UMA AFRONTA À MEMÓRIA DE RUI BARBOSA
Rogério Tadeu Romano
I - O FATO
Observo o que noticia o jornal O Globo, em sua edição de 26 de outubro de 2019:
“Os funcionários da Fundação Casa de Rui Barbosa, centro de pesquisa no Rio de Janeiro, amanheceram ontem com uma surpresa no Diário Oficial: o governo empossou uma nova presidente para a instituição, a jornalista Letícia Dornelles. Até anteontem, Lucia Maria Velloso de Oliveira estava no cargo interinamente, ocupando o lugar de Marta de Senna, que se afastou por questões pessoais em 2018. Letícia trabalhou em programas de variedade sede esportes de Globo, Record de Band nos anos 1990. Tornou-se roteirista, colaborando em novelas como “Por amor” (1997), de Manoel Carlos. Mais tarde, passou a assinar séries e novelas na Record e no SBT. Em texto que anuncia a nova presidente no site da Secretaria Especial de Cultura, Letícia afirma: “Serei uma guardiã da cultura no Rio de Janeiro e no Brasil”. Diz ter planos para que a instituição “seja conhecida para além dos limites de Botafogo (bairro onde está localizada)”.
A notícia foi recebida com surpresa. Em geral, acadêmicos ligados às áreas de estudos da Casa de Rui Barbosa( História, Direito, Filologia e Literatura) assumem a presidência. Em 2015, servidores passaram a indicar o presidente, que poderia ser funcionário da casa ou não. Apesar de a palavra final ser do governo, nos dois últimos mandatos os nomes eleitos pelos servidores foram acatados.
No fim de 2018, os servidores indicaram a historiadora Rachel Valença. Após passar 33 anos na instituição, Rachel havia deixado o posto de diretora do Centro de Pesquisa em 2010. Ela diz que nunca houve resposta do governo. E vê com preocupação a nomeação: —Não é nada pessoal, mas colocar uma pessoa tão afastada da história da Casa é um desrespeito. Havia gente gabaritada para o cargo, de direita ou de esquerda.”
O governo federal demonstra mais uma vez desprezo pela cultura. Acabou de nomear uma roteirista de TV como dirigente da Fundação Casa de Rui Barbosa. O cargo era ocupado por especialistas em filologia, história, direito, literatura. A memória de Rui Barbosa não merecia isso.
E justo lembrar que no governo militar, quando estava à frente da fundação casa de Rui Barbosa, o professor Jacobina Lacombe, foi cultuada a memória daquele ilustre brasileiro. Diversas obras foram objeto de publicação como a réplica, o papa e o concilio, rui Barbosa e a economia, dentre outras obras.
Os portões para a ciência e para a cultura foram desgraçadamente trancados na Fundação Casa de Rui Barbosa. Seu ex-morador acaba de ser despejado. Ele foi exonerado dos quadros da própria Fundação a que dá o seu nome.
Encravada no coração de Botafogo, a Casa de Rui Barbosa guarda uma coleção única de livros e periódicos. Só o antigo morador deixou mais de 37 mil volumes, incluindo uma edição da “Divina Comédia” de 1481.
Em outubro, o Planalto entregou tudo isso a Letícia Dornelles,, ex-roteirista de novelas da Record. Ela foi indicada pelo deputado Pastor Marco Feliciano, recém-expulso do Podemos.
Na semana passada, ela mostrou a que veio. Numa canetada, afastou cinco diretores do centro de pesquisas. Eles não receberam aviso nem explicação. Souberam da notícia pelo Diário Oficial.
O que está acontecendo na Casa de Rui Barbosa é repugnante.
II – A AFRONTA AO MÉRITO ADMINISTRATIVO
O ato administrativo que determinou a nomeação da atual presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa é um ato administrativo que merece ser expurgado. Ele afronta a razoabilidade, afronta motivo e objeto do ato.
Os elementos do ato administrativo, motivo e objeto, têm uma relação íntima com a finalidade do ato: a razoabilidade como um limite à discrição, na avaliação dos motivos, exigindo que estes sejam adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a uma finalidade pública específica.
A razoabilidade, na valoração dos motivos e na escolha do objeto, é, em última análise, o caminho seguro para se ter certeza de que se garantiu a legitimidade da ação administrativa.
O motivo é o pressuposto de fato e de direito do ato administrativo.
