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O limite ao uso de procurações nas assembleias interferirá no direito de propriedade?

Agenda 11/02/2020 às 17:40

Encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6291/19, de autoria do deputado Professor Israel Batista (PV-DF), o mesmo propõe medida que afeta diretamente os condomínios no Brasil.

Em sua ementa o PL dispõe sobre a utilização de procurações para eleição de síndico de condomínio, bem como para votações em associações e cooperativas.

O autor justifica a mesma alegando que: “A prática deslegitima os processos eleitorais, o senso de participação comunitária e perpetua no poder grupos que, por algum motivo, tenham esses papéis em mãos”

O fato é que embora o assunto relativo ao uso de procurações gera polêmica pois é certo que existe desconfiança em relação a lisura daqueles que faz uso desse instrumento em Assembleias Condominiais, ou Assembleias de Associações e Cooperativas, não se pode negar que o uso de procuração é um direito do cidadão legitimado pelo código civilista brasileiro.

Código Civil – Lei nº 10.406/2002:

Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.

Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.

§ 1º O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.

§ 2º O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida.

As situações em que os cidadãos podem se valer do instrumento de procuração são imensuráveis. Sendo assim, trata-se de um documento necessário para o exercício da cidadania, e em muitos casos para a validação de um direito, e até mesmo para ao alcance da justiça.

Nos casos que envolvem os Condomínios, interferir no uso de procurações é o mesmo que interferir no direito de propriedade. Esse direito real e fundamental é garantido e protegido pela Constituição Federal de 1988

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII - é garantido o direito de propriedade;

O Direito de propriedade confere ao cidadão o múnus de gozar, de usar e de possuir bens e se dispor deles da maneira como se quiser, desde que esteja em alinho com o principio da função social da propriedade, também letra da Constituição Federal

Exercer o Direito de Propriedade de maneira plena em muitas situações pode passar pela necessidade do uso de procurações.

Quando falamos desse direito não estamos limitando o tema apenas na relação de um proprietário, um imóvel e um procurador. Estamos falando de limitações ao mercado imobiliário, um dos maiores geradores de emprego no país e que contribui categoricamente para o PIB Nacional.

As construtoras e empreendedoras investem no mercado imobiliário brasileiro de forma agressiva, movimentando toda uma cadeia de prestadores de serviços, empresas e profissionais liberais.

Vivemos em um momento ímpar, estamos na 4º Revolução Industrial, onde a tecnologia e os aplicativos de celular impulsionou a realidade do Compartilhamento. As empresas denominadas Star ups inauguraram uma nova forma de morar, de se hospedar, de se locomover, todas baseadas no Compartilhamento.

O mercado imobiliário está se transformando por consequência dessas empresas, as plataformas de hospedagem como o AIRBNB abriram um grande mercado para investidores no setor, hoje sabemos de empreendimentos imobiliários direcionados a hospedagem por aplicativo.

Outra realidade de compartilhamento são as Multipropriedade/ Time Share, onde o que é vendido é a fração de tempo, um diferencial que também atrai a atenção de investidores, no Brasil temos grandes empreendimentos dentro dessa denominação. As pessoas compram as frações te tempo como investimento, e não como moradia.

O mercado imobiliário acompanha as transformações da sociedade, que esta em pleno avanço por causa da tecnologia.

O leque de possibilidades para investidores no setor é variado, temos os condomínios de controle de acesso, de casas, de apartamentos, multipropriedade, cowliving, coworking, entre outras modalidades que surgem em resposta as transformações sociais.

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As pessoas que investem nesse mercado, necessitam de administradores, e o uso de procuração é essencial nessa relação.

Outro sim, esse projeto de lei também limitaria os direitos dos inquilinos em relação ao imóvel locado, vedar o direito desse locatário se manifestar dentro do condomínio causaria um impacto negativo para todos os envolvidos, proprietário, inquilino, condomínio, demais condôminos.

O uso de procurações nos imóveis que fazem parte dos investimentos dessas construtoras e empreendedoras, antes se serem vendidos, é de extrema importância para a manutenção e o êxito desse mercado.

Esse projeto de lei não acompanha a evolução do mercado imobiliário, e do mercado condominial.

Trata-se de uma proposta que inviabiliza o mercado imobiliário, que dificulta e repele os investidores no setor.

Ademais, o deputado ao justificar o projeto de lei, confunde Direito Público com Direito Privado, vejamos o texto da mesma:

JUSTIFICAÇÃO Este projeto de lei estabelece a vedação de utilização de procuração para eleições de síndicos de condomínio, associações e cooperativas. O chamado "voto por procuração" tem servido, ao longo do tempo, para desvirtuar a vontade de coletividades, deslegitimando processos eleitorais, senso de participação comunitária e, normalmente, perpetuando no poder grupos que, por algum motivo, tenham esses papéis em mãos. Tento em vista o processo eleitoral nacional, quando se trata de representantes de municípios ou de Estados, caso o cidadão esteja fora da zona eleitoral o mesmo é impedido de votar. Considerando que as unidades condominiais, as associações e as cooperativa são importantes representações de pequenas comunidades, o voto por procuração não é democrático. Por essa razão, conclamo os ilustres Pares a apoiar a presente iniciativa legislativa. Sala das Sessões, em 04 de dezembro de 2019. Deputado PROFESSOR ISRAEL BATISTA (PV/DF)

Ora, é sabido que os processos eleitorais são normatizados pelo Direito Eleitoral, que faz parte do Direito Público, portanto esse paralelo não tem nenhum cabimento, não se pode usar como paradigma as eleições regidas pelo Direito Eleitoral, pois quando falamos de Assembleias Condominiais estamos falando exclusivamente de relações privadas, de Direito Imobiliário e Direito Condominial, todos compõe a seara do Direito Privado, que regulamenta as relações particulares, regido pelo Código Civilista Brasileiro, não podem ser confundidos com Direito Público.

