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Aposentadoria especial do servidor público: breves comentários sobre a omissão legislativa

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Agenda 16/02/2020 às 20:18

Este trabalho pretende analisar as hipóteses de aposentadoria especial no Regime Próprio de Previdência previstas nos incisos I, II e III, §4º, do artigo 40 da Constituição, na redação anterior à Emenda Constitucional nº. 103, de 12.11.2019.

RESUMO

Este trabalho pretende analisar as hipóteses de aposentadoria especial no Regime Próprio de Previdência previstas nos incisos I, II e III, §4º, do artigo 40 da Constituição. Considerando que ainda não foi editada lei complementar que regulamente o referido direito, apesar da Carta Magna ter completado seu trigésimo ano de vigência em 2018, as consequências da omissão legislativa fazem parte dessa análise, tendo em vista que problemas de ordem prática surgem em virtude de tal lacuna, tais como a impossibilidade dos servidores públicos usufruírem do seu direito constitucional a uma aposentadoria com critérios e requisitos diferenciados.

Palavras-chave: Aposentadoria especial. Regime Próprio de Previdência. Omissão Legislativa.

ABSTRACT

This essay intends to analyze the hypotheses of special retirement in the Private Pension Scheme provided for in items I, II and III, paragraph 4 of article 40 of the Constitution. Whereas a supplementary law has not yet been issued to regulate this right, although the Constitution has completed its thirtieth year in 2018, the consequences of legislative omission are part of this analysis, given that practical problems arise because of such as the impossibility of public servant to enjoy their constitutional right to a retirement pension with different criteria and requirements.

Keywords: Special retirement. Public pension scheme. Absence of law.

INTRODUÇÃO

             

A aposentadoria especial do servidor público é um direito previsto no art. 40, §4º, da Constituição Republicana. Para que haja o seu exercício pleno, é necessária a edição de lei complementar regulamentando os requisitos e critérios diferenciados desse benefício previdenciário.

A relevância do tema se encontra nos problemas práticos que a ausência de norma regulamentadora acarreta aos servidores públicos, que ficaram por muitos anos inviabilizados de usufruir de seu direito de uma aposentadoria especial, após passar anos exercendo atividades laborais penosas, perigosas ou insalubres.

Nesse contexto, o Poder Judiciário se viu sobrecarregado com inúmeras ações pleiteando a concessão do referido direito, bem como os servidores públicos foram prejudicados ao serem submetidos por mais tempo que o recomendado a condições nocivas à saúde ou integridade física, ou até mesmo o servidor público com deficiência não alcançou a sua compensação, que se trata de uma aposentadoria com critérios e requisitos diferenciados de concessão.

Através de uma pesquisa descritiva, pretende-se analisar as implicâncias da ausência de norma regulamentadora para o exercício do direito de aposentadoria especial no Regime Próprio de Previdência, utilizando-se revisão bibliográfica de doutrina, bem como estudo documental, no que diz respeito à normatização desse direito.

              Com efeito, o presente artigo será dividido em dois capítulos.

              O primeiro capítulo tratará do conceito de aposentadoria especial conforme o regramento do Regime Geral, em seguida serão analisadas as hipóteses constitucionais de aposentadoria especial no serviço público.

              Já o segundo capítulo abordará os impactos da falta de norma regulamentadora em nosso ordenamento jurídico, demonstrando-se qual foi a solução utilizada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de mandado de injunção.

             

1. CONCEITO DE APOSENTADORIA ESPECIAL NO ÂMBITO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

          

              A aposentadoria especial consiste em um dos benefícios prestados pelo Regime Geral de Previdência Social, conforme dispõe o art. 18, inciso I, alínea “d”, da Lei nº. 8.213/1991. Ela é devida em razão do segurado e, considerando as disposições do Decreto nº. 3.048/1999, em seu art. 64, caput, será devida aos segurados empregado, trabalhador avulso e ao contribuinte individual, para este último somente quando for cooperado filiado a cooperativa de trabalho ou de produção.

              No entanto, essa disposição do Regulamento da Previdência Social (RPS) adstrita ao contribuinte individual é bastante questionável, tendo em vista que a atividade especial é assim considerada em razão da exposição do trabalhador aos agentes nocivos, e não quanto à forma da relação de emprego.

