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AS DECISÕES ADITIVAS EM SEDE DE CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE

Agenda 07/01/2020 às 09:38

O ARTIGO DISCUTE SOBRE AS DECISÕES ADITIVAS NO PROCESSO CONSTITUCIONAL.

AS DECISÕES ADITIVAS EM SEDE DE CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE

 

Rogério Tadeu Romano

 

A doutrina entende que nas decisões aditivas(também ditas modificativas ou manipuláveis) a inconstitucionalidade detectada não reside tanto naquilo que a norma preceitua quanto naquilo que ela não preceitua; ou, por outras palavras, a inconstitucionalidade acha-se na norma na medida em que não contém tudo aquilo que deveria conter para responder aos imperativos da Constituição. E, então, o órgão de fiscalização acrescenta (e, acrescentando, modifica) esse elemento que falta.

Uma lei ao atribuir um direito ou uma vantagem(como exemplo, uma pensão) ou ao adstringir a um dever ou ônus(por exemplo, uma incompatibilidade), contempla certa categoria de pessoas e não prevê todas as que se encontram na mesma situação, ou acolhe diferenciações infundadas. Como irá se resolver? Eliminar os preceitos que, qualitativa ou quantitativamente violem o princípio da igualdade? Ou, ainda, pelo contrário, invocando os valores e interesses constitucionais que se projetam nessas situações, restabelecer a igualdade? Decisões aditivas são, em especial, as que adotam o segundo termo da alternativa.

Nas decisões aditivas há um segmento ou uma norma que se acrescenta com idêntico fim.

Canotilho(Direito constitucional e teoria da Constituição, 4ª edição, pág. 990) advertiu que através de sentenças desse tipo o tribunal: a) alarga o âmbito normativo de um preceito, declarando inconstitucional a disposição na parte em que não prevê certas situações que deveria prever(sentenças aditivas); b) declara a inconstitucionalidade de uma norma na parte ou nos limites em que contém uma prescrição em vez de outra(sentença substitutiva).

Anotou a propósito Canotilho:

“Não obstante as categorias das sentenças aditivas e substitutivas serem originárias da doutrina e jurisprudência italianas, sugestivamente, utilizam o conceito geral de sentenças manipulativas para designar as técnicas de decisão transformadoras do significado da lei”.

Os italianos falavam em “sentenze additive. Em Portugal houve decisões do Tribunal Constitucional que produziram efeitos normativos semelhantes aos das sentenças manipulativas italianas.

Observe-se o Acórdão do Ac. 143/85(caso de exercício da advocacia por docentes), na medida em que alargou a exceção à incompatibilidade com o exercício da advocacia a todos os docentes(e não apenas, como prescrevia o Estatuto da Ordem dos Advogados aos docentes de disciplinas de direito. No Ac. 203/86, houve o caso dos beneficiários de pensões, pois ao julgar-se inconstitucional a norma que mandava aplicar a disposição menos favorável aos beneficiários das pensões fixadas antes da de uma certa data, acabou por estender o âmbito da aplicação do regime mais favorável, como se lê de Nunes de Almeida e ainda de Rui Medeiros(A decisão de inconstitucionalidade páginas 456 e seguintes).

Das decisões aditivas distinguem-se as decisões integrativas, através das quais se interpreta certa lei(com preceitos insuficientes e, nessa medida, eventualmente inconstitucionais) complementando-a com preceitos da Constituição sobre esse objeto que lhe são aplicáveis e porque diretamente aplicáveis. Em Portugal, tem-se por exemplo os acórdãos n. 329/99 e 517/99 do Tribunal Constitucional de 2 de junho e de 22 de setembro(sobre licenças de loteamentos, de obras de urbanização e de construção).

Como ensinou Jorge Miranda(Teoria do Estado e da Constituição, 2003, pág. 514), a diferença está em que nas decisões aditivas o órgão de fiscalização formula, implícita ou indiretamente, uma regra, ao passo que nas decisões integrativas ele vai apoiar-se diretamente numa regra constitucional.

