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Litigância de má-fé. Nova redação do art. 18 do CPC

Agenda 23/12/1998 às 00:00

A Lei nº 9.668, de 23.6.98, estabeleceu nova redação para o art. 18 do CPC, dispondo que: "Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.". Resolvemos, pois, tecer algumas considerações que reputamos relevantes sobre o tema.

Primeiramente, é oportuno lembra que, já na redação anterior conferida pela Lei 8.952, de 13.12.94, o art. 18 do CPC conferia poderes ao juiz para aplicar de ofício a multa decorrente de litigância de má-fé. O dispositivo legal, ao textualizar que "o juiz ... condenará", dá a entender que se trata de imposição ao juiz, mas, na verdade, apenas se lhe concede uma faculdade decisória, incluída em seu poder discricionário. Embora a norma seja cogente e imponha um poder-dever ao juiz, vinculado ao interesse público e à dignidade da justiça, este somente agirá neste sentido quando entender devido, não existindo nada que o obrigue a condenar.

Aliás, é importante sublinhar que a imposição de multa, ex officio, devido ao procedimento temerário e malicioso da parte, não pode se confundir com parcialidade. O só fato de o juiz concluir se tratar de situação de bad faith da parte, cominando a sanção legal, não leva a tal conclusão, conforme julgado do Tribunal gaúcho:

"... LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO HA NENHUMA IMPARCIALIDADE EM APLICAR A PENA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DE OFICIO. O JUIZ ATÉ DEVE FAZE-LO PARA QUE O PROCESSO NÃO SE TORNE INSTRUMENTO CONTRARIO A JUSTIÇA, SENDO USADO APENAS PARA PROTELAR, COM MANOBRAS BUROCRÁTICAS E MALICIOSAS, A EFETIVAÇÃO DE DIREITO SUBJETIVO DA PARTE. APELAÇÃO IMPROVIDA."


(TARGS - 4ª Câmara Cível - APC nº. 194003612 - Rel. ARI DARCI WACHHOLZ)

Sem dúvida, não é esse fato que vai macular o princípio isonômico (arts. 125, I, do CPC, e 5º, caput, da CF/88), pois este consiste exatamente em tratar desigualmente os desiguais. No caso, o litigante de má-fé deve ser tratado como tal, sem que isso importe quebra da imparcialidade.

O poder subjetivo de agir de ofício do magistrado, contudo, encontra limites nos princípios constitucionais e nos elementos objetivos traçados pelo ordenamento jurídico, conforme se exporá adiante.


MOTIVAÇÃO DA DECISÃO CONDENATÓRIA

Em que pese o caráter eminentemente subjetivista que envolve a matéria, ao juiz não é dado aplicar a pena decorrente da litigância de má-fé sem que explicite a motivação desta decisão. E isso decorre logicamente dos mandamentos constitucionais contidos nos arts. 5º, incs. LIV, LV e XXXV; 37, caput, e 93, inc. IX, da Carta Política de 1988, bem como das regras dos arts. 458, inc. II, e 165 do CPC. De fato, em qualquer decisão do Poder Judiciário impõe-se a fundamentação, sob pena de prejuízo à defesa do cidadão-litigante, que não terá meios de saber a causa que motivou a sua condenação e a consequente imposição de sanção pelo Estado-juiz. E isso, por certo, acarretaria na vulneração dos princípios do duo process of law, da ampla defesa, da inafastabilidade do controle do Poder Judiciário, da publicidade dos atos administrativos e da motivação.

A Corte Infraconstitucional, mais uma vez, dá aula na interpretação da matéria:

"MULTA PELA INTERPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, CONFORME O ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. AO APLICA-LA, CABE AO JULGADORA DEMONSTRAÇÃO ESPECIFICA DE SEU CARÁTER MANIFESTAMENTE PROTELATÓRIO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE, E NESTA PARTE PROVIDO, PARA O CANCELAMENTO DA MULTA."


