Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Parcelamento da dívida fiscal e seus contrastes

Agenda 20/01/2020 às 14:42

O objetivo geral do artigo é discorrer sobre as concessões de parcelamentos e reduções das multas e juros das dívidas tributárias junto à União e seus contrastes, através de Medidas Provisórias (MP).

INTRODUÇÃO

O objetivo geral do artigo é discorrer sobre as concessões de parcelamentos e reduções das multas e juros das dívidas tributárias junto à União e seus contrastes, através de Medidas Provisórias (MP).

Os objetivos específicos principais: Levantar como os benefícios concedidos nos últimos anos pelo governo federal auxiliaram contribuintes inadimplentes.

Identificar como as pessoas físicas e jurídicas aproveitam a opção do parcelamento para suspender a cobrança da dívida.

Apresentar os contrastes entre os principais beneficiados com os reais lesados que quitam em dia suas obrigações tributárias.

DETALHES

A Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil - Unafisco disse que a MP 899/19 editada em 16/10/2019, apesar de ser denominada pelo governo federal de contribuinte legal, traz um contraponto à capacidade contributiva às avessas conforme expresso no Código Tributário Nacional, juntamente com outros REFIS que ocorreram em anos anteriores, cita ainda: “... a MP abre a possibilidade de tornar eternos os parcelamentos de grandes devedores, o que tem o poder de afetar de forma grave a capacidade de arrecadação do país”.

De acordo com o art. 171 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66), os optantes pelo REFIS ou parcelamentos suspendem a cobrança integral do crédito tributário, “A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário”.

Ainda segundo a agremiação dos Auditores, na Medida Provisória nº 899/2019 o governo evita chamá-la de renegociação da dívida, para não dar a ideia que é um novo REFIS como nos anteriores. Está previsto na MP que os descontos podem chegar até 50%, com prazo para pagamento até 84 meses. Micro ou pequena empresa e pessoas físicas podem parcelar de 84 a 100 vezes o seu litigioso tributário, com até 70% de desconto que sucedem de ação judicial, embargos à execução fiscal ou recurso administrativo ainda não julgados definitivamente.

Há várias Emendas de deputados federais propondo alterações à MP 899/2019 original. O parlamentar Tadeu assim justificou na Emenda 90 – MPV 899/2019:

Neste aspecto, a MP 899/2019 prevê a concessão de descontos ou redução do valor total dos créditos transacionados em percentuais bastante elevados (regra geral: até 50%, e para pessoas físicas e microempresas, até 70% de redução sobre o valor total dos créditos a serem transacionados), porém sem obrigação de atentar para as normas orçamentárias e financeiras, colocando-as como facultativas.

Inclusive na opinião de especialistas tributários há dúvidas na medida tomada pelo governo. De acordo com Sabbag (2009):

“...não se trata de providência que fique a critério da autoridade administrativa. Esta deve cingir-se aos motivos legais que dão ensejo ao perdão, como a situação econômica do sujeito passivo: erro ou ignorância escusáveis do contribuinte, quanto à matéria de fato; diminuta importância do crédito tributário, dentre outros (art. 172, inciso I a V, CTN).”

Vale ressaltar, conforme dados do Ministério da Fazenda, o saldo total da dívida federal está em torno de R$ 1,4 trilhão. Por outro lado, existe a expectativa do Ministério da Economia que haja regularização de 1,9 milhões de devedores. Numa entrevista pelo procurador-geral da fazenda nacional, Amaral Júnior (2019) afirmou: "Boa parte disso está em situação dificílima de recuperação (pelo governo). Imagina se a gente recupera 5% deste valor? Isso é praticamente tudo o que se tem em termos de gastos discricionários no orçamento anual"...

As vantagens apresentadas pela MP são: ter seus débitos prolongados com a instituição do governo; as multas reduzidas; substituição da correção dos débitos bem mais em conta, mudando de SELIC para TJLP, e o optante consegue a certidão positiva de débitos, com efeitos de negativa.

