A Emenda Constitucional n° 103/2019 alterou substancialmente a Previdência Social brasileira, sendo pertinente um estudo direcionado, em face da nova normatividade aplicável aos agentes públicos titulares de cargos efetivos.
Nesse sentido, objetiva-se examinar a nova redação do artigo 40, caput, da Constituição Federal, a fim de tornar evidente os reais desígnios do constituinte derivado.
Portanto, segue, primeiramente, a redação revogada, redação da EC n° 41/2003:
"Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)"
Com o escopo comparar as redações, segue a reprodução do texto atual do artigo 40 da Constituição Federal de 1988:
"Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)"
A primeira constatação em relação às modificações é a ausência de referência aos entes federados no atual artigo 40. Essa não indicação dos entes políticos é coerente com a lógica subjacente de desconstitucionalizar o tempo de contribuição e os demais requisitos de acesso a benefícios, com posterior regulamentação em lei complementar de cada unidade federativo, à exceção das idades mínimas, que constarão na Constituição do estado-membro ou Lei Orgânica municipal.
Não é demasiado ressaltar que a disciplina constitucional de requisitos de acesso a benefícios de aposentadoria na Constituição Federal significava uma supremacia do Congresso Nacional em relação ao Chefe do Poder Executivo, visto que, nos termos do artigo 60, §3° do texto constitucional, compete às Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal a promulgação de emendas constitucionais,. Doravante, as regras disciplinadas por leis complementares passam pelo crivo do Poder Executivo. Normas previdenciárias deveriam se caracterizar pela solidez, o que fundamentava sua permanência no texto constitucional, diante da singela observação de que relações jurídicas dessa natureza se caracterizam pela sua longa duração. Ademais, ao reduzirem seu patamar normativo, tornam-se mais vulneráveis às modificações por políticos de ocasião, nem sempre genuinamente preocupados com a efetiva e duradoura proteção dos segurados[1].
Outro ponto que merece destaque em relação ao novo artigo 40 da Constituição Federal é que o regime próprio de previdência social dos servidores (RPPS) deixa de ser “assegurado” ao titular de cargo efetivo. Tal disposição se harmoniza com a opção política prevista no §22, do mesmo dispositivo, que, para além de vedar a instituição de novos regimes próprios de previdência, determina que o Congresso Nacional edite lei complementar (inciso I do referido §22) que disponha sobre os requisitos para extinção desses regimes previdenciários.
Consectário lógico dessas ponderações é a impossibilidade da utilização ou construção de teses jurídicas que sustentem que o servidor titular de cargo efetivo possui direito subjetivo a se aposentar pelas regras dispostas em um RPPS. Tais teses, sublinha-se, eram comumente aventadas por determinados servidores, em pleitos de complementações de proventos, quando o artigo em comento, na anterior redação, assegurava aquele regime previdenciário.
Por se entender que também se relaciona diretamente com a nova redação do artigo 40 da Constituição Federal, destaca-se que o novo §15 do artigo 37, também por conta da EC n° 103/2019, veda complementações de proventos de aposentadorias e pensões a servidores públicos. As exceções são as (1) complementações decorrentes de regimes de previdência complementar, prevista nos §§ 14 a 16 do artigo 40, (2) aquelas previstas em leis que extingam regimes próprios de previdência e, por fim, (3) as complementações concedidas até a vigência da emenda em tela, conforme assegurado pelo seu artigo 7°.
Nota
[1] Assunto que já foi abordado em outra oportunidade: TRINDADE, Jonas Faviero. Constituição estadual: perspectivas de uma nova normatividade para a previdência dos servidores estaduais e contribuições para os discursos de fundamentação do poder legislativo. In: Revistas de Estudos Legislativos. Porto Alegre, ano 13, n. 13, 2020. Disponível em: http://submissoes.al.rs.gov.br/index.php/estudos_legislativos/article/view/261/pdf.