Resumo
O tema deste artigo é baseada na história da microrregião do cacau localizada no Sul da Bahia que recebeu toda a atenção do Brasil por conta do seu latifúndio da terra, do poder político nas mãos dos famosos coronéis do cacau que desenvolvem uma agricultura que chegou a ser a mais importante do Brasil por algum tempo. Esse desenvolvimento regional foi mantido com a contribuição do Estado brasileiro, por um período de 1930 até 1980. O que não se imaginava era a aparição de uma doença chamada vassoura-de-bruxa, provinda da bacia amazônica, que deixaria uma enorme crise financeira na região e iria contaminar todas as plantações de cacau. Como referência para o estudo foram pesquisadas obras e sujeitos que vivenciaram esta transformação no Sul da Bahia consideradas como centro econômico as cidades de Ilhéus e Itabuna. O relato mostra a dificuldade de compreensão do fenômeno da crise, que apesar da elaboração de uma concepção teórica com base em observações apontadas por obras e sujeitos de vários segmentos do território estudado que passa por um processo de transformação impulsionado pela crise econômica da lavoura cacaueira, e de um órgão de pesquisas do governo Federal. Apresenta alguns dos órgãos e programas de recuperação criados para tentar amenizar as enormes dívidas, e as reações de seus sujeitos quanto à crise. São mostradas as transformações percebidas no lugar e os impactos que estas mudanças causaram. Contudo, a pesquisa surge com o questionamento: Como ficaram os contratos bancários e a enorme dívida dos fazendeiros que tinham sua renda retirada da plantação de cacau.
1. Introdução
Este artigo tem como objetivo relatar a saga do cacau no sul da Bahia e o outro lado da história dos coronéis do cacau que após o grande desastre econômico causado pela vassoura de bruxa ficaram em dívida com o Estado.
A região cacaueira da Bahia, pela relevância de seus aspectos históricos e geográficos, integrando questões ambientais, econômicas, sociais, políticas e culturais, é uma das mais estudadas de todo o Estado da Bahia. Com efeito, na Geografia, por exemplo, desde Pierre Monbeig (1945) passando por Milton Santos (1957) e tantos outros autores.
Desde a criação da CEPLAC (Comissão Executiva do Plano de Recuperação da Lavoura Cacaueira) em 1957, até os anos 1980, a região cacaueira da Bahia passou por um ciclo de desenvolvimento, evoluindo a sua produção de 162 mil toneladas na safra 1956/1967 para 397.362 toneladas em 1986/1987, quando o Brasil produziu 448.577 toneladas, ficando a Bahia com a participação de 86,56 %. Devido à conjunção de fatores favoráveis de alta produção e preços elevados, o sul da Bahia chegou a exportar US$ 998 milhões no ano de 1977. A produtividade elevou-se de 300 kg para 700 kg de cacau em amêndoas secas.
O Brasil alcançou a posição de 2º maior país exportador de cacau, sendo a Bahia líder da produção nacional. O agronegócio cacau obteve avanços que culminaram na consolidação de um complexo agroindustrial exportador, reconhecido como o mais moderno entre os países produtores de cacau. Nessa fase, implantou-se no sul do estado, o maior parque processador de amêndoas de cacau, superando inclusive a capacidade de moagem dos Estados Unidos, Holanda, Alemanha e Rússia.
O desenvolvimento da região não dependia apenas do crescimento econômico, mas também da melhoria dos indicadores sociais, sobretudo, nos campos da educação, saúde e emprego, além de estradas, habitação, saneamento e segurança. Este conjunto de ações era fundamental para assegurar a sustentabilidade do desenvolvimento econômico.
Entretanto, no dia 22 de maio de 1989, durante uma inspeção de rotina, um grupo de técnicos descobriu o fungo Crinipellis perniciosa, originário da bacia amazônica, o primeiro foco de uma infecção que deixou uma rota de destruição devastadora conhecida popularmente como vassoura-de-bruxa numa plantação de cacau no sul da Bahia. A praga é mortal para os cacaueiros. Os técnicos, porém, se tranquilizaram com a suposição de que se tratava apenas de um foco isolado.
