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Os negócios jurídicos processuais e a flexibilidade procedimental na perspectiva do formalismo-valorativo

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Estudo dos negócios jurídicos processuais, notadamente da cláusula geral introduzida no CPC/2015, analisada na visão cooperativa, conciliatória e flexibilidade processual em prol de eficácia e eficiência da prestação jurisdicional.

RESUMO

É certo que os modelos procedimentais devem adaptar-se às realidades do caso concreto, entretanto, pouco se tem contribuído no campo acadêmico e forense para que a adequação processual seja realmente efetivada. Pretende-se com a presente obra, despertar o interesse pelo estudo do procedimento, sobretudo com finco nas bases principiológicas do formalismo-valorativo abraçadas pelo Código de Processo Civil de 2015. Em vista disso, à luz da cláusula geral de negociação processual, realizar-se-á o estudo do instituto dos negócios jurídicos como instrumento da flexibilidade, dos princípios da adequação e cooperação, a fim de demonstrar que a possibilidade de flexibilização procedimental em prol do atendimento às peculiaridades do direito material, desde que se respeitando a forma (e não o formalismo exacerbado), não fere a previsibilidade e a segurança jurídica, de modo a atender integralmente ao preceito constitucional de uma tutela jurisdicional adequada.

PALAVRAS-CHAVE: Flexibilização; Procedimento; Adequação; Formalismo-valorativo; Negócio Jurídico Processual.

INTRODUÇÃO

O direito processual civil pátrio traz em seu bojo regras bem específicas no que diz respeito ao processo, ao procedimento e à condução dos atos, notadamente em relação à rigidez de como que devem ser praticados. Como é visível, o presente trabalho está voltado para a área do direito processual civil, que era tradicionalmente visto como um sistema rígido, publicista e com procedimentos morosos. A partir das últimas décadas o direito, principalmente o processual, passa por transformações em seus institutos, transformações estas decorrentes das dificuldades na resolução dos conflitos de interesse levados à apreciação do Poder Judiciário, resultado advindo da multiplicação de processos, mudanças sociais atinentes à tutela de direitos privados, busca por garantia de equidade e justiça.

Nesta perspectiva, visando enquadrar-se às mudanças sociais e diante do aumento exponencial de processos, foi aprovado o Código de Processo Civil de 2015, que adotou entre outras metas, acepções voltadas a formas alternativas de resolução e conciliação, a fim de concretizar resultados céleres, efetivos e justos, com o fim de prevenir que o direito torna-se ainda mais ultrapassado e obsoleto.

Como resultado desta transição, introduziu-se ao sistema a inovação da cláusula geral dos negócios jurídicos, situado no artigo 190. Tal inovação tornou clara a abertura para a flexibilização e para o autorregramento da vontade no processo, além da garantia por procedimentos mais dinâmicos com a participação democrática dos sujeitos na condução do processo. Destarte, sem a pretensão de esgotar o tema, o principal objetivo deste ensaio é estudar os negócios jurídicos processuais vinculados como instrumento da flexibilização, principalmente no que concerne à cláusula geral, apresentando para tanto, os requisitos e limites estabelecidos pela codificação a fim de propiciar a qualquer operador do direito, meios de adequar a prestação jurisdicional às peculiaridades do caso em concreto visando garantir efetividade na busca de uma solução justa. Registre-se também, que além do estudo sobre o instituto, o presente trabalho estudará a relação entre ele e os princípios da adequação e cooperação, de modo a apresentar as influências desse nexo para com o deslinde das demandas, construindo ao final uma ponte entre eles, além de situar a processualística contemporânea em sua atual fase evolutiva.

É importante registrar que neste trabalho buscou-se aplicar uma pesquisa exploratória no que se refere à consulta de informações elucidativas ao tema. Foram analisados enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis acerca do tema, diferentes bibliografias, dos principais autores processualistas civis, inclusive em artigos e obras publicadas em sites jurídicos e periódicos. Também se fez o uso da pesquisa qualitativa, de modo a analisar os conhecimentos colhidos apresentando as principais percepções, entendimentos de conceito e formação, efeitos e abrangência de aplicação aos casos concretos.

Por fim, a motivação da realização deste trabalho se origina na percepção do enrijecimento dos procedimentos- leia-se do processo- e, consequentemente da legislação. Portanto, a confecção deste ensaio apoia-se no intuito de esclarecer aos operadores do direito e ao legislador que a excessiva rigidez procedimental torna-se um empecilho enorme na concretização de uma eficiente e adequada tutela jurisdicional (eis a sua contribuição para a ciência jurídica). Nesta fase, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, torna-se de vital importância nas formações acadêmicas, onde há forte preparação para a vida forense, a aquisição de conhecimentos voltados para as formas consensuais de resolução de conflitos, de forma célere e justa.

1 NEOPROCESSUALISMO OU FORMALISMO-VALORATIVO: A MATRIZ PRINCIPIOLÓGICA DO PROCESSUALISMO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO

Em breve análise do contexto evolutivo da ciência processual, é possível visualizar três fases pelas quais o direito processual passou até os dias atuais. A primeira fase é a chamada de praxismo ou sincretismo. Nesta fase não havia uma ciência processual propriamente dita, isto é, não existia a ideia de princípios, regras e conceitos próprios de processo. A abstração era tanta, que não havia a separação e distinção das relações de direito material para com as relações de direito processual (DIDIER JR, 2015).

