Na compra de um imóvel financiado é comum e, em alguns casos até obrigatório, a contratação simultânea de um seguro de vida para assegurar o pagamento do financiamento imobiliário no caso de invalidez total e permanente ou falecimento do mutuário/segurado.
Esse seguro se chama prestamista. Tem grande importância social, já que na grande maioria das vezes o imóvel adquirido destina-se a residência da família e os recursos para o pagamento das prestações advém do trabalho do adquirente. Assim, o seu falecimento, por exemplo, poderia significar a impossibilidade de seus familiares adimplirem o contrato, levando até mesmo a perda do imóvel.
Para evitar essa situação é que o seguro prestamista surge como uma garantia de moradia para a família, através da quitação do financiamento.
O problema aparece quando a família do mutuário falecido recebe a comunicação de que a seguradora não irá pagar o financiamento, sob a alegação de que o segurado teria omitido doenças preexistentes quando contratou o seguro.
E aí surge a dúvida: A seguradora pode negar o pagamento do seguro alegando doenças preexistentes do segurado?
O simples fato de o mutuário ter uma doença preexistente não dá o direito à seguradora de recusar o pagamento da indenização do seguro, ou seja, negar o pagamento do financiamento imobiliário.
A seguradora somente pode negar o pagamento da indenização do seguro se comprovar que o segurado omitiu, de má-fé, doenças preexistentes relevantes e que levaram a óbito ou invalidez do segurado.
Isto porque, no ato da contratação do seguro, a seguradora pode exigir do segurado o preenchimento de uma declaração pessoal de saúde, com perguntas acerca do estado de saúde do segurado.
Entretanto, com a finalidade de vender mais e mais seguros, muitas seguradoras deixam de exigir o preenchimento dessa declaração ou inserem no meio do contrato de financiamento imobiliário uma ou duas perguntas e/ou afirmações genéricas sobre o estado de saúde do segurado, (muitas vezes com respostas já assinaladas no “não” para a pergunta sobre doenças preexistentes ou “sim” para a pergunta se está em perfeitas condições de saúde), sem darem a efetiva importância e informação ao segurado acerca desse assunto.
Ou, ainda, fazem perguntas mal formuladas e que deixam margem para diversas interpretações, dificultando o seu correto preenchimento pelo mutuário.
E não é à toa que muitas assim procedam. O volume de vendas de seguros é mais importante do que a análise correta de cada contratação. Tanto assim o é que algumas apólices até mesmo possuem cláusulas informando que até determinado valor de financiamento, a contratação é automática, ou seja, sem a menor análise sobre o estado de saúde do segurado.
Mas embora ajam assim na contratação, na hora de pagar a indenização é usual a seguradora solicitar o preenchimento de um documento que se chama “aviso de sinistro”. E, nesse documento, ela solicita que o médico do segurado preencha algumas informações acerca de doenças preexistentes do segurado e de relações destas com a causa da morte.
Aí, então, no menor sinal de alguma doença preexistente, no mais das vezes, as seguradoras recusam indevidamente o pagamento, sob a alegação de que o segurado teria omitido tais doenças quando da contratação do seguro.
Inadmissível esse tipo de conduta. O Exmo. Desembargador Soares Levada, da 34ª Câmara do E. Tribunal de Justiça de São Paulo muito bem resume a questão aqui tratada, em decisão de sua autoria[i]. Vejamos:
“No que toca à preexistência de doença, entende-se que, se a seguradora aceita clientes sem o devido exame pré-admissional, é curial que assuma o risco da contratação. Não se importa com nada enquanto está recebendo regularmente os prêmios mensais, muitas vezes por anos e anos; após o sinistro, porém, aflora seu instinto 'sherloquiano' para investigar à exaustão o que ocorreu à época da contratação, sempre visando ao não pagamento do que lhe cabe. Se podia fazer tais investigações no momento em que o sinistro lhe é comunicado pelo beneficiário, óbvio que podia também tê-lo submetido a exames prévios. Se não o fez, arque com as consequências.”
Destaco, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no seguinte sentido:
Súmula 609 - “A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado”
Portanto, a recusa ao pagamento de indenização de seguro sob a alegação de doenças preexistentes muitas vezes é indevida, devendo os mutuários e suas famílias ficarem atentos e sempre buscarem informações acerca de seus direitos.
Ainda sobre recusa da seguradora em pagar a indenização do seguro em razão de doenças preexistentes, recomendo os seguintes links:
Entrevista com advogado especialista em seguros sobre doenças preexistentes
Autor: Sandro Raymundo, advogado especialista em seguros pela FGV/SP.
[i] (Apelação nº 0006757-41.2003.8.26.0572, 34ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. SOARES LEVADA, v.u. j. 28/07/2014, DJe. 06/08/2014)