A doutrina entende que há cinco limites de oportunidade à discricionariedade: existência(grave inoportunidade por inexistência do motivo); suficiência(grave inoportunidade por insuficiência do motivo); adequabilidade(grave inoportunidade por inadequabilidade de motivo); compatibilidade(grave inoportunidade por incompatibilidade de motivo); proporcionalidade(grave inoportunidade por desproporcionalidade do motivo), dentro de um controle de realidade e de razoabilidade.
Quanto ao objeto do ato administrativo, resultado jurídico visado, há uma conveniência(escolha administrativa), envolvendo: possibilidade (grave inconveniência por impossibilidade do objeto); conformidade(grave inconveniência por desconformidade de objeto) e eficiência(grave inconveniência por ineficiência do objeto), ainda dentro dos princípios técnicos de controle de realidade e razoabilidade.
Com essas observações, dir-se-á que o Judiciário pode anular atos administrativos discricionários, fundados na inexistência de motivo, insuficiência de motivo, inadequabilidade de motivo, incompatibilidade de motivo, desproporcionalidade de motivo, impossibilidade de objeto, desconformidade de objeto e insuficiência de objeto, apenas controlando os limites objetivos do ato discricionário.
III – RUI BARBOSA E A LUTA CONTRA O PODER
Em vida, Rui Barbosa sabia enfrentar com coragem o poder.
Em abril daquele ano de 1892, pedindo a convocação das eleições, a fim de ser restabelecida a tranquilidade, treze generais publicaram um manifesto. Para Floriano, a atitude equivaleu a um desafio. Aceitou-o. e, imediatamente, reformou onze dos signatários, enquanto os outros dois foram transferidos para a reserva. Foi visto isso como uma medida violenta e radical.
Os ânimos exaltaram-se e populares tentaram realizar um comício em frente a casa de Deodoro de cuja ditadura pareciam saudosos.
Foi o pretexto esperado por Floriano Peixoto: decretou o estado de sítio. As prisões encheram-se. Senadores, deputados, generais, almirantes, todos que se opunham à permanência do ditador no poder, sem distinção de categoria, foram para os cárceres. E, antes de esgotar-se o prazo de suspensão das garantias constitucionais, muitos deles embarcariam deportados para sítios longínquos.
Quem teria coragem de protestar contra Floriano Peixoto?
Para José Maria dos Santos, “Política geral do Brasil”, pág. 277, Rui Barbosa foi, naquele instante, o único que não teve medo.
Rui Barbosa ajuizou habeas corpus para a defesa daqueles militares prejudicados em seu ir e vir.
Quando informaram ao frio e sagaz Floriano Peixoto ser impossível negar a ordem devido à limpidez dos argumentos, ele comentou: “Esta notícia me contraria sobremodo. Não, amanhã, quem dará habeas corpus aos ministros do Supremo Tribunal .....”.
O julgamento foi considerado sensacional.
Piza e Almeida declarou-se favorável ao habeas corpus.
Mas, Rui Barbosa assistiu caírem contra ele os votos dos julgadores.
O pedido foi negado por dez votos a um; o voto divergente foi do ministro Pisa e Almeida, a concedê-lo. Rui Barbosa, extraordinariamente emotivo, relembra:
“Sob a influência de uma emoção religiosa, que me recorda vivamente a da minha adolescência, aproximando-se, alvoraçada e trêmula, do altar para receber na primeira comunhão o Deus dos meus pais, eu me cheguei, depois da sessão, quase sem voz, ao Sr. Pisa e Almeida pedindo que me permitisse o consolo de “beijar a mão de um justo”.
IV – RUI BARBOSA: O ENSINO E A CULTURA
O dia da cultura é uma homenagem a esse brasileiro, consignada na data de seu aniversário, dia 5 de novembro.
Rui Barbosa foi um dos marcantes intelectuais da história da nação brasileira, lutou, entre muitas das questões que defendia, em prol da instrução popular. Ele sempre esteve presente nos mais diferentes “campos de luta” e, durante o Brasil Imperial até sua transição como República, não foram poucas as questões que Rui Barbosa defendeu, entre elas: a luta pela libertação dos escravos, a Reforma eleitoral, a Constituição Republicana, assim como a fervorosa defesa a favor da modernização do país. Porém é na faceta de Rui Barbosa como educador, ou melhor, é como defensor da instrução pública que objetiva-se o aprofundamento, averiguando suas propostas expressas em seus pareceres sobre o ensino secundário, superior e primário, analisando a situação do ensino no país e a participação dos agentes históricos na construção e entendimento da história educacional brasileira.