Seguidamente adveio a fase do processualísmo, criando-se então a necessária separação das concepções do direito processual e direito material, cada qual com suas categorias, como, por exemplo, as categorias da jurisdição, defesa, ação, etc. (DIDIER, 2015). Ademais, neste período as estruturas do sistema processual foram traçadas e amadurecidas, porém, foi caracterizado pelo distanciamento da ciência processual em relação à realidade, consequência da adoção exacerbada ao formalismo, tornando-se um fim em si mesmo. (LOURENÇO, 2012).

Por fim adveio a fase do instrumentalismo. Nesta fase o processo passa pela formação de suas estruturas, tornando-se autônomo das relações materiais e afastando-se do caráter puramente técnico, o que demonstra que o processo é na verdade um meio a atingir um fim, e não um fim em si mesmo (LOURENÇO, 2012). Nesse sentido, temos que, apesar da separação entre direito processual e material, ambos os ramos da ciência jurídica completam-se no sentido de que o processo é o meio pelo qual se concretiza o direito material, e este dá sentido àquele (DIDIER JR, 2015).

Mas, apesar desse avanço inegável, ao contemplar a realidade judiciária hoje, o processo ainda é falho na busca por justiça social, tendo em vista que se tornou uma máquina na prática por alcançar resultados ao invés de justiça. Por isto, hoje, parece-nos mais adequado considerar a existência de uma quarta fase do estágio evolutivo do direito processual: o Neoprocessualismo. Mas, antes de ser dito a este respeito, faz-se necessário considerarmos algumas premissas, registrando que o Novo Código de Processo Civil adveio da colaboração harmônica entre as funções legislativa e judiciária do Estado, que inaugurou efetivamente esta nova fase metodológica. Assim, a priori, remetamo-nos à exposição de motivos do novo Código, que aponta como objetivos principais, estabelecer maior celeridade processual, reduzir o formalismo excessivo, e tornar a justiça acessível, efetiva e célere (LOURENÇO, 2012).

   Pois bem. Como a própria denominação Neoprocessualismo aponta, deve-se recordar acerca do neoconstitucionalismo. Por ele, reconhece-se a força normativa da Constituição, que ao elevar a teoria dos direitos fundamentais, passa a nortear a atuação legislativa, executiva e judiciária, bem como a interpretação e aplicação das leis infraconstitucionais. Dessa forma, em resumo, diz-se que é a constitucionalização dos direitos e garantias fundamentais.

Nesse contexto, tem-se por óbvio, que o Neoprocessualismo trata da constitucionalização de direitos e garantias processuais. O magistrado e demais operadores do direito passam a atuar buscando a solução não apenas na lei, mas em juízos de fato e de valor, tendo como norte os direitos fundamentais e processuais constitucionalizados (LOURENÇO, 2012). A propósito, cite-se como exemplo de direito processual consagrado no texto constitucional, a garantia do devido processo legal, esculpido no art. 5°, inc. LIV da CF/88 (DIDIER, 2015).

Com efeito, como se trata de elevação de normas processuais ao status constitucional, é cristalina a importância da valorização de garantias fundamentais na construção da ciência processual. Ademais, com o intuito de deixar ainda mais clara a vigência do fenômeno, o CPC/2015 estabelece no seu artigo primeiro, que o processo civil deve ser visto e aplicado conforme os ditames constitucionais, ou seja, de acordo com os valores e as normas fundamentais estabelecidas na constituição (DIDIER, 2015).

O dispositivo legal retro citado deixa clara a regra de que as normas processuais infraconstitucionais devem ser reflexo das normas constitucionais. Aliás, é nesse sentido a brilhante dicção de ÁVILA (2011), citado por DIDIER JR (2015):

Cabe uma pequena digressão sobre a relação entre as normas; no caso, entre as normas processuais infraconstitucionais e constitucionais. A relação entre normas infraconstitucionais e normas constitucionais não é puramente hierárquica. “o conteúdo da norma inferior deve corresponder ao conteúdo da norma superior, assim ao mesmo tempo em que o conteúdo da norma superior deve exteriorizar-se pelo conteúdo da norma inferior (...) a eficácia, em vez de unidirecional, é recíproca.” (DIDER JR, 2015, p. 47).

Diante disso, temos que a base valorativa da ciência processual tem por definição constitucional os princípios processuais. Princípio, na didática de Didier (2015), é espécie normativa, estabelecendo, portanto, um estado de coisas a ser alcançado. Em relação aos princípios processuais, o maior exemplo encontrado no texto da constituição é o devido processo legal. Segundo ele, processo devido (estado de coisas), é aquele apto a atender às necessidades que a causa concreta exige para ser resolvida, isto é, prestação jurisdicional adequada. Assim, sendo uma norma geral, decorrem dele outros demais princípios (subprincípios, menos amplos), que o definem e direcionam, tais como a adequação, eficiência, cooperação e ordem jurídica justa (DIDIER, 2015).

Além do mais, por tudo exposto até agora, constatando-se a constitucionalização do direito processual e demais normas infraconstitucionais, concentrando suas bases valorativas, conclui-se que a garantia de acesso à justiça, esculpido no artigo 5º, inc. XXXV, da Constituição, traduz-se sem sombra de dúvidas, em acesso à ordem jurídica justa, abrangendo desde a possibilidade de ingresso em juízo até a criação de meios e técnicas adequados para a satisfação justa do direito material (LOURENÇO, 2012).

1.1 O FORMALISMO VALORATIVO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

É pertinente trazer à baila que o fenômeno aqui tratado como Neoprocessualismo, ou, nos termos de denominação doutrinária de Formalismo-Valorativo, influi significativamente no novo CPC. Por meio dele, entende-se que as relações entre o processo e a Ordem Constitucional são aprimoradas, resguardando a efetivação dos direitos fundamentais através do processo (DIAS; DE OLIVEIRA, 2016).

