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A publicidade enganosa por omissão à luz do REsp 1.370.708 - RN e REsp 1.428.801 - RJ

Agenda 28/02/2020 às 15:55

Este artigo, fruto da disciplina de Direito do Consumidor ofertada aos alunos da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, tem como objetivo analisar a publicidade enganosa em sede de Direito do Consumidor.

Autores

Henrique Rafael Batista da Silva (hrafaelslv@gmail.com) - Graduando em Direito pela Universidade Federal do Ceará e estagiário de Direito no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará
Ianca Rocha Leal Araújo (iancarlaraujo@hotmail.com) - Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Ceará e estagiária de Direito na Procuradoria Geral do Município de Fortaleza
Lara Cruz de Almeida (lara_cda@hotmail.com) - Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Ceará e estagiária de Direito na Defensoria Pública da União no Ceará
Natália Guedes Firmino Uchôa (natalia.gfu@gmail.com) - Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Ceará e estagiária de Direito no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará


1. A PUBLICIDADE ENGANOSA POR OMISSÃO E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Publicidade é a estratégia de marketing que envolve a compra de espaço em um veículo de mídia para divulgar um produto, serviço ou marca, com o objetivo de atingir o público-alvo da empresa e incentivá-lo a comprar (CASAROTTO, 2019). Esse mecanismo exerce poderosa influência sobre a vida das pessoas, seus padrões de comportamento, seus hábitos, suas idéias e seus valores, atingindo desde crianças a idosos, independente do gênero.
Diante da alta capacidade de persuasão da publicidade, tornou-se necessária a intervenção do direito, com a finalidade de melhor regulá-la em favor dos mais frágeis na relação de consumo. Dessa maneira, do art. 36 ao art. 38 do Código de Defesa do Consumidor, encontram-se positivadas regras que, longe de objetivar prejudicar os anunciantes, carregam em seu bojo a proteção aos consumidores e o equilíbrio dessa relação existente entre estes e os fornecedores (FERNANDES, 2005, p.12-13).
Ademais, alguns princípios regem a publicidade no direito brasileiro, sendo eles a obrigatoriedade da informação, a veracidade, a disponibilidade, a transparência e a vinculação. A ideia trazida pelo primeiro deles é a de que as informações acerca de um produto precisam ser claras e precisas. De acordo com o segundo, as informações prestadas devem ser verdadeiras, evitando, assim, que o consumidor seja enganado. O terceiro princípio aduz que todos os dados constantes na publicidade devem estar à disposição de quem está adquirindo o produto. Por fim, a transparência diz respeito à publicidade ser facilmente identificada como tal, não havendo espaço para dissimulações ou qualquer outro meio que vise ludibriar o consumidor, prejudicando seu discernimento no ato da compra (CARVALHO, 2001, p.122). Menciona-se ainda o princípio da vinculação, que confere força obrigatória a toda manifestação do fornecedor, pois induz o consentimento do consumidor. Ressalta-se que tal princípio não se afasta ainda que informações sejam veiculadas em documento complementar ao anúncio, como anexos, contratos por adesão ou regulamentos, pois tais informações, se essenciais ao produto, devem acompanhar o próprio anúncio, sob pena de caracterizar publicidade enganosa por omissão (MARQUES, 2013, p. 238 e 242).

Na lei anteriormente mencionada, encontram-se positivados os seguintes artigos:

Art. 6º​.São direitos básicos do consumidor: III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012)
(...)
Art. 37​.É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. ​§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, ​capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. §2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. ​§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

Além dos artigos mencionados, também há previsão na Constituição da República a respeito do tema tratado, como observa-se a seguir:

Art. 5º​.Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. (BRASIL, 1988)