Ele acreditava que a tribuna e a política seriam mais poderosas se estivessem munidas das belas-letras, que significava a palavra bem trabalhada. Imbuído de audácia política e de liberdade, iniciou sua luta pela modernização política do país. Rui Barbosa possuía, contudo, uma doença desconhecida, que permitia concluir que seu futuro era incerto, levando-o, muitas vezes, a se ausentar para tratamento. Apesar disso, nunca deixou que suas crenças esmorecessem, voltando cada vez mais determinado toda vez que restabelecia sua saúde (GONÇALVES, 2000).
Trago aqui as conclusões de Najla Mehanna Mormul e Maria Cristina Gomes Machado(Rui Barbosa e a educação brasileira, Os pareceres de 1882)
Em 1882, começou seu segundo mandato parlamentar, com o gabinete liberal de Martinho Campos, e Rui Barbosa se lançou esperançoso num projeto que há muito desejava a reforma do ensino. Durante o período imperial (1822-1889), a instrução primária era privilégio usufruído somente para os mais favorecidos, ou seja, as famílias abastadas eram as únicas que podiam encaminhar seus filhos aos estudos, que, na maioria das vezes, ocorriam por meio de preceptores. Em relação ao ensino elementar, mantinha-se a Escola de Primeiras Letras, estabelecida pelo Decreto de 1827, na capital do Império como nas províncias.
Essa lei vigorou até o ano de 1834 e, no Município da Corte, até 1854, quando foi aprovada e colocada em execução a Reforma de Couto Ferraz, que estabelecia a obrigatoriedade do ensino elementar, vigorava o princípio da gratuidade que fora estabelecida pela constituição, impedia o acesso de escravos ao ensino público e previa a criação de classes específicas para adultos que não sabiam ler nem escrever.
Em seguida, Rui Barbosa redigiu seus pareceres. Esses pareceres originaram-se da análise do Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, que reformava o ensino primário e secundário no município da Corte e o ensino superior em todo o Império.
O Decreto foi apresentado pelo ministro Carlos Leôncio de Carvalho, membro do gabinete liberal, presidido por Cansassão de Sinimbu, num momento em que crescia o interesse pela instrução pública. Conforme comentado, sua novidade era não fechar as portas das escolas para os escravos:
A pressa de Leôncio de Carvalho na execução dessa reforma pode ser explicada pelo fato de ser o ano de 1879 decisivo para os filhos de escravas, nascidas em 1871 após a Lei do Ventre Livre, quando estariam em idade escolar. Contudo Leôncio de Carvalho não refere essa criança em nenhuma passagem do relatório Brasil, 1878 ou do Decreto, bem como não proibia o escravo de freqüentar a escola, como estava posto no regulamento de Couto Ferraz, de fevereiro de 1854, que vetava a frequência de escravos nas escolas, juntamente com os doentes e não vacinados [...] (MACHADO, 2005, p. 94).
Esse Decreto foi submetido à apreciação da Comissão de Instrução Pública, composta por Rui Barbosa, relator, Thomaz do Bonfim Spinola e Ulisses Viana. Dessa forma, Rui Barbosa teve a oportunidade de escrever os pareceres sobre a “Reforma do Ensino Primário, Secundário e Superior”. No Decreto de Leôncio de Carvalho, ficou explícita a prioridade da iniciativa particular, devendo o Estado basear sua ação na retirada de empecilhos que pudessem atravancar essa proposta. Leôncio de Carvalho defendia que a sociedade se auto-ajustaria pelas próprias condições do capitalismo.
Motivado pelos modelos estrangeiros, Leôncio de Carvalho deu direito a indivíduos da sociedade que por ora não existiam. Não podiam existir indivíduos ou instituições particulares que fossem impedidos de abrir escolas, que pudessem dar vida e realidade à sociedade que se regularia pela livre competição que se pensava criar. Não existindo demanda real para a abertura de estabelecimentos particulares, o Decreto expressava a intenção de seus autores de restringirem a ação governamental na educação e delegarem aos particulares esta competência. Mas, ao fazer isso, tornava-se contraditório com seus próprios termos, isto é, usava da lei, por definição, um mecanismo de coerção para implantar a liberdade.
A educação pública era tema presente nos últimos anos do Império. Em 1858, Quintino Bocaiúva, em seus artigos que escrevia para o jornal “O Paraíba”, comentava sobre a situação da instrução pública em nosso país, relatando a precariedade, na qual se encontrava e, ainda, salientava a importância da educação para garantir a ordem, o progresso e a civilização da nação brasileira. Liberato Barroso (2005), também em 1865, em relatório apresentado sobre a instrução pública, apontava para a falta de uniformidade do ensino e a precária difusão da instrução pelo Estado.
