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A cidadania no Brasil pela Constituição de 1988

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Agenda 14/09/1997 às 00:00

Conforme explicado no artigo, de minha autoria, intitulado "Cidadania", ao se considerar a cidadania como a fruição e exercício dos Direitos Fundamentais assegurados, os quais são indissociáveis entre si, relevante se faz a análise atual desses direitos para que se contextualize esse conceito à realidade brasileira.


1 - OS DIREITOS INDIVIDUAIS

Tais direitos têm como ponto marcante a liberdade, seja ela tomada de uma maneira global ou especificada como ´liberdade de associação, de reunião´. Compõem este quadro os direitos à vida, propriedade, segurança, igualdade. (1)

Os Direitos Individuais são caracterizados pela prestação negativa por parte do Estado. Tal fato significa que este deve obedecer a determinadas limitações face ao cidadão, o qual tem o direito a não sofrer invasões, de se ver livre de atitudes arbitrárias. Tais restrições são também impostas aos outros indivíduos, apesar de especialmente voltadas para as atitudes das autoridades públicas.

Enfim "os Direitos Individuais são todos aqueles que constituem a personalidade do homem, e cujo exercício lhe corresponde exclusivamente sem outro limite que o do direito correspondente". (2)

1 . 1 - INTERRELAÇÃO COM OS DEMAIS DIREITOS HUMANOS

A distinção entre os Direitos Individuais e Direitos Políticos é bastante nítida. Os últimos asseguram a participação dos cidadãos no governo. Eles requerem determinados requisitos para o seu exercício, como no exemplo brasileiro, somente podendo deles desfrutar, segundo a Constituição de 1988, aqueles maiores de 16 anos, que sejam brasileiros natos ou naturalizados, que possuam capacidade civil, ainda que relativa, que não estejam sob efeito de condenação criminal transitada em julgado, que não tenham descumprido os termos do art. 5º, VIII e que não tenham praticado nenhuma improbidade administrativa, segundo o art. 37, § 4º.

Os Direitos Individuais, no entanto, não sofrem nenhum tipo de restrição, não se descriminando quem os pode exercer, uma vez que todos os seres racionais são seus portadores, independentemente de quaisquer condições. São titulares, portanto, capazes, incapazes, brasileiros, estrangeiros, alfabetizados e iletrados.

A criação de um certo número de incapacidades em relação aos Direitos Individuais não significa o estabelecimento de condições para seu exercício, mas são devidas a dois fatores: ou estes direitos constituem uma ação política, ou seja, uma participação indireta no poder público, como a liberdade de imprensa ou de ensino, as quais são funções públicas delegadas, precisando ser fiscalizadas em prol de um interesse maior, ou seja, coletivo; ou se trata da tarefa do Estado de proteger o indivíduo contra danos que ele próprio poderia se causar, como no caso da restrição da escolha de trabalho para crianças. (3)

Além disso, a liberdade política apresenta-se com um aspecto coletivo, já que é a efetiva participação no governo da coletividade nacional, ao passo em que as liberdades individuais, ao contrário, possuem, em geral, fins particulares, pessoais, limitados ao indivíduo. (4)

Fato é que, talvez esta distinção se dificulte pelo motivo de as conquistas dos Direitos Individuais terem andado juntamente com os Diretos Políticos. Já na Magna Carta inglesa (1215), na Declaração de Direitos do Estado da Virgínea (1776) ou na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), encontram-se liberdades individuais misturadas com as políticas de participação no governo. (5)

Conclui-se que ambas as liberdades se completam e garantem mutuamente. As individuais consistem em um poder de decisão. As políticas, em participação no poder de decidir que é próprio dos órgãos governamentais. A participação política dos cidadãos, claro, será sempre no sentido de preservar seus interesses, seus Direitos Fundamentais e, conseqüentemente, Individuais. Ao mesmo tempo, o exercício de liberdades individuais assegura uma participação política indireta, como já visto, funcionando, também, como forma de se zelar pelos Direitos Políticos, quando se encontrem sob ameaça. (6)

Já em relação aos Direitos Sociais, ao tempo em que os Direitos Individuais são de exercício exclusivo do indivíduo singular, em um domínio no qual não pode o Estado adentrar, tendo-se como único limite a fruição dos mesmos direitos pelos outros, os Direitos Sociais têm como titular uma coletividade, caracterizados pela prestação de serviços ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um todo por parte do Poder Público. (7)

Deve-se, no entanto, ter claro que esta dicotomia não é absoluta, concreta, mas sim uma convenção, com fins didáticos. Os Direitos Humanos são um todo, formam um conjunto indivisível, visto que dependem entre si para sua realização empírica. Assim sendo, tais distinções assumem caráter meramente explicativo, para que se esclareçam as peculiaridades de cada grupo que compõe a unidade.