(STJ - REsp. nº. 12833/91-MG - 4ª Turma - Rel. Min. Athos Gusmão Carneiro - DJ 12.2.91, p. 17543);

A lição de Nelson Nery Junior também é muito proveitosa e esclarecedora:

"A motivação da sentença pode ser analisada por vários aspectos que vão desde a necessidade de comunicação judicial, exercício de lógica e atividade intelectual do juiz, até sua submissão, como ato processual, ao estado de direito e às garantias constitucionais estampadas no art. 5º, CF, trazendo consequentemente a exigência de imparcialidade do juiz, a publicidade das decisões judiciais, a legalidade da mesma decisão, passando pelo princípio constitucional da independência jurídica do magistrado, que pode decidir de acordo com sua livre convicção, desde que motive as razões de seu convencimento (princípio do livre convencimento motivado)."


(Nelson Nery Junior, Princípios de Processo Civil na Constituição Federal, RT, 4ª edição, pp. 170/171)

Nessa análise, o que mais importa em nossa opinião é demonstrar que o juiz tem sim a faculdade discricionária ao analisar a existência ou não de atos de má-fé; tem também a liberdade para fixar o quantum debeatur relativo à multa. Porém, essa discricionariedade jamais poderá se traduzir em desvinculação aos princípios norteadores do processo, sob pena de se transformar em arbitrariedade e sujeitar-se a anulação pelos meios ordinários.

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O SUBJETIVISMO NA APLICAÇÃO DA PENA

Não há como discordar do fato de que a aplicação de pena de multa, decorrente de litigância de má-fé, sempre esteve, e permanecerá, ligada a uma análise subjetiva pelo magistrado da peculiar situação que se lhe coloca sub examine. Tanto é assim que o STJ, não raro, costuma negar seguimento a recurso especial que verse sobre o tema, com fundamento em sua Súmula nº. 7, quando a admissão do mesmo importar no reexame de prova. Nesse sentido os REsp(s) 25.107-6-RS, Rel. Min. Athos Gusmão Carneiro, DJ 16.11.92, e 37.684-0-RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ 23.5.94, p. 12.612.

Todavia, é possível vislumbrar, claramente, os elementos objetivos para a aplicação do instituto.

O primeiro deles, é claro, é o enquadramento da conduta do litigante numa das situações tipificadas nos incisos do art. 17 do CPC. Exemplificando, podemos citar caso em que o STJ deixou de aplicar a pena de multa, para recurso de agravo regimental protelatório, antes da tipificação introduzida pela lei em comento:

"Não cabe aplicação de multa no caso de agravo regimental protelatório (STJ - 5ª Turma - REsp 84.023-MG, Rel. Min. Flaquer Scartezzini, j. 19.3.96, deram provimento, v.u., DJU 22.4.96, p. 12.631, 2ª col., em.)"


(Theotônio Negrão, Op. Cit, p. 435, 1ª coluna);

Nesse sentido também é a lição do processualista Nelson Nery Júnior:

"4. Rol taxativo. As hipóteses de caracterização objetiva de litigância de má-fé, estão arroladas em numerus clausus, taxativamente, na norma ora comentada, não comportando ampliação (Arruda Alvim, CPC, II, 149; Borges, Coment., v. 1, p. 28; Leão, O litigante de má-fé, p. 37). ..."


(Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, CPC Comentado, RT, 3ª edição, p. 288, 2ª coluna).

O segundo, e mais importante, é a causação de um prejuízo à parte adversa, sem o qual não há como apurar o quantum indenizável a que se refere o art. 18 do CPC. Nesse sentido, novamente, a jurisprudência do STJ:

"A conduta temerária em incidente ou ato processual, a par do elemento subjetivo, verificado no dolo ou culpa grave, pressupõe elemento objetivo, consubstanciado no prejuízo causado à parte adversa"


(STJ - 1ª Turma - REsp 21.549-7-SP - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros - DJ 8.11.93, p. 23.520).

O prejuízo, no caso, refere-se às perdas e danos (CPC, art. 16), que abrangem tanto o dano atual como o dano eminente (CCB, art. 1059). Mais uma vez, concede a lei, ao juiz, a faculdade discricionária de fixar, desde logo, o valor da multa, que, no entanto, não poderá exceder a 1% sobre o valor da causa, conforme a nova redação do art. 18 do CPC, salvo nos casos em que a parte demonstrar prejuízos indenizáveis maiores, em ação de liquidação por arbitramento.