              Inclusive, em 2015, no Recurso Especial nº. 1436794/SC[1], de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, o STJ reconheceu a ilegalidade do art. 64, do Decreto nº. 3.048/1999, pois considerou que tal disposição extrapola os limites da regulamentação conferida pela Lei de Benefícios, passando a restringir o rol de beneficiários da aposentadoria especial.

              No mesmo compasso, a Turma Nacional de Uniformização editou a súmula nº. 62, com a seguinte redação: “o segurado contribuinte individual pode obter reconhecimento de atividade especial para fins previdenciários, desde que consiga comprovar exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física”.  

              Com critérios e requisitos diferenciados, a aposentadoria especial será concedida ao segurado que tenha exercido seu labor em situação que prejudicasse a sua saúde ou integridade física, nos termos do art. 57[2], caput, da Lei nº. 8.213/1991. Assim, o benefício em tela possui:

natureza extraordinária, de concessão restrita a algumas categorias de segurado do RGPS, e colima preservar a integridade física do trabalhador, mediante a outorga de aposentadoria mediante o implemento de menor tempo de contribuição, em comparação ao B/42. Ostenta manifesto cunho preventivo, afinal, por ventura não existisse a aposentadoria especial, o segurado fatalmente seria aposentado por invalidez antes de adimplir o tempo mínimo para a aposentadoria ordinária de tempo de contribuição (B/42). (ALENCAR, 2017, p. 116).

              Em se tratando da natureza jurídica da aposentadoria especial, há controvérsia doutrinária quanto ao enquadramento do benefício dentre as espécies aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria por invalidez, ou em uma nova espécie de aposentadoria, conforme pontua Brito (2014, p. 12).

              De acordo com Castro e Lazzari (2017, p. 461), “a aposentadoria especial é uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, com redução do tempo necessário à inativação, concedida em razão do exercício de atividades consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física”. Desse modo, os autores entendem que o benefício em tela possui a finalidade de “reparar financeiramente o trabalhador sujeito a condições de trabalho inadequadas”.

              Assim, a doutrina majoritariamente classifica a aposentadoria especial como sendo uma aposentadoria por tempo de contribuição. Segundo Brito (2014, p. 12), os autores Wladimir Novaes Martinez, Marcelo Leonardo Tavares, Miguel Horvath Jr., e Sérgio Pinto Martins, conceituam a aposentadoria especial nesse sentido.

              Desse modo, para eles tal benefício corresponde a uma aposentadoria por tempo de contribuição em razão da exigência do tempo de trabalho de 15, 20 ou 25 anos sob condições perniciosas à saúde do segurado, ao passo que a aposentadoria por tempo de contribuição demanda 30 anos de contribuições pela segurada, e 35 anos pelo segurado.

              É minoritária a corrente que define a aposentadoria especial como sendo uma espécie de aposentadoria por invalidez antecipada, de acordo com Brito (2014, p. 12). Para Sérgio Pinto Martins (2012, apud Brito 2014, p. 12) o fato gerador da aposentadoria por invalidez é a incapacidade laborativa da qual resulta a impossibilidade de reabilitação do segurado, enquanto na aposentadoria especial o segurado não se torna incapaz, mas apenas deixa de exercer a atividade nociva no intuito de não comprometer a sua saúde por mais tempo que o recomendado.

              Contudo, tal discussão doutrinária não conseguiu frutificar nenhum conceito que ajude a explicar de forma sedimentada o instituto da aposentadoria especial.

              Por constar expressamente no rol do art. 18, inciso I, da Lei nº. 8.213/1991, que trata das prestações do Regime Geral de Previdência Social, parece mais adequado considerar a aposentadoria especial como uma espécie de benefício em si mesma, diferente da aposentadoria por tempo de contribuição e por invalidez, com requisitos e critérios próprios.

              Além disso, também possui fundamento na Constituição, que se encontra no §1º, do art. 201, o qual, após a edição da Emenda Constitucional nº. 20/1998, passou a dispor sobre requisitos e critérios diferenciados para concessão de aposentadoria aos beneficiários do RGPS que desempenhavam atividades sob condições especiais capazes de acarretar prejuízos à saúde ou à integridade física, definidos em lei complementar.