Em menos de três anos, de forma espantosamente veloz e estranhamente linear, a vassoura-de-bruxa destruiu as lavouras de cacau na região – e fez surgir um punhado de explicações para o fenômeno, inclusive a de que o Brasil poderia ter sido vítima de uma sabotagem agrícola por parte de países produtores de cacau da África, como Costa do Marfim e Gana. Reforçando, então, as suspeitas de sabotagem, técnicos encontraram ramos infectados com vassoura-de-bruxa amarrados em pés de cacau – algo que só poderia acontecer pela mão do homem, e nunca por ação da própria natureza. A Polícia Federal investigou a hipótese de sabotagem, mas, pouco depois, encerrou o trabalho sem chegar a uma conclusão.
De 1991 para 2000 o Brasil teve sua produção anual reduzida de 320,5 mil toneladas para 191,1 mil toneladas e 130 mil toneladas no ano de 2008, caindo a sua participação no mercado internacional de 14,8% para 4%, a exportação deixou de ser feita e hoje a Bahia importa as amêndoas de cacau. Esse quadro, associado aos baixos preços do produto praticados no momento da introdução da doença, tem fragilizado consideravelmente a situação socioeconômica e o equilíbrio ecológico das regiões produtoras do cacau no país, onde cerca de 2,5 milhões de pessoas dependem dessa atividade. Este problema atinge o Brasil como um todo ao afetar toda a cadeia produtiva de cacau. Devido à drástica redução na produção, o Brasil hoje deve importar este produto para assim suprir sua demanda interna, incrementando os custos de produção de chocolate e aumentando os riscos de ingresso de outras doenças.
“Marcada no imaginário popular por lendas que retratam o passado de extravagâncias dos ricos e famigerados coronéis, imortalizados pela literatura de Jorge Amado, o sul da Bahia luta para recuperar o prestígio de tempos atrás da cultura que moldou a identidade da região: o cacau.” (Carlos Juliano Barros)
Portanto o presente artigo está focado no estudo de uma região localizada no sul da Bahia em meio à denominada “região cacaueira”, marcada atualmente pela crise, que deixou a antiga burguesia cacaueira (compostas por grandes fazendeiros, comerciantes e indústrias) cheios de dívidas e terras devastadas pela vassoura-de-bruxa, levando o governo a intervir em meados dos anos 90 com medidas no âmbito tecnológico e creditício.
2. AS CRISES CÍCLICAS DA CACAUICULTURA BAIANA E A PROCURA DE SOLUÇÕES
Com a Guerra Mundial e a constância da crise nos preços do cacau, fazendeiros endividados perdem suas propriedades para pagar os juros altos cobrados pelos bancos. Então, a CEPLAC foi criada por força de um decreto, para fazer frente a uma série de crises que a região atravessava: crise financeira, crise de preço do cacau, crise de produção. o objetivo principal da criação do órgão foi sanar as dívidas contraídas pelos produtores e evitar, assim, o colapso econômico da região.
após sua instalação, a CEPLAC iniciou a recomposição da dívida dos produtores, financiou os débitos que estes tinham junto aos bancos, ao comércio, às indústrias, às firmas exportadoras de cacau. Fazendo somente isso, porém, não cumpriria na íntegra sua missão, pois era necessário dar suporte à assistência técnica e à pesquisa.
A região cacaueira tem uma história emblemática para a Bahia, em todos os aspectos, sobretudo econômico. Riquíssima, a partir de 1989 [...] entrou em decadência levando no rastro, nada menos de 64 municípios produtores de cacau, cacauicultores, trabalhadores rurais e tradições de uma fértil civilização que nasceu à sombra dos cacauais. [...] Os produtores de cacau, empobrecidos, endividados – até em razão de um financiamento mal concebido pelo Banco do Brasil – estão indignados com o advento dos novos fatos.
Com a repercussão da notícia do terrorismo biológico, a população, conclamada pela Associação dos Municípios da Região Cacaueira (AMURC), idealizada com o objetivo de representar os municípios produtores de cacau da região Sul da Bahia visando defender seus interesses diante do Estado e da União, fez passeatas de protesto nas cidades, de forma organizada, porém demonstrando suas emoções, raiva, frustração, e carregavam faixas e pedaços de galhos de cacau infectados com a vassoura-de-bruxa.
