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UM FUTURO INCERTO PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL E FUNDAMENTAL

Agenda 10/02/2020 às 14:07

O ARTIGO DISCUTE SOBRE O FUNDEB E AS POSSIBILIDADES DE SUA ELIMINAÇÃO.

UM FUTURO INCERTO PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL E FUNDAMENTAL

Rogério Tadeu Romano

O que acontecerá com a educação no país caso, em janeiro de 2021, os futuros secretários municipais assumam suas pastas sem que o FUNDEB esteja em vigor? O fundo foi instituído pelo Congresso no governo de Fernando Henrique Cardoso, e ampliado no de Luiz Inácio Lula da Silva. É hoje o principal mecanismo de financiamento da educação básica, e tem um papel redistributivo essencial, por privilegiar municípios com maior número de alunos na divisão dos recursos que o compõem.

Se isso acontecer haverá evidentes estragos na educação na educação infantil. No ensino fundamental, seria necessário fechar escolas e reagrupar alunos. 

O FUNDEB é uma política exitosa e reconhecida em todo o mundo por ser redistributiva. Ele garantiu que o Brasil avançasse no atendimento aos alunos da educação básica e, por ser uma PEC que está na parte transitória da Constituição, tem validade de 14 anos e acaba em 31 de dezembro de 2020. 

Hoje, ele representa aproximadamente 60% dos recursos destinados à educação.

Existem municípios que dependem quase exclusivamente do recursos do FUNDEB. Alguns municípios do Maranhão, por exemplo, do tanto que investem em educação, dependem em até 90% dos recursos do fundo.

Sobre a importância desses recursos disse Fernando Rabelo, em artigo para o Estadão, em 24 de janeiro de 2020:

“Sobre a representatividade no total investido, o Portal Meu Município elaborou um estudo que analisou a dependência dos municípios, por porte, em relação aos recursos do fundo. O estudo mostrou que os 16 municípios com mais de 1 milhão de habitantes investem R$26,8 bilhões em educação, sendo que 49,5% desse valor advém do Fundeb. Esse percentual é crescente até a faixa dos 50 a 100 mil habitantes, em que 64,5% dos R$21,3 bilhões investidos por 343 municípios têm origem no fundo. Nas faixas seguintes, a representatividade cai, mas continua expressiva. Enquanto o percentual chega a 59,8% nos municípios de 50 a 20 mil habitantes, que investem, ao todo, R$36,7 bilhões no ensino, nas 3.575 cidades com até 20 mil moradores, o Fundeb responde por 31,1% dos R$67,2 bilhões aplicados.

Já no que se refere ao seu papel distributivo, o Meu Município (meumunicipio.org.br) selecionou prefeituras no extremo da lista, para demonstrar a importância do Fundeb na redução das desigualdades regionais. Se olharmos para o município de Junco do Maranhão-MA, localizado num dos estados que recebem o complemento da União, seu investimento em educação, em 2018, foi de R$3.657,92 por aluno. Sem o que a cidade recebe do fundo, o município teria gasto impressionantes R$8,97 para cada estudante. Por outro lado, o município de Nova Pádua, Rio Grande do Sul, onde não chega a parcela do Governo Federal, investiu ano passado R$208.612,62 por aluno, contra R$205.848,44, caso tirássemos o que ele recebeu do fundo. Portanto, embora haja ainda muita coisa a fazer para reduzir os abismos existentes entre os vários municípios do país, não há dúvidas de que o Fundeb tem sido determinante para a redução das desigualdades educacionais. É um grande avanço para a educação brasileira e um socorro aos cofres públicos municipais.”

O FUNDEB é regulamentado pela lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007.  

Os recursos aportados ao Fundo serão distribuídos, de acordo com o número de matrículas efetivadas nas redes estadual e municipal, multiplicadas pelo valor único por aluno estabelecido. Se os valores por aluno forem mais elevados na rede estadual em relação à municipal, haverá uma redistribuição de recursos da primeira para a segunda. Se o valor por aluno, em cada Estado, não alcançar o mínimo definido nacionalmente, a destinação de recursos do Governo Federal para Estados e Municípios será feita automaticamente, considerando o número de matrículas efetivadas nas redes do ensino fundamental.