É oportuna e esclarecedora, sobre o tema, a lição de Nelson Nery Júnior, tendo sob comento, ainda, a antiga redação do dispositivo legal enfocado:

"Caso o juiz reconheça a litigância de má-fé, mas não tenha parâmetros para fixar o valor da condenação, deverá fixá-la desde logo, não podendo exceder 20% do valor dado à causa, corrigido monetariamente. Na hipótese de os prejuízos excederem esse limite, o juiz deverá reconhecer a litigância de má-fé (am debeatur) e remeter a apuração do quantum debeatur para a liquidação por arbitramento. Neste último caso o prejudicado deverá demonstrar a extensão do dano na ação de liquidação por arbitramento, que se dará nos mesmos autos.

O limite de 20% sobre o valor da causa, portanto, é para que o juiz possa, de imediato, fixar a indenização. Não significa que não possa haver prejuízo maior do que 20% do valor da causa, pelos atos do litigante malicioso. Havendo prejuízo, qualquer que seja o seu montante, deve ser indenizado integralmente pelo causador do dano. Entender-se o contrário é permitir que, pelo comportamento malicioso da parte, haja lesão a direito de outrem não inteiramente reparável, o que se nos afigura motivo de empobrecimento indevido da parte inocente, escopo que, por certo, não é perseguido pelo direito processual civil"


(Nelson Nery Junior, Atualidades sobre o Processo Civil, RT, 2ª edição, pp.32/33).


A CONDENAÇÃO, SUA NATUREZA E O "QUANTUM DEBEATUR"

Como se viu, o Juiz pode condenar o litigante de má-fé de ofício ou através de requerimento da parte, que poderá se dar em qualquer fase processual, não se podendo cogitar jamais de supressão de instância ou de alegação inovatória. É que a conduta reprovável pode ocorrer em qualquer momento processual em que a parte tenha de intervir e, ocorrendo, desafiará a aplicação da pena.

O art. 18, no parágrafo segundo da redação revogada, previa a fixação, pelo juiz, de uma indenização, em quantia não superior a 20% sobre o valor da causa, ou através de liquidação por arbitramento.

A alteração suprimiu os dois parágrafos do art. 18 do CPC e, em sua nova redação, reduz este limite para apenas 1% sobre o valor da causa, a título de multa, mais as perdas e danos que a parte contrária vier a sofrer e os honorários advocatícios e as despesas que tenha efetuado.

Em primeiro lugar, é fundamental notar que a pena de litigância de má-fé não possui mais apenas natureza indenizatória. A atual redação é expressa ao estabelecer que o juiz condenará o litigante de má-fé "a pagar multa". Assim, é evidente que, agora, além da natureza indenizatória, quanto aos danos sofridos pela parte contrária, há também a natureza sancionatória, de penalização, em relação à conduta do improbus litigator.

No que diz respeito ao quantum debeatur, pensamos que a redução do valor teto para 1% sobre o valor da causa foi um erro, que transformará a litigância de má-fé num instituto inócuo. Na maioria das vezes, não temos dúvida, será mais atraente à parte interpor o recurso, mesmo correndo o risco de lhe ser aplicada a multa, levando-se em consideração o seu valor ínfimo e irrisório. Mais recomendável, em nosso modo de ver, teria sido a manutenção do limite anterior (20% sobre o valor da causa), confiando-se na prudência do juiz, ou mesmo a definição de incidência sobre o valor total da condenação, que na maioria das vezes ultrapassa, em muito, o valor dado à causa.

É importante não esquecer, de outra parte, que este limite é para que o juiz possa, de imediato, fixar a multa. Não quer dizer, entretanto, que -em havendo prejuízos maiores- a indenização não possa ser maior. Nessa hipótese, a sua apuração será remetida para a liquidação por arbitramento, na qual se deverá chegar à indenização integral pelos danos causados, em consonância com a idéia de que todo o dano causado deve ser integralmente reparado.

Por fim, note-se que foi mantida a determinação para que o improbus litigator indenize os honorários advocatícios e as demais despesas da parte prejudicada, verbas que deverão ser calculadas sobre o valor total das perdas e danos, obedecendo-se as regras de sucumbência previstas nos arts. 20 e seguintes do CPC.

Sobre o autor
Luiz Claudio Portinho Dias

procurador autárquico do INSS em Porto Alegre (RS), membro do IBAP (Instituto Brasileiro de Advocacia Pública)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Luiz Claudio Portinho. Litigância de má-fé. Nova redação do art. 18 do CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/791. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Artigo publicado no Jornal da Lei, encarte do Jornal do Comércio, Porto Alegre

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