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Direito real de habitação no novo Código Civil

Agenda 10/02/2006 às 00:00

Sumário: 1. Introdução. 2. O que é direito real de habitação? 3. O direito real de habitação do cônjuge sobrevivente. 4. O direito real de habitação na união estável. 5. O direito real de habitação sobre imóvel rural. 6. Conclusão


1. Introdução

O direito real de habitação não é um instituto novo, criado pela Lei 10.406, de 09 de janeiro de 2.002. Já era conhecido pelo Direito Sucessório Brasileiro, uma vez que o art. 1.611, parágrafo segundo, do Código Civil anterior, lhe contemplava desde o advento da Lei 4.121/64 – Estatuto da Mulher Casada – assegurando esse tipo de sucessão ao cônjuge sobrevivente, casado pelo regime da comunhão universal de bens.

Também aos companheiros se garantiu o direito real de habitação a partir da Lei 9.278, de 10 de maio de 1.996, por intermédio de seu parágrafo único, do art. 7º. A Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1.994, que anteriormente regulava o Direito Sucessório na união estável, não deferia direito à habitação aos conviventes, posto que, neste dispositivo legal, os companheiros só tinham direito à herança dos bens na falta de descendentes e ascendentes e direito ao usufruto vidual da mesma maneira que tal era assegurado pelo art. 1.611, parágrafo primeiro, do CC/16, aos cônjuges sobreviventes. A partir de 1.996, portanto, a morte de um dos membros da união estável assegurava ao sobrevivente o direito de continuar residindo na moradia do casal, desde que aquele bem fosse o único daquela natureza a inventariar e enquanto se mantivesse o estado de viuvez.

De uma forma até surpreendente, através da Lei 10.050, de 14 de novembro de 2000, foi introduzido no art. 1.611, do Código Antigo, um parágrafo terceiro, garantindo ao filho doente, incapacitado para o trabalho, o direito real de habitação, contrariando a máxima constitucional da Igualdade Jurídica de Todos os Filhos. Talvez por isso não se tenha renovado no Código Atual a proteção que o legislador tentou alcançar ao filho impossibilitado para o trabalho.

Portanto, o direito real de habitação é algo bastante conhecido dos juristas que se dedicam ao estudo do Direito Sucessório, não se tratando de matéria nova, mas que recebeu pela Lei 10.406/02 uma roupagem bastante diferente, que merece ser tratada com cuidado e analisada com respeito à lei e às tendências doutrinárias e jurisprudenciais.

É pacífico, até por força da determinação do art. 1.831 do Código Civil de 2002, que o cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação, mas é preciso ter cuidado quando se fala em união estável. Isso porque, no Novo Código, o único artigo que estabelece o direito à habitação (art. 1831) não fala em união estável e o único artigo que outorga direitos sucessórios aos companheiros (1.790) não fala em direito real de habitação.

Além desta controvérsia, é importante que este texto deixe claro também questões como a inocorrência de direito real, quando da existência de outro imóvel da mesma natureza a inventariar; e a constituição de nova família por intermédio do cônjuge sobrevivente, quer por união estável, quer por novo casamento, que, a partir de agora, não extingue o direito real de habitação assegurado. Outro ponto que parece relevante é a possibilidade ou não de se instituir direito real de habitação sobre imóvel rural.

Com isto, pretendemos agregar temas às discussões sobre o Direito Sucessório resultante do novo ordenamento jurídico brasileiro, criado a partir de 2.002, sem ter a pretensão de esgotar a matéria e nem de estabelecer verdade absolutas, pois a únicas verdades que se deve buscar no Direito são a Justiça e o bem social, de tal forma a permitir que o Direito esteja a serviço do cidadão e da cidadania.


2. O que é o direito real de habitação?

O direito real de habitação é o direito que tem o cônjuge sobrevivente, independente do regime de bens de seu casamento, de permanecer residindo na morada do casal após o falecimento de seu consorte, desde que aquele imóvel, que era usado para moradia, seja o único bem de natureza residencial a ser inventariado, não havendo limitações temporais ao exercício do direito aqui assegurado, de tal forma que o cônjuge sobrevivente o detém de maneira vitalícia.

