No final de ano é comum que os médicos, principalmente aqueles que estão no início da carreira, façam mais plantões para aumentar a renda pessoal e familiar. Alguns hospitais pagam mais pelo trabalho nessa época do ano, alguns pagam a mesma coisa dos outros meses, outros profissionais não querem trabalhar entre natal e ano novo e com isso as dúvidas começam a surgir. O presente artigo busca dirimir os principais questionamentos em relação ao tema.
1. Plantonista deve ter vínculo de emprego com instituição de saúde?
A grande maioria dos hospitais contrata médicos plantonistas como prestadores de serviços. Não há proibição para essa modalidade de contratação, contanto que não haja o fenômeno de “pejotização” que é uma fraude trabalhista. Essa fraude ocorre quando o hospital quer mascarar uma relação de emprego contratando o profissional como pessoa jurídica, mesmo estando presentes os requisitos da relação de emprego. Quando é constatada a fraude o contrato de prestação de serviços é considerado nulo e é estabelecida a relação de emprego desde o início do contrato.
Quais são os requisitos da relação de emprego? De acordo com o artigo 3º da CLT, são: pessoalidade, subordinação, não eventualidade e onerosidade¹. Em alguns casos de plantonistas no Brasil é possível dizer que os médicos não estão subordinados à instituição de saúde, a qual não tem nenhuma influência no atuar profissional do médico e monta a escala de plantões de acordo com a disponibilidade do médico, bem como também não há pessoalidade, ou seja, é possível a eventual substituição do plantonista por outro com a mesma qualificação profissional sem que acarrete nenhum prejuízo. Nesses casos é possível a prestação de serviços sem configuração de vínculo empregatício, conforme já decidiu inúmeras vezes o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, inclusive².
Entretanto, há casos em que a instituição tem controle sobre as escalas de plantão, dá ordens diretas durante o trabalho dos plantonistas, retém parcela do seu pagamento, não admite substituições, faz controle de ponto, etc. Nessas hipóteses, é devida análise caso a caso, porém, mas há grandes chances de o médico ter direito a ser registrado como empregado e se o hospital exigir contratação por meio de pessoa jurídica prestadora de serviços estará caracterizada fraude³.
Por fim, nos casos dos Hospitais da Rede Pública de Saúde, conforme determina o artigo 37, II e §2º da Constituição Federal, é necessário concurso público para a contratação de funcionários, os quais podem trabalhar como servidores públicos ou empregados públicos celetistas, com registro em Carteira de Trabalho. As regras relativas à cada contratação constarão no edital de seleção, o qual deve ser lido com atenção pelos profissionais da saúde.
2. É obrigatório o pagamento adicional nos plantões de final de ano?
A resposta é: depende. Para a resposta dessa pergunta é necessária a resposta de outra pergunta primeiro que é: o médico é empregado da instituição de saúde? Em caso positivo, o trabalho nos feriados (ou seja, apenas nos dias 25/12 e 01/01), conforme determina o artigo 70 da CLT, deve ser remunerado em dobro ou deve ser concedida folga compensatória. Ainda, é possível que estejam previstos mais benefícios para a categoria em acordo coletivo ou convenção coletiva.
Caso o médico não seja empregado, trabalhando como prestador de serviços, não há obrigatoriedade por lei de pagamento adicional, nem mesmo nos feriados. Contudo, pode haver estipulação nesse sentido em contrato de prestação de serviços firmado entre as partes, bem como o hospital pode conceder benefícios para os plantões no período para todos os plantonistas, conforme for de seu interesse, não sendo obrigado a manter as concessões em durante toda a prestação.