O último REFIS foi editado pela Lei nº 13.496/2017. O governo denominou de Programa Especial de Regularização Tributária (PERT). A corporação dos Auditores Federais entende a edição de nova MP ser de caráter institucional do governo, no entanto, disse:

O Fisco foi surpreendido com o anúncio da assinatura da medida sem que os Auditores Fiscais ou seus dirigentes fossem consultados a respeito do encaminhamento de um assunto de extrema relevância, com o poder de impactar de maneira profunda e irreversível o papel fiscalizatório e arrecadatório do órgão.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Saliente-se que, de acordo com os dados dos REFIS anteriores, a entidade Unafisco afirma que os maiores beneficiados são os que possuem vultosos faturamentos, por isso, seria necessário antes da edição da MP uma melhor análise. Disse ainda a agremiação: “permite que o contribuinte que abandonar o programa não sofra constrangimento, bloqueio de seus bens e a dívida fique suspensa até a palavra final, muitos anos depois”

Segundo a auditora Fiscal Natalie Nobre: “Esses contribuintes vão ter essa tendência a passar por todo o processo administrativo no âmbito da Receita sem efetuar nenhum recolhimento para, lá na frente, obter o benefício da PGFN”.

De acordo com a Procuradoria da Fazenda Nacional – PGFN, quando da vigência do programa REFIS da Crise em 2012, mais de 250 mil contribuintes do governo federal fizeram a consolidação dos débitos e opção de parcelamento. Cento e trinta mil foram excluídos por deixarem de pagar ou erros nos sistemas e mais de duas mil pleitearam na justiça o direito de permanecer no programa.Uma das razões de liminares concedidas pelo judiciário para esses 2 mil, que representa apenas 1% do total dos contribuintes, é o rigor da lei que cita prazos exíguos para a opção pelo programa.

Inclusive, cita que essa tolhida demonstra a força das entidades privadas e seus representantes no Congresso Nacional e no governo. Num dos discursos sobre a reedição da última MP 766/2007 no Congresso, o deputado federal Alfredo Kaefer em 2017 disse: "Não é bandido, não é sonegador, quem deve imposto. É o setor produtivo que paga o Congresso Nacional, paga os salários e sustenta o Estado".

Já o jornal Diário do Comércio:

Embora o número corresponda à metade do rombo fiscal estipulado para este ano, o nível de recuperação desses débitos é muito baixo. De 2014 a 2018, a União conseguiu reaver R$ 845 milhões aos cofres públicos de empresas nessa situação, pouco mais de 1% do montante.

O jornal Folha de São Paulo traz o destaque sobre os descontos que poderão ser concedidos de até 70% da dívida federal. Lima fez o seguinte comentário.

Aí o malandro faz uma péssima gestão, não repassa os tributos que já estão embutidos no preço dos produtos que vende, distribui tudo aos sócios e acionistas como lucro e dividendos e, quando tudo der errado, corre para o colo do Estado. Péssima a mensagem que passamos aos demais, que trabalham corretamente.

Por outro lado, a desembargadora Consuela Yoshida do TRF3 sobre o direito das pessoas cita: “O mero descumprimento de obrigação acessória não pode determinar a exclusão, sendo tal medida desproporcional e desarrazoada, ainda mais se for levado em consideração que o objetivo do parcelamento é possibilitar a regularidade dos débitos fiscais”.

CONCLUSÃO

É imprescindível que haja um maior esforço do governo federal para entender as consequências geradas pelas edições de Medidas Provisórias. Só para citar alguns exemplos: aqueles que já foram comtemplados inicialmente em edições anteriores e desistiram do pagamento sem justificativas plausíveis e voltam a solicitar o benefício; muitos entram no parcelamento, suspendem a exigência dos créditos e obtêm certidões para participarem de licitações públicas e depois voltam a dever; outros possuem capital financeiro para pagamento de dívidas e mesmo assim solicitam a benesse.

Ao se examinarem alguns fatos da atual MP 899/2019, verifica-se que ela não aponta qual tipo de autoridade ou tribunal, seja administrativo ou judicial, deve discutir o antagonismo legal, como o próprio Conselho de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, TRFs, Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça ou Tribunais localizados nos Estados. Ainda contrariando o aspecto legal essa MP deixa para o executivo legislar sobre os descontos nos pagamentos que serão concedidos.

Com efeito, como a negociação dos parcelamentos passarão pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, os contribuintes, sabendo disso, apenas farão a declaração de débitos na Receita Federal sem realizar os pagamentos devidos e depois reivindicam com o governo outro REFIS.