              Por via de regra, essas atividades mencionadas pelo §1º, do art. 201, da CRFB, são aquelas a que o art. 7º, inciso XXIII, do Diploma Constitucional, confere direito a um adicional de remuneração, ou seja, são as atividades penosas, insalubres ou perigosas, conforme assevera José Afonso da Silva (Apud Castro e Lazzaria 2017, p. 461).

              Todavia, o benefício surgiu muito antes em nosso ordenamento jurídico, por meio da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) - Lei nº. 3.807, de 26 de agosto de 1960. Previsto no art. 31[3] da referida norma, garantia-se a aposentadoria especial ao segurado que, após atingir cinquenta anos de idade, e quinze anos de contribuição, executou serviços, por no mínimo quinze, vinte ou vinte e cinco anos, sob condições penosas, insalubres ou perigosas.

              Inicialmente, exigiu-se idade mínima para concessão do benefício, o que acabava tornando inócuo o caráter de preservação da saúde do trabalhador atinente à natureza da aposentadoria especial. Nesse sentido, Hermes Arrais Alencar tece críticas sobre a imposição de requisito etário para a concessão de aposentadoria especial, pois considera:

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incompatível com a natureza preventiva do B/46, o nefasto requisito etário neutralizava a concessão do benefício. De nenhuma valia, por exemplo, era conceber no texto da lei ‘direito’ à aposentadoria especial em favor dos que labutam sob a terra (a elevadas profundezas no subsolo), em minas de carvão, após 15 anos de exposição a esse meio ambiente extremamente nocivo à saúde, e, na mesma norma, restringir a concessão a pessoas com idade mínima de 50 anos. Afinal, quem labuta em local tão prejudicial à integridade física e mental inicia suas atividades bastante jovem, e depois do transcurso de 15 anos nessa mesma atividade, resultava idade inferior a 35 anos. Em suma, o limite etário tornava o direito inexequível. (ALENCAR, 2017, p. 117).   

             

              A idade mínima para concessão de aposentadoria especial deixou de ser requisitada após a Lei nº. 5.440-A, de 23 de maio de 1968, que promoveu alterações nos artigos 31 e 32 da LOPS. No entanto, a regulamentação do benefício, na esfera administrativa, ainda previa o requisito etário, o que só foi definitivamente afastado com a edição do Parecer/CJ do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), nº. 223, de 21 de agosto de 1995, segundo relata Alencar (2017, p. 117).

              Com o advento da EC nº. 47/2005, o §1º, do art. 201, da CRFB, incluiu pessoas com deficiência no rol de hipóteses de concessão da aposentadoria especial no Regime Geral. Assim, o dispositivo passou a versar:

§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.   (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) (Regulamento) (Vigência)

              Registre-se que a redação do §1º, do art. 201, da Carta Magna, não apresenta a terminologia correta para o tratamento da pessoa com deficiência, conforme orienta a Convenção Internacional de Direitos das Pessoas com Deficiência de Nova York[4]. No entanto, a previsão constitucional de aposentadoria diferenciada para as pessoas com deficiência se revelou um verdadeiro avanço para a saúde e proteção desses trabalhadores.

              Como bem se observa a parte final do §1º, do art. 201, da Constituição de 1988, para todas as espécies de aposentadoria com critérios e requisitos diferenciados de concessão é necessária a regulamentação através de lei complementar.

              Nesse cenário, para o caso da aposentadoria especial das pessoas com deficiência, foi editada a Lei Complementar nº. 142/2013, que trouxe em seu art. 2º o conceito de pessoa com deficiência como: “aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, o qual corresponde à definição encartada pela Convenção de Nova de Nova York, em seu artigo 1[5].

              Já o artigo 3º, da Lei Complementar nº. 142/2013, estabelece as condições de aposentadoria à pessoa com deficiência, quais sejam:

I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;

II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;

III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou

IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.  

              Quanto à regulamentação dos conceitos de deficiência, grave, moderada e leve, conforme determinou o parágrafo único, do art. 3º, da Lei Complementar nº. 142/2013, essa ficou a cargo do Poder Executivo, que editou o Decreto nº. 8.145[6], de 3 de dezembro de 2013.