A principal mudança em relação ao antigo Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef) é que ele cobre todas as matrículas da Educação Básica - desde a creche até o ensino médio. O FUNDEB não é uma conta única, mas 27 fundos - um para cada estado e o Distrito Federal. É composto por nove impostos e transferências.  Cada ente federado é obrigado a depositar 20% dessa arrecadação em uma conta específica para o fundo. A União complementa quando esse repasse não atinge o valor mínimo estabelecido para cada aluno ao ano - em 2010 foi de R$ 1.414,85.

Desde 2010, em cada estado, o FUNDEB  é composto por 20% das seguintes receitas de impostos e transferências constitucionais e legais:
a) Fundo de Participação dos Estados – FPE.
b) Fundo de Participação dos Municípios – FPM.
c) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS.
d) Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações– IPI Exportação.
e) Desoneração das Exportações (Lei Complementar nº 87/1996).
f) Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCD.
g) Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA.
h) Cota parte de 50% do Imposto Territorial Rural – ITR devida aos municípios.

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Ainda, compõe o FUNDEB a complementação da União equivalente, no mínimo, a 10% do total dos recursos destinados ao Fundo.

Dir-se-á, diante de tudo isso: O número de formandos em licenciatura vem caindo e, nos próximos seis anos, até 40% dos professores do ensino médio no país poderão sair das salas de aulas, optando pela inatividade.

São mazelas que devem ser enfrentadas, pois envolvem a baixa remuneração dos professores e as péssimas condições de trabalho oferecidas.

 Necessário explicar que em matéria de investimentos em educação e saúde proíbe-se um regresso.

As despesas obrigatórias, com limites mínimos para educação e saúde pública, não podem ser modificadas uma vez que envolvem garantias institucionais.

A garantia institucional não pode deixar de ser a proteção que a Constituição confere a algumas instituições, cuja importância reconhece fundamental para a sociedade, bem como a certos direitos fundamentais, providos de um componente institucional que os caracteriza.
Temos uma garantia contra o Estado e não através do Estado.

Estamos diante de uma garantia especial a determinadas instituições, como dizia Karl Schmitt.

Ora, se assim é a garantia institucional na medida em que assegura a permanência da instituição, embaraçando a eventual supressão ou mutilação, preservando um mínimo de essencialidade, um cerne que não deve ser atingido ou violado, não se pode conceber o perecimento desse ente protegido. J.H. Meirelles Teixeira( Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Forense Universitária, 1ª edição, 1991, pág. 696) prefere chamar de direitos subjetivos, uma vez que eles configuram verdadeiros direitos subjetivos.

Tais direitos se configuram quando a Constituição garante a existência de instituições, de institutos, de princípios jurídicos, a permanência de certas situações de fato.

São características desses princípios, consoante apontados por Karl Schmitt:
a) são, por sua essência, limitados, somente existem dentro do Estado, afetando uma instituição juridicamente reconhecida;
b) a proteção jurídico-constitucional visa justamente esse círculo de relações, ou de fins;
c) existem dentro do Estado, não antes ou acima dele;
d) o seu conteúdo lhe é dado pela Constituição.

 Há, pois, duas visões opostas: uma, de cunho eminentemente jurídica que busca a melhor visão de uma Constituição-cidadã, que procurou zelar pela melhoria do ensino e da educação em respeito a direitos verdadeiramente impositivos; outra, de cunho meramente neoliberal, distante da Constituição, que vê a questão como meramente orçamentária, restrita a números, nada mais. Mas há imposições constitucionais.

De toda sorte, em matéria de direitos fundamentais, pelo que dispõe a Constituição de 1988, não há opção de regresso. Se assim entenderem o Executivo e o Legislativo cabe o ajuizamento de remédio próprio junto ao Poder Judiciário no sentido de manter o FUNDEB nas condições em que estava dentro dos limites constitucionais configurados.

No entanto, o governo pretende dar início neste ano a um plano de privatização de creches com a utilização de dinheiro do ​ FUNDEB, principal mecanismo de financiamento da educação básica. A ideia partiu do diagnóstico de que há 830 creches inacabadas e 247 paralisadas no país. O PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) já começou a trabalhar com projetos-piloto --o primeiro interessado é Teresina (PI). A parceria com o investidor privado poderia ser de até 35 anos, segundo o órgão. 

Não há previsão para parcerias nesse sentido na atual legislação do FUNDEB.

Acabar com FUNDEB significa, na prática, encerrar essa política redistributiva e retroceder a uma época de grandes desigualdades de recursos educacionais. 

Hoje, ele representa aproximadamente 60% dos recursos destinados à educação.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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