Na perspectiva de que o processo é um instrumento a se alcançar um fim, é preciso frisar a concepção sobre o formalismo e suas finalidades. Assim, formalismo ou formalidade, é o conjunto de formas e ritos procedimentais que atuam como verdadeiro requisito de validade do processo, de forma a garantir a segurança jurídica esperada pelos sujeitos processuais. Entretanto, deve-se ter cautela na adoção do formalismo, pois, formalismo exagerado tem o condão de afastar o processo das suas próprias finalidades, quais sejam, satisfação justa do direito material, celeridade e pacificação social (DIAS; DE OLIVEIRA, 2016).

Nessa conjuntura, o NCPC - com o intuito de afastar o formalismo e rigidez exacerbados -, fortaleceu a concepção de cooperação processual e de flexibilidade procedimental, como formas de melhor atender as peculiaridades do caso concreto e efetivar as garantias fundamentais processuais, principalmente, do devido processo legal, acesso à prestação jurisdicional justa, adequada e eficaz. 

1.2 MODELO COOPERATIVO DE PROCESSO

Dentro desse novo estágio metodológico da ciência processual, com a fixação de princípios processuais na ordem constitucional, nota-se especificamente o enfoque dado pelo Novo Código de Processo Civil ao subprincípio da cooperação. Tal espécie normativa vem criar no âmbito processual um espaço apto a diálogo, consenso e adequação, de forma a efetivar a garantia do devido processo.

1.2.1 Noções Gerais

O modelo cooperativo de processo, em síntese, consiste na sistemática de um conjunto de esforços depreendidos entre os sujeitos do processo na sua condução, permitindo-se o império do diálogo e do consenso, não se apegando ao alto nível de rigor técnico (DIDIER, 2015). Não se trata, entretanto, apenas de uma construção doutrinária, tendo em vista que o CPC/2015 consagrou em seu texto normativo o valor de cooperação aqui explanado. Segue ipsis litteris o teor do artigo 6°:

Art. 6°: Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre sim para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva (BRASIL, 2015).

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Fica clara a visão de que o processo é mais do que o direito de ação e a jurisdição sendo exercidas para chegar-se a uma decisão final. Em outras palavras, o processo passa a ser um campo de diálogo, de ajuda entre os sujeitos. Trata-se de um meio termo, em que existe liberdade para as partes, juntamente com o magistrado, conduzirem o processo a fim de se harmonizar uma solução rápida, eficiente e eficaz para a demanda, respeitando, é claro, o poder jurisdicional estatal.

Assim, com essa perspectiva é que VASCONCELLOS (2017), explica:

O processo cooperativo, que tem como uma de suas prioridades a organização processual, deve funcionar com a premissa de que quanto mais clareza houver nas pretensões das partes, mais célere e bem fundamentada a decisão ou sentença. (VASCONCELOS, 2017, p. 09).

Conforme brilhantemente explana VASCONCELOS (2017), o processo cooperativo traz consigo elementos basilares, que norteiam sua estrutura, quais sejam: dever de esclarecimento, dever de prevenção, dever de auxílio e dever de diálogo/debate.

Para melhor compreender o sistema, é preciso saber o significado de cada um desses deveres. O dever de esclarecimento, conforme VASCONCELOS (2017), traduz-se no intuito de excluir o máximo possível eventuais dúvidas existentes no tramite da demanda evitando-se equívocos por parte do julgador e das partes, através do diálogo entre os sujeitos a fim de garantir uma decisão de mérito justa e adequada ao caso. Ainda, conforme explica DIDIER JR (2015), o dever de esclarecimento abrange as partes no sentido de que suas pretensões devem ser claras e coerentes.

Já o dever de prevenção, figura-se na ideia de que cabe ao magistrado como gestor principal da atividade processual, alertar as partes dos riscos inerentes ao processo (VASCONCELOS, 2017). Também na didática de DIDIER (2015), no dever de prevenção, cabe às partes agirem de acordo com a boa-fé processual, evitando causar danos, frustrações e prejuízos uma à outra.

No que se refere ao dever de auxílio, trata-se simplesmente no dever que o magistrado tem de auxiliar, ajudar as partes nas dificuldades encontradas no processo, seja na fase postulatória (v.g. cumulação de pedidos equivocada), seja na fase probatória, etc. (VASCONCELOS, 2017).

No mais, a apresentação do conceito de processo cooperativo fez-se necessária para melhor correlacionarmos a flexibilização procedimental com as finalidades precípuas do processo.

1.3 FLEXIBILIDADE PROCEDIMENTAL

Foram necessárias as considerações efetuadas para fins de situar a problemática proposta na atual realidade normativa-processual. Inicialmente, na perspectiva do formalismo-valorativo, é pertinente pontuar acerca da rigidez referente à ordenação formal dos atos, até então adotada pelo ordenamento processual brasileiro e modificada pela novel legislação.

Na dicção de GAJARDONI (2007), existem dois sistemas conhecidos e ensinados: i) sistema da legalidade das formas procedimentais; ii) sistema de liberdade das formas procedimentais.

No primeiro modelo, a forma, tempo e lugar em que o ato processual tem cabimento de ser praticado, encontram-se rigidamente pré-estabelecidos em lei, de modo que não se pode alterá-lo sob pena de desrespeito à prescrição legal, com a consequente invalidade do ato, do procedimento ou do resultado útil do processo. Este sistema, sem dúvida tem por mérito a previsibilidade e a segurança jurídica, mas, por outro lado, é burocrático, complexo e lento, devido a muitos atos desnecessários.