1 . 2 - CLASSIFICAÇÃO

O Prof. JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES, assume a classificação dos Direitos Individuais na atual Constituição da seguinte forma:

1. igualdade jurídica;

2. liberdades físicas;

2.1 - liberdade de locomoção;

2.2 - segurança individual;

2.3 - inviolabilidade de domicílio;

2.4 - liberdade de reunião;

2.5 - liberdade de associação;

3. liberdade de expressão;

3.1 - liberdade de comunicação;

3.2 - liberdade de imprensa;

3.3 - liberdade artística;

3.4 - liberdade científica;

3.5 - liberdade de crença e culto;

3.6 - sigilo de correspondência de comunicações telefônica e telegráficas;

4. liberdade de consciência;

4.1 - religiosa;

4.2 - filosófica;

4.3 - política;

4.4 - liberdade de não emitir o pensamento;

5. propriedade privada;

6. direitos de petição e de representação;

7. garantias processuais;

7.1 - habeas corpus;

7.2 - habeas data;

7.3 - mandado de segurança;

7.4 - mandado de injunção;

7.5 - ação popular;

7.6 - ação direta de inconstitucionalidade por ação e omissão;

7.7 - princípios fundamentais de direito processual;

7.7.1 - garantia da tutela jurisdicional;

7.7.2 - o devido processo legal;

7.7.3 - o juiz natural;

7.7.4 - a instrução contraditória;

7.7.5 - ampla defesa;

7.7.6 - acesso à justiça;

7.7.7 - publicidade;

7.7.8 - independência do juiz. (8)

Cumpre fazer-se um destaque para alguns destes direitos, devido à sua notável importância.

1 . 2 . 1 - IGUALDADE JURÍDICA

Como foi exposto, a igualdade e a liberdade são Direitos Individuais básicos do Liberalismo Clássico, cujo grande marco foi a Revolução Francesa e a respectiva Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esta, em seu artigo primeiro, enuncia que "os homens permanecem livres e iguais em direitos."

Claro está que, apesar de fundamentos liberais, esses direitos figuram nas ordens político-jurídicas sociais-democratas, em conjunto com os demais Direitos Humanos e até mesmo nas constituições socialistas, estando subordinados aos interesses da coletividade e do Estado. (9)

Igualdade jurídica significa que todos serão tratados da mesma forma perante a lei. No entanto, cumpre-se alertar que, em adequação ao entendimento atual, o tratamento dispensado será equivalente para todos aqueles que se encontrem em idêntica situação. Deve-se, portanto, pelo princípio da igualdade, tratar desigualmente os desiguais.

Claro está que a igualdade jurídica não é bastante, por si só, para assegurar o pleno exercício da cidadania, isto é, de todos os Direitos Humanos. É um primeiro passo nesse sentido. Para a concretização da democracia e plena fruição dos direitos garantidos, requer-se a igualdade de oportunidades, como visto.

Em nossa atual Constituição, a igualdade jurídica constitui um dos objetivos fundamentais do país, conforme disposto em seu artigo 3º. Apesar de ser tipicamente um Direito Individual, a igualdade também dá apoio a vários dos Direitos Sociais, como disposto no artigo 7º , XXX, XXXI, XXXIII, com a proibição de diversas discriminações por motivo de sexo, idade, cor, deficiência física etc..

1 . 2 . 2 -LIBERDADES FÍSICAS

Consideram-se liberdades individuais stricto sensu a liberdade de locomoção e a segurança individual ou pessoal, pois protegem o indivíduo contra atentados a sua integridade física e moral. (10)

A liberdade de locomoção é aquela que se opõe a qualquer privação da liberdade de ir e vir, impedindo a prisão de qualquer pessoa, exceto nas possibilidades estabelecidas constitucional ou legalmente. A segurança individual, por sua vez, é aquela que se opõe a qualquer forma de atentado à integridade física, mental ou moral, isto é, qualquer agressão à pessoa humana. (11)

A liberdade de reunião (art. 5º, XVI) constitui-se na primeira e mais simples liberdade corporativa, estando logo após a liberdade de locomoção. (12) Trata-se da garantia à liberdade que tem a pessoa de decidir se vai ou não participar de uma reunião pública, pacífica, sem armas e exercer sua liberdade de pensamento e expressão. Por reunião deve-se entender o "agrupamento temporário e voluntário de várias pessoas em determinado lugar, segundo acordo preventivo e com um fim preestabelecido". (13)

A liberdade de associação (art. 5º , XVI a XXI) é distinta daquela acima exposta por significar a liberdade de várias pessoas de organizarem com um vínculo recíproco e duradouro para alcançar um fim comum (idem, 544). Trata-se, por exemplo, dos sindicatos.*

As associações de base, por se tratarem de importante forma de se obter uma sociedade civil organizada, funcionam como instrumentos sociais de eficácia dos Direitos Fundamentais, atuando perante os poderes constituídos em busca da concretização dos interesses de determinado grupo.

A liberdade de expressão (art. 5º, IV, V, IX, XII; art. 220 §§ 1º e 6º; art. 221, I a IV) constitui-se das diversas formas de expressão do pensamento. Nela se incluem a liberdade de palavra e de prestar informações; liberdade de imprensa; liberdade de ciência; liberdade de expressão artística; liberdade de culto; liberdade de ensino; sigilo de correspondência, de comunicações telegráficas e telefônicas. (14)

A liberdade de imprensa, analogamente às associações, constituem relevante mecanismo de garantia da eficácia e implementação dos Direitos Fundamentais, por seu poder de crítica, formação de opiniões e expressão destas.

