção. Em 2006, uma reportagem de VEJA revelou que ele despachava no escritório de um conhecido lobista de Brasília, que seria preso por corrupção algum tempo depois e que trabalhava, não por acaso, para as empresas de telefonia.
Na época, a Polícia Federal abriu um inquérito para investigar o possível tráfico de influência na relação entre a Gamecorp e a antiga Telemar, que depois foi rebatizada de Oi, mas não descobriu nada apesar das gritantes evidências. Em 2008, o então presidente Lula editou um decreto que permitia a fusão de empresas de telefonia. Foi com base nessa lei que nasceu a chamada supertele resultante da fusão da Oi com a Brasil Telecom.
Era uma das primeiras empresas inseridas na política dos “campeões nacionais” patrocinada pelo governo Lula, que levou companhias escolhidas a dedo, quase sempre por métodos bastante heterodoxos, incluindo pagamentos de propina, a assumir postos de liderança em seus ramos de atuação. Bem-sucedida para ambos, a parceria financeira Oi-Gamecorp continuou até 2016, quando, por acidente, o caso foi parar na Lava-Jato.
Nessa época, Lula já era investigado por corrupção. A pista que arrastou Lulinha para dentro da Lava-Jato surgiu quando policiais foram à casa do ex-presidente e de seus filhos cumprir mandados de busca e apreensão.
Os agentes encontraram cópia de um e-mail enigmático recebido por Lulinha e seus sócios. Nele, um diretor da Gamecorp informa que, do resultado da empresa “nos últimos doze meses”, “foram expurgados os números da Brasil Telecom (Grupo Oi), que, por ser uma verba política, poderia distorcer os resultados”. O eufemismo utilizado para justificar os repasses milionários a Lulinha não foi ignorado pela Receita Federal, que concluiu que a contratação da empresa de Fábio Luís foi “diferenciada”, “privilegiada” e sem que “a efetiva prestação do serviço” tenha sido comprovada.
Em 2008, ano em que o decreto que criava a supertele foi editado, a Oi transferiu 11 milhões de reais ao grupo Gamecorp. No ano seguinte, o valor subiu para 23 milhões de reais. Para justificar as transferências a empresas ligadas a Lulinha e seus sócios, a telefônica alegou que houve a contratação de serviços como a produção de um site religioso e um projeto de livros didáticos, pagos em valores muito superiores aos preços de mercado. Em apenas um caso, o pagamento foi de mais de 37 000% acima do preço real. Em outras situações, dizem os investigadores, não houve sequer um serviço prestado ou justificado para as transferências financeiras. Entre 2009 e 2016, os aportes da Oi ao grupo Gamecorp chegaram a mais de 111 milhões de reais.
Diz o procurador Roberson Pozzobon: “As evidências indicam que o maior ativo que o grupo Oi/Telemar buscava na contratação da Gamecorp era o fato de que entre seus sócios estava o filho do então presidente da República. No mundo dos negócios, e estamos falando de negócios com o poder público, não há lanche grátis”.

A empresa Gamecorp, que acumula prejuízo milionário, está se mudando para um portentoso prédio no bairro da Vila Olímpia, São Paulo. Ocupará quatro salas do 7o andar do edifício construído pela Odebrecht. 

São fatos gravíssimos que indicam a necessidade de correta investigação, mas que, de forma direta não têm afinidade com a investigação que envolveu direta e indiretamente a Petrobras.

Por essa razão, tem-se que é incompetente a Justiça Federal do Paraná para investigar esses fatos envolvendo o filho do ex-presidente da República e a OI. O que pode se dar é, além de outros delitos como corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, a existência de crime contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º da Lei 8.137/90, que leva a competência para a Justiça Federal, mas, certamente, para outra seção judiciária.

Será caso, salvo melhor juízo, de definir a competência da seção judiciária de São Paulo para instruir e julgar o caso.   

Se assim for, poderá o órgão do Parquet que atue perante aquela unidade pedir a ratificação dos atos já praticados.

Lembre-se, outrossim, que já foi julgado em primeira e segunda instância o caso do Sítio de Atibaia com a condenação do ex-presidente Lula.

No caso, aplica-se a Súmula 235 do STJ, de seguinte teor:

A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado. Precedentes: CC 832-MS (2ª S, 26.09.1990 – DJ 29.10.1990) CC 1.899-PR (2ª S, 09.10.1991 – DJ 25.11.1991) CC 3.075-BA (2ª S, 12.08.1992 – DJ 14.09.1992) CC 13.942-PR (2ª S, 09.08.1995 – DJ 25.09.1995) CC 15.824-RS (1ª S, 26.06.1996 – DJ 09.09.1996) CC 16.341-RS (1ª S, 23.10.1996 – DJ 18.11.1996) CC 22.051-SP (2ª S, 09.09.1998 – DJ 23.11.1998) REsp 23.023-RS (4ª T, 15.03.1994 – DJ 25.04.1994) REsp 193.766-SP (4ª T, 04.02.1999 – DJ 22.03.1999)

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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