3. Qual a carga horária máxima do plantonista?
A carga horária do médico plantonista depende do que é estabelecido por cada instituição de saúde. Não há um consenso sobre qual é o mínimo de horas que o plantonista tem que fazer para ser assim considerado, mas a maior parte dos Conselhos Regionais considera 12 horas contínuas de plantão. Quanto à carga horária máxima, o CREMESP editou a Resolução 90/2000 que trata da saúde ocupacional dos médicos, onde estabeleceu que é vedada a realização de plantão por mais de 24 horas contínuas, com exceção dos plantões a distância. Essa Resolução é bastante utilizada pelos Conselhos Regionais quando são questionados sobre carga horária dos plantonistas, sendo considerado um limite razoável em respeito à saúde dos profissionais.
Importante ressaltar que os médicos que são empregados dos hospitais devem seguir os limites de jornada estabelecidos na Constituição Federal e na CLT, de 8 horas diárias e 44 horas semanais, contudo, pode ser negociado em acordo ou convenção coletiva escalas de plantões diversas, como, por exemplo, a de 12 horas de trabalho seguidas de 36 horas de descanso. Caso não haja negociação sobre o tema, deve haver pagamento de horas extras pelo excedente ao que estabelecido em lei.
Por fim, em relação aos médicos que são servidores ou empregados públicos no Sistema Único de Saúde, existem alguns estados e municípios que possuem leis específicas quanto à jornada máxima que médicos e dentistas podem realizar nos plantões. Devendo ser analisado caso a caso, a depender da localidade em que o profissional está situado.
4. Como agir na impossibilidade de comparecimento ao plantão?
O Código de Ética Médica determina, no artigo 9º, que é vedado ao médico deixar de comparecer ao plantão em horário preestabelecido ou abandoná-lo sem a presença de um substituto, salvo justo impedimento. Quanto ao justo impedimento, o CFM4 entende que deve ser apresentado por escrito para o chefe do serviço e/ou diretor técnico no hospital com antecedência mínima de 72 horas5, devendo haver concordância da justificativa apresentada para que o plantonista de exima da responsabilidade de comparecer ao plantão. Quanto à força maior, o CFM esclarece que, nesses casos, o chefe do serviço e/ou diretor técnico deve(m) ser notificado(s) assim que possível, a fim de que possam providenciar a substituição devida.
Nos casos em que o plantonista não queira comparecer, sem que haja justo motivo para tanto, o CFM entende que é sua responsabilidade encontrar um substituto para o plantão, respondendo perante ao CRM da sua região caso não o faça.
Importante observar que caso o plantonista que não é empregado não queira mais realizar plantões na instituição de saúde, deve seguir as regras internas de rescisão e, não havendo regras específicas, deve comunicar com a maior antecedência possível, a fim de possibilitar que seja contratado outro profissional para realizar os serviços naqueles horários, para que não haja caracterização de abandono de plantão. Em relação aos empregados, esses deverão seguir as regras da CLT, cumprindo aviso-prévio.
Quanto aos empregados e servidores públicos, devem atentar-se à existência ou não de normas específicas em relação à comunicação de não comparecimento aos plantões.
Ressalta-se, por fim, que caso esteja em um plantão e, ao final, o substituto não compareça no horário estipulado, o plantonista também não pode ir embora. Deve, conforme estabelecido no Código de Ética Medica, comunicar a Direção Técnica e esperar o substituto por ela providenciado.
5. Qual a responsabilidade civil do plantonista?
O médico, seja ele plantonista ou não, é responsável por todos os atos médicos que tenha indicado ou praticado, mesmo que vários médicos tenham assistido o paciente. É isso que está preceituado no Código de Ética Médica (artigos 3º e 4º) e está de acordo com o Código Civil (artigos 186 e 927) e Código de Defesa do Consumidor (artigo 14).
A responsabilidade do médico é pessoal e depende da comprovação de culpa, sendo que o plantonista responde por todos os atos que realizou ou indicou durante o seu plantão. Ou seja, se por suas atitudes causou dano ao paciente, ficando caracterizada a sua culpa, deverá ser responsabilizado. Por esse motivo, é importante que o prontuário médico esteja preenchido de forma correta, sendo claramente delimitado qual profissional que realizou cada ato.