O Tribunal Constitucional de Portugal enfrentou decisões aditivas nos seguintes casos, como exemplo: Acórdão nº 143/85, de 30 de julho(sobre atividades docentes e advocacia), Acórdão 191/88 de 20 de outubro(sobre pensões por morte em caso de acidentes do trabalho), dentre outras.

Escreveu Rui Medeiros(citado por Jorge Miranda, obra mencionada, às folhas 515) que tais decisões brigariam, com o princípio democrático e com o da separação de poderes. Ainda que se admitisse que a proibição do retrocesso pudesse impedir a decisão de inconstitucionalidade de uma lei que concretizasse em termos discriminatórias uma norma constitucional, daí não se retiraria uma legitimidade geral dessas decisões, pois não se vislumbraria como uma lei inconstitucional poderia condicionar a atuação futura do legislador legitimado democraticamente. Substituindo a vontade do legislador por outra, elas só em casos excepcionais seriam de aceitar e deveriam ser limitadas na medida do possível, como entendeu Gomes Canotilho(Jurisdição constitucional e intranquilidade discursiva, in Perspectivas constitucionais, obra coletiva, Coimbra, 1996, páginas 882 e seguintes).

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Nessa orientação, a modificação da lei proposta pelo Tribunal Constitucional não seria vinculativa para o tribunal a quo na fiscalização concreta e na fiscalização abstrata não beneficiaria da força obrigatória geral da declaração de inconstitucionalidade.

Todavia, Jorge Miranda(obra citada, pág. 515) não segue tal posição. Disse ele: “Embora reconhecendo a necessidade de divisas estreitas e de se não menosprezarem os condicionalismos financeiros, à luz do postulado da “reserva econômica do possível”, não vemos como recusar esse tipo de decisões perante discriminações ou diferenciações infundadas, frente as quais a extensão do regime mais favorável se favorece, simultaneamente, como a decisão mais imediata para a sensibilidade coletiva e a mais próxima dos valores constitucionais. Há imperativos materiais que se sobrepõem a considerações orgânico-funcionais.”

Como disse Jorge Miranda, o órgão de fiscalização não se comporta como legislador, no caso, pois que não age por iniciativa própria, nem segundo critérios políticos; age em processo instaurado por outrem e vinculado aos critérios de interpretação e construção jurídica inerentes à hermenêutica constitucional.

Na matéria, ainda, em Portugal, Rui Medeiros criticou ainda a opção pela inconstitucionalidade por omissão quando não sejam viáveis as decisões modificativas. Ela seria mais gravosa para o  princípio da constitucionalidade do que aquela resultasse de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, acompanhada de limitação de efeitos in futuro por um período curto, ou de mera declaração de incompatibilidade, e acabaria por permitir perpetuar as desigualdades.

E concluiu Jorge Miranda: “Sem negarmos nem a debilidade do instituto do controle de inconstitucionalidade por omissão, nem o perigo, enfatizado por Jonatas Machado, de os diretos de grupos minoritários ficarem à mercê de grupos majoritários, continuamos a pensar que, nem por não poder o Tribunal Constitucional descobrir logo norma concretizadora apta  a abranger todas as situações e categorias de pessoas, deve ter-se por inconstitucional a concretização já alcançada e que só no limite, frente a soluções arbitrárias, se justifica a declaração de inconstitucionalidade. O princípio da igualdade não deve ser visto tanto pela negativa quanto pela positiva; mas do que a supressão de diferenças, ele exige hoje a atribuição de benefícios por igual e, algumas circunstâncias, paulatinamente.

E prosseguiu Jorge Miranda: “Noutro plano, para lá de eventuais efeitos perturbadores no tecido social de declaração de inconstitucionalidade, resta saber se a restrição de efeitos para o futuro não viria, na prática, a pouco se distinguir da linha até agora adotada pela jurisprudência, que satisfizer de imediato, as aspirações das minorias. Talvez seja mais forte a pressão sobre o legislador no caso de declaração de inconstitucionalidade, mas nada garante a partida que um almejado breve período não se vá prolongando por meses e anos. “

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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