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O CONDOMÍNIO NÃO PODE SOFRER DANOS MORAIS

Agenda 19/02/2020 às 10:03

O ARTIGO DISCUTE SOBRE RECENTE DECISÃO DO STJ SOBRE A POSSIBILIDADE DO CONDOMÍNIO SOFRER DANO MORAL E SUA LEGITIMIDADE PARA TAIS AÇÕES.

O CONDOMÍNIO NÃO PODE SOFRER DANOS MORAIS

Rogério Tadeu Romano

Diferentemente da pessoa jurídica, o condomínio é uma massa patrimonial despersonalizada e, por isso, não se pode reconhecer que tenha honra objetiva capaz de sofrer danos morais.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso dos proprietários de um apartamento para julgar improcedente o pedido de indenização por danos morais ajuizado contra eles. Contrariando uma ordem judicial, os recorrentes promoveram, dentro do condomínio, uma festa para mais de 200 pessoas.

A ministra Nancy Andrighi destacou que tanto na doutrina quanto na jurisprudência o reconhecimento de personalidade jurídica para condomínios é controverso: no STJ, a Primeira Seção, especializada em direito público, entende que em matéria tributária os condomínios possuem personalidade jurídica ou devem ser tratados como pessoa jurídica; na Segunda Seção, que julga casos de direito privado, prevalece a corrente para a qual eles são entes despersonalizados.

A ministra ressaltou que o condomínio não é titular das unidades autônomas, tampouco das partes comuns, as quais pertencem exclusivamente aos condôminos.

"Além do mais, não há, entre os condôminos, a affectio societatis, ou seja, o sentimento de cooperação e confiança recíprocos que une pessoas interessadas em atingir um objetivo comum. É dizer, a formação do condomínio não decorre da intenção dos condôminos de estabelecer entre si uma relação jurídica, mas do vínculo decorrente do direito exercido sobre a coisa e que é necessário à administração da propriedade comum", explicou.

A matéria foi objeto de discussão no julgamento do REsp 1.736.593, cujas principais conclusões são aqui arroladas.

Não se pode confundir a pessoa jurídica com a universalidade de fato.

De acordo com o nosso Código Civil (artigo 90), a universalidade de fato constitui a pluralidade de bens singulares que pode ser destinado de acordo com a vontade de uma pessoa.

Já a universalidade de direito, é composta por um complexo de bens cuja finalidade é determinada por lei. Os exemplos mais comum são a massa falida e a herança.

A Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.177.862/RJ, (julgado em 03/05/2011, DJe 01/08/2011), decidiu: “O diploma civil e a Lei 4.591/64 não preveem a legitimação extraordinária do condomínio para, representado pelo síndico, atuar como parte processual em demanda que postule a compensação dos danos extrapatrimoniais sofridos pelos condôminos, proprietários de cada fração ideal, o que coaduna com a própria natureza personalíssima do dano extrapatrimonial, que se caracteriza como uma ofensa à honra subjetiva do ser humano, dizendo respeito, portanto, ao foro íntimo do ofendido.

Parte majoritária da doutrina, capitaneada por Caio Mário da Silva Pereira, nega personalidade jurídica ao condomínio, admitindo apenas a existência de personalidade judiciária e capacidade processual. Por sinal, consta de sua obra atualizada : Continua acirrada, na moderna doutrina, a discussão quanto a ter o condomínio edilício uma personalidade jurídica. Pessoalmente nos alinhamos entre aqueles que o consideram um ente despersonalizado, ou seja, uma pessoa formal, já que lhe falta a affectio societatis, sendo apenas dotado de personalidade judiciária e de plena capacidade processual, o que lhe permite estar em juízo, em nome próprio, representado pelo síndico, na defesa dos interesses comuns dos condôminos. No entanto, somos forçados a admitir que vem se fortalecendo a corrente dos que atribuem ao condomínio uma personalidade jurídica autônoma, já tendo sido aprovado o Enunciado n. 246, na IV Jornada de Direito Civil, que segue na mesma direção. (Condomínio e Incorporações. 12ª ed. ver. e atual. Segundo a legislação vigente. Rio de janeiro: Forense, 2016. p. 62).

 Seguindo nessa linha, esclarece João Batista Lopes: Concede-se que o condomínio edilício deve inscrever-se no CNPJ, pode abrir contas bancárias, contratar empregados e ingressar em juízo com ações. Contudo, a inscrição no CNPJ tem caráter meramente tributário e não pode, por si só, converter o condomínio em pessoa jurídica. Por igual, a abertura de conta bancária não é privativa de pessoas jurídicas. Por último, o ingresso em juízo decorre da capacidade judiciária que a lei processual confere ao condomínio, e não de suposta personalização do patrimônio comum. (Condomínio. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 190-191).