A liberdade de consciência (art. 5º, VI, VII e VIII; art. 220, § 5º) está intimamente ligada à liberdade de expressão, visto que apenas através do acesso à informação, idéias, ciência, artes é que se faz possível a formação de uma consciência. Dessa maneira, ao se assegurar esse direito ao indivíduo, há de se impor uma barreira à atuação do Estado para que não se limite a liberdade de expressão e, conseqüentemente, de consciência. (15)

A segurança individual é composta, dentre outros preceitos, pela garantia de inviolabilidade de domicílio, propriedade do indivíduo; pelo sigilo de correspondência; pela segurança jurídica de ser presumido inocente enquanto não julgado culpado e de somente se ser punido em virtude de lei vigente à época do ato ilícito praticado. (16)

A inviolabilidade de domicílio (art. 5º , XI da CF/88) assegura a proibição de entrada na casa do morador sem o seu consentimento, salvo as hipóteses previstas, como flagrante delito; desastre; para acudir vítimas; sob mandado judicial. A atual Constituição abordou essa questão com maior rigidez do que as prévias constituições brasileiras, discriminando exatamente em quais situações é permitida a invasão domiciliar, não apenas fixando parâmetros vagos. (17)

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1 . 2 . 3 - PROPRIEDADE PRIVADA

No período medieval, sempre se denunciou a preocupação excessiva do homem com bens materiais. Resultado dessa repressão à ganância material humana estava na proibição pela Igreja da usura. No entanto, sabe-se que esta mesma instituição punidora era, indubitavelmente, a maior possuidora de terras naquela época.

Conforme visto, no século XVIII, quando das Revoluções Americana e Francesa, a concepção era de que a propriedade privada constituiria um dos Direitos Individuais Fundamentais consagrados.

Surgiram, nesta fase da história, duas correntes de pensamento divergentes. Em uma, a qual adotava a ideologia liberal pura, a propriedade privada era tida como o fundamento da liberdade, sem a qual ela não se realiza (LOCKE). Na outra, com uma idéia mais democrática, a base da liberdade seria a igualdade jurídica, ou seja, só poderiam ser realmente livres aqueles que fossem tratados desigualmente se estivessem em condições desiguais, pois somente assim se poderia criar uma isonomia na sociedade, possibilitando a todos exercerem suas várias liberdades. Esta última corrente foi afirmada por ROBESPIERRE, na Revolução Francesa, e derrotada pelo pensamento liberal. (18)

Assim, segundo o conceito liberal, a propriedade privada é tida como intocável, constituindo-se um direito fundamental absoluto. "Sua essência há de esgotar-se numa missão de inteiro alheamento e ausência de iniciativa social". (19)

Sabido é que tal Liberalismo Utópico faliu, uma vez que graves problemas sociais a partir dele ocorreram, não tendo sido a política do laissez-faire, laissez-passer capaz de solucioná-los. Tal fato gerou a insustentável situação de extrema miséria, desemprego, fome que fez eclodir a Revolução Socialista em 1917, ao mesmo tempo em que o capitalismo procurava alternativas que não o deixassem ruir totalmente.

Foi quando se passou a desenvolver o constitucionalismo social, com as Constituições Mexicana, de 1917, e a de Weimar, de 1919. Após a Primeira Guerra, conforme estudado, não mais o Estado se preocuparia apenas com a definição de sua estrutura política em suas cartas constitucionais, mas, também, com o estabelecimento de seus direitos e deveres em relação ao cidadão, visando a lhe garantir condições mais dignas de vida. Além dessas providências tomadas, estipularam-se limites aos Direitos Individuais, antes tidos como absolutos.

No Direito Constitucional Brasileiro, a desapropriação com fins de atender a interesses sociais somente veio a surgir, tardiamente, com a Constituição Federal de 1946. Em nosso atual texto, o assunto encontra-se disposto no art. 5º , XXII a XXV, XXVII, a e b, XXVIII e XXIX; art. 170, II; art. 182 § 2º; art. 184 ao art. 186. Os últimos artigos encontram-se dispostos no Título VII, referente à ordem econômica, deixando patente a interrelação entre o Direito Econômico e os Direitos Humanos.

1 . 2 . 4 - DIREITO À VIDA

O direito à vida aqui compreendido não é o direito à sobrevivência. Não é se possuir o bastante para comer.

Trata-se do direito às liberdades, sejam de expressão, de informação, de locomoção, de consciência, de culto. Inclui-se o direito à propriedade, para que se possa ter a disposição dos bens adquiridos. Soma-se o direito à igualdade jurídica e, necessariamente, igualdade de oportunidades oferecidas. Isto é, aos Direitos Individuais acrescem-se os Sociais.

Para que se forneçam os Direitos Sociais como educação, saúde, transporte, lazer, habitação, imprescindível se torna uma política econômica que os viabilize. Aqui entram, também, os Direitos Econômicos.

Por fim, necessária se faz a fruição dos Direitos Políticos de votar, ser votado, participar de plebiscitos, referendos para que não apenas se possua o domínio de sua própria vida particular, mas também se participe do Poder Público e de suas decisões.

Portanto somente com o oferecimento de todos os Direitos Humanos se torna possível o exercício do Direito à Vida, mas a uma vida com dignidade. Este direito se expressa como a síntese daqueles, pois eles foram criados nada mais do que para assegurar uma existência harmônica, livre e justa.

1 . 3 - OS DIREITOS INDIVIDUAIS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

A Constituição de 1891 mostrava-se totalmente encaixada nos moldes da ideologia da época, expressando princípios puramente liberais.

Nossa Constituição de 1934, após a assunção do poder por Vargas, foi inspirada naquela social-democrata de Weimar, abandonando-se o Liberalismo Puro do séc. XIX.

A Constituição de 1937 marca o início da ditadura do Estado Novo Getulista, sendo altamente autoritária. Restringiram-se os Direitos Individuais e Sociais previamente garantidos, chegando-se, até mesmo, a prever a pena de morte, no art.122, item 13, alíneas a, b, c, d, f. Apesar da disposição legal, não houve nenhuma execução. (20)

A Constituição de 1946 combina os princípios liberais do texto de 1891 com a social democracia do texto de 1934.

