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DECISÕES DE REJEIÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE

Agenda 10/01/2020 às 14:08

O ARTIGO DISCUTE O TEMA DIANTE DA DOUTRINA.

DECISÕES DE REJEIÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE

Rogério Tadeu Romano

 

O ministro Gilmar Ferreira Mendes(Controle da constitucionalidade, 1990, pág. 297) ensinou que no Direito alemão, as decisões confirmatórias de validade são dotadas de força de lei.

De forma diferente a força da lei na Alemanha(Lei do Bundesverfassungsgericht) emprestava eficácia ampla e geral à pronúncia de inconstitucionalidade. Esclareceu Hans Peter Ipsen que a força de lei podia ter apenas efeito destrutivo, e não caráter construtivo, uma vez que  o Bundesverfassungsgericht não é legislador e sim aniquilador da lei. Por certo problemática se afigurou a fixação de um limite temporal à fixação de uma decisão confirmatória. Mas admite-se que a coisa julgada material não subsiste em face de radicais alterações das circunstâncias fáticas, ou de concepções jurídicas dominantes.

Jorge Miranda(Manual de direito constitucional, segundo volume, 1981, pág. 384) lecionou que, no direito português, recusa-se, de forma enfática, qualquer relevância às sentenças de rejeição de inconstitucionalidade. Disse Jorge Miranda que “ao Tribunal cabe declarar – e apenas lhe pode ser pedido que declare – a inconstitucionalidade não a constitucionalidade ou  a não inconstitucionalidade. Por sua vez, J. J. Gomes Canotilho(Direito Constitucional, 4ª edição, pág. 820) afirmou que “enquanto a declaração de inconstitucionalidade determina a nulidade ipso iure, eliminando a possibilidade de recursos por via incidental, a não declaração carece de qualquer efeitos purgativos, sendo admissível a repropositura de uma ação direta(fiscalização abstrata) por outras entidades, constitucionalmente legitimadas, e a interposição de recursos em via incidental’.

É certo que a Constituição do Brasil, no rumo já seguido a partir da Constituição de 1934, estabeleceu que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial(artigo 144, V) poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público(artigo 116). Não haveria qualquer referência, no texto original da Constituição de 1988, à pronúncia de rejeição.

O Supremo Tribunal Federal consagrou, no seu Regimento, que “efetuado o julgamento com o quorum do artigo 143, parágrafo único(8 ministros), proclamar-se-á a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou ato impugnado, se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis ministros(artigo 173). Em outros termos, o Tribunal não se limita a declarar a inconstitucionalidade da lei, manifestando-se, igualmente, de forma qualificada, sobre a constitucionalidade do ato normativo impugnado.

Entende-se que a decisão confirmatória da validade não parece obstar à reapreciação da matéria do juízo de constitucionalidade, desde que se configurem significativas alterações, quanto ao parâmetro de controle.

Ouso ir adiante.

O artigo 102 da CF, com redação posterior que lhe foi dado pela E. Constitucional n. 3 tem a seguinte redação:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual;

(Revogado)

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

 

Para tanto, trago a Lei 9868:

Art. 22. A decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito Ministros.

Art. 23. Efetuado o julgamento, proclamar-se-á a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Ministros, quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade.

Parágrafo único. Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se o comparecimento dos Ministros ausentes, até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido.

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Art. 24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória.

Art. 25. Julgada a ação, far-se-á a comunicação à autoridade ou ao órgão responsável pela expedição do ato.

Art. 26. A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Ora, o artigo 102, § 2º, da CF e o artigo 28, parágrafo único, da Lei 9.868, preveem que as decisões declaratórias de constitucionalidade têm eficácia erga omnes.

A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.

A eficácia erga omnes da decisão do STF se refere à parte dispositiva do julgado.

