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A PRETENSÃO NO ENSINAMENTO DE PONTES DE MIRANDA

Agenda 03/01/2020 às 09:35

O ARTIGO TRAZ, DE FORMA RESUMIDA, ALGUNS ENSINAMENTOS DE PONTES DE MIRANDA SOBRE O TEMA.

A PRETENSÃO NO ENSINAMENTO DE PONTES DE MIRANDA

Rogério Tadeu Romano

Perguntou Pontes de Miranda (Tratado de ações, tomo I, ed. Bookseller, pág. 61): Que é que contêm as pretensões? As pretensões contêm exigibilidade, de pessoa a pessoa, ou pelo ato administrativo, o pela “ação”. Se ainda é exigível a pretensão, ou a satisfação do direito, sem já se ter ação, ainda há pretensão, se não pode exigir a satisfação, ou a prestação, mas há a ação, há pretensão: porque, se bem que possam ser separadas as exigibilidades, elas compõem a pretensão, e, enquanto há uma, há pretensão. Não há exigibilidade sem pretensão.

Por certo, há direitos sem pretensão, porque há direitos que não podem ser exigidos. Há direito só sem ação porque há direitos que somente pode ser exigidos fora da ação. Há direitos que somente podem ser exigidos pela ação; a pretensão deles e, pois, eles mesmos, em sua eficácia, foram canalizados.

Disse ainda Pontes de Miranda que o conteúdo das pretensões é diverso, de conformidade com o direito de que emanam. Tem-se dito que se tratam com os direitos de crédito; mas logo se abre exceção para as pretensões reais.

Toda a pretensão que existe há de conter a pretensão a ser declarada; porque, ao exercer-se, se declara a si mesma, ou provoca o órgão ou o corpo competente a declara-la.

Assim a pretensão que não existe, não pode conter a pretensão ou a ação à declaração de que não existe.

Pontes de Miranda (obra citada, pág. 64) discutiu a questão da pretensão que contém ação e pretensão sem ação:

“De ordinário, a pretensão contém a ação, que é exigência + atividade para a satisfação. A ação não é só exigência: se digo ao vendedor que desejo que me pague o que me deve, exijo-o; porém, ainda não ajo contra ele; se lhe tomo a coisa, que me deve, ajo condenatoriamente, condeno e executo. Os dois atos só são hoje permitidos onde a lei especialmente os permite. A ação, depois que a justiça passou a ser monopólio, ficou separada da declaração de constituição compulsória, da condenação, do mandato e da execução; estas, tomadas funções exclusivas do Estado, são objeto de prestação (jurisdicional), quando os titulares de ações, não mais podendo tutelar os seus próprios direitos, pretensões e ações, tiveram pretensão à tutela jurídica contra o Estado. Exercem-na, para que a ação, que é permissão de ato inicial para a satisfação, chegue ao que colima. Por isso mesmo, os juristas que confundirem e ainda confundem a actio e à pretensão à tutela jurídica (que é sempre de direito público) não só desatendem aos antecedentes históricos, como à sistemática do direito. A ação é, existe, antes de ser exercida pela dedução em juízo e antes, portanto, de qualquer invocação da pretensão à tutela jurídica. Esta diz respeito ao que se estabelece entre o autor e o Estado; aquela é objeto de exame pelo juiz, como um dos elementos da res in iudicium deducta. A ação não é “direito à proteção judicial”. O próprio L. Ennecerrus (Lehbuch, I, 574), que reconhecia dever-se Adolf Wach (Handbuch, I, 19, s), portanto ao ano de 1885, a nítida distinção entre a ação e a pretensão à tutela jurídica, ainda não havia livrado da anterior confusão (nem dela se livrou Hans Carl Nipperdey, na 39ª ed.). A pretensão contém exigir, a ação, além de exigir (ex-igere), que é premir para que outrem aja, leva consigo o agere do que pretende: ação sua; e não de outrem, premido. Quem age é ágil; quem cumpre o que deve é exato. Cumprir é exação; exigir é “premir” exação.

Assim tanto os direitos absolutos quanto os direitos relativos, portanto os direitos assim de personalidade e os reais; como os de créditos, geram pretensões. Nos direitos absolutos, o exercício do direito é quase só pelo uso do objeto do direito. Direitos relativos geram pretensões contra pessoas determinadas; direitos absolutos, pretensão erga omnes. A ofensa de terceiro que atinge o direito relativo gera direito; pretensão e ação, porque invade a esfera jurídica de outrem; gera ainda a que atinja o direito absoluto.

O dever corresponde a direito; obrigação, a pretensão.

Em síntese, pretensão é a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa. Não há pretensão sem destinatário.

Toda a pretensão terá por fim satisfação: é meio para fim; a satisfação é pelo destinatário, porém não necessariamente por ato ou abstenção sua.

A pretensão é tensão, para algum ato ou omissão, dirigida a alguém. O direito é dentro de si mesmo, tem extensão e intensidade; a pretensão lança-se. Não é o direito, nem a ação, nem a ação (sentido processual). Há ações sem que o autor delas seja o titular da pretensão; e pretensão, sem a “ação” ou sem a ação e a “ação”. Na pretensão, o direito tende para diante de si, dirigindo-se para que alguém cumpra o dever jurídico.

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Sendo assim não há exigibilidade sem pretensão.

A ação é a inflamação do direito ou da pretensão. “Direito de ação”, no sentido privatístico, é expressão que se deve evitar; há ação, se há direito, ainda que de outrem; direito de ação é confusão entre a ação e a ligação dela ao direito.