              Por fim, é importante destacar que a Lei Complementar nº. 142/2013 dispôs, expressamente, que o tempo de contribuição previsto na referida norma não poderá ser cumulado com a redução de tempo prevista para o trabalhador que está exposto a condições que prejudiquem a saúde e/ou integridade física, quando se tratar do mesmo período contributivo.

              Em outras palavras, o art. 10[7], da Lei Complementar nº. 142/2013 impõe uma escolha ao segurado com deficiência, que deverá optar pela redução de tempo a ser adotada para fins de aposentadoria, observando, sempre, a opção que lhe seja mais vantajosa.

              Já regulamentação da aposentadoria especial dos segurados que exerçam atividades sob condições prejudiciais à saúde, conforme elucida o art. 15[8], da EC nº. 20/1998, continuou a cargo da Lei nº. 8.213/1991, que trata do benefício em seus artigos 57 e 58.

              A Lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991, reproduziu as disposições da LOPS sobre a aposentadoria especial, enquanto na nova Constituição ainda não havia previsão de concessão do benefício. Desta feita, após edição da EC nº. 20/1998, a Lei nº. 8.213/1991 foi expressamente recepcionada, e permanecerá em vigor até que lei complementar a que faz referência o §1º, do art. 201, da CRFB, seja editada.

             

1.1 HIPÓTESES CONSTITUCIONAIS DE APOSENTADORIA ESPECIAL PARA SERVIDORES PÚBLICOS

              A Constituição Republicana concentra as principais disposições sobre aposentadoria dos servidores públicos em seu artigo 40. Ao se analisar o conceito da aposentadoria dos servidores públicos, dentro dos preceitos constitucionais, é possível afirma que se trata de:

direito subjetivo, exercitado em face do ente da Federação que o aposentou, de perceber determinada soma em pecúnia, denominada proventos, após ter permanecido em exercício de cargo público efetivo, diante da ocorrência de certos fatos jurídicos previamente estabelecidos, satisfeitos os requisitos estabelecidos pela ordem jurídica, inaugurando-se, com a concessão do benefício, uma nova relação jurídica entre o servidor, ora aposentado, e o ente da Federação, relação esta de natureza previdenciária. (CASTRO E LAZZARI, 2017, p. 712).

Assim, o Regime Próprio de Previdência Social tem seu fundamento constitucional no art. 40, e contempla tão somente os servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo, da administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que sejam vinculados tanto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como ao Ministério Público.

Registre-se que outras espécies de agentes públicos, como os empregados públicos, isto é, os empregados de empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de direito privado, ou aqueles submetidos ao regime da Lei nº. 9.962/2000[9]; os servidores ocupantes exclusivamente de cargos comissionados, bem como os servidores públicos temporários, contribuem para o Regime Geral de Previdência Social, nos termos do §13[10], art. 40, da CRFB/1988.

              Atualmente o artigo 40 está estruturado em vinte e um parágrafos, tendo sido alvo de várias reformas ao longo dos trinta anos da Carta Magna vigente.

              Nesse contexto, as reformas previdenciárias de maior relevo, atinentes ao Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos, foram instituídas pelas seguintes emendas constitucionais: EC nº. 3/1993, EC nº. 20/1998, EC nº. 41/2003, EC nº. 47/2005, EC nº. 70/2012, e EC nº. 88/2015.

              Para Monte (2012, p. 91), a EC nº. 20, de 15 de dezembro de 1998, instituiu um Regime Próprio com verdadeira configuração previdenciária, de modo que o servidor passou a integrar, obrigatoriamente, o custeio do sistema a fim de que pudesse usufruir dos benefícios previdenciários, tal como ocorria no Regime Geral.

              Importante esclarecer, nesse ponto, que a aposentadoria dos servidores públicos, inicialmente, possuía caráter gracioso no momento da sua concessão, tendo em vista que não era necessariamente exigida a contribuição prévia para o gozo de benefícios, bem como as regras de aposentadoria possuíam requisitos bem mais acessíveis do que os critérios estabelecidos pelo Regime Geral aos trabalhadores da iniciativa privada, conforme relatam Monte (2012) e Brito (2014).