Se o Supremo Tribunal Federal chegar à conclusão de que lei questionada é constitucional haverá de afirmar expressamente a sua constitucionalidade, julgando a ADC proposta. Da mesma forma, se afirmar a improcedência da ADIn, deverá o Tribunal declarar a constitucionalidade da lei que se queria ver declarada inconstitucional.

A força de lei da decisão da Corte Constitucional que confirma a constitucionalidade revelar-se-ia problemática se o efeito vinculante geral, que se reconhece, impedisse que o tribunal se ocupasse novamente da questão. Aliás, essa a posição na doutrina alemã, com Hans Brox, Klaus Lange, dentre outros.

Sustentou Vogel que a aplicação do disposto no parágrafo 31, da Lei orgânica do tribunal às decisões confirmatórias somente tem significado para o dever de publicação, uma vez que a lei não pode atribuir efeitos que não foram previstos pela própria Constituição.

Veja-se o que afirmou em passagem de estudo sobre a eficácia das decisões da Corte Constitucional:

“A proteção para as decisões confirmatórias da Corte Constitucional que transcendesse a própria coisa julgada não encontraria respaldo no artigo 94, II, da Lei Fundamental. Semelhante proteção, que acabaria por impedir que pessoas não atingidas pela coisa julgada sustentassem que a decisão estaria equivocada e que, em verdade, a lei confirmada seria inconstitucional, importaria na conversão da força de lei em força da Constituição. O § 31, II, da Lei Orgânica da Corte Constitucional faz com que a força de lei alcance também as decisões confirmatórias de constitucionalidade. Essa ampliação somente se aplica, porém, ao dever de publicação, porque a lei não pode conferir um efeito que a Constituição não prevê....”

Pontua o ministro Gilmar Mendes(Controle concentrado de constitucionalidade, 2001, pág. 328) que “ a Lei Fundamental e a Lei orgânica da Corte Constitucional não legitima essa conclusão, seja porque a norma constitucional autoriza expressamente o legislador definir as decisões da Corte Constitucional que devem ser dotadas de força de lei, seja porque o legislador não restringiu a eficácia erga omnes apenas às decisões de índole cassatória”.

Mas a fórmula acima trazida pelo constituinte, através da Emenda Constitucional n.3 e ainda pela legislação ordinária, não deixa dúvida, também, de que a decisão de mérito proferida em Ação Declaratória de Constitucionalidade(ADC) tem eficácia contra todos(eficácia erga omnes) e efeito vinculante para os órgãos do Poder Executivo e do Poder Judiciário.

Do ponto de vista estritamente processual, a eficácia geral ou a eficácia erga omnes obsta, em primeiro plano, que a questão seja submetida uma vez mais ao Supremo Tribunal Federal.

Assim a validade da lei não depende da declaração judicial e a lei vige, após a decisão, tal como vigorava anteriormente. Não fica o legislador impedido de alterar ou mesmo de revogar a norma em tela.

Sendo assim, declarada a constitucionalidade de uma norma pelo Supremo Tribunal Federal, ficam os órgãos do Poder Judiciário obrigados a seguir essa orientação, uma vez que a questão estaria definitivamente decidida pelo Supremo Tribunal Federal.

Declarada a constitucionalidade de uma lei, ter-se-á de concluir pela inadmissibilidade de que o Tribunal se ocupe, uma vez mais, da aferição de sua legitimidade, salvo em casos de significativa mudança das circunstâncias fáticas, ou de relevante alteração das concepções jurídicas relevantes.

De antemão se irá confirmar que essa concepção leva a se ter em mente o fato de que as sentenças contém implicitamente a cláusula rebus sic stantibus.

Assim é possível que o Supremo Tribunal Federal venha a reconhecer a improcedência de pedido da ADC ou a procedência da ADn. Nesses casos, haverá de declarar, por certo, a inconstitucionalidade da lei questionada.

Essa decisão de mérito, seja em ADI ou ADC é dotada de eficácia contra todos.