No segundo modelo de sistema, não existe uma ordem legal de forma, tempo e lugar pré-estabelecida para a realização dos atos processuais, de modo que cabe aos sujeitos do processo, em cooperação, estabelecer a ordem dos atos. Este sistema tem por mérito a celeridade e a adequação do procedimento às peculiaridades da causa. Entretanto, alegadamente pode causar uma suposta insegurança e desequilíbrio, pois, as partes podem ser surpreendidas por decisões inesperadas, além de possível quebra da “paridade de armas” entre elas, visto que uma pode ter melhor suporte técnico (profissional do direito) do que a outra.

Apesar de nitidamente haver a preferência do ordenamento pelo primeiro tipo de sistema, que preza pela rigidez, afirmamos – pela análise da novel legislação- que o sistema vigente no Brasil é misto, isto é, predominantemente rígido, mas com tendências flexíveis, fato que demonstra a inexistência de sistemas puros. Tanto é que o novo CPC expressamente autoriza essa mudança de paradigma por meio da introdução da cláusula geral de negociação processual, que será devidamente exposta no decorrer deste artigo.

Nessa seara, conforme dito acima, o NCPC trouxe em seu bojo a inovação da cláusula geral de negociação processual. Certamente pode-se afirmar com veemência que a mencionada norma configura-se como a mais significativa concretização dos ideários do formalismo-valorativo e da flexibilidade, pois, tem o condão de romper com a rigidez e publicismo comumente adotados, e aproximar o processo das suas reais finalidades. Por este motivo, é oportuno esclarecer do que se trata essa cláusula, o seu objeto e finalidade, além de sua relação com a adequação e efetividade esperadas pelos sujeitos em relação ao processo. Com esse intuito, num primeiro momento abordar-se-á sobre os negócios jurídicos em geral, passando-se em seguida para os negócios jurídicos processuais, tendo em vista que aqueles influem na definição destes.

 

2     NEGÓCIOS JURÍDICOS

2.1 CONCEITO GERAL

Antes de adentrar no campo específico do negócio processual, é forçoso apresentar de forma clara e concisa o conceito de negócio jurídico. Conforme leciona CARVALHO (2016), o negócio jurídico é um instituto do direito civil pelo qual duas ou mais pessoas, com determinação de vontade livre e consciente, utilizam-se para regulamentar e efetivar seus interesses voltados a um objeto final, dentro dos limites legais. Destarte, são elementos principais que definem o negócio jurídico, a vontade humana e o autorregramento de interesses em uma relação jurídica privada, com a escolha do seu respectivo regramento, em que os seus efeitos não decorrem da lei, e sim das vontades.

Ainda, de acordo com Didier Jr (2015), citando Marcos Bernardes de Mello (Teoria do Fato Jurídico, 2000, p. 166):

O relevante para caracterizar o ato como negócio jurídico é a circunstância de a vontade estar direcionada não apenas para a prática do ato, mas, também, à produção de um determinado efeito jurídico; no negócio jurídico, há escolha do regramento jurídico para uma determinada situação (DIDIER, 2015, p.379).

Em palavras simples e de fácil compreensão, os negócios jurídicos são fatos jurídicos decorrentes da manifestação voluntária da vontade humana, que determina as condutas e estabelece regras que regulamentam a relação jurídica formada, e, portanto, seus efeitos. (BANDEIRA, 2015).

2.2 REQUISITOS LEGAIS: A ESCADA PONTEANA

É pertinente trazer a baila, mesmo que brevemente, os requisitos/pressupostos dos negócios jurídicos. Na clássica dicção do renomado civilista Pontes de Miranda, o negócio jurídico é dividido em três planos, que são: existência, validade e eficácia. Passemos a uma breve análise deles.

 O primeiro plano, de existência, reúne os elementos mínimos de existência de um negócio jurídico. De acordo com AZEVEDO (2010, p. 31), “elemento do negócio jurídico é tudo aquilo que compõe a sua existência no campo do direito”. Pelo entendimento do doutrinador, estes elementos podem ser classificados em: gerais, categoriais (referentes a certos tipos de categorias de negócio) e particulares (não são comuns a todos, mas apenas a determinados negócios). Contudo, o que nos interessa aqui é a exposição sobre os elementos gerais.

Pois bem. Os elementos gerais de um negócio compreendem: partes (agentes), vontade, objeto e forma. Primeiro, por óbvio, é necessário que pessoas, físicas ou jurídicas, celebrem o pacto. Assim, quando duas ou mais pessoas resolvem pactuar, passa-se para o elemento da vontade, ou seja, a declaração dada pelos agentes em pactuar. Ato contínuo, tendo em vista que todo negócio deve ter um objeto, trata-se simplesmente da finalidade pela qual os agentes declaram vontade. Por último, em relação à forma, trata-se da maneira como a declaração de vontade é manifestada no mundo jurídico, seja escrita ou verbal, etc (AZEVEDO, 2010).

Sequencialmente, passa-se para o plano da validade (regularidade). Depois de verificada a existência de um negócio, para que o mesmo seja válido, são necessários obrigatória e cumulativamente os requisitos descritos no art. 104 do CC/02, quais sejam: partes capazes (capacidade de fato, ou seja, de praticar os atos da vida civil por si só), vontade livre e consciente (sem a presença dos vícios da vontade: erro, dolo, lesão, coação, estado de perigo; vícios sociais: fraude contra credores), objeto lícito, possível e determinado ou determinável e, forma prescrita ou não defesa em lei. Segundo AZEVEDO (2010), deve-se entender os requisitos de validade como a qualidade exigida por lei de que os elementos de existência devem revestir-se.