A Constituição de 1988 revela-se notoriamente moderna e com grande preocupação social, marcando a redemocratização do país e opondo-se a qualquer forma de autoritarismo. Privilegia os Direitos Humanos, totalmente desrespeitados no período da ditadura militar, no qual, através do art. 150, § 11 do Ato Institucional nº 14, chegou-se mesmo a legalizar a pena de morte em variadas circunstâncias, como em caso de ´guerra revolucionária ou subversiva´. (21)

A atual Constituição, por sua vez, proíbe a supressão de qualquer direito individual e sua garantia, bem como a pena de morte, através do estabelecido no art. 5º , não sendo tais disposições modificáveis mesmo por emendas.


2 - DIREITOS SOCIAIS

Ao passo em que os Direitos Individuais exigem uma conduta negativa do Estado, ou seja, que ele respeite a individualidade de cada cidadão, não adentrando em sua vida privada, os Direitos Sociais demandam uma prestação positiva daquele, no sentido de garantir o pleno uso destes direitos pela população.

Dessa maneira, torna-se obrigatória ao Estado a proteção dos interesses da coletividade, com a satisfação dos direitos à educação, previdência e assistência social, lazer, trabalho, segurança e transporte.

Conforme visto, os Direitos Sociais surgiram posteriormente aos Direitos Individuais. Isso porque estes se mostraram insuficientes para garantir liberdade, igualdade e propriedade para todos, mas apenas para aqueles economicamente mais fortes.

Destarte as limitações impostas pelos Direitos Sociais aos Direitos Individuais funcionam não como um obstáculo a estes, mas o constituem ou fortalecem, visto que a liberdade sem limites destrói a si mesma. É como a lei do mais forte. Apenas não se trata de força física, mas poder econômico, capaz de estragos e desigualdades incrivelmente maiores. O importante é que não se tenham as limitações como fim em si mesmas, mas como instrumento de consecução dos objetivos supremos do homem: bem estar, vida digna, exercício de sua liberdade de autodeterminação. (22)

Assim, os Direitos Sociais aparecem como o ´meio´ através do qual faz-se possível a fruição e exercício dos Direitos Individuais pela coletividade, mesmo pelos carentes materialmente. Essa situação de se ter um grupo de direitos funcionando como instrumentos para a realização de outros explica-se pelo fato de que, sem o oferecimento de um sistema educacional, de saúde, habitacional, de transporte, de lazer, de trabalho, inviabiliza-se o exercício pleno e concreto da liberdade de expressão, de informação, de consciência, de locomoção, a igualdade de condições para a competição no mercado de trabalho, o acesso à aquisição e exploração da propriedade privada.

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Pode-se, segundo o Prof. JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES (23), elaborar um quadro comparativo dessa relação de interdependência entre alguns dos Direitos Individuais e Direitos Sociais da seguinte forma:

DIREITOS INDIVIDUAIS

DIREITOS SOCIAIS

Vida Saúde, Trabalho, Lazer
Liberdade de Expressão Educação
Liberdade de Consciência Educação
Liberdade de Locomoção Transporte
Propriedade Privada Trabalho e Habitação

Sem os Direitos Sociais, cria-se ocorrência de uma ´hipocrisia legal´ , pela qual se apresenta uma série de direitos a indivíduos que, no entanto, nunca poderão deles, de fato, desfrutar. Traduz-se essa situação no fato de se assegurar a liberdade de expressão a um analfabeto ou o direito à propriedade privada a um indigente.

As principais responsáveis pelo surgimento dos Direitos Sociais foram as classes trabalhadoras do final do século XIX e início do século XX. Elas lutavam por melhores condições de trabalho; maiores garantias trabalhistas para que se precavessem contra a despedida arbitrária e acidentes de trabalho; oferecimento de maior segurança econômica e justiça social pelos serviços públicos e leis, através de proteção contra a miséria, enfermidade e incapacidade de trabalho devido à idade. (24)

Notava-se, neste período, que a política abstencionista do Estado, em que este atuava apenas no sentido de oferecer a segurança pública e afastar-se do campo dos Direitos Individuais, não surtira os efeitos desejados. A ´mão invisível do mercado´ não se mostrara capaz que abolir os desníveis e carências da sociedade, a má distribuição de renda, a injustiça social, pelo contrário, só servira para a acirrar. Tomava-se o mercado como algo superior e externo ao homem, como se ele não fosse regido pelas atitudes e decisões dos indivíduos, como se tivesse a aptidão de gerir, sem a influência humana, toda uma estrutura social.

Dessa forma surgiu o Estado Social, em oposição ao Estado Polícia anterior, com a intervenção ativa do Estado não apenas no campo assitencial ou social, mas mesmo naquele próprio ´mercado´, tomado quase como divino e intocável.

O Estado do Bem-Estar Social visa a harmonizar os Direitos Individuais com os Direitos Sociais, impondo restrições a ambos, de forma a conciliá-los, o que é uma tarefa difícil. Trata-se do que se faz, por exemplo, em relação à garantia da propriedade privada (Direito Individual), contanto que desempenhe sua função social (Direito Social).