Rui Barbosa recomendava a criação de um sistema nacional de educação, propondo uma reforma que teria início no jardim de infância e se estenderia até as faculdades. Indiscutivelmente, os pareceres de Rui Barbosa eram reflexos do esmero e dedicação, destinados por esse grande intelectual brasileiro, às causas pelas quais acreditava. Desçamos que,
[...] pode-se dizer que o substitutivo elaborado por Rui Barbosa, cujo detalhamento e justificativas são apresentados nos Pareceres, pretende criar no país uma estrutura educacional verticalmente articulada, que permitiria a continuidade de estudos até o curso superior, formação profissional, e, ao mesmo tempo, integrada horizontalmente, por meio de cursos que garantiriam homogeneidade da cultura geral, ensino primário, e qualificação técnico-profissional variedade dos ramos do ensino médio (VALDEMARIN, 2000, p. 145).
Para a efetivação de suas idéias, Rui Barbosa não poupou esforços para redigir os pareceres que foram escritos num só fôlego, com uma riqueza de detalhes e uma excelente fundamentação teórica, respaldada em clássicos da literatura, dos quais retirou as bases de suas argumentações, além de estudar e constatar as experiências desenvolvidas em todos os países civilizados. Os pareceres, depois de redigidos, tornaram-se um dos maiores documentos sobre ensino na América. Por conta disso, D. Pedro II chamou-o para elucidar seu trabalho, e como conseqüência foi nomeado conselheiro, a maior honraria não-nobiliárquica. Eraldo Tinoco Melo, na apresentação feita no Tomo I da “Reforma do Ensino Primário e as várias instituições complementares da instrução pública”, salientou:
Somente Rui, na grandiosidade do seu talento e na polimorfia de sua cultura, como homem público, quer como conselheiro de Ensino Provincial na Bahia, quer como deputado à Assembléia Geral do Império, pelo menos entre nós, conseguiu atingi-las. Suas obras educacionais se confundem com sua trajetória parlamentar. A faceta de Rui como educador tem sido muitas vezes esquecida até mesmo ocultada (MELO, 1947).
Em 13 de abril de 1882, Rui Barbosa apresentou o “Parecer sobre Ensino Secundário e Superior”, reeditado em 1942, tendo como objetivo justificar os projetos de lei apresentados à Câmara, os quais foram elaborados pela sua Comissão de Instrução Pública, cujo parecer havia sido submetido a um decreto do executivo monárquico sobre a reforma do ensino. Quando apresentou seus pareceres, estava convicto de que tinha desempenhado seu papel com muita precisão, já que observou que o decreto de Leôncio de Carvalho deixara muitas lacunas. Neste sentido, seu amigo Rodolfo Dantas afirmava:
Senhores, o decreto de 19 de abril, não obstante o pensamento que a ele presidiu ter sido de uma reorganização geral da instrução pública no país, deixou muito a desejar, já não somente quanto ao espírito das doutrinas que introduziu, mas deixou muito a desejar pelo lado das instituições ensinantes que não abrangeu no seu plano. Demais, as reformas que ali propuseram, e que a nobre Comissão de Instrução Pública tão consideràvelmente alargou, essas reformas exigem forçosamente a votação de meios extraordinários, de recursos correspondentemente grandes, com os quais possam praticamente ter o necessário desenvolvimento todas as instituições docentes que ali foram compreendidas (DANTAS, 1946, p. 271) [1].
Ao analisar a situação do ensino no Brasil, Rui Barbosa concluiu que, a respeito da instrução pública, tudo ainda estava por fazer. Essa conclusão foi fruto dos estudos sobre educação realizados sobre as experiências educacionais em todos os países civilizados. Depois de fazer um detalhado levantamento de como se encontrava a educação em países como Estados Unidos, França, Inglaterra, Áustria, entre outros, comparou-os com a realidade brasileira e não lhe restaram dúvidas sobre a caótica e deplorável situação educacional.
Ao iniciar os pareceres, começou por tratar sobre o ensino secundário e superior, considerando que estavam desgastados e atrasados. Como bem lembrou Barroso (2005, p. 123):
Muito longe estamos do progresso à que tem chegado a instrucção secundaria nos paizes mais adiantados; e o nosso estado exige da parte dos poderes públicos os mais constantes e enérgicos esforços. Aproveitemos os excellentes resultados obtidos nos outros paizes. A história e a estatística, diz Cousin, serião estudos indignos da razão humana, se não fossem uma fonte fecunda de lições, e uma experiência instituída sobre alguns em proveito dos outros na economia do aperfeiçoamento geral.
