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As mudanças na legislação penal e processual penal com o pacote anticrime

Pacote Anticrime

Agenda 07/01/2020 às 23:53

As mudanças na legislação penal e processual penal promovida pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime).

O chamado “Pacote Anticrime” do Governo Federal se refere a um conjunto de alterações na legislação brasileira que visa a aumentar a eficácia no combate ao crime organizado, ao crime violento e à corrupção, além de reduzir pontos de estrangulamento do sistema de justiça criminal.

O pacote Anticrime recebeu muitas críticas pela proposta de alteração da legítima defesa. Opositores políticos, especialistas e movimentos sociais apontaram que a alteração proposta dá carta branca para a polícia matar, o que coloca em risco principalmente as comunidades negras e periféricas.

Pacote Anticrime: principais mudanças:

Código Penal

Em relação ao Código Penal, a nova lei criou uma hipótese fictícia de legítima defesa do agente de segurança pública, de aplicabilidade e técnica jurídica discutíveis (novo art. 25, parágrafo único); dispôs-se sobre a execução da pena de multa (novo art. 51); alterou de 30 para 40 anos o tempo máximo de cumprimento de penas privativas de liberdade (novo art. 75); ampliou os requisitos para concessão de livramento condicional (novo art. 83, inc. III); criou uma hipótese de perda "dos bens [...] correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito", de difícil e perigosa aplicação concreta (novo art. 91-A); ampliou o rol de causas impeditivas da prescrição (novo art. 116, incs. III e IV); incluiu novas hipóteses de roubo majorado – a saber, pelo emprego de arma branca (novo art. 157, § 2º, VII) e pelo emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido (art. 157, § 2º-B); e aumentou de 8 para 12 anos a pena máxima do crime de concussão (novo art. 316), equiparando-a à do crime de corrupção e corrigindo o que parece ter sido um esquecimento do legislador da Lei 10.763/03 que, à época, aumentou somente as penas da corrupção ativa e passiva.

Código de Processo Penal

Mais profundas são as mudanças no Código de Processo Penal. Embora não constasse do projeto original, a figura do "juiz de garantias", responsável por controlar a legalidade da investigação criminal (fase prévia ao processo judicial), foi contemplada no texto aprovado, atendendo a uma demanda de mais de década de pesquisadores de direito processual penal que, inspirados em modelos legislativos de diferentes países dos continentes europeu e americano, reclamavam ao direito brasileiro a separação do juiz responsável pela investigação do responsável pelo processo e sentença, com vistas a propiciar maior independência e isenção ao ato de julgar.

Por esses motivos, a ideia já fora contemplada no Projeto de Novo Código de Processo Penal (PLS 156/09), apresentado ao Senado Federal há uma década e ainda em tramitação, de cujos debates aproveitou-se, neste ano, o Congresso Nacional para incrementar o projeto anticrime. A inovação (novos arts. 3º-A a 3º-F do CPP) homenageia a imparcialidade da jurisdição e ajuda a aproximar o Brasil dos sistemas processuais da maioria dos países democráticos, razões por que é bem-vinda, mas contém problemas, sendo o principal deles a extensão da competência do juiz de garantias até momento posterior ao da instauração do processo (v. novo art. 3º-C), quando o recebimento da denúncia e todo ato posterior deveria caber ao juiz do processo.

Outro instituto processual que mereceu especial atenção na nova lei refere-se à proteção à cadeia de custódia da prova (novos arts. 158-A a 158-F do CPP), que visa a dar maior confiabilidade às provas coletadas e, portanto, às decisões judiciais que nelas se fundem, sendo este outro tema em que a legislação brasileira encontrava-se muito atrasada em relação às leis processuais de outros países.

