A doutrina conceitua licitação como um procedimento administrativo de observância obrigatória pelas entidades governamentais, em que, observada a igualdade entre os participantes, deve ser selecionada a melhor proposta dentre as apresentadas pelos interessados. (Alexandrino, 2013, p. 597)
A lei n. 8666/93, em seu art. 55, dispõe as cláusulas necessárias em todo contrato e, em seu inciso XIII, elucida que:
XIII - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.
É de nosso conhecimento que para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentações relativas a regularidade fiscal e trabalhista. (Art. 27, IV, Lei 8.666/93)
No tocante a regularidade fiscal, Celso Antônio Bandeira de Mello explica:
No que tange à prova de regularidade com as Fazendas Públicas, anotou que já não mais se fala em “quitação” com a Fazenda Pública, mas em “regularidade” com o Fisco, que pode abranger a existência do débito consentido e sob controle do credor. Donde, será ilegal o edital que exija prova de quitação. Além disto, o licitante pode haver se insurgido contra o débito por mandado de segurança ou outro meio pelo qual o questione ou questione seu montante. Há de se ter por certo que “a exigência de regularidade fiscal não pode sobrepor-se à garantia da universalidade e do monopólio da jurisdição”. Donde, se a parte estiver litigando em juízo sobre o pretendido débito, tal circunstância não poderá ser um impedimento a que participe de licitações. (MELLO, 2011, p. 594)
Sabe-se, então, que a Lei 8.666/93, prevê a regularidade fiscal e trabalhista para habilitação no procedimento licitatório, bem como a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.
Nos pagamentos efetuados pela Administração, principalmente nos contratos de execução continuada ou parcelada, obriga-se o gestor à verificação da documentação relativa à regularidade fiscal para com as Fazendas Federal, Estadual e Municipal, conforme o caso, e para com a Seguridade Social (Súmula TCE/MT nº 009 e Acórdão 97 TCE/MT nº 44/2014 - SC).
A par disso, surge, então, uma dúvida: Nos casos de ausência de regularidade fiscal da contratada, cabe a administração pública realizar a retenção de pagamento?
O Tribunal de Contas da União tem recomendado que "[...] verificada a irregular situação fiscal da contratada, incluindo a seguridade social, é vedada a retenção de pagamento por serviço já executado, ou fornecimento já entregue, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração" (Acórdão nº 964/2012 e 2079/2014, ambos do Plenário).
Ora, mas o que fazer nas hipóteses em que há ausência de regularidade fiscal?
No processo RMS nº 24953/CE, o Superior Tribunal de Justiça – STJ tem decidido que “[...] pode a Administração rescindir o contrato em razão de descumprimento de uma de suas cláusulas e ainda imputar penalidade ao contratado descumpridor. Todavia a retenção de pagamento devido, por não constar do rol do art. 87, da Lei nº 8.666/93, ofende o princípio da legalidade, insculpido na Carta Magna”.
O art. 87, da Lei n. 8.666/93, dispõe que:
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
Vê-se, portanto, que a argumentação na qual vem sendo utilizada para não haver tal retenção é que a mesma ofende o princípio da legalidade, ou seja, não há em nosso ordenamento jurídico previsão legal que autorize a retenção.
Do mesmo modo, conforme disposto na Resolução de Consulta do TCE/MT nº 06/2015, “[...] não é possível a retenção de créditos devidos a contratados por motivo exclusivo de não comprovação de regularidade fiscal ou trabalhista – desde que não existam quaisquer outras pendências decorrentes da relação contratual que possam eventualmente causar prejuízos ao erário – tendo em vista a inexistência de previsão legal que autorize a retenção e que tal prática importaria em enriquecimento sem causa da Administração”.
Para o TCE/MT, “[...] a não comprovação da regularidade fiscal e trabalhista do contratado na constância da execução contratual é motivo para a rescisão administrativa do contrato, garantida a ampla defesa e o contraditório, nos termos dos arts. 78, I, II, parágrafo único, e 79, da Lei no 8.666/1993. Nesse caso, os créditos do contratado decorrentes da efetiva execução do objeto contratual devem ser pagos, ressalvada a possibilidade de retenção dos créditos até o limite de eventuais prejuízos suportados pela Administração, conforme previsão do art. 80, IV, da Lei no 8.666/1993”.
Diante disso, tem-se que as condições exigidas na habilitação devem ser mantidas pela contratada durante a execução do contrato, conforme disposto no inciso XIII, do art. 55, da Lei nº 8.666/93. Contudo, segundo o entendimento do TCU, TCE/MT e STJ, não se pode fazer a retenção ou suspensão de pagamento em decorrência da falta de regularidade da empresa.
Além disso, é importante destacar que a comprovação da regularidade fiscal na celebração de contrato ou no pagamento de serviços já prestados, no caso de empresas que detenham o monopólio de serviço público (energia elétrica, água, correios, imprensa oficial), pode ser dispensada, em caráter excepcional, desde que previamente autorizada pela autoridade competente e, concomitantemente, a situação de irregularidade seja comunicada ao agente arrecadador e à agência reguladora (Orientação Normativa AGU 9/2009).
Destarte, é importante frisar que para o fornecimento do objeto pode ser realizado tanto pela Matriz quanto pela filial. Foi assim que decidiu o TCU no acórdão 3.056/2008 – Plenário, ao dizer que “[...] tanto a matriz, quanto à filial, pode participar de licitação e uma ou outra pode realizar o fornecimento, haja vista tratar-se da mesma pessoa jurídica. Atentese, todavia, para a regularidade fiscal da empresa que fornecerá o objeto do contrato, a fim de verificar a cumprimento dos requisitos de habilitação.”
Referências Bibliográficas:
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 21ª ed. ver. e atual. – Rio de janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
BRASIL. Lei nº 8.666/1993. Lei de Licitações e Contratos. Brasília: Senado Federal, 1993.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU).
MATO GROSSO. Tribunal de Contas do Estado. Fiscalização de contratos administrativos / Tribunal de Contas do Estado. Cuiabá: Publicontas, 2015.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 2 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU / Tribunal de Contas da União. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010.