Por fim, chega-se ao plano da eficácia. Trata-se relativamente dos efeitos do negócio jurídico no mundo real, os quais poderão sofrer alguma limitação por algum de seus elementos acidentais, quais sejam: condição, termo ou encargo.

3     NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL

3.1 NOÇÕES GERAIS

Considerando que enquanto pelo sistema anterior havia a aceitação de um processo publicista, em que apenas há o exercício jurisdicional do Estado limitando a participação das partes na condução do processo, resultando consequentemente na valorização de um formalismo exacerbado, no modelo de cooperação trazido pelo Novo Código de Processo, identifica-se a possibilidade de flexibilização procedimental, como forma de evitar o enrijecimento processual.

Nesta linha, os negócios jurídicos processuais, dentro da perspectiva cooperativista trazida pelo novo código de processo, traduzem, inegavelmente, a concretização do autorregramento da vontade, valorizando-se o diálogo e consenso.

No âmbito processualista existem várias concepções doutrinárias acerca dos negócios jurídicos processuais. Assim, é importante trazer à baila que na concepção da corrente da doutrina contrária à possibilidade de sua existência, não seria admissível concebê-lo, tendo em vista que os negócios jurídicos definem apenas as relações jurídicas privadas e, portanto, de direito material que eventualmente teriam consequências processuais. Ou seja, significa afirmar que a autonomia da vontade das partes possui força apenas para definir o conteúdo e efeitos materiais, mas, no que concerne aos efeitos processuais, estes são preestabelecidos em lei, fato que é característica do sistema de legalidade das formas (TALAMINI, 2015).

Entretanto, essa concepção atualmente não prospera. Os negócios processuais, para os que o defendem, são manifestações de vontade voltadas para a produção efeitos processuais específicos, delimitados pelo ato volitivo, com o intuito de adequar o procedimento à situação fática origem, isto é, o suporte fático do ato-fato celebrado (TALAMINI, 2015).

E mais, os negócios jurídicos processuais pertencem à família dos atos processuais. Sendo espécie do gênero dos atos processuais e comumente denominados de atos dispositivos, por decorrerem da vontade, o negócio jurídico processual é o ato que permite aos sujeitos do processo regular suas posições jurídicas, ônus e deveres, além de poderem ajustar o procedimento (CÂMARA, 2016).

Desse modo, para Lorena Miranda S. Barreiros (2016, p.137), os negócios jurídicos processuais “podem ser definidos como fatos voluntários que sofreram a incidência de norma processual, cujo suporte fático atribui ao sujeito o poder de decidir quanto à prática ou não do ato e quanto à definição dos seus efeitos”.

Ao sujeito, portanto, abre-se a possibilidade de escolha por uma categoria jurídica (um procedimento, por exemplo) com eficácia e atos já definidos em lei para aquela situação, ou estabelecer dentro dos limites da legislação, suas situações jurídicas e alterações em procedimentos, para adequá-los à situação em concreto (HATOUM, BELLINETTI, 2017).

Além disso, desde antes a vigência do NCPC, são visíveis vários exemplos de negócios processuais, tais como: a eleição negocial de foro (art. 63, CPC), convenção de arbitragem, renúncia ao prazo (art. 225, CPC), o acordo para suspenção do processo (art. 313, II, CPC), dentre outros (DIDIER, 2015).

Como é notável, a gama de negócios jurídicos processuais existentes na legislação processual civil é extensa, e, portanto, a discussão sobre a sua existência é desnecessária. Sendo assim, a partir daqui iremos contemplar a disposição legal que instituiu a cláusula geral.

Diante de todo o exposto acima, registre-se que a vigência do Código de Processo Civil não trouxe uma inovação propriamente dita acerca deste instituto, tendo apenas ampliado suas possibilidades.

Nesse contexto, o artigo 190 (que não possui nenhuma referência no diploma anterior), instituiu a cláusula geral dos negócios jurídicos processuais. Vejamos ipsis litteris o que preleciona o dispositivo:

Art.190. Versando o processo sobre direitos que admitam a autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo Único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade (BRASIL, 2015).

Como dito acima, o mencionado preceito legal constitui-se em cláusula geral. Mas, para se adentrar no mérito da abertura introduzida pelo artigo 190, deve-se entender como cláusula geral, a norma processual que possui comandos gerais e efeitos indeterminados, permitindo assim a celebração negócios jurídicos processuais que não tenham nenhuma previsão ou menção legal prévia. Nesse sentido, lecionam Nida Saleh Hatoum e Luiz Fernando Bellinetti (2017), citando José Miguel Garcia Medina (2016, p. 337):

Que atípicos ou inominados são os negócios jurídicos processuais cujo regime não possui previsão legal, e o art. 190 do CPC/2015 estabelece, textualmente, a possibilidade de as partes celebrarem acordo sobre procedimentos, ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. Cuida-se, então, de autorização para que as partes firmem negócios processuais, ainda que “[...] não se encontrem disciplinados ou sequer referidos, com antecedência, na lei”.

Por referida cláusula disposta no dispositivo abriu-se na legislação espaço para a formação de negócios jurídicos processuais atípicos, isto é, contratos, convenções e acordos não expressos em lei que versem sobre o procedimento, ou as situações jurídicas de ambas as partes.

Essa necessidade de abertura para a flexibilização procedimental proposta pelo artigo 190 justifica-se no extenso número de ações levadas a juízo, haja vista que, obviamente, para o ordenamento jurídico é impossível regular todas as situações levadas ao crivo do Poder Judiciário (HATOUM, BELLINETTI, 2017).