Ainda quanto a alterações promovidas no Código de Processo Penal, criaram-se garantias defensivas especiais para agentes de segurança pública (novo art. 14-A); modificou-se o regramento legal atinente ao arquivamento de inquéritos (novo art. 28); criou-se legislativamente o acordo de não persecução penal para crimes de média gravidade (art. 28-A); alterou-se o tratamento da alienação de coisas apreendidas (novo art. 122), bem como da destinação de obras de arte que tenham sido objeto de perdimento (novo art. 124-A) e venda (novo art. 133) e utilização por agências públicas (novo art. 133-A) de outros bens; reforçou-se a garantia contra o uso indevido de provas ilícitas (novo art. 157, § 5º); aperfeiçoou-se o capítulo referente a medidas cautelares, com a importante supressão, também há muito reclamada pela doutrina, da possibilidade de que sejam decretadas pelo juiz sem um prévio pedido do Ministério Público ou representação da autoridade policial (novo art. 282, § 2º); reafirmou-se a importância das audiências de custódia (novo art. 310) e a necessidade de a decretação da prisão preventiva ser concretamente justificada (novos arts. 311, 312, 313, 315 e 316); buscou-se dar a devida efetividade, no processo penal (novo art. 315, § 2º), à garantia constitucional da motivação das decisões judiciais (CF, art. 93, IX), a exemplo do que se fizera na reforma do Código de Processo Civil de 2015 (CPC, art. 489, § 1º); dispôs-se sobre a execução provisória de penas impostas pelo Tribunal do Júri (novo art. 492) e, finalmente, alterou-se pontualmente o sistema de nulidades (novo art. 564, inc. V) e o recursal (novos arts. 581, XXV e 638), para que mantenham coerência com as demais modificações promovidas.

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Legislação Penal Extravagante:

1. Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90)

Diversas figuras típicas do Código Penal e da legislação penal extravagante foram incluídas no seleto rol dos crimes hediondos, o que pode gerar impactos no sistema carcerário brasileiro.

Veja quais foram os crimes incluídos:

2. Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/13)

A também chamada Lei do Crime Organizado sofreu incontáveis alterações com a introdução do pacote anticrime no mundo jurídico.

Visando inviabilizar a atuação de chefes do crime organizado e desestimular a atividade dos demais membros, algumas medidas foram tomadas:

Para não dar margem à anulação de condenações pelo Poder Judiciário, o instituto da delação (ou colaboração) premiada foi agraciado com farta regulamentação.

3. Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

As alterações foram voltadas ao endurecimento de penas e à criação de um novo crime.

4. Processos de competência originária do STF e do STJ (Lei nº 8.038/90)

A Lei nº 8.038/90, que esteve sob holofotes durante o julgamento do “Caso Mensalão” no STF, estabelece o procedimento para o julgamento de crimes cometidos por autoridades com foro por prerrogativa de função (ou com “foro privilegiado”).

5. Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06)

6. Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/98)

7. Lei da Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92)

8. Lei de Interceptações Telefônicas (Lei nº 9.296/96)

9. Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84)

11. Estabelecimentos Penais Federais de Segurança Máxima (Lei nº 11.671/08)

12. Identificação Criminal (Lei 12.037/09)

13. Julgamento Colegiado em Primeiro Grau (Lei nº 12.694/12):

14. Lei do “Disque-denúncia” (Lei nº 13.608/18)

A reforma da Lei de Improbidade Administrativa para admitir acordos (novo art. 17, §§ 1º e 10-A da LIA) já estava prevista no texto original do projeto anticrime e era, a nosso ver, um dos mais bem-vindos e ao mesmo tempo menos notados pontos daquele texto, porquanto contemplava uma antiga demanda de advogados que, acompanhando a evolução da operação 'Lava Jato' e de outras investigações recentes, apontavam a vedação a acordos na LIA como uma fonte de significativa insegurança jurídica para a cooperação com órgãos do Estado, que poderia eximir riscos de sanções econômicas baseadas na Lei Anticorrupção, mas não aqueles baseados na LIA – há anos vínhamos alertando essa incoerência sistêmica a órgãos do Ministério Público Federal e Estadual, CGU, AGU e Poder Judiciário, e consideramos a medida um avanço importante para atender ao interesse público e ao interesse de empresas e empresários; 

(ii) as alterações no regramento da colaboração premiada (novos arts. 3-A a 3-C, 4º, 5º e 7º da Lei 12.850/12), as quais abrangem o processo de negociação do acordo e diversas de suas implicações para colaboradores e para não-colaboradores, tendem a dar mais segurança jurídica para os acordos e vêm dirimir muitas dúvidas que, nos últimos anos, suscitaram polêmicas nos tribunais em vista do insuficiente – e por vezes equivocado – regramento legal existente, conforme também tivemos oportunidade de apontar em casos concretos e em debates com a comunidade jurídica e órgãos de persecução penal. 