Trata-se de direito sucessório que deve ser exercido pelo seu titular, não havendo a sua concretização de forma automática e instantânea. Deve ser requerido pelo seu detentor nos autos do processo de inventário. Deve, após concluído o inventário e registrados os formais de partilha, constar expressamente da matrícula do Ofício Imobiliário. Não existe direito real de habitação presumido ou tácito, assim como não existe renúncia presumida ou tácita. O fato de não ter sido requerido o direito no feito do inventário não implica em sua configuração, mas também, por outro lado, não implica em sua renúncia. Tanto que pode vir a ser requerido, se o for tempestivamente, mesmo depois de concluído o inventário. Por se tratar de direito real sobre coisa alheia, não há direito se não estiver estabelecido e registrado na matrícula do imóvel. Uma vez estabelecido o direito real de habitação, ele retroage ao momento da morte do autor da herança, de tal forma que, desde o óbito, o titular do direito à habitação já o detinha, mesmo que não tivesse exercido, para que assim se dê o perfeito cumprimento ao Princípio da Saisine. Portanto, ainda que não tenha feito requerimento expresso, desde que esteja a tempo de fazê-lo, poderá o titular do direito real opor o seu direito contra terceiros ou, até mesmo, contra os herdeiros e interessados no inventário e na partilha dos bens.

Outrossim, o direito é de moradia e não de usufruto. Logo, o cônjuge sobrevivente pode continuar a residir no imóvel, mas não pode transferir a posse direta do mesmo para outras pessoas, sob qualquer título, seja transferência gratuita ou onerosa. É claro que esta moradia não precisa ser exclusiva do cônjuge sobrevivente sobre o imóvel em questão, poderá ele estar acompanhado de filhos, parentes e, até mesmo, como dita o Novo Código Civil, de um novo companheiro ou esposo. O que importa é que o viúvo ou a viúva ali esteja residindo, mesmo que não tenha mais estado de viuvez.

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3. O direito real de habitação do cônjuge sobrevivente.

O direito real de habitação hoje se encontra estabelecido no art. 1.831 do Código Civil de 2.002 e, como primeira distinção que se deve fazer em relação à fixação que havia no Código Civil de 1.916, é direito de todo e qualquer cônjuge, casado sob qualquer regime de bens. Antigamente, só o cônjuge casado pelo regime da comunhão universal de bens é que o detinha. Com isto, mesmo aqueles que convolarem núpcias pelo regime da separação bens ou separação obrigatória de bens, assim como aqueles que casarem pelo regime da participação final nos aqüestos, terão direito real de habitação. A nova lei usa o termo "qualquer que seja o regime de bens".

Saliente-se que o art. 1.829, inciso I, da Lei 10.406/02, excluí o cônjuge sobrevivente, casado pelo regime da comunhão universal de bens e também aquele casado pelo regime da separação obrigatória de bens, da concorrência com os descendentes, no tocante a titularidade dos bens deixados pelo falecimento do autor da herança. Porém, não os exclui do direito real de habitação.

Desta forma, o cônjuge sobrevivente, no novo ordenamento jurídico civil do Brasil, sempre será aquinhoado na sucessão, no mínimo, com o direito real estabelecido no art. 1.831 do Código Civil.

O exercício do direito real de habitação não se altera, nem no seu deferimento e nem na sua estrutura de fixação, pelo tipo de herdeiros com os quais o cônjuge está concorrendo na herança. Sejam eles descendentes ou ascendentes, o cônjuge sobrevivente terá sempre o mesmo direito e o exigirá da mesma forma. Jamais há de se falar em concorrência dos colaterais com o cônjuge sobrevivente, no tocante ao direito real de habitação, pois aqueles sempre serão excluídos de todo e qualquer direito sucessório pela existência deste.

A única exigência que se faz para o deferimento do direito real é que só exista um imóvel de natureza residencial a ser inventariado. O fato de existir imóvel de veraneio – na praia, na serra ou no campo – não pode excluir do direito do consorte sobrevivo, sobre o imóvel que representava a verdadeira e permanente morada do casal. Ao contrário, também, se a morada do casal não era própria e não faz parte do monte mor partilhável, mas entre os bens a serem divididos existe um único imóvel residencial, que não era usado para moradia do autor da herança e de seu consorte, não haverá direito real de habitação sobre este imóvel que não era habitado pelo cônjuge sobrevivente. Também se existir na herança mais de um imóvel residencial, mesmo que um seja usado para moradia do casal e o outro, ou os outros, seja utilizado em locação residencial, não haverá direito à habitação.

