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O crime envolvendo a declaração falsa em processo de transformação de visto, processo de naturalização ou para obtenção de passaporte para estrangeiro

Agenda 28/01/2020 às 09:16

O artigo discute a matéria diante da revogação do artigo 125, XIII, da Lei nº 8.615/80.

A declaração falsa em processo de transformação de visto, processo de naturalização ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro não deixou de ser crime no Brasil com a revogação da Lei n. 8.615/1980 (antigo Estatuto do Estrangeiro), sendo aplicável aos casos a tipificação prevista no artigo 299 do Código Penal, configurando crime de falsidade ideológica.

Esse foi o entendimento da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao rejeitar um agravo de um chinês condenado a um ano de reclusão, em regime aberto, por ter feito uma declaração falsa em um pedido de residência no Brasil.

A defesa alegou que a Lei n 13.445/2017 deixou de criminalizar as condutas previstas no art. 125, XIII, da Lei n° 6.815/1980. Daí revela-se o desinteresse do legislador em proceder à persecução penal de tais condutas.

No caso analisado, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) acolheu o recurso da defesa para alterar a capitulação dos fatos para o crime de falsidade ideológica, conforme regra do artigo 299 do Código Penal. Para o TRF3, apesar da revogação do antigo estatuto, a conduta continua sendo crime, aplicando-se as regras do Código Penal.

No recurso dirigido ao STJ, a defesa alegou que a Lei de Migração (Lei n. 13.445/2017 ) deixou de criminalizar as condutas previstas no antigo Estatuto do Estrangeiro e, dessa forma, não haveria interesse do legislador em proceder à persecução penal de tais ações.

Ela afirmou ainda que, pelo princípio da especialidade, as disposições da referida lei preponderam sobre as do Código Penal.

Pois bem: dizia o artigo 125, XIII, da Lei 6.815/80, que foi objeto de revogação:

Art. 125. Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)

XIII - fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída:

Pena: reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão.

Já dizia Yussef Said Cahali(Estatuto do estrangeiro, 1983, pág. 553) que tal infração, de certa forma, estava prevista no artigo 299 do CP.

Para Dardeau de Cavalho(ainda que se referindo ao Estatuto anterior, artigo 152), “o sujeito ativo, no caso, há de ser o naturalizado ou aquele que procura registrar-se ou obter passaporte”(Situação jurídica do estrangeiro no Brasil, 1976, pág. 286).

Para Yussef Cahali, porém, a falsidade ideológica que era tipificada no inciso XIII da lei revogada, tanto podia imputar não apenas ao próprio interessado na naturalização, na transformação do visto, de registro ou de alteração de assentamento, como ainda podia ser imputada a terceiro que, com sua declaração falsa, concorre para que aquele resultado fosse alcançado.

Entendia-se, assim, que apenas quando o autor de declaração falsa, que possibilitou transformação do visto, de registro, de alteração, de assentamentos, de naturalização ou obtenção de passaporte para estrangeiro, não for estrangeiro, não for brasileiro, é que estará sujeito a expulsão; o brasileiro não precisaria de declaração falsa para obter para si os expedientes ali previstos.

Por certo, até a vigência da Lei nº 8.615/80 aplicava-se aquele artigo 125, XIII, aplicava-se o princípio da especialidade.

Mas que falar com relação aos fatos posteriores à revogação daquela lei, uma vez que a nova norma não reeditou tal tipo penal obedecido o princípio da reserva de parlamento (princípio da legalidade).


O que é documento?

Documento, como conceitua Júlio Fabbrini Mirabete (Manual de direito penal, volume III, 22ª edição, Atlas, pág. 212) é toda peça escrita que condense graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de algum ato dotado de significação ou relevância jurídica. O escrito deve ser feito a mão ou por meio mecânico ou químico de reprodução de caracteres. Mas, inexiste a falsificação de documento se trata-se de simples reproduções fotográficas (xerocópias) não autenticadas que não se conceituam como documentos (RTJ 108/156). Mas, é essencial que o documento possa apresentar relevância no plano jurídico, gerando consequências no plano jurídico (RTJ 616/295). Nelson Hungria conceitua o documento como “ todo escrito especialmente destinado a servir ou eventualmente utilizável como meio de prova de fato juridicamente relevante”.

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O documento, via de regra, é um papel escrito. Mas nem todo papel escrito é um documento, pois nem todo papel tem força probante.

De toda sorte, a veracidade probatória é a objetividade jurídica desses crimes em estudo.

São requisitos do documento:

  1. Forma escrita, redigidos em língua nacional, seja a mão ou a máquina;

  2. Determinação da autoria;

  3. Conteúdo (uma manifestação de vontade, uma exposição dos fatos);

  4. Relevância jurídica

Determina o artigo 299 do CP:

Art. 299. - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.

Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

Há a falsidade material e a falsidade ideológica. Na falsidade material, o documento é falsificado em sua essência (material). Na falsidade ideológica (intelectual), o documento é falsificado em sua substância, ou seja, em seu conteúdo ideal.