3.2 REQUISITOS

Em princípio, cabe registrar que como qualquer outro negócio jurídico, os negócios processuais possuem plano de existência, validade e eficácia. Portanto, neste momento, devemos trazer ao campo processual os requisitos gerais. Analisaremos então, rapidamente, cada um deles.

3.2.1    Plano de Existência

No presente plano, antes de se expor do que se trata, é preciso trazer à baila alguns conceitos básicos.

Na esfera jurídica, existe a ocorrência de fenômenos aos quais chamamos de fatos e atos jurídicos. O mundo real, propriamente dito, é composto pela totalidade de fatos da vida. Por outro lado, o mundo jurídico é composto por fatos delimitados, previstos abstratamente pelo Direito a produzir efeitos (CARVALHO, 2016).

A estes fatos delimitados, dá-se o nome de suporte fático, isto é, uma ocorrência empírica à qual a norma jurídica possui suporte para que produza efeitos. Quando essa ocorrência efetiva-se, produzindo os efeitos previstos, dá-se o nome de incidência (CARVALHO, 2016).

Nesta seara, é preciso fixar os conceitos de fatos processuais e atos processuais. Conforme Didier Jr (2015) há o gênero dos fatos jurídicos processuais em sentido amplo, dos quais o fato processual em sentido estrito e o ato processual são espécies.

Assim, os fatos jurídicos, para que se qualifiquem como processuais, devem ser previstos como um suporte fático de incidência de uma norma processual e que se refira a um procedimento já existente no momento ou futuro. Nesse contexto enquadram-se os fatos processuais em sentido estrito, que são aqueles cuja existência é não humana, por exemplo, a morte (art. 110, CPC) (DIDIER, 2015).

Portanto, temos que o negócio jurídico constitui-se como um tipo de fato delimitado, sendo que, para este fato adquirir a qualidade de jurídico, é necessário que ele incida o que a norma jurídica prevê como suporte fático de seus efeitos ou de alguma outra categoria jurídica (ZWIRTES, 2015).

Em sequência, para um fato adentrar a esfera jurídica como um negócio jurídico processual, faz-se necessário que o mesmo seja um fato voluntário decorrente de manifestação da vontade humana, voltada a produzir os efeitos previstos pela norma jurídica definidora, que neste contexto é o próprio Código de Processo Civil.

Fixadas estas premissas acerca da formação da existência do negócio jurídico processual, possível é verificar seus pressupostos de existência, quais sejam: manifestação de vontade; autorregramento da vontade, isto é, voltada a estabelecer regras; referência ao procedimento.

No mais, aplicam-se aos negócios processuais os demais elementos de existência exigidos aos negócios em geral, quais sejam: agentes/partes/pessoas que os celebrem, vontade livre e consciente, objeto (finalidade) e forma.

3.2.2    Plano de Validade

Passando para o plano de validade, frise-se que trata das qualidades que os elementos de existência devem estar revestidos. No que concerne aos seus requisitos/qualidades, além daqueles pertinentes aos negócios em geral, o art.190 traz algumas particularidades. Vejamos:

a)    Capacidade das partes

Sobre as partes, o dispositivo exige que sejam plenamente capazes, tanto em relação à capacidade plena quanto em relação à capacidade postulatória - de estar em juízo, ou seja, regularmente representado. Ainda, no que diz respeito a este requisito, DIDIER JR. (2015), expõe a exigência da capacidade processual negocial, segundo a qual, as partes devem ter capacidade, melhor dizendo, poder de disposição sobre os direitos, ônus, deveres, ou, permissão sobre as regras procedimentais, que são objetos do negócio, de modo que haja equilíbrio entre ambas.

Nesse sentido, temos que, se a uma das partes sobrevier eventual prejuízo, estará configurada sua incapacidade processual negocial, negando-se validade e eficácia ao negócio. A propósito, o parágrafo único do art. 190, expõe específica hipótese de incapacidade processual negocial: a vulnerabilidade decorrente do desequilíbrio entre as partes, fazendo que a “paridade de armas” seja quebrada. No mais, as demais hipóteses de incapacidade negocial devem ser aferidas na análise em concreto (DIDIER JR., 2015).

b)    Licitude do Objeto

Conforme se extrai do caput do artigo 190 do CPC, a possibilidade de negociação processual está condicionada às relações jurídicas, processuais ou pré-processuais, que tenham como objeto direitos materiais que admitam autocomposição. Nesse sentido, direitos autocomponíveis são aqueles que admitam disponibilidade, ou seja, renúncia, reconhecimento ou transação (DIDIER JR, 2015).

 De acordo com ZWIRTES (2015), a regra é a disponibilidade de direitos, os quais envolvem direitos patrimoniais, e a exceção é a indisponibilidade, abrangendo principalmente os direitos pessoais.

Portanto, a disponibilidade do direito material, em regra, é requisito de validade essencial para o negócio processual. Entretanto, cabe ressaltar que a indisponibilidade de direitos materiais não tem o condão de invalidar um negócio processual. É nesse sentido que o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o enunciado n° 135, in verbis:

135. (art. 190) A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual. (Grupo: Negócios Processuais).

Assim, por este enunciado extrai-se o entendimento de que, em regra, o direito material deve ser disponível, mas, em casos excepcionais, após detida análise do caso concreto, admitem-se negócios jurídicos processuais sobre direitos indisponíveis quando aqueles favorecer o titular destes.

No mais, tudo o quanto se aplica sobre a licitude do objeto em negócios regulados pelo Código Civil, aplica-se também ao processual.