              Até a Emenda Constitucional nº. 3, de 17 de março de 1993, não havia previsão constitucional acerca de contribuição previdenciária do servidor público. Tanto é que o artigo 40[11], em sua redação original, nada falava sobre o caráter contributivo do sistema. A partir dessa reforma, incluiu-se o §6º ao artigo 40 com a seguinte redação: “as aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei”.

              Nesse sentido, Monte (2012, p. 91) afirma que “a aposentadoria do servidor público se caracterizava como um evento ‘pro labore facto’, isto é, decorria fato de trabalharem para o Estado e não de contribuírem para a posterior percepção do benefício”. Ainda, de acordo com Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macêdo (Apud Monte 2012, p. 91), a EC nº 20/1998 representou a maior mudança quanto à base de financiamento do fundo previdenciário do funcionalismo público, tendo em vista que “o servidor passou a integrar um regime de previdência social e, como tal, de caráter contributivo, com regras que devem preservar o equilíbrio financeiro e atuarial”.

              Além de instituir o caráter contributivo da previdência dos servidores públicos, a EC nº. 20/1998 trouxe disposições acerca de uma espécie de aposentadoria com critérios e requisitos diferenciados. Assim, o §4º do art. 40 foi modificado e passou a dispor:

é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.

              Entretanto, antes da EC nº. 20/1998, o art. 40 já mencionava que lei complementar poderia estabelecer exceções ao disposto no inciso III, a e c, no caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas (art. 40, §1º, redação original da CRFB/1988).

              Com o advento da Emenda Constitucional nº. 47, de 5 de julho de 2005, o §4º, do art. 40 foi reestruturado, e incluiu mais duas hipóteses de aposentadoria diferenciada do servidor público, assim como o fez no Regime Geral, ao modificar o art. 201, §1º, da Norma Fundamental. Desse modo, a norma contida no §4º, do art. 40, passou a versar da seguinte maneira:

§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:

I portadores de deficiência; 

II que exerçam atividades de risco;  

III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.  

              Embora a EC nº. 47/2005 tenha ampliado as hipóteses de aposentadoria especial para servidores públicos, não solucionou o problema de ausência de regulamentação do direito, que continuou exigindo a edição de lei complementar para ser efetivado, a qual, até então, não foi elaborada pelo Congresso Nacional.

             

2. A AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO PREVISTO NO ART. 40, §4º, DA CRFB E SUAS CONSEQUÊNCIAS

           A previsão contida no §4º, do art. 40, da Constituição, possui eficácia limitada, uma vez que não regula direta e imediatamente a matéria relativa à aposentadoria especial dos servidores públicos, necessitando, dessa forma, da edição de lei complementar.

              A lei complementar a que se refere o §4º, do art. 40, disciplinaria os critérios e requisitos de concessão para cada hipótese constitucional de aposentadoria diferenciada na seara dos Regimes Próprios.

              Ausente norma regulamentadora desse direito, a Administração Pública utilizou tal circunstância como fundamento para denegar os requerimentos de aposentadoria especial e de conversão do tempo de serviço trabalhado sob condições especiais formulados por servidores públicos.

              Nesse aspecto, é importante ressaltar que a Lei nº. 9.717/1998, em seu artigo 5º, parágrafo único, trouxe mais um fundamento para corroborar os indeferimentos de aposentadoria especial na seara administrativa. A previsão legal consta nos seguintes termos:

art. 5º Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal não poderão conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, de que trata a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, salvo disposição em contrário da Constituição Federal.

Parágrafo único.  Fica vedada a concessão de aposentadoria especial, nos termos do § 4º do art. 40 da Constituição Federal, até que lei complementar federal discipline a matéria.

              Comentando a legislação acima, Monte (2012, p. 94) asseverou que o dispositivo estava eivado de possível inconstitucionalidade, frente a violação ao art. 24, §3º[12], da CRFB/1988. Nesse sentido, a inexistência de lei federal permite que os Estados e Municípios legislem de forma plena sobre o assunto.

              A partir dessa premissa, seria possível a concessão de aposentadoria especial em virtude de lei estadual ou municipal que regulamentasse os critérios e requisitos diferenciados para a concessão do benefício no âmbito do Regime Próprio de cada ente da Federação.  