Destacou, também, a responsabilidade do Estado com a instrução pública, visto que defendia grandes investimentos financeiros para o desenvolvimento da educação. Sobre as verbas da educação, em discurso na sessão de 6 de agosto de 1875, o Conselheiro Paulino defendeu que não se devia ter pena dos gastos com a instrução.
Rui Barbosa atribuía o destino da pátria à reforma educacional, e apontava a educação como o caminho, citava a França e a Alemanha como modelos em termos de instrução, enquanto, no Brasil, predominavam o marasmo e a lentidão. Ele mencionava a Europa como exemplo em investimentos à educação superior, destacando a França, a qual o ensino nas áreas relacionadas à geografia eram extremamente importantes.
Enfatizava que as nações civilizadas ousavam e investiam muito em educação, crentes de que o caminho para a prosperidade era a ciência, a qual os levaria ao sucesso. O povo mais instruído superaria o menos instruído. Por meio do ensino, poder-se-ia construir uma nação consciente e viril, caso contrário seria melhor que não se fizesse nada.
Nesse parecer, Rui Barbosa discutiu a respeito da liberdade de ensino. Ele não concordava com a sua total liberdade, como defendia Leôncio de Carvalho. Apoiava que o Estado interviesse, em especial para garantir a qualidade do ensino. Outra questão era que somente a Igreja Católica iria lucrar com isso, já que estava preparada para manter suas escolas, uma vez que, para abrir e manter escolas, era necessário um grande capital. Após expor longamente nos seus pareceres os malefícios dá não intervenção do Estado, também na concessão de graus, citou vários exemplos de como a França, a Bélgica e a Inglaterra tentaram dar autonomia às universidades, no entanto, os resultados foram desastrosos. Rui Barbosa comentou os vícios de nossa nacionalidade e enfatizou que seria um caos a não intervenção do Estado na educação brasileira.
Enquanto a preocupação de alguns sistemáticos e o exclusivismo de certos teoristas, invocando a ciência da realidade, mas desconhecendo notavelmente o estado real dos espíritos e das idéias no seio da civilização contemporânea, condenam o desenvolvimento que o nosso primeiro projeto quer imprimir ao ensino oficial, preconizam a supressão dos graus acadêmicos, taxam desdenhosamente de ciência oficial a instrução distribuída nos cursos universitários, encarecem a iniciativa individual como capaz de substituir o poder público no seu papel atual de grande propulsor da educação popular e da alta cultura científica, reprovam, em suma, o progressivo alargamento da ação protetora e tranqüilizadora do Estado nesta esfera – a tendência universal dos fatos, na mais perfeita antítese com essas pretensões, com o subjetivismo das teorias dessa nova classe de doutrinários, reforça, e amplia, entre os povos mais individualistas, com o assentimento caloroso dos publicistas mais liberais, o círculo das instituições ensinantes alimentadas pelo erário geral; arduz todo dia o concurso de novos argumentos em apoio da colação dos títulos universitários sob a garantia do Estado, e reconhece, cada vez com mais força, a necessidade crescente de uma organização nacional do ensino, desde a escola até as faculdades, profusamente dotada nos orçamentos e adaptada a todos os gêneros de cultivo da inteligência humana (BARBOSA, 1947a, p. 85-86).
Seu papel nos estudos da língua foi destacado quando da Réplica.
Um dos mais vigorosos debates na primeira metade do século XX no Brasil envolveu a famosa Réplica de Rui Barbosa ( 1902). No decorrer da Réplica, Rui exibe um impressionante conhecimento sobre estudos linguísticos que estavam sendo desenvolvidos na época. Seu conhecimento detalhado das mudanças linguísticas por que o Português tinha passado não impediu, no entanto, que ele deixasse de reconhecer que o que ele percebia como defeitos da linguagem de seu tempo era, na verdade, reflexo de uma nova gramática que estava tomando forma no Brasil naquela época: Não sou dos que precisem de ser cathechizados á verdade scientifica da evolução dos idiomas. Meu trato dos antigos escriptores não me levou ao fetichismo da antiguidade vernacula, (...) não me divorciou dos estudos hodiernos sobre as leis da vida organica nas linguas. (...) Usado a buscar nas fontes antigas os veios preciosos do oiro fino, que ellas escondem ao modernismo pretencioso e ignaro, amo e uso tambem a linguagem de meu tempo, esforçando-me, entretanto, por lhe evitar os defeitos. (Repl. 38).Com a Réplica, Rui consolidou sua reputação de grande erudito em questões de língua e gramática, tornando-se um dos maiores ícones de purismo linguístico. Este trabalho discute a visão de Rui sobre língua expressa na Réplica, examinando sua posição em relação a algumas propriedades sintáticas típicas do português brasileiro. O texto está organizado da seguinte forma. A seção 2 descreve brevemente o contexto histórico em que a Réplica foi escrita do modo a permitir que o leitor possa entender melhor as razões que subjazem à intensidade e à contundência das observações de Rui. A seção 3 apresenta a posição de Rui em relação a três propriedades sintáticas do português brasileiro: a ordem sujeito-verbo, o uso do pronome interrogativo o que e a colocação de clíticos (pronomes átonos). Finalmente, a seção 4 conclui o artigo.