Falsificar significa criar materialmente, fabricar, formar, contrafazer. O agente elabora, forja o escrito integralmente ou acrescenta algo a um escrito, inserindo dizeres em espaço em branco. Por sua vez, ao alterar o documento verdadeiro o sujeito ativo exclui termos, acrescenta dizeres, substitui palavras. Nos exemplos de alteração, o papel, sobre o qual o agente trabalha, no seu mister criminoso, preexiste à sua ação e constitui documento verdadeiro, sendo objeto do agente emprestar-lhe aspecto ou sentido diferente daquele com que nasceu e, quando se trata de falsificação, o documento nasce como fruto do trabalho do agente cujo desiderato reside em dar existência a um documento fictício, como disse Sylvio do Amaral (Falsidade documental, 2ª edição, São Paulo, 1978, pág. 49. e 50).

Manzini situava a distinção nas duas acepções que a palavra, expressão, falsidade assume: não genuína e não verdadeira. Verifica-se a falsidade material quando o documento não é genuíno. Apresenta-se a falsidade ideológica quando o documento, apesar de ser genuíno, não é verdadeiro. Na falsidade ideológica, tem-se, por exemplo, quando alguém se declara presente ao ato, quando, na verdade, estava ausente.

Quando um documento é genuíno? Quando o autor aparente seja o autor efetivo e quando o documento não tenha sofrido alterações.

Ora, alterações são as modificações de qualquer espécie (rasuras, acréscimos) que se imprimem ao documento autêntico, após achar-se ele definitivamente formado.

A falsidade material, que elimina a genuinidade do documento, poderá apresenta-se como contrafação, quando o documento, redigido por seu verdadeiro autor, padecer as modificações já referenciadas.

Assim se o documento não for contrafeito nem alterado é genuíno. Se, embora genuíno, contiver declaração não correspondente á verdade, a falsidade será tida como ideológica.

A falsa genuinidade (autenticidade) está para a falsidade material, assim como a falsa veracidade está para a falsidade ideológica. Isso porque a falsidade material diz respeito à autoria, à data e ao local da formação do documento. A falsidade ideológica recai sobre aquilo que vem atestado no documento. A falsidade material agride a genuinidade do documento, que não é do autor real, mas aparente. Já a falsidade ideológica recai sobre a veracidade do documento, isto é, sobre o fato de este conter afirmações inverídicas.

A falsidade que o artigo 299 do CP incrimina é a ideológica que se refere ao conteúdo do documento e não o falso material(vide o artigo 298 do CP).

São três as modalidades alternativamente previstas: a) omitir declaração que dele devia constar. A conduta é omissiva. O agente omite(silencia, não menciona) fato que era obrigado a fazer constar; b) inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita. O agente diretamente insere(faz constar, coloca) declaração falsa ou diversa da que devia ser consignada; c) fazer inserir declaração falsa ou diversa de que devia ser escrita. O comportamento é semelhante, mas o agente atua indiretamente, fazendo com que outrem insira a declaração falsa ou diversa. Em qualquer das modalidades é indispensável que a falsidade seja capaz de enganar e tenha por objeto fato juridicamente relevante, ou seja, é mister que a declaração falsa constitua elemento substancial do ato ou documento, pois “uma simples mentira, mera irregularidade, simples preterição de formalidade, não constituirão tal tipo, como ensinou Magalhães Noronha(Direito penal, 1995, volume IV, pág. 163). A alteração da verdade deve ser juridicamente relevante e ter potencialidade para prejudicar direito, caso contrário será “um dado supérfluo, inócuo, indiferente”, como explicou Miguel Reale Júnior(RT 667/250). Já no que concerne à simulação, a doutrina estudada não se encontra pacificada. Uns a vinham como falsidade ideológica(contra Bento de Faria, Código Penal Brasileiro, 1959, v. VII, pág. 53). Observo que no que concerne ao abuso de folha assinada em branco, exigia-se que se tratasse de papel entregue ou confiado ao agente para preenchimento. Caso contrário, o falso seria material.

O elemento do tipo é o dolo, na vontade livre e consciente de omitir, inserir ou fazer inserir e o elemento subjetivo do tipo referido pelo especial fim de agir.

O crime consuma-se com a efetiva inserção ou omissão.

Admite-se a tentativa, como se lê de Damásio de Jesus(Direito Penal, 1995, volume IV, pág. 53). Contra também não admitindo a tentativa na modalidade de inserir, tem-se os ensinamentos de Magalhães Noronha(Direito Penal, 1995, volume IV, pág. 166) e ainda Júlio Fabbrini Mirabete(Manual de direito penal, 1985, volume III, pág. 237).

Segundo doutrina e jurisprudência dominante não há concurso com o crime de uso que é previsto no artigo 304 do Código Penal.

De toda sorte o crime previsto no artigo 299 do Código Penal é de ação penal pública incondicionada.

Segundo o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator, foi correta a conclusão do TRF3 sobre o caso.

"A conduta de fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer ou, quando exigido, visto de saída, não deixou de ser crime no Brasil com a revogação da Lei n. 6.815/1980, não havendo que se falar em abolitio criminis, mas subsume-se agora ao artigo 299 do Código Penal", explicou o ministro.

Reynaldo Soares da Fonseca destacou que se aplica ao caso o princípio da continuidade normativa típica, que acontece quando uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal revogador.

Nessas hipóteses, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário, como explicou o ministro Reynaldo ao citar decisão do tribunal em 2012 no HC 204.416

A matéria foi discutida pelo STJ no AREsp 1.422.129 – SP.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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