Em frente ao Banco do Brasil foram depositados cestos de vassouras, como um sinal de revolta pela dívida injusta, segundo os produtores presentes. Para extravasar o sentimento que ia na alma de todos, durante o trajeto da passeata, cantavam:
A bruxa [...] trouxe a vassoura pro nosso cacau
E fez milhares de famílias passar fome na capital.
Tanta malvadeza, quanta maldade
Fez o homem do campo ir para a cidade.
Tudo pelo poder, mas que homem mau
Trouxe a vassoura e acabou o cacau.
Então, em 1995, com o agravamento da crise provinda do cacau, o Governo de Fernando Henrique Cardoso lança o Programa de Recuperação da Lavoura Cacaueira Baiana - PRLCB, com o objetivo de promover a recuperação das plantações, conter o avanço da vassoura-de-bruxa e aumentar a produção de cacau. Para isso, utilizou o crédito como instrumento para viabilizar a aplicação da tecnologia, constituído em duas fases, agrupadas em etapas.
2.1 Primeira e Segunda Etapas
Em meio ao intenso ataque da vassoura-de-bruxa na região. Em caráter emergencial, a CEPLAC recomendou o controle cultural, uma remoção manual de partes infectadas e do rebaixamento da copa do cacaueiro para conter o avanço do fungo. Essa prática, teria efeitos imediatos no controle do fungo, mas a recuperação e os ganhos da produção ocorreriam em médio prazo. Estas etapas foram elaboradas em 1995 e 1996.
Adiante, não produziram os resultados esperados sobre as suas lavouras, os produtores ficaram impossibilitados de gerar receitas para quitação dos passivos e os empréstimos assumidos. Desse modo, a 1ª e 2ª Etapa do Programa não ofereceu aos produtores o retorno econômico suficiente para o pagamento destes financiamentos e encargos.
Devido a este fato, a CEPLAC expediu, uma Nota Técnica específica sobre estas Etapas, sendo uma forte razão que justifica providências no sentido de sanar as dívidas dos cacauicultores. Isso implicaria ajustamentos de conduta apropriados à situação. Essas dívidas não devem ser entendidas sob as condições de normalidade das dívidas rurais, ao contrário, merecem o amparo das disposições legais aplicáveis a situações catastróficas e emergenciais.
2.2 Terceira e Quarta etapas
Através de uma Resolução do Banco Central- BACEN, o Governo Federal instituiu a 3ª e 4ª etapa. do PRLCB. O Programa objetivava a substituição de plantações suscetíveis a vassoura-de-bruxa com material resistente.
A vassoura de bruxa só começa a ser efetivamente domada nessas duas últimas etapas, com o investimento na técnica de clonagem que, não passava de um simples processo de enxertia de hastes de árvores resistentes à doença em plantas vulneráveis aos ataques do fungo.
3. Endividamento dos produtores de cacau
A dívida dos produtores rurais totaliza R$ 949 milhões de reais, sendo o Banco do Brasil o principal credor. Apesar da intervenção do governo com o programa de recuperação, que durou 4 anos, não houve sucesso e com isso os devedores não tiveram recursos para quitar os financiamentos que tinham como garantias o penhor de safra e hipotecárias comprometendo assim, a eficacia do programa. O resultado não poderia ser mais desastroso: a queda vertiginosa da safra associada à baixa rentabilidade, atolou fazendeiros em dívidas e desempregou centenas de milhares de trabalhadores.
Sendo assim, foi sancionada pela ex presidente Dilma Rousseff, devido ao grande endividamento e o não pagamento por parte dos produtores que permaneceram-se inscritos na dívida ativa pública, uma lei que incluiu condições mais favoráveis nos contratos dos cacauicultores, uma nova oportunidade para negociar ou liquidar as dívidas ao programa de recuperação na lavoura, dando uma prorrogação no prazo anterior.
4. Pacta sunt servanda x Rebus sic stantibus
Apesar dos esforços feitos pelo governo para ajudar a lavoura cacaueira os produtores ficaram cada vez mais endividados por conta dos juros aplicados e pela falta de renda e recurso, advinda das lavouras, para o pagamento da dívida.
O pagamento dos contratos é obrigatório conforme o princípio Pacta sunt servanda (do Latim "Acordos devem ser mantidos"), onde o contrato é imutável, já que foi um acordo entre as partes, não pode ser alterado. Este princípio é obrigatório entre os particulares e outros que manifestarem suas vontades gerando direitos e deveres bem como obrigações, ou seja, se o contrato for feito de forma válida e eficaz, deverá ser cumprido. Sendo assim, os produtores que aderiram o programa foram obrigados a quitar suas dívidas.