Uma síntese dessa monumental obra sobre a língua portuguesa está em “Repertório da Réplica de Rui Barbosa, 1950, Casa de Rui Barbosa, escrita por M.S.Mendes de Morais.
Ler, reler, perler, a Réplica é, por conseguinte, aprimorar-se no português.
Sobre ela, disse Jairo Nunes(A réplica de Rui Barbosa e a emergência de uma gramática brasileira):
“Em 1899, o ministro Epitácio Pessoa solicitou que o jurisconsulto Clóvis Bevilaqua escrevesse uma primeira versão para o Projeto do Código Civil Brasileiro. Essa primeira versão foi modificada por uma comissão de congressistas e publicada em janeiro de 1902. Em fevereiro, foi então remetida ao Professor Carneiro Ribeiro, eminente gramático que tinha sido professor de Rui, para revisão dos aspectos gramaticais. Em abril Rui apresentou um parecer sobre as modificações de Carneiro Ribeiro, tendo sido publicado em julho. Seguiram-se duas reações a esse parecer. O primeiro foi um texto de Carneiro Ribeiro intitulado “Ligeiras Observações sobre as Emendas do Sr. Rui Barbosa”, publicado em outubro. Em novembro foi a vez do deputado Anísio de Abreu com sua “Resposta ao Parecer do Senador Rui Barbosa”. Em dezembro, Rui publica sua monumental (599 páginas!) Replica do Senador Ruy Barbosa ás Defesas da Redacção do Projecto da Camara dos Deputados, em que usa todo o seu talento argumentativo para defender seus pontos de vista e demolir as objeções de seus oponentes, com singular ironia (veja-se Moura 1997 para detalhes adicionais).Os leitores de hoje se surpreendem com o fato de um debate tão acalorado e intenso ter sido desencadeado por uma “mera” questão de correção gramatical. Entretanto, essa era uma questão extremamente sensível na virada do século XIX para o XX, dada sua íntima relação com os novos conceitos de nação trazidos à baila com o estabelecimento de um sistema político republicano. Um tema recorrente junto aos círculos intelectuais da época era a questão se a jovem nação dispunha ou não de uma língua própria – uma língua brasileira (veja-se Pimentel Pinto 1978 para uma discussão bastante iluminadora). A posição de Rui foi expressa de modo cristalino nas páginas da Réplica, como ilustrado pelos seguintes excertos:Na “vergonhosa metamorphose por que está hoje passando o português” (...) entre nós, “homens aliás mui instruidos, verdadeiros sabios em outras materias, commetem crassos erros de linguagem”. (...) Depois então que se inventou, apadrinhado com o nome insigne de ALENCAR e outros menores, “o dialecto brasileiro”, todas as mazellas e corruptelas do idioma que nossos paes nos herdaram, cabem na indulgencia plenaria (...) do despreso da grammatica e do gosto. (Repl. 297)Aquelles que (...) habituaram o ouvido a essa lingua bastarda, a esse dialecto promiscuo (...) acabam por suppor seriamente mais clara essa miscellanea amorpha (...) e rude, esse português mistiço de entre lobo e cão. (Repl. 297). Especificamente em relação ao texto do Projeto para o Código Civil depois das intervenções de Carneiro Ribeiro, Rui não esconde seu desdém:Havia-lhe na physionomia muito mais do tal dialecto que da lingua portuguesa. Tentei approximal-o da lingua. Conto que m’o não perdoem os apaixonados do dialecto. (Repl. 39).