Os institutos de acordo e cooperação com o Estado, malgrado não sejam e não possam ser vistos como panacéia para solucionar todo e qualquer problema jurídico, constituem, ao mesmo tempo, parte essencial das políticas anticorrupção atual do Estado brasileiro e importante estratégia de defesa para determinadas situações, e devem, portanto, merecer especial atenção de legisladores e tribunais para que apresentem a segurança jurídica necessária e, dessa forma, sejam incentivados e tragam benefícios ao interesse público e à iniciativa privada, a bem do desenvolvimento econômico e da justiça. 

Em suma, o que foi sancionado de mais importante e o que muda na lei com o pacote em vigor:

PENA MÁXIMA: Determina o aumento do tempo máximo de cumprimento de pena de 30 para 40 anos.

TRANSAÇÃO PENAL: Permite a substituição de pena em crimes de menor gravidade, como a prestação de serviço comunitário. O Ministério Público poderá propor acordo se o crime em questão tiver pena mínima inferior a quatro anos.

JUIZ DE GARANTIA: Figura responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal, diferente do juiz que dá a sentença no processo.

GRAVAÇÃO DE ADVOGADO COM PRESO: Será permitido o monitoramento de advogado com preso apenas em presídios de segurança máxima e com autorização judicial.

SAÍDA DA PRISÃO: Proíbe a saída temporária da prisão aos condenados por crime hediondo que resultaram em morte.

BANCO NACIONAL DE PERFIS BALÍSTICOS: Cria um banco para cadastrar armas de fogo e dados relacionados a projéteis.

COLABORAÇÃO PREMIADA: Os depoimentos dos delatores não poderão ser usados isoladamente para embasar a decretação de medidas cautelares, como prisões provisórias e preventivas, e o recebimento de denúncias pela Justiça.

PROGRESSÃO DE REGIME: Traz novas regras para a progressão, que será feita de acordo com os percentuais de penas já cumpridos pelos condenados e com o tipo de crime cometido. Os percentuais vão variar de 16% (para o condenado por crime sem violência ou grave ameaça) até 70% da pena (para o condenado reincidente por crime hediondo ou equiparado com resultado morte).

BANCO DE DADOS MULTIBIOMÉTRICO E DE IMPRESSÕES DIGITAIS: Cria banco de dados com o objetivo de armazenar dados de registros biométricos, de impressões digitais e, quando possível, de íris, face e voz, para subsidiar investigações criminais federais, estaduais ou distritais.

MILÍCIA: Acusados de constituição de milícia poderão ser julgados por Varas Criminais Colegiadas.

O Pacote Anticrime trata-se de reforma legislativa de grandes impactos para a Justiça Criminal, visto que, de uma só vez, modifica nada menos do que 17 leis atualmente vigentes, entre as quais o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm. Acesso em 07 de janeiro de 2020.
  2. BIANCHINI, A; GOMES, L.F. Curso de Direito Penal (parte geral). Salvador: Editora Juspodvum, 2017.
  3. NUCCI, G. S. Manual de Direito Penal. São Paulo: Editora Forense, 2017.
  4. PESSINA, Enrico. Teoria do Delito e da Pena. São Paulo: Editora Rideel, 2006.
  5. RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri, Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica, 5. Ed. São Paulo: Atlas.
  6. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, 11ª ed. Porto Alegre: Editora do Advogado, 2012.

 

Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação à distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO, especialista em controle da administração pública pelo EDUCAMUNDO, especialista em gestão e auditoria em saúde pelo Instituto de Pesquisa e Determinação Social da Saúde e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

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