A ação ocorre na vida da pretensão, ou do direito mesmo, a) quando a pretensão exercida não é satisfeita e o titular age; b) quando, tratando-se de pretensão que vêm sendo satisfeitas pelos atos positivos ou negativos; ocorre interrupção dessa conduta duradoura.

Lembrou Pontes de Miranda (obra citada, pág. 123) que a toda pretensão corresponda ação que a assegure. Onde há pretensão há, se ocorre óbice, a ação respectiva, como disse Otto Fischer.

Por fim, dir-se-á que a ação exerce-se principalmente por meio de “ação”(remédio jurídico processual”), isto é, exercendo-se a pretensão à tutela jurídica, que o Estado criou. A ação exerce-se, porém, de outros modos. Nem sempre é preciso ir-se contra o Estado para que ele, que prometeu a tutela jurídica, a preste; nem, portanto, estabelecer-se a relação jurídica processual, na qual o juiz haja de entregar, afinal, a prestação jurisdicional. A ação nada tem com a pretensão à tutela jurídica.

O direito subjetivo é a extensão prática, concreta e de direito material da previsão genérica do direito objetivo que define a possibilidade de um indivíduo exigir de outro um certo agir, pressupondo, pois, a intersubjetividade.

A pretensão, que também pertence ao direito material, está ligada intimamente à responsabilidade (haftung), se relacionando à exigibilidade da prestação.

Como definiu Pontes de Miranda, a pretensão é “a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa” (Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955. p. 451. Vol. V, § 615).

Álvaro Vilaça de Azevedo ressaltou, quanto ao ponto, a distinção germânica entre débito (Schuld) e responsabilidade (Haftung), teoria dualista,estando a primeira relacionada ao direito subjetivo obrigacional, e a segunda à violação desse direito. Esclarece ele essa mencionada distinção, asseverando que “se a relação jurídica originária não for cumprida, ou seja, se o devedor, por ato espontâneo, não efetivar a prestação jurídica a que se obrigou junto a seu credor, surge, em razão desse descumprimento, desse inadimplemento obrigacional, a responsabilidade”, a qual é “uma relação jurídica derivada do inadimplemento da obrigação jurídica originária (obrigação)” (Teoria Geral das Obrigações. 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 39).

O direito subjetivo é conferido pelo ordenamento objetivo e é pré-processual, isso porque o direito subjetivo surge a partir do momento em que se estabelecem as relações de direito material, como afirmaram Nelson Nery Junior e Georges Abboud (Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014).

O direito público subjetivo e processual de ação deve ser considerado, em si, imprescritível, haja vista ser sempre possível requerer a manifestação do Estado sobre um determinado direito e obter a prestação jurisdicional, mesmo que ausente, por absoluto, o direito material.

Esse direito de ação de cunho material é, portanto, o agir do próprio titular para a realização do direito em relação ao sujeito passivo e independentemente da vontade do último. Realmente, a ação de direito material pode ser definida como “exercício do próprio direito por ato de seu titular, independentemente de qualquer atividade voluntária do obrigado”, como disseram Nelson Nery Junior e Georges Abboud (Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014).

Segundo a lição de Ovídio Baptista “pode-se afirmar que [...] ocorreu uma duplicação do direito de ação que pode ser tanto a material (possibilidade de obrigar o sujeito passivo a cumprir/adimplir a pretensão) quanto a processual, que não é dirigida contra o particular obrigado a cumprir a pretensão, mas sim contra o Estado, para que este, por meio do juiz, pratique a ação cuja realização privada, pelo titular do direito, o próprio Estado proibiu” como se lê de  processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014).

Segundo a lição de Ovídio Baptista “pode-se afirmar que [...] ocorreu uma duplicação do direito de ação que pode ser tanto a material (possibilidade de obrigar o sujeito passivo a cumprir/adimplir a pretensão) quanto a processual, que não é dirigida contra o particular obrigado a cumprir a pretensão, mas sim contra o Estado, para que este, por meio do juiz, pratique a ação cuja realização privada, pelo titular do direito, o próprio Estado proibiu” ainda na linha de Nelson Nery Junior e Georges Abboud (Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014).

Disse ainda Pontes de Miranda que desde que o Estado eliminou e proibiu a Justiça de mão própria, monopolizou a distribuição da justiça, salvo pouquíssimas exceções, como é o caso da arbitragem. O Estado realiza o direito objetiva e pacifica. Aliás, o Poder Judiciário foi criado para isso.

O conteúdo e a finalidade da pretensão à tutela jurídica, que é de direito público, consistem na obtenção da tutela jurídica. Dirige-se contra o Estado, quer a exerça o autor, quer o réu. Se o réu atende ao pedido do autor, extingue-se a pretensão ou a ação de direito material e apenas fica sem objeto a pretensão à tutela jurídica e, portanto, a pretensão processual, que nasceu do exercício dela. Não se dirige contra o demandado, se dela é titular o autor, nem contra o demandante, se dela é titular o terceiro. Só se satisfaz a pretensão à tutela jurídica se o Estado faz a pretensão jurisdicional prometida. Como ainda ensinou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 245), a pretensão à tutela jurídica pode existir ainda onde não se trate de pretensão à sentença de condenação ou com carga forte imediata ou mediata de condenatoriedade.

O processo, enquanto instrumento, é não é mais do que o corretivo da imperfeita realização automática do direito objetivo.

Daí tem-se o conceito de demanda.

Demanda é o ato jurídico com o qual o autor põe o juiz na obrigação de resolver a questão, ainda que seja “se cabe a constituição ou mandamento, ou a execução”.

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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