Porém este princípio não é absoluto, podendo ser revisto em determinadas situações, e não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades bem como pedir indenização por perdas e danos caso o devedor não tenha culpa. Entretanto este princípio encontra seu princípio nas causas de caso fortuito e força maior, conforme determina o artigo 393 e seu parágrafo único do Código Civil - Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002:
“O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
Entretanto, em contrário ao princípio anteriormente visto exite o princípio Rebus sic stantibus (locução provinda do latim que pode ser traduzida como "estando assim as coisas"), é contratual e por meio deste a ocorrência de um fato imprevisto ou imprevisível posterior a celebração do contrato implica a alteração nas condições de sua execução, ou seja, relativa a condição havendo alguma alteração da execução na obrigação contratual, continua exigível, mas, não nas mesmas condições, havendo uma necessidade de ajuste do contrato.
Lembrando que, a CEPLAC expediu, uma Nota Técnica expondo uma forte razão que justifica providências no sentido de sanar as dívidas dos cacauicultores, onde, merecem o amparo das disposições legais aplicáveis a situações catastróficas e emergenciais, conforme previsto no art. 480 do Código Civil - Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002:
"Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”
Contudo, a mudança circunstancial deve ser externa, como as provocadas pela natureza ou pelas autoridades ou pelo comportamento macroeconômico, onde há a previsibilidade e a possibilidade de que existe o conhecimento. A consequência de aplicação deste último princípio é a revisão contratual, que se opõe ao pacta sunt servanda, onde se propõe em manter a equidade entre as partes, ou seja, evita que uma parte tenha vantagem excessiva sobre outra. Assim por meio da teoria da imprevisão, é permitida a revisão dos contratos entre, os produtores de cacau e o Banco do Brasil, mantendo assim a igualdade das partes baseadas na realidade do momento.
Discutindo a crise da cacauicultura, o cordelista Minelvino da Silva mostra sua preocupação:
Tem bastante fazendeiro
Que está pra se acabar.
Sem o cacau dar dinheiro
Leva a vida a maginar
Devendo tanto no banco
Sem ter com que pagar.
Portanto, sendo instrumento de ajuste do equilíbrio contratual, a cláusula rebus sic stantibus, contribui em um pressuposto de revisão judicial para readaptação das condições contratadas a nova realidade. Sendo assim, pode-se dizer que os dois princípios são mais que contrapostos pois, se completam sendo que o alcance de um, só vai até o do outro.
5. Considerações Finais
Em virtude dos fatos mencionados, a criação de programas e de vários órgãos não foi o suficiente para que as dívidas fossem quitadas, nem solucionar a mais cruel crise cíclica enfrentada pela cacauicultura baiana. Além disso, a lavoura do cacau pode ter perdido sua importância econômica, mas ela tem um papel muito relevante para a geração de emprego e para a preservação da Mata Atlântica.
Esse fruto que moldou a identidade de uma parte expressiva da Bahia parece ter cumprido sua função histórica como importante commodittie e, há quase duas décadas, a economia da região atravessa as turbulências que todo sistema baseado na monocultura de exportação está fadado a enfrentar. Porém, de trabalhadores que viraram sem-terra a grandes produtores que ainda resistem à forca das dívidas, todos clamam por uma merecida atenção do governo.
O contrato feito entre o Banco do Brasil e os produtores de cacau é imutável, uma vez que faz lei entre as partes, e não pode ser alterado pelo judiciário. Sua modificação somente se dará se todas as partes envolvidas manifestarem suas vontades de revisão dos contratos visto que, a hipossuficiência não é presumida, hipossuficiente é aquele que não possui condições financeiras para arcar com as custas.
Portanto, o mais perto de se obter justiça seria invocando a cláusula rebus sic stantibus que leva em consideração a situação existente no momento de sua celebração, podendo assim invocá-la como forma de rompimento caso mudanças substanciais ocorram de forma extraordinária e imprevisíveis. Consistindo assim, a possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato, a prestação de uma das partes tornar-se exageradamente onerosa, o que, é viabilizado pela aplicação da cláusula inicialmente referida.
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