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UM DEPOIMENTO QUE DEVE SER OBJETO DE APURAÇÃO CRIMINAL

Agenda 14/02/2020 às 17:50

O ARTIGO DISCUTE SOBRE FATO DIVULGADO PELA IMPRENSA ENVOLVENDO DEPOIMENTO PRESTADO NA CHAMADA CPI DAS FAKE NEWS, NO CONGRESSO NACIONAL.

UM DEPOIMENTO QUE DEVE SER OBJETO DE APURAÇÃO CRIMINAL

Rogério Tadeu Romano

A relatora da comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) das fake news, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), vai acionar o Ministério Público para investigar Hans River do Nascimento, ex-funcionário da Yacows que mentiu durante depoimento e insultou a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo.

A deputada quer que o Ministério Público apure falso testemunho cometido por Hans em depoimento dado aos membros da comissão na última terça-feira , dia 11 de fevereiro do corrente ano.. Ele foi convocado pelo deputado Rui Falcão (PT-SP) a prestar esclarecimentos na comissão parlamentar mista de inquérito do Congresso, formada por deputados e senadores, que investiga a disseminação de notícias falsas na eleição.

Sem apresentar provas, ele afirmou que Campos Mello queria “um determinado tipo de matéria a troco de sexo”.

Sobre o fato disse a Folha, em editorial, no dia 13 de fevereiro de 2020:

“Convocado a testemunhar na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre um esquema fraudulento de disparos de mensagens pelo WhatsApp durante as eleições de 2018, Hans Nascimento, ex-funcionário de uma agência envolvida no escândalo, pôs-se a agredir a jornalista Patrícia Campos Mello, coautora da reportagem que, em dezembro daquele ano, revelou a trama nesta Folha.

Nascimento, que à época contribuiu com a apuração do jornal, pretendeu falsificar os fatos no depoimento prestado a congressistas. Mentiu ao afirmar que não entregou aos jornalistas informações sobre a fraude. Na verdade, repassou naquele período fotos, vídeos e dados, como foi sobejamente demonstrado em reportagem na mesma terça.”

No caso teriam sido cometidos crimes de difamação e injúria e ainda o de falso testemunho.

Conhecida é a lição de Antolisei, citada por Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, parte especial, 7º edição, pág. 179), de que “a manifestação ofensiva tem um significado que, embora relacionado com as palavras pronunciadas ou escritas, ou com os gestos realizados, nem sempre é idêntico para todas as pessoas. O que decide é o significado objetivo, ou seja, o sentido que a expressão tem no ambiente em que o fato se desenvolve, segundo a opinião da generalidade das pessoas. Como bem esclarece o antigo professor da Universidade de Turim, o mesmo critério deve ser seguido, em relação ao valor ofensivo da palavra ou do ato, não se considerando a especial suscetibilidade da pessoa atingida. Isto, porém, não significa que não seja muitas vezes relativo o valor ofensivo de uma expressão, dependendo das circunstâncias, do tempo e do lugar, bem como do estado e da posição social da pessoa visada, e, sobretudo, da direção da vontade(animus injuriandi).”

Diverge a calúnia da difamação e da injúria.

Na difamação, a ação consiste em atribuir a alguém a prática de determinado fato, que lhe ofende a reputação ou o bom nome. A reputação é a estima que se goza na sociedade, em virtude do próprio trabalho ou de qualidades morais, da habilidade em uma arte, profissão ou disciplina, algo mais do que a consideração e menos do que o renome e a fama.

Por sua vez, a injúria refere-se à dignidade e ao decoro, que a doutrina interpreta no sentido de honra subjetiva.

As injúrias podem ser praticadas pelas mais variadas formas, por gestos, palavras, símbolos, atitudes, figuras etc, consumando-se desde que chegue a conhecimento do ofendido ou de qualquer outra pessoa.

Na calúnia, a ação incriminada consiste em imputar a alguém falsamente a prática de um crime.

O fato atribuído, na calúnia, deve ser um crime, isto é, uma conduta penal vigente definida como crime. Assim, a imputação de contravenção pode se caracterizar em difamação. Nas mesmas penas do crime de calúnia incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala e divulga. Na redação do Anteprojeto, há que segue, no artigo 136,§ 1º: ¨Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a divulga."

Os dois citados crimes contra a honra são de ação penal privada, mas o de falso testemunho é de ação penal pública incondicionada.

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Observe-se a redação do artigo 342 do Código Penal quanto ao crime de falso testemunho e de falsa perícia.

Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: (Alterado pela L-010.268-2001) Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. § 1º- As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta: (Alterado pela L-010.268-2001) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. § 2º - O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade. (Alterado pela L-010.268-2001) § 3º - O fato deixa de ser punível, se, antes da sentença, o agente se retrata ou declara a verdade.

Tutela-se no crime a regularidade da Administração da Justiça.

Trata-se de crime de mão própria, que somente pode ser executado por testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete. Como bem disse Nilo Batista(Falso testemunho. Pedido de Advogado à Testemunha. Co-autoria, Revista do direito penal, 1976, n. 21, pág. 107) nos crimes de mão própria, seguindo a lição de Wessels, é decisiva apenas a propriedade da execução do fato.

Quem não realize por si mesmo a ação típica não pode ser autor, mas somente partícipe. Para essa espécie de delito teria aplicação de forma irrestrita o puro critério formal-objetivo.

A ação incriminada consiste em fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral. Três são as modalidades de ação delituosa previstas em lei: fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade.

Trata-se de crime formal, que se aperfeiçoa independente de qualquer resultado posterior que se venha a produzir. Como ensinou Paulo José da Costa Jr.(Comentários ao Código Penal, volume III, pág. 556) ainda que o depoimento falso não venha a influir sobre a decisão da causa, estará consumado o crime. O delito se consuma no lugar em que o depoimento foi prestado.

A falsidade deve versar sobre fatos capazes de influir na decisão da causa(RT 483/273; 511/356).

A função da testemunha, como disse Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, pág. 514), é narrar ou transmitir ao julgador os fatos pretéritos que percebeu. Sendo assim não é possível haver falso testemunho em relação a falsas apreciações pessoais que a testemunha acaso tenha feito sobre as qualidades do acusado, mas, tão-somente, em relação à narrativa do fato.

Será caso da apuração do caso em todas as suas circunstâncias, lembrando-se que a Justiça Federal do Distrito Federal é competente para instruir e julgar o crime de falso testemunho.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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