As limitações ao exercício dos Direitos Individuais em benefício de uma coletividade foram o único caminho encontrado para o alcance de maior eqüidade social. Como ressalta BOBBIO, "as sociedades reais, que temos diante de nós, são mais livres na medida em que menos justas e mais justas na medida em que menos livres". (25)

Nossa atual Constituição, em seu art 6º , discrimina os Direitos Sociais em educação, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

2 . 1 - CLASSIFICAÇÃO

Classificam-se os Direitos Sociais dispostos na Constituição Federal de 1988, segundo o Prof. JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES, da seguinte maneira:

1. direitos do trabalho;

2. seguridade social;

2.1 - previdência social;

2.2 - saúde;

2.3 - assistência social;

3. educação;

4. cultura;

5. lazer;

6. segurança;

7. transporte;

8. habitação. (26)

2 . 1 . 1 - DIREITO DO TRABALHO

Referências a esse direito já foram feitas antes mesmo do constitucionalismo social se materializar na Constituição Social Mexicana de 1917. Alusões foram feitas na Constituição Francesa de 1848 e na Constituição Suíça de 1874, que, apesar de liberais, faziam menção a determinados direitos trabalhistas. Tal fato não fazia com que se tornassem constituições sociais porque, no seu todo, majoritariamente, abordavam as questões referentes ao mercado ou sociedade com enfoque liberal. (27)

No Brasil, tem-se a Constituição Getulista de 1934 como marco na história de nosso constitucionalismo social, visto que foi a partir dela que este se desenvolveu. Nela se resguardaram, pela primeira vez, direitos trabalhistas como o salário-mínimo; trabalho diário não excedente a 8 horas; proibição do trabalho de menores de 14 anos, do trabalho noturno a menores de 16 e de menores de 18 anos e mulheres em indústrias insalubres; repouso semanal; férias remuneradas; dentre outros. (28)

A disposição dos direitos trabalhistas nas constituições brasileiras, de modo geral, apresentou constante progresso, com exceção da Constituição autoritária de 1937, que proibiu a greve e o lock-out .

A atual constituição prevê direitos anteriormente assegurados como o direito de greve; de participação dos trabalhadores nos lucros da empresa (o qual, desde a Constituição de 1946, existe, mas nunca foi regulamentado); ao salário-família; à higiene e segurança no trabalho; previdência social; co-gestão.

No entanto, somente agora se igualaram os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, estabelecendo que as prerrogativas ali dispostas seriam garantias mínimas, nada impedindo que leis, convenções, acordos coletivos, contratos individuais ou sentenças normativas viessem a lhe acrescentar.

O presente Direito do Trabalho superou as ´idéias clássicas do contratualismo´, surgindo como um ramo no qual se tem dado ênfase ao direito coletivo, ou seja, naquele que visa a resguardar os interesses de grupos específicos, categorias e não apenas individuais. Com a possibilidade de formação dos sindicatos, de coalização (união em defesa de interesse do grupo), de convenções coletivas (nas quais, através de negociações entre empregados e empregadores, criam-se normas de trabalho), de dissídios coletivos (decisões judiciais sobre controvérsias trabalhistas), ou seja, dos direitos coletivos, o trabalhador pode atuar diretamente em benefício de suas causas, sem ter que ficar na dependência do legislador. (29)

2 . 1 . 2 - SEGURIDADE SOCIAL

A seguridade social engloba a previdência social, a saúde e a assistência social. Além de estar disposta no art. 6º, juntamente com os outros direitos sociais garantidos, encontra-se mais profundamente disciplinada no Capítulo II do Título VIII, o qual trata da ordem social. O art. 194 explicita o conceito de seguridade social como o conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Conforme foi explicitado, a seguridade social evoluiu juntamente com o Estado, isto é, quando do Estado Liberal, pouco ou nada se fazia a esse respeito e os indivíduos e famílias ficavam sujeitos a todo tido de infortúnios como mortes, doenças, prisões, desempregos involuntários, maternidade, sem qualquer amparo ou medida social de contorno daquelas situações. Somente com o Estado Social estas, formalmente, surgirão.

Em nossa Constituição atual, , a seguridade social é financiada pela sociedade, através de recursos dos orçamentos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios; de contribuições dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, faturamento e lucro; de contribuições dos empregados e sobre receitas de concursos de prognósticos, segundo o art. 195.

2 . 1 . 3 - PREVIDÊNCIA SOCIAL

A previdência, isoladamente, consiste na captação de meios e adoção de métodos para enfrentar certos riscos - invalidez, velhice, acidente, dentre outros - a que qualquer pessoa se encontra suscetível. (30)

Pela designação presente no próprio nome de Previdência Social, não há que se falar em obtenção de lucros a partir dela. Dessa maneira, é uma atividade eminentemente estatal, haja vista que nenhum particular se arriscaria a investir em um negócio que não lhe fosse proporcionar algum retorno. Por esse raciocínio, tende-se à conclusão de que, neste setor, não haveria que se falar em sistemas de previdência privada. (31)

Analogamente, por ter caráter social e ser baseada no custeio tríplice - Estado, empregador e empregado -, a parte mais frágil e para a qual foi criado o sistema, isto é, o empregado haveria de, progressivamente, ter encargos cada vez menores. (32)

Assim como ocorreu em relação ao Direito do Trabalho, também com a previdência social somente veio a ser constitucionalmente disciplinada no Brasil em 1934, uma vez que as constituições anteriores traziam apenas textos puramente políticos em que dispunha acerca da estrutura do Estado e não de seus direitos e deveres em relação à sociedade.

A Constituição de 1937, de caráter fascista, confunde previdência social como um dos direitos trabalhistas, concepção ultrapassada, que veio a ser corrigida na constituição seguinte, de 1946, que lhe confere autonomia. (33)

Os arts. 201 e 202 da Constitução Federal de 1988 especificam com maiores detalhes o instituto da previdência, prevendo seus beneficiários, o valor das contribuições e benefícios, o reajustamento desses e aqueles particularmente referentes à aposentadoria, também do trabalhador rural.