Em relação a tentativa de impor o múnus do Direito Eleitoral nas Eleições para Sindico, essa triste confusão já foi rechaçada por entendimento jurisprudencial,

APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE INÉPCIA DO RECURSO. REJEIÇÃO. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ASSEMBLEIA CONDOMINIAL. PEDIDO DE NULIDADE DE ASSEMBLEIAS POR DEMORA NA DIVULGAÇÃO DE ATAS. MATÉRIA ESTRANHA AOS PEDIDOS INICIAIS. NÃO CONHECIMENTO. EXTINÇÃO PARCIAL SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. NÃO REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIA IMPUGNADA NA INICIAL. CORREÇÃO. PRETENSÃO VOLVIDA A OBSTAR A REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIA FUTURA PARA ELEIÇÃO DE ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO. ILICITUDE. CONVOCAÇÃO DE ASSEMBLEIA POR SÍNDICO INTERINO. REGULARIDADE. NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE COMISSÃO ELEITORAL E ELABORAÇÃO DE ESTATUTO. INEXISTÊNCIA. FALTA DE PRECISÃO CONVENCIONAL. APLICAÇÃO DE REGRAS DE DIREITO ELEITORAL. IMPERTINÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA

1. O art. 1.010, III, do CPC exige que a apelação contenha exposição do fato e do direito, bem como as razões do pedido de reforma, não havendo inépcia na peça recursal que apresenta fundamentos para o pedido de reforma da sentença, apenas pelo fato de formular pedido recursal além do objeto da ação.

2. O pedido de declaração de nulidade de assembleias por falta de divulgação de atas não comporta conhecimento, pois dissociado dos pedidos de mérito deduzidos na inicial, e é improcedente a alegação de descumprimento de decisão judicial, já que não foi concedida providencia limiar a esse respeito no curso do processo.

3. Não merece reforma a sentença que declarou extinta em parte a ação por perda superveniente de objeto, diante da constatação de que não foi realizada a assembleia condominial impugnada na petição inicial, pois não há que se cogitar a respeito da nulidade de ato inexistente.

4. Não cabe nesta sede qualquer deliberação sobre a legitimidade da destituição de sindico eleito e sobre a nomeação de interino, já que além de não ser objeto da ação, representam questões tratadas em outros processos, de modo que o sindico em exercício, ainda que interino, possui o direito de convocar assembleia, nos moldes do arts. 1.348, I, e 1.355 do CC.

5. É inviável a concessão de provimento judicial para obstar, abstrata e indefinidamente, a possibilidade de realização eleição em assembleia condominial para eleição de administração, pois afronta o direito de deliberação dos condôminos assegurado pelo art. 1.335, III, c/c 1.347 do CC.

6. É improcedente a alegação de que é necessária previa constituição de comissão eleitoral e aprovação de estatuto para a eleição de condomínio, quando não há prova de previsão nesse sentido na respectiva convenção, e não há previsão legal que assegure à deliberação condominial a aplicação das regras de direito eleitoral brasileiro.

7. Preliminar de não conhecimento do apelo rejeitada. Recurso de apelação parcialmente conhecido e desprovido.

(TJ-DF 07178563420188070001 DF 0717856-34.2018.8.07.0001, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 23/01/2019, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 29/01/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

De fato, estamos diante de um projeto de lei que afronta Princípios Constitucionais, desrespeita a hierarquia das normas, confunde Direito Público com Direito Privado, e vai na contramão da jurisprudência.

Sem dúvida alguma trata-se de mais um fracasso legislativo. O Projeto de Lei 6291/19 afronta a Constituição Federal, e deve ser arquivado.

Ainda que exista a problemática apontada pelo Deputado autor do projeto em debate, o mesmo não tem embasamento algum para resolver qualquer celeuma que possa acontecer no uso das procurações.

Não podemos resguardar um direito limitando outro. Isso não é manutenção da justiça, mas apenas uma forma limitada de tentar conferir segurança jurídica a uma determinada situação.

O entrave e a intervenção de forma negativa que esse projeto de lei pode causar ao Direito de Propriedade e ao Mercado Imobiliário Brasileiro pode ser impactante e irreversível.

O poder legislativo deve utilizar sua função de criar leis de forma benéfica e democrática, respeitando os interesses coletivos, ou até mesmo das minorias e dos hipossuficientes sem precisar subtrair da sociedade direitos conquistados.

A sociedade não precisa desse tipo de proposta, precisamos de leis que façam a diferença de forma positiva e não negativa, basta olhar para realidade social desse país para sabermos de qual tipo de projetos de lei o povo brasileiro realmente precisa.

Sobre o autor
Miguel Zaim

MIGUEL ZAIM – (Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Palestrante, Especialista em Direito Imobiliário, Direito e Processo Penal, Direito e Processo Civil, Direito Constitucional, Direito Tributário, e Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB Mato Grosso).

Informações sobre o texto

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