Declarada a inconstitucionalidade de uma norma, na ADC, deve-se reconhecer, ipso iure, a sua imediata eliminação do ordenamento jurídico, salvo se, por algum fundamento específico, puder o Tribunal restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade(declaração de inconstitucionalidade com efeito a partir de dado momento no futuro, num exercício de modulação).

Sendo assim, como ensinou o ministro Gilmar Mendes, efeito necessário e imediato da declaração de nulidade há de ser, pois, a exclusão de toda ultra-atividade da lei inconstitucional. A eventual eliminação dos atos praticados com fundamento na lei inconstitucional há de ser considerada em face de todo o sistema jurídico, especialmente das chamadas fórmulas de preclusão.

Por sua vez, os atos praticados com base ne lei inconstitucional que não mais se afigurem suscetíveis de revisão não são afetados pela declaração de inconstitucionalidade.

Quais são os limites objetivos do efeito vinculante que se iriam formar com essas decisões?

Na linha da doutrina alemã, com Maunz, dentre outros, lecionou o ministro Gilmar Mendes que “enquanto em relação à coisa julgada e à força de lei domina a ideia de que elas hão de se limitar à parte dispositiva da decisão, sustentou o Tribunal Constitucional alemão que o efeito vinculante se estende, igualmente, aos fundamentos determinantes da decisão.”

Assim, segundo esse entendimento, a eficácia da decisão do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os princípios dimanados da parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades nos casos futuros.

É certo que Norbert Wischermann(Rechtskraft und Bündusgswirkung, pág. 42), dentre outros, acentuou que, tal como a coisa julgada, o efeito vinculante limita-se à parte dispositiva da decisão, de modo que, do prisma objetivo, não haveria distinção entre a coisa julgada e o efeito vinculante.

Na verdade, aceita a ideia de uma eficácia transcendente à própria coisa julgada, afigura-se, pois, legítimo indagar sobre o significado do efeito vinculante para os órgãos estatais que não são partes no processo.

A doutrina dominante traz, então, as seguintes consequências:

  1. Ainda que não tenham integrado o processo os órgãos constitucionais estão obrigados, na medida de suas responsabilidades e atribuições a tomar as necessárias providências para o desfazimento do estado de ilegitimidade;
  2. Assim, declarada a inconstitucionalidade de uma lei estadual, ficam os órgãos constitucionais de outros Estados, nos quais vigem leis de teor idêntico, obrigados a revogar ou a modificar os referidos textos legislativos;
  3. Também os órgãos não participes do processo ficam obrigados a observar, nos limites de suas atribuições, a decisão proferida, sendo-lhes vedado adotar conduta ou praticar ato de teor semelhante àquele declarado inconstitucional pelo tribunal constitucional(proibição de reiteração em sentido lato).

Em relação aos órgãos do Poder Judiciário, convém observar que eventual desrespeito à decisão do STF legitima a propositura de reclamação, pois estaria caracterizada, nesse caso, inequívoca lesão à autoridade de seu julgado(CF, artigo 102, I, l). Essa reclamação, diga-se, não é mero incidente processual, mas writ, uma verdadeira ação constitucional, como já destacara o ministro Marcelo Navarro, em sua Reclamação Constitucional.

A Emenda Constitucional n. 3 espancou qualquer dúvida ao ajuizamento de reclamação no processo de controle abstrato de normas.

Assim proferida a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei objeto da ação declaratória ficam os Tribunais e órgãos do Poder Executivo obrigados a guardar-lhes plena obediência. Há um verdadeiro caráter transcendente do efeito vinculante que daí nasce dessas decisões. Tal situação impõe que sejam considerados não apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão, mas a norma abstrata que dela se extrai, isso é, a proposição de que determinado tipo de situação, conduta ou regulação é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser preservado ou eliminado. Digo eliminado, pois o Supremo Tribunal Federal é legislador negativo, que se presta a expurgar do mundo jurídico normas inconstitucionais.

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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