A Constituição Federal de 1988 outorgou aos Municípios, em seu artigo 156, inciso I, a competência para criar imposto sobre “propriedade predial e territorial urbana”. O seu núcleo de hipótese de incidência é a propriedade, a posse ou o domínio útil do imóvel, razão pela qual os sujeitos passivos do referido imposto serão o proprietário, o possuidor ou o titular de domínio útil.
A “propriedade” disposta no texto constitucional refere-se ao sentido encampado no direito civil. Desta forma, conforme preceitua o artigo 1.228 do Código Civil, “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”, portanto, a propriedade reflete, de um lado, os direitos de uso, gozo e disposição de bens, conferidos ao titular da coisa; de outro, o de retomada de quem injustamente os possua.[1]
A “posse” reflete o exercício de poderes inerentes à propriedade, discriminada no artigo 1.196 do Código Civil como possuidor “aquele que tem fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”, como é caso da posse ad usucapionem, por exemplo, como aquela com a possibilidade de aquisição do domínio ou propriedade pela usucapião.
O “domínio útil” diz respeito a quando o proprietário, despojando-se dos poderes de uso, gozo e disposição da coisa, outorga-os a outrem. Mesmo não sendo o proprietário, o titular do domínio útil exerce direito sobre o imóvel, qual seja, o decorrente da utilização, fruição e disposição.
Desta feita, pode-se dizer que para que haja a responsabilidade pelo pagamento do IPTU, requisito indispensável é o animus domini, o qual se caracteriza como a intenção de ser dono ou agir como dono do imóvel.
Não obstante a indispensabilidade do animus domini para determinação do contribuinte, muitos são os conflitos relacionados à cobrança deste imposto, como é o caso da cobrança indevida do IPTU de imóveis desapropriados, situação em que, mesmo após desapropriação do imóvel, o antigo proprietário continua recebendo as cobranças do imposto sobre a propriedade.
A desapropriação está prevista no inciso XXIV do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988, o qual determina que bens privados poderão ser tomados pelo Estado em casos de utilidade ou necessidade pública, ou interesse social, por meio do pagamento de indenização em dinheiro. O processo de desapropriação é regido pelo Decreto-lei n° 3.365/41, sendo certo que o artigo 29 dispõe que a consumação da desapropriação, após pagamento do preço fixado, ocorre com “o mandado de imissão de posse, valendo a sentença como título hábil para a transcrição no registro de imóveis.”
Sendo assim, a partir da data da imissão da posse – momento em que ocorre a indisponibilidade econômica da propriedade desapropriada, a Municipalidade não pode realizar o lançamento do IPTU em nome do expropriado.
Mas e nos casos de imissão provisória da posse? Seria este raciocínio igualmente aplicável?
A imissão provisória da posse está prevista no artigo 15 do Decreto-lei nº 3.365/41, hipótese em que, se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada em conformidade com o artigo 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imiti-lo provisoriamente na posse dos bens.
Pode-se conceituar a imissão provisória na posse como a perda antecipada da posse do bem desapropriado. Sendo assim, quando há perda da posse, perde-se por consequência os poderes inerentes ao domínio (usar, gozar e dispor). Ou seja, no momento da imissão provisória, há a perda do animus domini pelo expropriado, sendo certo que imediatamente a responsabilidade pelo pagamento do IPTU é transmitida à entidade expropriante.
Outra justificativa para a responsabilidade da entidade expropriante no momento da imissão provisória é o fato de que o IPTU é imposto de obrigação propter rem, recaindo sobre o imóvel, não sobre a pessoa. Sendo assim, mesmo que provisória a imissão, a responsabilidade pelo pagamento do imposto é afastada do expropriado.
Leciona Hely Lopes Meirelles[2]:
“Mas é de observar-se que desde a imissão provisória na posse o expropriante aufere todas as vantagens do bem e cessa para o expropriado sua fruição, devendo cessar também todos os encargos correspondentes, notadamente os tributos reais.”
Não obstante os argumentos acima expostos, diversos são os casos em que as autoridades expropriantes defendem a responsabilidade pelo pagamento do tributo quando a imissão provisória da posse tiver ocorrido após o dia 1º de janeiro do exercício em questão.
Isso porque o fato gerador do IPTU é dia 1º de janeiro de cada ano e, tendo em vista que o expropriado estaria na posse da área no dia do lançamento do imposto, deveria ser obrigado a efetuar o pagamento da integralidade do tributo, sob pena de defender que o IPTU possui incidência mensal, não anual.