Portanto, ainda que os atrasos nos pagamentos de tributos serem utilizados por necessidade ou se tornem como ferramenta de gestão das pessoas jurídicas e físicas, os maiores lesados são aqueles que cumprem suas obrigações em dia com o fisco, que muitas vezes deixam de receber os programas sociais de saúde, educação e segurança. Inúmeros lapsos cometidos nos REFIS anteriores poderiam ser evitados, obtendo maiores garantias nos recebimentos de tributos atrasados.

BIBLIOGRAFIAS

Congresso Nacional – Medida Provisória 899/2019. Disponível em https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/139427, acesso em 27/11/2019

DCI – Economia e finanças. MP do Contribuinte Legal não é Refis; ela permite renegociação. 16/10/2019. Disponível em https://www.dci.com.br/economia/jose-levi-mp-do-contribuinte-legal-n-o-e-refis-ela-permite-renegociac-o-1.837997, acesso em 12/11/2019.

DIÁRIO DO COMÉRCIO. 23/11/2019. Governo quer perdoar até 70% de dívidas de empresas. Disponível em http://diariodocomercio.com.br/legislacao/perdao-de-divida-de-empresa-com-uniao-pode-chegar-a-70/, acesso em 25/11/2019.

FECOMÉRCIO - MP permite descontos de até 70% da dívida de micros e pequenas empresas com a União, 23/10/2019. Disponível em https://www.fecomercio.com.br/noticia/mp-permite-descontos-de-ate-70-da-divida-de-micros-e-pequenas-empresas-com-a-uniao, acesso em 05/11/2019.

FOLHA DE SÃO PAULO – COMENTÁRIOS – 22/11/2019. União pode cobrar 70% menos de empresas em recuperação judicial. Emerson Lima - Disponível em https://comentarios1.folha.uol.com.br/comentarios/6120206?skin=folhaonline, acesso em 25/11/2019

PORTAL TRIBUTÁRIO. Moreira, Daniel. Em 25/04/2012, Exclusão do Refis: Empresas Conseguem se Reincluir. Disponível em http://www.portaltributario.com.br/artigos/refis-da-crise-empresas-conseguem-reinclusao.htm, acesso em 05/11/2019.

Presidência da República - Secretaria-Geral - Subchefia para Assuntos Jurídicos - MEDIDA PROVISÓRIA Nº 899, DE 16 DE OUTUBRO DE 2019, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv899.htm, aceso em 25/11/2019.

SABBAG, Eduardo – Manual de direito tributário/Eduardo Sabbag – São Paulo: Saraiva, Ed. 1ª. 2009.

Silva, Mauro. Unafisco Associação – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, 25/10/2019. Disponível em http://unafisconacional.org.br/default.aspx?section=8&articleId=8116, acesso em 04/11/2019.

Sindifisco Nacional – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita federal do Brasil, Auditores Fiscais criticam MP de Guedes, em 18/10/2019. Disponível em http://www.sindifisco-ms.org.br/noticias/auditores-fiscais-criticam-mp-de-guedes/2478, acesso em 27/11/2019.

UNAFISCO Associação – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil em 28/09/2017. Disponível em http://www.unafisconacional.org.br/default.aspx?section=8&articleId=6474, acesso em 03/11/2019.

UOL – Refis perderá a validade; governo negociará a edição da nova MP. Disponível em https://economia.uol.com.br/noticias/valor-online/2017/05/25/refis-perdera-a-validade-governo-negociara-a-edicao-da-nova-mp.htm?cmpid=copiaecola, acesso em 04/11/2019.

ZANELLO, Cristina. Parcelamentos de débitos tributários das empresas. Editora Juruá. Edição 4ª. 2014.

Sobre o autor
Roberto de Andrade

Pós-graduado em Planejamento Tributário; Formado em Economia; Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil 1997 - 2019; Auditor Fiscal do Município de São Bernardo do Campo/SP - 1988/1997; Professor; Gerente de instituição financeira; Técnico em Administração de Empresas

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Fazer um contraponto sobre os excessivos benefícios fiscais dados pelo governo federal e os prejuízos com a medida à sociedade.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!