Não importa o valor do bem, sobre o qual será exercido o direito real de habitação. Nem importa o tamanho do imóvel que será objeto da garantia. Não se pode, nunca, usar a falácia de que o cônjuge sobrevivente não necessita de um bem daquele tamanho ou daquele valor para morar. Não cabe aos demais herdeiros, que serão privados do gozo daquele imóvel, determinar quais as condições de habitação do cônjuge supérstite.

Saliente-se que tal exigência retira a garantia ao cônjuge sobrevivente, desatendendo ao sentido da criação do instituto, pois o direito real de habitação tem por finalidade impedir que os demais herdeiros deixem o(a) viúvo(a) sem moradia e, portanto, ao desamparo. O fato de existir outro imóvel residencial pode gerar a injustiça de estabelece a desproteção do cônjuge supérstite, posto que, não raras vezes, a simples existência de um pequeno apartamento, destinado a produzir mais renda ao casal, mas inegavelmente de natureza residencial, poderá retirar o direito de manter-se na morada da família.

O fato de cônjuge sobrevivente possuir um imóvel próprio, de natureza residencial, que não faça parte integrante da herança de seu consorte falecido, não retira do sobrevivente o direito à habitação, assegurado pelo art. 1.831 do CC/02, pois esse imóvel residencial, exclusivo do cônjuge sobrevivente, não faz parte do acervo hereditário e, portanto, não atinge a exigência de que seja o único daquela natureza a ser inventariado. Para ser inventariado tem que fazer parte da herança. Como o imóvel exclusivo do cônjuge sobrevivente não faz parte da herança, isto não irá afetar o seu direito.

Poder-se-á, com tal conclusão, criar injustiças enormes. Imagine-se alguém que possui muitos imóveis residenciais e que seja casado pelo regime da separação convencional de bens com outrem que seja proprietário de um único imóvel residencial, justamente aquele que era usado para moradia do casal. Falece o detentor do único imóvel. No inventário existirá, para ser partilhado, um único imóvel residencial. Terá o cônjuge sobrevivente, proprietário exclusivo de inúmeros imóveis residenciais, direito real de habitação?

Outra questão que também poderá provocar injustiça para com os herdeiros legítimos é o fato de que o direito real é um instituto da sucessão legítima. Portanto, o fato do cônjuge sobrevivente ser contemplado na sucessão testamentária, quer com herança instituída, quer com legado, não lhe retira o direito à habitação, a não ser que o seu aquinhoamento no testamento seja exatamente a casa de moradia do casal, onde, não havendo o testamento, o cônjuge supérstite exerceria tal direito sucessório. Aqui o testador poderá deixar, até o limite de sua disponibilidade, somente bens outros diferentes de sua morada, pois tem a certeza de que seu consorte terá, além daquilo que lhe está destinando, o direito real de habitação da residência do casal. Isto, inclusive, vem expressamente definido no art. 1.831, quando salienta que o direito à habitação será exercido sem prejuízo nos demais direitos sucessórios do cônjuge sobrevivente.

Da forma como foi estabelecido pelo novo art. 1.831, o direito real de habitação não tem mais limitação ao seu exercício. O parágrafo segundo, do art. 1.611 do Código Anterior estabelecia que a perda do estado de viuvez fosse por novo matrimônio ou – a jurisprudência assim admitia – pela constituição de uma união estável, fazia com que o detentor do direito real o perdesse, perfectibilizando-se a propriedade nas mãos dos herdeiros que receberem o bem em herança. Assim sendo, nos dias de hoje, mesmo que o(a) viúvo(a) case-se de novo ou passe a viver maritalmente com outrem, ainda assim, não perderá o direito real de habitação, podendo, inclusive, exercê-lo na residência de seu falecido consorte com o novo esposo(a) ou a novo(a) companheiro(a). Nenhuma situação nova em sua vida afetiva, ocorrida após o óbito do autor da herança, vai afetar o direito real que o cônjuge supérstite é detentor, posto que herdado no momento da morte pela saisine, permanecendo com ele enquanto viver. É bem verdade que, com o falecimento do titular do direito real, extingue-se, uma vez que não se transmite a terceiros, tratando-se de direito personalíssimo.