VI – RUI BARBOSA; UMA PERSONALIDADE ÍMPAR
Foi representante, outrossim, do Brasil, na Conferência de Haia em 1907, onde foi sagrado “O Águia de Haia”.
O grande tema da discussão era a criação da corte permanente de justiça, já que todos admitiam o princípio do arbitramento compulsório. Mas foi atacando a classificação dos países por sua força militar que Rui Barbosa conquistou o respeito das Nações.
A conferência caracterizou-se pela presença de um círculo mais amplo de Estados. Compareceram não só delegações dos Estados que participaram do primeiro encontro, mas também a Noruega (já, então, separada da Suécia), a Argentina, a Bolívia, o Brasil, o Chile, a Colômbia, Cuba, República Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Salvador, Uruguai, Venezuela e Honduras. A substantiva presença de países latinoamericanos resultou da insistência do presidente Theodore Roosevelt.
Ficou a lição de Rui Barbosa naquela Conferência:
Quanto a nós, da América Latina, fomos convidados a entrar pela porta da paz. Por essa via tomamos parte nessa conferência. Começamos a ser conhecidos como operários da paz e do direito. Mas se nos decepcionar-nos, se nos descorçoamos desiludidos, com a convicção de que a grandeza internacional não é avaliada senão pelas forças das armas, então, por culpa vossa, o resultado da Segunda Conferência da Paz teria sido o de inverter o curso político do mundo no sentido da guerra, impelindo-nos a procurar através de grandes exércitos e nas grandes armadas o reconhecimento de nossa posição pretendida em vão pela população, pela inteligência e pela riqueza.
O Brasil, como país soberano, foi convidado a enviar um representante à conferência. Naquele momento, chegava à presidência da república o mineiro Afonso Pena, e assim como seu antecessor, Rodrigues Alves, ele mantém na pasta das Relações Exteriores o Barão do Rio Branco, que será o responsável pela indicação do jurista Rui Barbosa como representante brasileiro à conferência. Tanto o presidente como o chanceler e o próprio Rui Barbosa tinham plena consciência da pequena expressão do Brasil no cenário mundial, especialmente entre as grandes potências, e sabiam que a participação em Haia destinava-se a ser de mero coadjuvante, assim como acontecera na anterior.
O discurso de Rui Barbosa era de liderança dos países fracos e sua defesa pela igualdade das nações.
Foi o comentador ímpar da primeira Constituição republicana de 1891 quando teve participação destacada em seus debates.
Rui Barbosa foi um anticlerical, razão pela qual são conhecidas as suas ideias em O Papa e o Concílio, onde deixou claro sua posição sua o que se chamou de Infabilidade Papal. Com a República pregou pela “secularização dos cemitérios” e pelo Estado Laico.
Foi candidato à presidência da República por diversas vezes e senador pelo Estado da Bahia.
Na chamada campanha de 1919, Rui Barbosa defendeu a questão social.
Na campanha, para a qual havia apenas um mês, Rui Barbosa levantou dois problemas centrais: a reforma da Constituição e a questão social. O velho liberal que concebera a Constituição de 1891, impregnada pela filosofia do laissez-faire, defendia agora a revisão daquela Carta, para adaptá-la às novas realidades sociais. Afirmava que “a concepção individualista dos direitos humanos tem evoluído rapidamente, com os tremendos sucessos daquele século, para uma transformação incomensurável nas noções jurídicas do individualismo restringidas agora por uma extensão, cada vez maior, dos direitos sociais”.
Pela primeira vez, um candidato à presidência da República denunciava as misérias, sofrimento e falta de direitos dos trabalhadores. Pela primeira vez, falando num teatro, alguém lembrava a triste realidade das favelas. E, sempre apontando as deficiências democráticas de um processo eleitoral que, entre outras coisas, excluía as mulheres e o voto secreto, Rui Barbosa conseguiu visitar São Paulo, Juiz de Fora, Salvador e Rio de Janeiro.
Alfredo Buzaid(Rui e a questão social) escreveu que “ quando em 1884 escreve Rui essa página admirável, aplaudindo o movimento de renovação de idéias tendentes a humanizar as relações entre o capital e o trabalho; quando louva a reforma agrária através de uma legislação que ampara o rendeiro em face do senhor da terra; e quando justifica a intervenção do Estado no domínio dos contratos, a fim de evitar que a liberdade sacrifique a dignidade da criatura, — as suas palavras adquirem caráter quase messiânico, sobretudo porque constituem uma reação à escola liberal, que ainda domina a economia no derradeiro quartel do século XIX.”