2 . 1 . 4 - SAÚDE

No tocante à saúde, particularmente, o que se estabelece como direito do indivíduo e dever do Estado, no art. 196, não é, exclusivamente a medicina curativa, com o oferecimento de hospitais, médicos, enfermeiros, equipamentos modernos e medicamentos, mas também a medicina preventiva. Trata-se de se elaborarem campanhas educativas a respeito; de se apresentarem programas para a consecução de uma alimentação, pelo menos, satisfatória; de se criarem instalações habitacionais com um mínimo de infra-estrutura que proporcione um ambiente higiênico e salubre. (34)

Nota-se, portanto, uma interrelação entre vários direitos sociais para que se exercite o direito à saúde, como os Direitos Sociais de educação, meio ambiente, lazer, habitação e os Direitos Econômicos de realização de uma política econômica voltada para a materialização desta finalidade social.

Evidencia-se, dessa forma, que não se pode exercer o Direito Individual à vida sem o Direito Social à saúde, o qual, por sua vez, não existe se não se fizer uso do Direito Econômico, o qual cuida da viabilização de políticas econômicas, que visem a cumprir aquilo que foi consagrado pela ideologia constitucional, qual seja, o bem-estar social e a dignidade humana.

Criou-se com a Constituição Federal de 1988 o Sistema Único de Saúde (SUS), o qual se apresenta como uma rede regionalizada e hierarquizada, sendo, assim, descentralizada e com direção única em cada esfera de governo. Visa ao atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais, conforme o art. 198. É financiado com recursos do orçamento da seguridade social referidos anteriormente, dentre outros.

Suas atribuições encontram-se previstas no art. 200, sendo, dentre outras, executar ações de vigilância sanitária e epidemiológica; fiscalizar e inspecionar alimentos; colaborar na proteção do meio ambiente.

2 . 1 . 5 - ASSISTÊNCIA SOCIAL

A assistência social, ao contrário da previdência que só ampara aqueles que efetivamente tiverem contribuído, é prestada a qualquer pessoa, independentemente de qualquer pagamento.

Ela visa à proteção à família, maternidade, infância, adolescência, velhice, àqueles carentes, à promoção no mercado de trabalho, à habilitação e reabilitação de portadores de deficiência física, ao oferecimento de um salário mínimo mensal para aqueles que não podem suprir suas próprias necessidades ou de sua família, como idosos e deficientes, segundo o art. 203 da CF/88.

Obtêm-se recursos para o seu financiamento da mesma maneira que a saúde, isto é, através do orçamento da seguridade social, previsto no art.195, além de outras fontes não explicitadas no texto constitucional.

Caracteriza-se pela descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal, sendo a coordenação e execução dos programas de competência estadual, municipal, de entidades beneficentes e de assistência social (art. 204). Busca-se, também, o fomento da participação ativa da população na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

A assistência social nada mais é do que uma das tentativas, como todos os Direitos Humanos o são, de se concretizarem os objetivos fundamentais do Estado, estabelecidos no art. 3º da Constituição Federal, quais sejam, os de construir uma sociedade justa e solidária; de garantir o desenvolvimento nacional - o que não ocorre com um povo sem as mínimas condições de vida -; de erradicar a pobreza e a marginalização; de reduzir as desigualdades sociais e regionais; de promover o bem de todos.

2 . 1 . 6 - EDUCAÇÃO

O direito à educação, resguardado constitucionalmente, é aquele que visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Dessa maneira, não se trata do mero direito à informação, mesmo porque este se constitui um Direito Individual já conquistado.

A educação consiste na passagem de informações, no ensino de comportamento, na conscientização a partir do incentivo ao levantamento de dúvidas e questionamentos, no auxílio à formação de um caráter e uma personalidade, visto que ela é dever da família e do Estado, o qual complementa a educação recebida em casa pelas pessoas. Somente assim se pode formar um cidadão, crítico e civilizado, o que não ocorreria se lhe fossem apenas repassados dados que tivesse que irrestritamente acatar, sem discussão, por respeito a alguma ´superioridade´ ou medo de repreensão.

O dever do Estado de oferecer educação à população engloba um conjunto de medidas que variam desde a garantia de acesso e permanência de todos nas escolas e universidades, com sua construção ou implementação, assegurando-se verbas para a pesquisa e extensão, até o pagamento de salários compatíveis aos profissionais do ensino.

Percebe-se que, sem uma política econômica voltada prioritariamente para a educação, isto é, sem a influência do Direito Econômico regulamentando essa atividades do Estado, não se concretiza esse direito. Mais uma vez se denota a intrínseca relação entre os Direitos Individuais, Sociais e o Direito Econômico.

A educação funciona como instrumental para o exercício de diversos outros direitos, como à saúde, que para se concretizar é necessário que se adquiram conhecimentos de como se portar para a sua preservação. (35)

O direito de liberdade de informação, consciência, expressão tornam-se inócuos sem uma bagagem educacional que permita o seu exercício, ou seja, a instrução pessoal, a formação de uma consciência crítica ou uma ideologia e sua conseqüente expressão, da maneira que se julgar adequada, sem atentar, é claro, contra os direitos alheios. Até mesmo o conhecimento desses limites torna-se improvável e inexigível sem um certo nível educacional que permita o alcance de um discernimento razoável da realidade e do mundo dos direitos e deveres.