4. Do direito real de habitação na união estável.

A Constituição Federal de 1.988, quando disse, em seu art. 226, parágrafo terceiro, que união estável era entidade familiar, não equiparou a união estável ao casamento, muito pelo contrário, disse que se deveria facilitar a sua conversão em matrimônio. Se o Legislador Constituinte pretende que se converta a união estável em casamento é porque aquela é diferente deste, pois do contrário não haveria necessidade de conversão. E se a conversão é da convivência em matrimônio, e não ao contrário, é porque o Legislador de 1.988 entende que mais benefício e mais seguro para o casal o relacionamento regulado pelo casamento. Assim sendo, não se pode dizer que a Constituição Federal igualou os efeitos e os direitos resultantes da união estável e do casamento.

A Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1.994, primeira lei ordinária que regulamentou a união estável após a entrada em vigor da Constituição Cidadã, dispôs sobre os direitos sucessórios resultantes da convivência contemplando os companheiros com o direito aos bens, na falta de descendentes e ascendentes, assim como com o direito ao usufruto vidual, nos mesmos moldes que o art. 1.611 do Código Civil daquela época contemplava os cônjuges sobreviventes. Mas não outorgou aos companheiros sobreviventes direito real de habitação. Criou-se aqui, portanto, uma diferenciação na esfera da sucessão por morte entre o casamento e a união estável.

Logo em seguida veio a Lei 9.278, de 10 de maio de 1.996, que passou a dar aos companheiros o que lhes faltava: o direito real de habitação, através do parágrafo único, do art. 7º, daquele dispositivo legal.

Chegou-se a dizer que, a partir de então, a(o) companheira(o) sobrevivente tinha mais direitos do que o cônjuge supérstite, na medida em que os cônjuges não podiam cumular usufruto vidual e direito real de habitação, posto que o regime de bens do casamento determinava qual o direito que caberia ao sobrevivente. Como os companheiros não estavam regidos por este ou aquele regime bens, próprio das relações matrimoniais, havia aqueles que sustentavam ter os companheiros sobreviventes direito tanto ao usufruto vidual quanto ao direito real, admitindo-se para a união estável a cumulação que não se admitia para o casamento. Sempre fui contra admitir-se que a união estável gera mais direitos do que o casamento. Qualquer decisão neste sentido, salvo melhor juízo, a mim parece que fere a Constituição Federal. Por isso, sempre entendi que, se ao cônjuge sobrevivente não se admitia cumular usufruto vidual e direito real de habitação, também não se poderia admitir tal cumulação como resultado da união estável.

A luz do Novo Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2.002, há que se perguntar: gera a união estável, ao companheiro sobrevivente, direito real de habitação?

Saliente-se, em primeiro lugar, que não há mais a figura do usufruto vidual, nem para o cônjuge sobrevivente e nem para o companheiro sobrevivente. Simplesmente o fato de não constar tal garantia no Código Civil de 2.002 fez com que os operadores do direito afirmassem que não existe mais o usufruto vidual, mesmo que o Novo Código não tenha revogado expressamente a Lei 8.971/94, até então em vigor, neste particular.

A Lei 10.406/02 não outorgou direito real de habitação à união estável. O único artigo que trata do direito real de habitação é o art. 1.831, que não elenca os companheiros como titulares do direito que ele assegura. O único artigo que trata de direitos sucessórios aos companheiros sobreviventes é o art. 1.790, que não menciona, dentre os direitos ali assegurados, o real de habitação. Portanto, repita-se: o Código Civil de 2.002 não garantiu aos conviventes direito real de habitação.

Inúmeras vozes se manifestaram contrariadas com esta lacuna da Lei de 2.002. Eu mesmo não acho justo que aos companheiros não seja assegurado tal direito. Não vejo porque se deva garantir aos esposos e se olvidar dos companheiros. Mas, mesmo que lamente profundamente tal omissão, não consigo ver direito real de habitação como o resultado sucessório de uma união estável, quando o óbito tiver ocorrido sob a vigência da nova lei. Tal injustiça deve ser enfrentada pelo legislador, de tal forma a, melhorando o texto legal, resolver tal problema. Porém, não pode o homem do direito, que não tem função legislativa, avocar para si a responsabilidade de legislar e de aplicar direito que inexiste, a benefício de uns, mas prejuízo de outros.

A omissão da lei nova serviu para revogar o direito ao usufruto vidual, e tal é indiscutível na posição uniforme da doutrina. Mas por que alguns sustentam que a omissão do Código de 2.002 não retirou o direito real de habitação dos companheiros ?