              Todavia, a Administração Pública seguiu negando indistintamente os requerimentos de aposentadoria especial, o que acabou submetendo a apreciação da matéria ao Supremo Tribunal Federal após o ajuizamento de diversos mandados de injunção por servidores públicos irresignados com a impossibilidade de exercerem seu direito à aposentadoria especial.

              Nesse cenário, houve o julgamento do Mandado de Injunção nº. 721, cujo relator foi o Ministro Marco Aurélio. O referido remédio constitucional foi impetrado por uma servidora pública federal, que trabalhava na rede pública de saúde como auxiliar de enfermagem, e teve seu requerimento de aposentadoria especial negado pela Administração Pública, com base na falta de norma regulamentadora, mesmo após ter exercido permanentemente, por mais de 25 anos, seu labor em hospital, onde mantinha contato com agentes nocivos à saúde.

              O caso relatado no MI nº. 721 é um exemplo de situação que gerou o ajuizamento reiterado de mandados de injunção com objetivo de solucionar a inviabilidade do exercício do direito à aposentadoria especial.

              Até então, a inércia do Poder Legislativo era considerada motivo de indeferimento administrativo consonante à ordem jurídica, diante da previsão da Lei nº. 9.717/1998 e da eficácia limitada do dispositivo constitucional, cujo resultado era uma mera expectativa de direito dos servidores públicos de se aposentarem através de critérios e requisitos diferenciados segundo pensamento majoritário.

              Inclusive, cumpre registrar trecho do parecer da Procuradoria Geral da República emitido no bojo do MI nº. 721:

mandado de injunção. A simples remissão à definição em lei complementar, inscrita no artigo 40, S 4º, da Constituição Federal, não cria direitos subjetivos à aposentadoria, nos casos de atividades insalubres, penosas ou perigosas. Inexistência de obrigatoriedade do legislador derivado editar a norma regulamentadora da matéria. Atribuição de mera faculdade ao poder público. Inviabilidade do writ impetrado. O juízo político acerca da conveniência e oportunidade da edição da lei complementar pleiteada não pode ser substituído pela força da decisão judicial, sob pena de invasão desautorizada da esfera de atuação dos demais poderes da República.

              Restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no MI nº 484-6/RJ, MI nº. 425-1/DF, e no MI nº. 444-7/MG, que a edição de lei complementar com o fito de pormenorizar os requisitos e critérios para alcance da aposentadoria especial não consistia em simples faculdade do poder legiferante.

              Comparando as evoluções do art. 40, §4º, da Constituição de 1988, tem-se que, na sua redação original, o art. 40, em seu §1º, empregava o verbo “poderá” no tocante à elaboração de lei complementar regulamentadora das hipóteses de exceção aos critérios de aposentadoria voluntária, no que diz respeito às atividades classificadas como penosas, insalubres ou perigosas.

              O verbo “poder” significou, por muito tempo, a ideia de que era uma escolha do Congresso Nacional editar, ou não, a lei complementar em referência. Entretanto, o verbo “poder” foi suprimido nas modificações promovidas pela EC nº. 20/1998, o que se manteve após a EC nº. 47/2005.

              Dirimiu-se, assim, qualquer dúvida quanto à existência do direito subjetivo à adoção de requisitos e critérios diferenciados para concessão de aposentadoria àqueles que trabalharam sob condições prejudiciais à saúde ou integridade física.

              Contudo, permaneceu a cláusula de definição desses critérios e requisitos em lei complementar.

              Surge, então, a discussão de quais medidas poderão ser adotadas pelo Poder Judiciário em sede de mandado de injunção sem que seja usurpada a competência do Poder Legislativo, haja vista o princípio da independência e harmonia entre os poderes (art. 2º, CRFB/1988).

              Sobre a celeuma, o relator do MI nº. 721, o ministro Marco Aurélio, em seu voto[13] afirma que pela via do mandado de injunção se busca:

tomar concreta, tornar viva a Lei Maior, presentes direitos, liberdades e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Não se há de confundir a atuação no julgamento do mandado de injunção com atividade do Legislativo. Em síntese, ao agir, o Judiciário não lança, na ordem jurídica, preceito abstrato. Não, o que se tem, em termos de prestação jurisdicional, é a viabilização, no caso concreto, do exercício do direito, do exercício da liberdade constitucional, das prerrogativas ligadas a nacionalidade, soberania e cidadania. O pronunciamento judicial faz lei entre as partes, como qualquer pronunciamento em processo subjetivo, ficando, até mesmo, sujeito a uma condição resolutiva, ou seja, ao suprimento da lacuna regulamentadora por quem de direito. Poder Legislativo.