O acórdão referenciado cita o que lecionou Frederico Henrique Viegas de Lima: As atuais características e as necessidades dos condomínios edilícios fizeram com que o legislador tenha perdido a oportunidade de dotá-lo de uma personalidade jurídica integral e não somente aquela destinada ao atingimento das relações jurídicas de seu peculiar interesse, pois estamos diante de um conceito extremamente fluido, vez que, de uma parte, as relações e inter-relações que esta modalidade de propriedade atinge atualmente vão muito mais além de relações internas entre seus participantes, exteriorizando-se e irradiando-se além das fronteiras da comunidade de co-proprietários. De outra, o condomínio edilício trava, em sociedade, uma série de relações jurídicas perfeitamente delineadas e particularizadas, fazendo com que não se possa inferir que o mesmo só detenha uma personificação inerente às suas próprias finalidades. (...) Entretanto, é indispensável à admissão da personificação jurídica desta propriedade especial, para que, como sujeito de direito autônomo e independente das pessoas físicas que a compõem, possa se relacionar validamente com terceiros, sem a busca incessante à ficção jurídica, que a reduz a uma categoria de segundo grau, sendo, portanto, menos propriedade que outras propriedades. Igualmente, não é possível a admissão simplista de que o condomínio em edificações seja um ente despersonalizado, tal como o são a massa falida e o espólio. Aquele não pode ser comparado com estes por motivos bastante singelos. De uma parte, tanto a massa falida quanto o espólio são situações jurídicas transitórias, onde se pode vislumbrar sua extinção. Ao passo que o condomínio em edificações possui a característica de perenidade, transpondo-se ao longo dos anos e, até mesmo, dos séculos. De outra parte, como derivação desta primeira distinção, o número de relações jurídicas e as possíveis modalidades que pode ter o condomínio em edificações como sujeito de direitos são infinitamente superiores àquelas outras. (Pressupostos teóricos para a personificação jurídica dos condomínios em edificações. In: Revista Trimestral de Direito Civil. Ano 10, vol. 37, jan./mar. 2009, p. 91-125).

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Assim o condomínio é mera massa patrimonial , carente de personalidade jurídica de direito material.

Na esfera jurisprudencial, não se desconhece que, no âmbito das Turmas que compõem a Primeira Seção, vigora o entendimento de que os condomínios possuem personalidade jurídica – ou devem ser tratados como pessoa jurídica – para fins tributários: REsp 1.256.912/AL, Segunda Turma, julgado em 07/02/2012, DJe 13/02/2012; REsp 1.064.455/SP, Segunda Turma, julgado em 19/08/2008, DJe 11/09/2008; REsp 411.832/RS, Primeira Turma, julgado em 18/10/2005, DJ 19/12/2005.

 Todavia, no âmbito das Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ, prevalece a corrente de que os condomínios são entes despersonalizados: AgInt no REsp 1.521.404/PE, Terceira Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 06/11/2017; REsp 1.486.478/PR, Terceira Turma, julgado em 05/04/2016, DJe 28/04/2016; REsp 1.231.171/DF, Quarta Turma, julgado em 09/12/2014, DJe 10/02/2015; REsp 1.124.506/RJ, Terceira Turma, julgado em 19/06/2012, DJe 14/11/2012; REsp 1.177.862/RJ, Terceira Turma, julgado em 03/05/2011, DJe 01/08/2011; REsp 1.120.140/MG, Terceira Turma, julgado em 06/10/2009, DJe 23/10/2009; REsp 224.429/RJ, Terceira Turma, julgado em 15/05/2001, DJ 11/06/2001.

Efetivamente, o condomínio não é titular das unidades autônomas, tampouco das partes comuns, as quais pertencem exclusivamente aos condôminos, a quem a lei atribui, em contrapartida, a obrigação de contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção (art. 1.336, I, do CC/02).

Disse Caio Mário da Silva Pereira ainda sobre o condomínio que “se um vínculo jurídico os congrega, não é certamente, pessoal, mas real, representados os direitos dos condôminos pelos atributos dominiais sobre a unidade e uma copropriedade indivisa, indissociável daqueles, sobre as coisas comuns” (Obra citada. p. 56).

É certo que a Terceira Turma admitiu a “possibilidade de redirecionamento da execução em relação aos condôminos, após esgotadas as tentativas de constrição de bens do condomínio”, sem a necessidade, para tanto, da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (REsp 1.486.478/PR, julgado em 05/04/2016, DJe 28/04/2016).

Há, no STJ, dois julgados que enfrentam a matéria, mas adotam conclusões diametralmente opostas. No primeiro, a Segunda Turma do STJ entendeu que, “embora o condomínio não possua personalidade jurídica, deve-lhe ser assegurado o tratamento conferido à pessoa jurídica, no que diz respeito à possibilidade de condenação em danos morais, sendo-lhe aplicável a Súmula 227 desta Corte, in verbis: 'A pessoa jurídica pode sofrer dano moral'”. Ao final, concluiu que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral - no caso, o Condomínio -, desde que demonstrada ofensa à sua honra objetiva” (AgRg no AREsp 189.780/SP, julgado em 09/09/2014, DJe 16/09/2014). No segundo, a Terceira Turma, partindo da premissa de que os condomínios são entes despersonalizados, decidiu que, “não havendo falar em personalidade jurídica, menos ainda se poderá dizer do maltrato a direitos voltados à personalidade e, especialmente, àqueles ligados à honra objetiva” (AgInt no REsp 1.521.404/PE, julgado em 24/10/2017, DJe 06/11/2017). Com efeito, caracterizado o condomínio como uma massa patrimonial, não há como reconhecer que seja ele próprio dotado de honra objetiva, senão admitir que qualquer ofensa ao conceito que possui perante a comunidade representa, em verdade, uma ofensa individualmente dirigida a cada um dos condôminos. É dizer, quem goza de reputação são os condôminos e não o condomínio, ainda que o ato lesivo seja a este endereçado.

Não possui, pois, o condomínio legitimidade ativa para requerer, em juízo, dano moral praticado contra os condôminos.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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