"As constituições", assinalava Rui, "são conseqüências da irresistível evolução econômica do mundo. Por isso "as constituições não podem continuar a ser utilizadas como instrumentos, com que se privem de seus direitos aqueles mesmos que elas eram destinadas a proteger, e que mais lhe necessitam da proteção". As nossas constituições têm ainda por normas as declarações de direitos consagrados no século dezoito. Suas fórmulas já não correspondem exatamente à consciência jurídica do universo. A inflexibilidade individualista dessas cartas imortais, mas não imutáveis, alguma coisa tem de ceder (quando lhes passa já pelo quadrante o sol do seu terceiro século) ao sopro de socialização, que agita o mundo"
Proclamando que o trabalho não é uma mercadoria, valorizou o operário. Mas verificando que o capital é uma necessidade indeclinável, justificou a colaboração das classes sociais. "Não há nada mais desejável", acentuou Rui, "do que a cooperação entre as classes que empregam e as que se empregam. Os patrões não se devem esquecer de que o seu interesse prende, trava, entroza com o interesse social, nem perder jamais de vista que não se pode tratar o trabalho como coisa inanimadas. Todavia, deixou claro que o capital "não tem direitos contra a humanidade.
À luz dessas ideias, não hesitou Rui em filiar-se à democracia social, tal como a preconizara o Cardeal MERCIER, "essa democracia ampla, serena, leal e, numa palavra, cristã; a democracia que quer assentar a felicidade da classe obreira não na ruína das outras classes, mas na reparação dos agravos que ela, até agora, tem curtido". E escandalizando, por certo, muitos que o ouviam, Rui corajosamente afirmou: "Aplaudo, no socialismo, o que êle tem de são, de benévolo, de confraternal, de pacificador, sem querer o socialismo devastador, que, na linguagem do egrégio prelado belga, rebaixa a questão social a uma luta de apetites, e intenta dar-lhe por solução o que não podia deixar de exacerbá-la: o antagonismo das classes. A meu ver, "quando trabalha em distrair com mais equanimidade a riqueza pública, em obstar a que se concentrem nas mãos de poucos somas tão enormes de capitais, que praticamente acabam por se tornar inutilizáveis e, inversamente, quando se ocupa em desenvolver o bem estar dos deserdados da fortuna, o socialismo tem razão". Mas não tem menos razão, quando, ao mesmo passo que trata de imprimir à distribuição da riqueza normas menos e crueis, lança os alicerces desse direito operário, onde a liberdade absoluta dos contratos se atenua, quando necessário seja, para amparar a fraqueza dos necessitados contra a ganância dos opulentos, estabelecendo restrições às exigências do capital e submetendo a regras gerais de equidade as estipulaçôes do trabalho". Tal era o socialismo que Rui perfilhava. Socialismo cristão, socialismo humano, socialismo inspirado na ideia de justiça. Socialismo que não odeia, não persegue e não mata. Socialismo que ampara os economicamente fracos, elimina desigualdades contrastantes e compõe conflitos de interesses não pela lei da força, mas pela força da lei. Socialismo que respeita as liberdades individuais, repudia o partido único e abjura quaisquer formas de ditadura, nomeadamente a ditadura do proletariado, porque esta implanta a violência em lugar da ordem, oprime a criatura humana destruindo-lhe o espírito criador e semeia a violência organizada justamente onde devia promover o congraçamento das classes.
Como um liberal, defendeu, no governo Deodoro, como primeiro ministro da Fazenda da República a liberdade monetária.
O Imperador Dom Pedro II, do exílio, o considerava uma das maiores inteligências do Brasil.
Lembro, nessa luta, o que disse Rui Barbosa:
A força do direito deve superar o direito da força.
Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado!
De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.
VII – PROVIDÊNCIAS A ADOTAR
Passa da hora do Ministério Público Federal, pela Procuradoria da República no Rio de Janeiro, tomar uma atitude que deve envolver, em nome da proteção da cultura do Brasil, ajuizar ação civil pública para anular a nomeação da pessoa nomeada acima, com pedido de liminar, de natureza cautelar, visando a suspender os seus efeitos. Para tanto, será caso de proceder a inquérito civil para avaliar todos os danos trazidos ao patrimônio cultural brasileiro com essa indevida nomeação.
Trata-se de pessoa que não apresenta qualquer perfil com as exigências para o cargo e deve dele sair sob pena de dano irreparável ao país.
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[1] Fala proferida por Rodolfo Dantas, presente no anexo I das Obras Completas de Rui Barbosa, v. IX, t. II, de 1882.