3.2.3    Plano de Eficácia

No que concerne à eficácia dos negócios processuais, a regra a ser aplicada é a do caput do art. 200 do CPC, segundo a qual os atos das partes, e, portanto, as convenções celebradas, produzem seus respectivos efeitos de imediato. Entretanto, excepcionalmente, os efeitos dos negócios jurídicos poderão sofrer limitação quando as partes houverem modulado a eficácia, inserindo cláusulas de condição ou termo.

Por outro lado, os negócios jurídicos processuais também terão limitação quando dependerem de homologação judicial, tais como a organização consensual do processo. Nestes casos, registre-se que a necessidade de homologação, que constitui condição legal de eficácia, depende de previsão expressa em lei (DIDIER JR, 2015).

Os negócios processuais poderão ainda sofrer outro tipo de limitação na sua eficácia quando da aplicação da regra contida no parágrafo único do art. 190. Tal regra trata-se da possibilidade de controle judicial, que será exercida pelo magistrado, de ofício ou a requerimento, quando verificar nulidade ou inserção abusiva em contrato de adesão. Frise-se neste caso, que o magistrado somente poderá controlar a validade e negar eficácia quando houver efetivo prejuízo para a parte.

4 FLEXIBILIDADE PROCEDIMENTAL PARA MAIOR EFICIÊNCIA AO PROCESSO

Inicialmente, cabe registrar que com a flexibilidade procedimental não se está a renunciar ou negar a forma, mas sim, buscando utilizá-la de modo democrático na construção e condução do processo, tornando-o um espaço para pleno diálogo e cooperação na solução da lide.

Então, considerando que vigora atualmente um sistema misto, ou, melhor dizendo, semirrígido, DUARTE (2014) muito antes da vigência do NCPC, esclarece que não mais se admite um procedimento único e rígido que não tem espaço para adequar-se às peculiaridades do direito discutido. De fato, no contexto do formalismo-valorativo e do Neoprocessualismo - onde o processo é visto como um instrumento - a flexibilidade procedimental unida à ideia de adequação possibilitam que a técnica processual seja exercida para servir ao direito material e aos fins do processo, bem como para dar maior e mais rápida eficiência e efetividade ao direito processual.

Em razão disso, faz-se necessário despontar neste cenário idealista a figura do princípio processual da adequação. Mencionado princípio, no sentido jurídico do termo, estabelece que o processo deva ser apto a atender as peculiaridades do direito material. Preambularmente, registre que o principio da adequação está intimamente ligado às funções mais peculiares do processo. Analisando o conceito de processo como sendo um instrumento para a garantia de exercício de direitos, extraem-se três funções principais, quais sejam: função definidora (defini, delimita o direito), função assecuratória (preserva; protege o exercício) e função realizadora (efetivação), todas voltadas para o direito material em jogo, para a pacificação social e, para a garantia dos direitos fundamentais, que são objetos (finalidades) a serem alcançados. Sendo assim, é fundamental a adequação do instrumento ao seu objeto, a fim de se conseguir levar a efeito as finalidades para as quais foi criado (DIDIER, 2001).

Deve-se levar em conta que a adequação não é adstrita apenas ao procedimento, abrangendo a prestação jurisdicional esperada. É certo que, para se chegar a uma tutela adequada é necessário que existam procedimentos adequados. A adequação da tutela é construída através de três aspectos: subjetivo, teleológico e objetivo. Para o aspecto subjetivo, por óbvio, o procedimento e ao final dele, a prestação, deve ser apta a atender as peculiaridades da pessoa, isto é, dos litigantes, por exemplo: a necessidade de intervenção obrigatória do Parquet em ações que envolvam interesses de incapazes, nos termos da lei. Sequencialmente, no aspecto teleológico, o processo deve atender às finalidades e funções previstas legislativamente para cada tipo de pretensão (DIDIER, 2001).

E finalmente, mas não menos importante, o aspecto objetivo leva em conta três critérios para fixação de um processo e uma tutela jurisdicional adequada, sendo: a natureza do direito material objeto da ação, levando em conta a importância e relevância; a forma como o direito material se apresenta no processo; o caráter de urgência processual (que justifica as tutelas de urgência). Importante salientar ,no atinente ao primeiro critério, sobre a indisponibilidade ou não do objeto processual, no sentido de que esta peculiaridade de determinados direitos materiais influem na diferenciação do procedimento (para fins de adequação), tendo efeitos nas regras processuais.

Assim sendo, o principio da adequação – impõe que os procedimentos sejam os mais adequados possíveis às peculiaridades da causa de modo que, com uma prestação jurisdicional eficiente, a tutela buscada seja realmente efetiva e justa. Destarte, para que o processo seja efetivamente adequado e apto a alcançar resultados esperados e consideráveis, reconhece-se que tanto o juiz quanto as partes possuem poderes para realizar adaptações no procedimento (REDONDO, 2015). Desta possibilidade de condução do processo pelo magistrado e pelas partes com o propósito de adaptar o procedimento às particularidades da causa, surge o princípio da Adaptabilidade, que nos remete diretamente à possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais. Em verdade, este princípio é um subprincípio advindo da adequação, que segundo Fredie Didier Jr:

Nada impede, entretanto, antes aconselha, que se possa previamente conferir ao magistrado, como diretor do processo, poderes para conformar o procedimento às peculiaridades do caso concreto, tudo como meio de melhor tutelar o direito material. O excessivo rigor formal talvez tenha sido um dos grandes responsáveis pelo descrédito do sistema de tutela jurisdicional de direitos (DIDIER. 2001, p. 11).