              Dessa maneira, o MI em referência é paradigmático, pois foi nesse processo que o STF concedeu parcialmente a ordem injuncional para determinar à Administração Pública que analisasse a aposentadoria especial da impetrante a partir do regramento contido na Lei nº. 8.213/1991 (Lei de Benefícios). Tal decisão consistiu em uma ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão.

              O Ministro Carlos Ayres Britto ao proferir seu voto, em consonância ao voto proferido pelo relator, aduziu que:

somente cabe mandado de injunção perante uma norma constitucional de eficácia limitada. Sendo assim, não faz sentido proferir uma decisão judicial também de eficácia limitada. É uma contradição nos termos. A decisão judicial há de ser plenoperante, marcada pela sua carga de concretude, ou seja, tem de ser mandamental, como é da natureza da ação constitucional agora sob julgamento.

              Desse modo, o STF proferiu decisão, nos autos do MI nº. 721, que produziu efeitos concretos, ao permitir se aplicar as disposições do art. 57, da Lei nº. 8.213/1991, ao caso dos servidores públicos que formularem requerimentos de aposentadoria especial. Para Brito (2014, p. 58):

O STF consagrou a teoria concretista geral sobre os efeitos dos julgamentos em sede de mandado de injunção, segundo a qual, através de uma norma geral o Tribunal pode legislar no caso concreto, produzindo decisão erga omnes até que sobrevenha norma integrativa pelo legislativo.

              Sendo assim, por unanimidade dos votos no MI nº. 721, o Supremo Tribunal Federal passou a considerar novos limites de eficácia para a decisão proferida em sede de mandado de injunção, garantindo o direito da autora, servidora pública federal, a ter seu tempo de serviço computado de forma diferenciada, em razão de trabalho exercido sob condições insalubres, hipótese encartada pelo inciso III, do §4º, do art. 40, CRFB/1988, através das disposições normativas que regulamentam o RGPS, como a Lei nº. 8.213/1991, devendo ser utilizadas como parâmetro para concessão do benefício aos servidores públicos.

               

2.1 A SÚMULA VINCULANTE 33 E OS DESDOBRAMENTOS DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PERTINENTES AO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL AO CASO DOS SERVIDORES PÚBLICOS

              O Ministro Teori Zavascki (Apud Brito 2014, p. 61) aduziu que a Suprema Corte recebeu, entre 2005 a 2013, 5.219 Mandados de Injunção, dentre os quais 4.829 tratavam especificamente da espécie de aposentadoria especial dos servidores públicos prevista no artigo 40, §4º, inciso III, da Constituição.

              Desse modo, diante das ações reiteradas sobre o mesmo tema, o Ministro Gilmar Mendes elaborou proposta de súmula vinculante, a qual foi aprovada pelo Supremo Tribunal Federal em 9.4.2014, com a seguinte redação:

súmula vinculante 33 - aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica.

              Como se pode observar, a Súmula Vinculante 33 trata somente da hipótese contida no inciso III, §4º, do art. 40, da CRFB/1988. Conforme aduziu Brito (2014, p. 61), as aposentadorias previstas nos incisos I e II do §4º foram excluídas porque não haviam sido proferidas decisões reiteradas em número suficiente sobre tais hipóteses ao ponto de que fossem englobadas pela súmula vinculante.

              No que diz respeito à aposentadoria do servidor com deficiência (inciso I, §4º, art. 40, da CRFB/1988), em razão da recente inovação legislativa, através da Lei Complementar nº. 142/2013, que regulamentou a concessão de aposentadoria especial às pessoas com deficiência no âmbito do Regime Geral de Previdência Social, o STF passou a determinar a aplicação subsidiária da nova norma ao caso dos servidores públicos.