Assim sendo, o monopólio do saber, detido apenas por aqueles que possuíram as condições necessárias para a adquição de razoável nível educacional, quais sejam, adequada alimentação, problemas de saúde solucionados, suficiente renda familiar que permitisse ao indivíduo tempo disponível para o estudo, acaba por gerar a situação de formação de opinião popular única ou assustadoramente majoritária. Isto é, os detentores do conhecimento divulgam suas idéias valendo-se de todas as estratégias relacionadas com os meios de comunicação, repassando-as aos diversos segmentos da população, os quais passam a assumi-las como se fossem suas ou de seu próprio interesse. (36)

Nota-se, portanto, que o problema educativo apresenta-se em íntima conexão com a estrutura econômica da sociedade: a um sistema concentrador de renda, sócio- economicamente hierarquizado, corresponde uma limitação do acesso à cultura para a camada popular, em maior número, acabando por somente se conferir às classes menos favorecidas o nível de formação necessário para sua própria existência. Isto é, o sistema educativo torna-se, igualmente, hierarquizado de forma a se manter o status quo, com a exploração da força produtiva, da mão de obra desqualificada e, conseqüentemente, barata. (37)

É justamente para quebrar este ciclo que o direito à educação, necessariamente, há de estar disciplinado na Constituição, não sob a forma de um direito social suscetível de atitudes paternalistas governamentais, mas como prerrogativa conquistada pelo indivíduo e da qual possui disposição imediata.

Soma-se o fato de que, conforme o pensamento do Prof. JOAQUIM CARLOS SALGADO, "a sociedade que não cuida da educação dos seus membros compromete o seu futuro e destina-se a ser dominada pelas mais desenvolvidas". (38)

Para que se forneça educação a todos, o Estado se imputa o dever de garantir um ensino fundamental, obrigatório e gratuito; atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência; oferta de ensino noturno regular, dentre demais medidas expostas no art. 209 e seus incisos.

Portanto, dentre as primeiras premissas para a reformulação e implementação de um sistema de ensino, de forma a corresponder às atuais exigências de qualidade da sociedade, está o fato de não se tratar da questão ´educação´ como mercadoria, como produto que se possa pôr à venda, somente dele podendo usufruir aqueles que paguem o suficiente para tanto. Necessário é que se atente para o ponto de que a iniciativa privada neste setor atende a interesses básicos, essenciais da população, sendo seu serviço exercido sob forma de autorização do Poder Público. Destarte, há de se ater, em primeiro lugar, ao bem comum, princípio maior da Administração Pública, e não aos benefícios próprios dos proprietários das instituições particulares, além de, obrigatoriamente, ter que manter qualidade compatível às avaliações governamentais (art. 209, II, CF/88).

Dessa forma, o governo não apenas deve fiscalizar o ensino privado no momento da liberação de autorização para sua constituição, como também posteriormente, quando de seu exercício. Caso sejam demonstrados comportamentos ou atitudes contrárias ao interesse social, o Poder Público é totalmente livre para revogar a autorização. Ensino de baixa qualidade e mensalidades a preços extorsivos, por exemplo, constituem motivos bastantes para tal atitude governamental. Urge que se ponham em prática as prerrogativas inerentes à Administração Pública, amparadas constitucional e legalmente, cumprindo-se sua razão de ser, ou seja, o atendimento às necessidades da coletividade e não a interesses escusos, particulares, decorrentes de uma política clientelista arraigada na mentalidade brasileira.

Importante salientar que o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente, de acordo com o art. 209, § 2º . O crime de responsabilidade, como sabido, é julgado pelo Poder Legislativo e seu resultado é a deposição do chefe do Poder Executivo que tenha sido omisso em suas atribuições constitucionais.

Além de se prever um conteúdo mínimo para o ensino fundamental , de maneira a se assegurar uma formação básica comum e dispor sobre a organização do sistema de ensino nacional, nos arts. 210 e 211, a Constituição prevê a aplicação de, pelo menos, dezoito por cento da verba federal para a educação e vinte e cinco por cento para os Estados, Distrito Federal e Municípios.

O programa de atuação do governo no âmbito educacional será disciplinado no plano nacional de educação, de duração plurianual, como prevê o art. 214.

2 . 1 . 7 - CULTURA

O direito à cultura vem a complementar o direito à educação, com ele não se confundindo. Nota-se nele a preocupação em se garantir o acesso às fontes culturais e em se apoiar e incentivar a valorização e difusão das manifestações culturais como forma de concretização desse direito (art. 215 da CF/88).

Dá-se atenção especial para a manutenção e incentivo às culturas indígenas e afro-brasileiras, por terem sido os grupos participantes do processo civilizatório nacional de maior grandeza, através do art. 215, §1º.

Não apenas a cultura, mas também os direitos dos índios vêm disciplinados no Capítulo VIII do Título VIII. Tal fato não ocorre em relação aos negros, exceto quando, no art. 216, § 5º, faz-se referência ao tombamento de documentos e áreas de antigos quilombos, notando-se determinada discriminação no tratamento entre ambos, pois estes não sofrem menos preconceito do que aqueles.

No art. 216, encontram-se dispostos os bens componentes do patrimônio cultural brasileiro por se referirem à identidade, ação, memória dos diferentes grupos formadores da nossa sociedade. Dentre eles se encontram as criações artísticas, científicas; as obras, objetos, espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, ecológico.

A forma de atuação do Poder Público para a promoção e proteção do nosso patrimônio cultural se dá através da realização de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, dentre outras, conforme o art. 216, § 2º.

No art. 220, quando se trata da ´comunicação social´ e seus meios, veda-se o cerceamento à liberdade de expressão artística por meio da censura.

Também, no art. 221, estipula-se que a produção e programação dos meios de comunicação devem seguir o princípio de fomentar a cultura, seja dando-se preferência a finalidades educativas, culturais, seja com a promoção da cultura nacional e regional, seja com a regionalização da produção cultural, artística.

