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A imoderação do direito de corrigir

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Agenda 09/02/2006 às 00:00

VI O EQUILÍBRIO DA FAMÍLIA E AS POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO

            Ao observar família como base da construção do imaginário das relações sociais e das possibilidades de inserção do indivíduo na sociedade percebe-se a importância deste instituto social. Daí ser relevante, para se combater a violência doméstica familiar contra crianças e adolescentes que se trabalhe também as famílias, não apresentando a elas um modelo a ser seguido, mas questionando e refletindo junto com elas o modelo na qual estão enquadrados, revendo como está distribuído o poder entre os seus membros, de forma que seja possível uma convivência menos autoritária.

            A tentativa de defesa dos direitos humanos da população infanto-juvenil com base nas leis, no Estatuto da Criança e do Adolescente, e na Constituição incluem uma atuação sobre a realidade social, na tentativa de dirimir os abusos constantes de práticas lesivas contra crianças e adolescentes. Entendo o castigo físico com uma violação ao direito a integridade física, a intervenção por parte das esferas competentes deve acontecer no sentido de restringi-lo. No entanto, esta realidade faz parte de nossos esquemas culturais, sendo aceito normalmente pela ética social, de modo que não é possível uma atuação meramente restritiva, mas, ao revés, preventiva, que atue por meio das instituições educativas e da família promovendo uma reinvenção dos valores intrínsecos às práticas de educação por parte dos pais.

            A violação da criança é relatada com mais freqüência nas famílias de classe baixa. "A incidência mais alta de violência ocorre entre pais adolescentes, pobres, sem instrução e socialmente isolados, principalmente os de famílias grandes" [19].

            Deve-se notar que o cuidado inadequado e os maus-tratos estão ligados à qualidade precária da relação de apego. "No âmbito da família, são importantes fatores como interações disfuncionais entre os membros da famílias, características infantis eliciadoras do abuso e relações conjugais conflituosas" [20]. Os péssimos níveis que o Brasil alcança em indicadores de desenvolvimentos social certamente demarcam um quadro geral de intensificação das formas de violência no cotidiano da população, especialmente das camadas mais pobres.

            A presença de mecanismos de proteção e segredo na família em torno da agressão, nos casos de abuso à criança, em nome da preservação do mito da família normal tem como conseqüência, além do desamparo e desespero tanto da vítima como do agressor, ocorre a sabotagem da intervenção preventiva, que entra como contexto privilegiado nas possibilidades de intervenção no fenômeno para que se possa garantir o equilíbrio familiar necessário a manutenção da saúde da família e, por conseguinte, das crianças.


VII CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Bater não ajuda na educação, senão promovendo a realização de condutas lesivas às crianças, a sua integridade, aprendizagem, e ao próprio comportamento do futuro adulto. Além do mais, a alta prevalência de surras, mesmo que relativamente brandas, transmite ondas de choque ao longo de toda a coluna e podem causar lesões ao funcionamento do organismo, que pode trazer complicações. Deste modo, a atitude de educar os filhos com castigo físicos constituem uma violência desproporcional e sem sentido, que lesa o direito a integridade física e tem influência sobre diversas outras esferas da vida dos indivíduos em processo de crescimento e estabilização de sua vida.

            As leis brasileiras consolidam e garantem direitos específicos às crianças e adolescentes, que necessitam ser cumpridos integralmente para que se possa garantir a manutenção da integridade dos menores. Com o entendimento de que os efeitos da lesão a integridade física influenciarão toda a vida dos indivíduos, a aplicação da lei torna-se ainda mais clara e necessária.

            A repressão, no entanto, não iria resolver o conflito, em virtude da característica de for íntimo das questões familiares e da própria cultura que possibilitaria a manutenção das práticas. A prevenção parece ser a mais importante, pois pode até mesmo, através da informação, levar a mudança no imaginário social quanto ao tratamento dispensado aos meninos e meninas.

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            Não podem existir direitos humanos sem respeito às crianças como sujeitos de sua história, que controlam sua aprendizagem e adquirem conhecimentos através da vivência. O ideal, portanto, é que não seja necessário bater nas crianças para educá-las. Que a vontade e o dever de educar esteja sempre condicionada a perceber seus filhos como indivíduos atuantes, que não merecem ser limitados pela mão paterna. O respeito ao outro começa dentro de casa.