Esse mesmo entendimento ainda é aplicado pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
TRIBUTÁRIO – APELAÇÃO – AÇÃO DECLARATÓRIA C.C. ANULATÓRIA – IPTU – EXERCÍCIO DE 2010 – MUNICÍPIO DE PIRACICABA – Sentença que julgou improcedente a ação. Apelo do autor. DESAPROPRIAÇÃO – Nos casos de desapropriação, o tributo deixa de ser devido pelo expropriado a partir da efetivação da imissão provisória na posse – Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal – No caso, a imissão na posse se deu em 27/01/2010, após a ocorrência do fato gerador do IPTU, que se deu em 01/01/2010. Honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 – HONORÁRIOS RECURSAIS - Artigo 85, § 11 do Código de Processo Civil de 2015 - MAJORAÇÃO - POSSIBILIDADE - Ocorre que o Código de Processo Civil não é a única norma a ser aplicada - Aplicação conjunta com a Lei Federal nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia)- Entendimento jurisprudencial no sentido de não permitir o aviltamento da profissão de advogado - Honorários que devem ser fixados de forma razoável, respeitando a dignidade da advocacia - Honorários recursais fixados em R$ 2.000,00 que atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade - Verba honorária invertida que totaliza R$ 3.000,00. Sentença mantida – Recurso desprovido.
(TJ-SP - AC: 10014841420188260451 SP 1001484-14.2018.8.26.0451, Relator: Eurípedes Faim, Data de Julgamento: 30/10/2019, 15ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 30/10/2019)
Cumpre observar, ainda, que esses posicionamentos supracitados contrariam o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, no sentido de que a responsabilidade do expropriado pelo pagamento do IPTU limita-se à data da imissão provisória na posse pela expropriante, uma vez que a partir daí, perdeu o domínio do imóvel, in verbis:
DESAPROPRIAÇÃO. LEVANTAMENTO DO PREÇO. ART. 34 DO DECRETO-LEI N. 3.365/41. COMPROVAÇÃO DE QUITAÇÃO DE DÉBITOS FISCAIS. 1. A entidade expropriante é responsável pelo pagamento dos tributos após ter sido imitida na posse do bem objeto da expropriação. 2. Na forma do art. 34 do Decreto-Lei n. 3.365/41,o expropriado poderá levantar o preço, se comprovar a quitação dos tributos fiscais incidentes sobre o imóvel desapropriado até a data em que a autoridade expropriante tiver sido imitida na posse, nos termos do art. 15 do referido Decreto-Lei, ou da efetiva ocupação indevida do imóvel pelo expropriante, se for o caso. 3. Recurso especial conhecido e provido em parte. (REsp 195.672/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, j. 3/3/2005)
Apesar de posicionamentos do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no sentido de responsabilidade integral pelo pagamento do tributo ao expropriado que estava em posse do imóvel no dia 1º de janeiro do exercício da imissão provisória, há também entendimentos que seguem o quanto consolidado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, como é o caso do Agravo de Instrumento nº 2173150-66.2015.8.26.0000, de relatoria do I. Desembargador Marcelo Semer:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de Desapropriação. IPTU do exercício de 2015. Decisão agravada que atribui ao expropriante a totalidade do pagamento do imposto. Imissão provisória na posse ocorrida em 28/01/2015. Responsabilidade do expropriado pelo pagamento do IPTU que se limita à data da imissão provisória da posse. Precedentes do STJ e deste E. Tribunal de Justiça. Recurso parcialmente provido.
(TJ-SP - AI: 21731506620158260000 SP 2173150-66.2015.8.26.0000, Relator: Marcelo Semer, Data de Julgamento: 21/09/2015, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 23/09/2015)
Ora, é inviável sustentar que o imposto será cobrado do expropriado se a imissão provisória ocorrer depois do dia 1º de janeiro do exercício, sob pena de afronta aos princípios da capacidade contributiva e da vedação ao confisco.
Diante do exposto, é defensável que o expropriado seja responsabilizado pelo pagamento do imposto tão somente até o momento da imissão provisória e, a partir daí, que a autoridade expropriante arque com o recolhimento do IPTU.
[1] BARRETO, Aires F. - Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo: Saraiva, 2009.
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 40ª ed, pág. 704