Entretanto, nos casos em que não é possível delimitar qual ato que causou o dano ao paciente, toda a cadeia de médicos que o atenderam pode ser responsabilizada de forma solidária.
Autoras: Ana Beatriz Nieto Martins (OAB/SP 356.287) e Erika Evangelista Dantas (OAB/SP 434.502), sócias do escritório de advocacia Dantas & Martins Advogadas Associadas, especializado em Direito da Saúde (www.dantasemartins.com.br; Instagram: @adv.dantasemartins)
Notas de rodapé
¹ Pessoalidade: trabalho realizado por pessoa física específica, ou seja, não substituível.
Subordinação: controle e estabelecimento de regras por parte do empregador.
Onerosidade: contraprestação pecuniária pelos trabalhos prestados.
Não eventualidade: o trabalho é contínuo, com uma certa frequência.
² MÉDICO PLANTONISTA. AUTONOMIA. VÍNCULO DE EMPREGO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Dois traços marcantes para distinguir o trabalhador autônomo daquele com vínculo empregatício são a subordinação jurídica, efetiva vinculação do trabalhador ao poder empregatício, e a assunção dos riscos do negócio. O médico autônomo, diferentemente do médico empregado, não está sujeito ao poder de direção da entidade contratante e exerce livremente sua atividade no momento que o desejar, de acordo com sua conveniência. (...) Identificado que a utilização dos serviços da reclamante pela primeira reclamada estava condicionada à disponibilidade de horários daquela, que também poderia transferir plantões para outros médicos, afigura-se patente a autonomia, alijando-se a subordinação jurídica. Recurso ordinário da reclamante ao qual se nega provimento quanto ao reconhecimento de vínculo empregatício.
(TRT 2ª REGIÃO - Data de Publicação: 17/05/2018; Magistrado Relator: ALVARO ALVES NOGA; Órgão Julgador: 17ª Turma - Cadeira 5; Número Único: 1000561-09.2016.5.02.0020)
MÉDICA PLANTONISTA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. TRABALHO AUTÔNOMO. O conjunto probatório evidencia trabalho autônomo, ausência de pessoalidade na prestação de serviços e, de outra parte, que a ré não detinha poder diretivo em face do labor ou dos horários cumpridos pela autora, nem disciplinar para puni-la ou admoestá-la, condições essas que não se coadunam com o vínculo empregatício, por não configurada subordinação na relação jurídica. Apelo improvido no ponto.
(TRT 2ª REGIÃO - Data de Publicação: 07/02/2017; Magistrado Relator: KYONG MI LEE; Órgão Julgador: 3ª Turma - Cadeira 2; Número Único:1000102-16.2014.5.02.0363)
MÉDICA PLANTONISTA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. TRABALHO AUTÔNOMO. O conjunto probatório evidencia trabalho autônomo, ausência de pessoalidade na prestação de serviços e, de outra parte, que a ré não detinha poder diretivo em face do labor ou dos horários cumpridos pela autora, nem disciplinar para puni-la ou admoestá-la, condições essas que não se coadunam com o vínculo empregatício, por não configurada subordinação na relação jurídica. Apelo improvido no ponto.
(TRT 2ª REGIÃO - Data de Publicação: 20/08/2019; Magistrado Relator: KYONG MI LEE; Órgão Julgador: 3ª Turma - Cadeira 2; Número Único: 1000449-24.2018.5.02.0714)
4 http://www.portalmedico.org.br/pareceres/CRMPB/pareceres/2010/29_2010.htm
5 Alguns Conselhos Regionais, como o de São Paulo, entendem que o prazo para a comunicação pode ser reduzido (vide Consulta nº 105.421/14 do CREMESP), porém, sempre sugerimos que seja comunicado com o maior prazo possível, de preferência 72 horas como recomendado pelo CFM.