VIII REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            BAPTISTA, Maria Azinalda Neves. Violência doméstica: as contribuições da terapia familiar como uma possibilidade de tratamento. In: Violência doméstica contra crianças e adolescentes. Recife: Editora Universidade de Pernambuco- EDUPE, 2002.

            BASTOS, Ana Cecília de Souza. Intervenção frente ao problema decorrente da violência contra crianças no contexto familiar. In: Revista de psicologia, vol. 13 (1/2), vol 14 (1/2). Fortaleza: EUFC, 1995/1996.

            BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

            BRASIL, Código Civil /obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Luiz Eduardo Alves de Siqueira. São Paulo: Saraiva, 2001.

            BRASIL. Código Civil comparado/ coordenadora: Anne Joyce Angler. São Paulo: Riddel, 2002.

            BRASIL. Código Penal /obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Luiz Eduardo Alves de Siqueira. São Paulo: Saraiva, 2001.

            FERREIRA, KÁTIA Maria Maia. Violência doméstica /intrafamiliar contra crianças e adolescentes. In: Violência doméstica contra crianças e adolescentes. Recife: EDUPE, 2002.

            GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

            HOLANDA, Aurélio Buarque de. Minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

            MUSSEN, Paul Henry; CONGER, John Janeway; KAGAN, Jerome; HUSTON, Aletha Carol. Tradução de Maria Lúcia G. Leite Rosa. Desenvolvimento e personalidade da criança. São Paulo: Editora Harbra, 1995.

            NASCIMENTO, Carlos Alberto Domingues. A dor da violência. In: Violência doméstica contra crianças e adolescentes. Recife: EDUPE, 2002.

            NEPOMUCENO, Valéria. O mau- trato infantil e o Estatuto da Criança e do Adolescente: os caminhos da prevenção, da proteção e da responsabilização. In: Violência doméstica contra crianças e adolescentes. Recife: EDUPE, 2002.

            SILVA, Inalva Regina; NÓBREGA, Renata (colaboração). Feridas que não cicatrizam. In: Violência doméstica contra crianças e adolescentes. Recife: EDUPE, 2002


NOTAS

            01

BAPTISTA, A.N..Violência Doméstica: as contribuições da terapia familiar como possibilidade de tratamento. In: Violência contra crianças e adolescentes (2002); pg. 183

            02

A constituição federal, no seu artigo 226, caput, estabelece que: "a família é base da sociedade e tem especial proteção do Estado".

            03

GOMES, O.Introdução ao direito civil. (2001): pg. 86

            04

Vicente Ráo, citado por Gomes 92001), op.cit. : pg. 104

            05

HOLANDA, A.B. de. Minidicionário da língua portuguesa (1989) : pg. 140

            06

MUSSEN, P.H.; CONGER, J.J.; CAGAN, J.; HUSTON, A.C.. Desenvolvimento e personalidade da criança.

            07

Mussem, Conger, & Huston (1995), op. Cit.; pg 432

            08

Mussem, Conger, Kagan & Huston (1995), op.cit.; pg 434

            09

Baptista (20020, op.cit.; pg. 184

            10

Mussen, Conger, Kagan & Huston (1995), op.cit.; pg 441

            11

BITTAR, C.A.. Os direitos da personalidade (1995); pg. 72

            12

SILVA, I.R.. Feridas que não cicatrizam. In: Violência contra crianças e adolescentes (2002); pg. 88

            13

NASCIMENTO, C.R.D. a dor da violência. In: Violência contra crianças e adolescentes (2002); pg.48

            14

Mussen, Conger, Kagan & Huston (1995), op. cit.; pg 441

            15

BASTOS, A.C.S.. Intervenção frente aos problemas decorrentes da violência contra crianças no contexto familiar. In: Revista de psicologia, vol 13 (1/2), vol 14 (1/2); pg 75

            16

Baptista (2002), op.cit.; pg. 223

            17

Silva & Nóbrega (2002), op.cit.; pg. 91

            18

V.N. Guerra citado por FERREIRA, K.M.M. Violência doméstica /intrafamiliar contra crianças e adolescentes. In: Violência doméstica contra crianças e adolescentes (2002); pg. 33

            19

Mussein, Conger, Kagam & Houston (1995), op.cit.;pg.460

            20

Bastos (1995/1996), op.cit.;pgs.79-80
Sobre o autor
Bruno Godinho de Lemos

bacharelando em Direito em Feira de Santana (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Bruno Godinho. A imoderação do direito de corrigir. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 951, 9 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7939. Acesso em: 22 nov. 2024.

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