Sustentam, os defensores do direito à habitação aos companheiros, que tal resulta ainda do parágrafo único, do art 7º, da Lei 9.278/96. A Lei 9.278/96 está revogada. O "caput", do art. 7º, da Lei 9.278/96, também está revogado. Todos os demais dispositivos da Lei 9.278/96 estão revogados, menos o parágrafo único, do art. 7º. Portanto, estamos diante de uma lei que foi integralmente revogada pela nova lei, menos um único parágrafo que se mantém vivo e vigente. "Data maxima venia", não consigo aceitar tal interpretação. Entendo a preocupação e o desejo de proteger a união estável, aproximando-a, ao máximo, e até igualando-a, ao casamento. Mas não consigo aceitar a manutenção de um parágrafo solto e perdido no meio de uma lei revogada. E não consigo ler direito real de habitação no art. 1.790 e nem ler união estável no art. 1.831.


5. Direito real de habitação sobre imóvel rural.

Não consegui localizar nenhuma decisão judicial que outorgasse direito real de habitação ao(à) viúvo(a) a ser exercido sobre imóvel rural. Também não localizei nenhuma decisão que negasse direito sucessório de habitação por ter de ser exercido sobre imóvel rural. Passei a questionar se seria possível a fixação de direito real sobre imóvel rural, destinado a residência do casal, quando este fosse o único bem daquela natureza a inventariar.

O grande questionamento que aqui se impõe é qual a natureza do imóvel rural, mesmo que se destine à residência familiar. Tenho, para mim, que, se o imóvel rural for de pequeno e médio porte, em face da sua impossibilidade de desapropriação pela ausência da produtividade, na forma do art. 185, inciso I, da Constituição Federal, é perfeitamente possível admitir-se a imposição de direito real de habitação, garantindo-se ao cônjuge sobrevivente o benefício do art. 1.831 do Código Civil.

Porém, se o imóvel rural for de grande porte, sua destinação, fixada pela Constituição Federal, no art. 185, II, é a produção, inclusive possibilitando-se a sua desapropriação em caso de não cumprir a sua função de produzir. Portanto, sua natureza produtiva descaracteriza sua natureza residencial. Primordialmente ele se destina a à produção e não à moradia. Morar no imóvel rural de grande porte é apenas um facilitador para produzir. Aquele que apenas reside no imóvel rural, sem produzir, não está cumprindo com o mandamento constitucional e pode ter seu imóvel desapropriado. Aquele que não reside, mas produz, cumpre com os ditames constitucionais. Assim sendo, julgo que o imóvel rural, de grande porte, tem sua natureza primordial destinada à produção e poderá ter natureza subsidiária destinada a residência.

Como o direito real se limita aos imóveis destinados à residência, não consigo superar a questão produtiva exigida do imóvel de grande porte. Logo, chego à conclusão que não há como fazer incidir sobre o imóvel rural de grande porte direito real de habitação.

Como se admite o direito real de habitação sobre o imóvel rural de pequeno e médio porte e se nega o direito sobre o imóvel rural de grande porte, não se correrá risco de injustiças com aqueles trabalhadores rurais humildes, que emprestam suas vidas e seus braços para o desenvolvimento deste País.


6. Conclusão.

Penso que muito ainda temos que fazer, para definirmos, com clareza, os limites e o alcance do direito real de habitação, na nova formatação que lhe foi outorgada pela Lei de 2.002. Acho que estamos progredindo com debates e discussões a respeito e este artigo tem esta finalidade. Apenas gostaria de deixar consignada minha posição de advogado legalista, uma vez que entendo que o Direito Sucessório não admite interpretações ampliativas. Só tem direito à herança àquele a quem a lei concede e somente dentro dos limites da lei. Os operadores do direito, nos casos de sucessão "causa mortis", estão restritos exclusivamente aos mandamentos legais, não podendo decidir nem mais e nem menos do que aquilo que a lei lhes determina. A fonte primordial do direito sucessório, para não dizer a única, é a lei.

Sobre o autor
Bráulio Dinarte da Silva Pinto

advogado, vice-presidente da OAB/RS, presidente da Associação de Advogados Gaúchos Independentes (ASSAGA), membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), professor da Escola Superior do Ministério Público, do curso de pós-graduação em Direito Civil da Faculdade de Direito Uniritter, do Centro de Estudos Jurídicos (CEJUR) e do Instituto de Desenvolvimento Cultural (IDC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Bráulio Dinarte Silva. Direito real de habitação no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 954, 10 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7945. Acesso em: 17 nov. 2024.

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