              Quanto às atividades de risco, previstas no inciso II, do §4º, do art. 40, da Carta Política, tem-se que a Lei Complementar nº. 51, de 20 de dezembro de 1985, já regulamentava a aposentadoria do servidor público policial. Ela sofreu alteração legislativa em 2014, por meio da Lei Complementar nº. 144, de 15 de maio de 2014, a fim de incluir a contagem de tempo de contribuição diferenciada para o caso da servidora policial mulher.

              À vista disso, para os demais servidores públicos que possam vir a exercer atividades de caráter perigoso, nos Mandados de Injunção nº. 833 e nº. 844 o Supremo Tribunal Federal consolidou jurisprudência ao decidir que eventual exposição a situações de risco, a percepção de gratificações ou adicionais de periculosidade e o porte de arma de fogo por servidor público não são suficientes para ensejar o direito à aposentadoria especial, prevista no art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição da República

              Por fim, é importante destacar que após a edição da Súmula Vinculante nº. 33, o INSS editou a instrução normativa SPS nº. 1, de 22 de julho de 2010, com o objetivo de estabelecer instruções facilitadoras para a Administração Pública reconhecer o direito dos servidores de alcançar a aposentadoria especial de que trata o inciso III, do §4º, do art. 40, da CFRB/1988.

             

CONCLUSÃO

            

              A aposentadoria com critérios e requisitos diferenciados foi por muito tempo inviabilizada de ser usufruída pelo servidor público em virtude da inexistência de norma regulamentadora a que faz referência a cláusula constitucional contida no art. 40, §4º, da Constituição.

              No primeiro capítulo, verificou-se que a aposentadoria especial no âmbito do RGPS foi excessivamente regulamentada. Embora não exista lei complementar que trate do assunto, conforme exigiu a norma constitucional (art. 201, §1º), a Lei nº. 8.213/1991 foi recepcionada pela EC nº. 20/1998, uma vez que já tratava dos requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria especial.

              Além disso, há o Decreto nº. 3.048/1999, e várias instruções normativas editadas pelo INSS, como a Instrução normativa nº. 77/2015, que cuidam de regulamentar as exceções às aposentadorias por idade e por tempo de contribuição, conforme determinou a Carta Magna.

              Contudo, na seara dos Regimes Próprios de Previdência o referido direito ainda carece de regulamentação, a fim de se jogar uma pá de cal sobre as controvérsias quanto ao seu exercício.

              Desse modo, ao se analisar as decisões proferidas em sede do Mandado de Injunção nº. 721, observou-se que o Poder Judiciário, em atuação da Corte Suprema, buscou concretizar a previsão constitucional com eficácia limitada contida no art. 40, §4º, da Constituição, determinando a aplicação subsidiária das normas que regulamentam o referido direito no Regime Geral de Previdência para o caso dos servidores públicos que formularam seus requerimentos com base na hipótese do inciso III, §4º, do art. 40 da Constituição Republicana.           

              Embora a solução tenha resolvido, momentaneamente, a questão da inviabilidade do exercício do direito, é de suma importância que haja edição de lei complementar regulamentando a matéria no âmbito do serviço público, para que sejam observadas as peculiaridades de cada atividade exercida sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Só assim o exercício do direito será pleno.   

                  

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Hermes Arrais. RGPS: aposentadorias programáveis. São Paulo: Valinhos: 2017.

BRITO, Camila Torres de. Aposentadoria Especial de Servidor Público: uma análise crítica da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em sede de Mandado de Injunção. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade de Brasília. Brasília, 2014. 73 f.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

MONTE, Meiry Mesquita. Aposentadoria especial de servidor público que labora em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física - uma análise doutrinária e jurisprudencial em face de omissão legislativa. Revista Controle: Doutrinas e artigos, v. 10, n. 1, p. 87-114, 2012.

Sobre a autora
Débora Vieira Fonseca

Advogada especialista em Direito Previdenciário e pós-graduanda em Direito Processual Civil. Já trabalhou no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte e na Justiça Federal do RN.

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Embora a Reforma da Previdência (EC nº. 103/2019) tenha alterado em alguns pontos as hipóteses de aposentadoria especial, este trabalho ainda guarda relevância, uma vez que permanece a lacuna legislativa no que diz respeito à regulamentação da concessão da aposentadoria especial aos servidores públicos.

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