Diante da definição de adequação e de suas características, principalmente as que ditam que o processo deve ser apto a atender às exigências do caso concreto, e que a adequação não deve abranger apenas o procedimento, mas também a tutela jurisdicional a ser prestada ao fim do trâmite processual, é possível fazer algumas considerações acerca da flexibilidade procedimental:

De acordo com o que foi explanado acima, não se busca a abolição da forma, visto que ela é necessária para a ordem e previsibilidade, mas sim, abolir o excesso de formalismo e rigidez que impedem a necessária flexibilidade para adaptar o procedimento eleito pela lei a determinado caso e otimizar seu processamento. Assim, considerando a existência de inúmeros procedimentos, e, que os mesmos, frente ao aumento exponencial de litígios, muitas vezes tornam-se obsoletos e ineficazes em razão da inaptidão em atender ao direto material, é imperioso a quebra da rigidez para fins de que o rito adeque-se à realidade fática do litígio.

Considerando que, com a predominância do sistema da legalidade das formas não há abertura para a ordenação e condução do processo de modo diverso da lei, a flexibilidade possibilita o rompimento com a rigidez em relação ao autorregramento da vontade no processo permitindo a participação democrática das partes na gestão processual. Destarte, abre-se espaço para o dialogo permanente entre os sujeitos do processo, que alinhados com os deveres inerentes à cooperação podem conformar o procedimento às peculiaridades do caso concreto mediante contraditório participativo como meio de melhor tutelar direitos, garantido ao final uma tutela jurisdicional eficaz, justa e pacificadora.

Ademais, considerando o aprimoramento das relações entre o processo e a Ordem Constitucional, em que preceitos processuais como a ordem jurídica justa, devido processo legal e celeridade processual são elevados pela CF/88 como base valorativa fundamental, a flexibilidade procedimental vem como fator facilitador ao rompimento do excessivo rigor de forma e rigidez a fim de permitir ao processo, tido como um instrumento, aproximação de suas finalidades precípuas, e, resultando ao final o afastamento da ideia de um processo como um fim em si mesmo.

Ainda nesse ponto, apesar de o processo ser o meio de atuação estatal na resolução de litígios, o novo código de processo civil trouxe o instituto da negociação processual como instrumento de concretização da flexibilização pretendida e do autorregramento da vontade no processo. Por via do referido instituto, os sujeitos do processo, principalmente as partes, participam e atuam de forma democrática na condução do procedimento e na ordenação de seus atos, visto que sendo previsto abstratamente, deve adaptar-se às realidades fáticas, reduzindo atos desnecessários e que podem não ter utilidade prática na realização da tutela jurisdicional.

5 CONCLUSÃO

Produzir o presente trabalho de pesquisa foi de suma importância para ampliar os conhecimentos do autor acerca da ciência processual. Mais do que isso, contribuiu para compreender a realidade de atuação profissional em que se exige cada vez mais do operador do direito métodos alternativos na resolução de conflitos, principalmente no bojo processual.  Discutir os aspectos relacionados aos impactos da flexibilização procedimental no contexto da prática processual é muito relevante para a compreensão das realidades fáticas levadas ao crivo do Judiciário.

 Notadamente, reforça-se a importância do assunto apresentado não só para os estudiosos do direito, mas, também para a prática forense, pois, revela a quebra de paradigma da rigidez com a adoção de um sistema misto, permitindo-se flexibilizar o procedimento em determinadas circunstâncias. Tendo como norte a matriz principiológica do processualísmo contemporâneo, que visa principalmente efetivar o fim social de justiça acessível e garantidora, conclui-se que o processo começa pouco a pouco a deixar de ser visto como um fim em si mesmo, sendo utilizado para se efetivar as garantias e direitos fundamentais, principalmente do devido processo e da dignidade humana.

Nesse sentido afirma-se, com veemência, que os negócios jurídicos processuais agora legitimados pela cláusula geral do artigo 190, configuram-se como uma das mais significativas concretizações dos ideários da flexibilização, porquanto permite a quebra da rigidez comumente adotada e aproximar o processo das suas reais finalidades, quais sejam, celeridade, acessibilidade e efetividade jurisdicional.

A flexibilização proposta permite que haja a participação democrática das partes na condução de seus processos nos moldes do modelo cooperativo, abrindo-se espaço para amplo diálogo e consenso, de maneira a possibilitar que o processo seja adequado e adaptado às exigências do direito litigioso, fato que permite concluir que não há violação da previsibilidade e a segurança jurídica, uma vez que a adequação pretendida garantirá maior legitimidade e conformação à prestação jurisdicional prestada, tendo em vista ter sido alcançada mediante contraditório participativo. No mais, essa nova postura adotada pela lei processual fixa a concepção do formalismo-valorativo no sentido de que a união da flexibilidade, cooperação e adequação, aproximam o processo do estado de coisas definido pela garantia processual constitucionalizada do devido processo legal, desjudicializando conflitos, sendo ao final, sinal de liberdade e democracia capaz de dar maior eficiência ao jurisdicionado.

 

REFERÊNCIAS

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DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17ª Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.

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DUARTE, Antônio Aurélio Abi Ramia. O Novo Código de Processo Civil, os negócios processuais e a adequação procedimental. 2014. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/revista_gedicon_online/paginas/volume/2/revista-do-gedicon-volume2_21.pdf > Acesso em 24 out. 2018.

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Sobre os autores
Marcos Felipe Toniato Becalli

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Espírito Santo - UNESC. Especialista em Direito Tributário pela instituição Damásio Educacional. Atuante na advocacia Cível - Previdenciária - Penal - Tributária - Extrajudicial (cartórios, acordos etc.).

Saulo Hoffman Prates

Professor de Direito Processual Civil - UNESC.

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