2 . 1 . 8 - LAZER

Apesar de o direito ao lazer estar discriminado claramente entre os Direitos Sociais no art. 6º , não é feita nenhuma especificação maior deste tema. O que existe é uma nova referência a este direito no art. 227, quando é colocado em meio a outros direitos individuais e sociais, estipulando-se que se trata de dever do Estado.

Nova alusão é realizada quando se refere, na seção III do Capítulo III do Título VIII da Constituição Federal, ao desporto, que pode ser classificado como direito à educação, cultura e lazer. Prevê-se, por fim, o dever do Poder Público em incentivar o lazer, como forma de promoção social, no art. 217, § 3º.

2 . 1 . 9 - TRANSPORTE

O direito ao transporte compõe o rol dos Direitos Sociais, apesar de não se encontrar expresso no art. 6º , como a maioria daqueles. Por seu caráter essencial para que se viabilize o direito de locomoção e por suas características de prestação positiva do Estado, enquadra-se nesta classificação. (39)

A Constituição faz referência indireta a essencialidade deste direito quando, no art. 7º, VI, trata do salário-mínimo e sua capacidade de atendimento às necessidades vitais básicas do trabalhador e sua família, dispondo, dentre elas o transporte.

Outra alusão está no art. 230, § 2º , no qual se estabelece o transporte coletivo gratuito aos idosos com mais de sessenta e cinco anos.

2 . 1 . 10 - HABITAÇÃO

Analogamente à questão do transporte, o direito à habitação é tido como Direito Social, embora não explicitamente disposto no art. 6º .

Da mesma forma, a moradia encontra-se expressa dentre as necessidades vitais a serem atendidas pelo salário-mínimo, no art. 7º , VI.

O art. 23, XI determina a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para a promoção de programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e do saneamento básico.

Portanto, em se tratando desta matéria, nenhum dos entes políticos do Estado pode esquivar-se do cumprimento deste dever constitucional, pois todos têm competência e, dessa forma, responsabilidade de o fazerem.

Somente a partir da década de 40, notou-se uma maior preocupação com esta questão, com algumas medidas de intervenção do governo nesse sentido. Estas, no entanto, assumiram caráter muito mais paliativo do que solucionador do problema, uma vez que o Estado buscou apenas a compatibilização das necessidades da população com os interesses da classe dominante, especialmente do setor mobiliário. O resultado é óbvio. Prefere-se a satisfação destas, detentoras do poder econômico, o que faz girar o capitalismo, do que o suprimento das carências daquela, carência essas que o sistema próprio gerou. (40)

Muito mais lucrativa se mostra ao setor imobiliário a construção de prédios de alto nível, em regiões nobres das cidades, do que o levantamento de conjuntos habitacionais populares em periferias menos abastadas. Uma unidade vendida em um edifício daqueles corresponde ao preço de todos os apartamentos de um prédio de classe baixa, sendo que, nestes, no total, gastou-se muito mais material. Trata-se da mesma situação dos carros populares, que se mostraram menos rentáveis para as empresas fabricantes e montadoras do que aqueles de alto luxo.

2 . 1 . 11 - SEGURANÇA PÚBLICA

A segurança pública a que faz referência o art. 6º da Constituição Federal como Direito Social, assume hoje caráter completamente diverso daquele tomado no período da ditadura que o país viveu.

Não se trata de uma justificativa para atitudes arbitrárias, autoritárias e covardes, mas de proteção oferecida pelo Estado à integridade física e moral do indivíduo, independentemente de sua classe social. (41)

Constitui um Direito Individual de impedir que o Estado ou outrem atentem contra o patrimônio do indivíduo e sua integridade física, moral e mental, sendo, também, um Direito Social, na medida em que assegura patrocínio daquela mesma integridade, só que, aqui, de toda a coletividade, da sociedade, com uma visão global. (42)

Assim, Segurança Pública, em sentido estrito, é assumida como "a garantia e a defesa dos Direitos Individuais, de que o cidadão pode usar, dispor, fruir e gozar dentro da ordem e da paz". (43) Em sentido amplo, possui o caráter de generalidade, de direito da sociedade como um todo.

Apesar de se estabelecer essa prerrogativa em nosso texto maior, o próprio Estado se apresenta como grande infrator das regras que ele mesmo criou. Grande exemplo são os grupos de extermínio formados por policiais - basta a lembrança da Chacina da Candelária, no Rio de Janeiro -; as arbitrariedades e execuções em presídios, como aquelas ocorridas no Presídio do Carandiru, em São Paulo; as torturas cometidas nas delegacias e prisões, como nas várias FEBEMs; agressões policiais a indigentes e meninos de rua; dentre inúmeros outros atentados ao direito à segurança pública e, conseqüentemente, aos Direitos Humanos, que se cometem todos os dias e de que, muitas vezes, não se têm notícias.

Sobre a autora
Cláudia Maria Toledo Silveira

advogada em Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo. A cidadania no Brasil pela Constituição de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 19, 14 set. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Este artigo é o segundo capítulo de uma monografia da autora, publicada pela Faculdade de Direito da UFMG. É resultado de um ano de pesquisa de iniciação científica, financiada pelo CNPq,sob a orientação do Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães. Teve como objetivo maior o de se efetivar um estudo abrangente à questão cidadania. Nesta segunda parte, estuda-se sua análise atual e específica com a evidenciação de sua interrelação com os Direitos Humanos e a decomposição e estudo particular de cada um destes.

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