Em relação a publicidade enganosa, a enganosidade se refere à potencialidade de a publicidade induzir o consumidor a erro, seja porque contém informações inverídicas (publicidade enganosa por comissão), seja porque dados essenciais à manifestação da vontade são omitidos da publicidade (publicidade enganosa por omissão) (VIEIRA, 2018). No que diz respeito à publicidade enganosa por omissão, a indução a erro decorre da circunstância de o fornecedor negligenciar algum dado essencial sobre o produto ou serviço por ele comercializado, sendo considerado essencial aquele dado que tem o poder de fazer com que o consumidor não materialize o negócio de consumo, caso o conheça (VIEIRA, 2018).
O traço característico da publicidade enganosa por omissão é, pois, a indução do consumidor à contratação por meio de erro, por não ter consciência sobre elemento essencial ao negócio que, se conhecido, prejudicaria sua vontade em concretizar a transação (VIEIRA, 2018). Dessa maneira, é possível que a falta da mesma informação, em circunstâncias diferentes, seja publicidade enganosa em uma e não seja na outra, devendo ser analisado se houve de fato potencial induzimento do consumidor ao erro.

2. RESP 1.370.708 - RN e RESP 1.428.801 - RJ: A CONFIGURAÇÃO DA PUBLICIDADE ENGANOSA POR OMISSÃO COM RELAÇÃO AO INDUZIMENTO AO ERRO


Diante do exposto, merecem análise o REsp 1.370.708 - RN e REsp 1.428.801 - RJ, recursos especiais julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, que tratam de situações nas quais a publicidade enganosa por omissão foi alegada pela mesma questão: a falta do preço do produto na publicidade. Apesar disso, a decisão do Tribunal foi diferente em cada caso, tendo em vista o potencial induzimento ao erro, que é elemento fundamental para a existência da publicidade enganosa. No que se refere ao REsp 1.370.708 - RN, trata-se da multa imposta ao Makro Atacadista S/A em razão de suposta propaganda enganosa em razão da não veiculação do preço do seus produtos em encartes promocionais distribuídos aos consumidores. De acordo com a ementa do julgado:

"No caso do encarte publicitário in comento, verifica-se duas formas distintas de publicidade. Uma delas - que ora se examina - denominada de "uma superoferta de apenas um dia", apesar de não expor expressamente o preço numérico da promoção, afirmou o compromisso de garantir o menor preço nos produtos ali mencionados, sendo esses apurados com base em pesquisa realizada em concorrentes" (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2ª TURMA, REsp 1370708 / RN, 2015).
No caso em questão, considerou-se que o ​compromisso de garantir o menor preço dos produtos mencionados, que seria fixado com base em ​pesquisa realizada em concorrentes e divulgada logo na entrada do estabelecimento​, seriam elementos aptos a fornecer aos consumidores as informações que necessitam para ocorrência de uma opção consciente quanto à aquisição. Ou seja, apesar de não haver um preço expresso, o consumidor não foi induzido ao erro, pois já que fornecedor não tinha como apresentar preços específicos no seu encarte, a divulgação de como seriam fixados e divulgados os preços foram esclarecedoras o bastante, não se configurando a publicidade enganosa por omissão. No caso, a publicidade enganoso ocorreria apenas se constatado que o procedimento não se deu da maneira exposta ou que os preços apresentados não foram os menores.
Já com relação ao REsp 1.428.801 - RJ, a situação foi distinta. Neste julgado, que disse respeito a ação coletiva proposta contra a Polishop, a discussão suscitada foi com relação a propagandas realizadas pela ré, em canal de televisão fechado, nas quais era omitido o preço do produto, além da forma de pagamento. Essas informações só poderiam ser obtidas mediante ligação tarifada, independentemente do consumidor adquirir ou não o produto​. Neste sentido, entendeu-se que:

"O caso concreto é exemplo de publicidade enganosa por omissão, pois suprime algumas ​informações essenciais sobre o produto (preço e forma de pagamento) (...)" (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2ª TURMA, REsp 1428801 / RJ, 2015)​.

Assim, nota-se que, nessa situação, o preço foi considerado informação essencial e sua falta configurou publicidade enganosa por omissão. Isso ocorreu pois, diferente do Marko, que de fato não tinha como vincular um preço específico, mas apresentou esclarecimentos satisfatórios sobre como ele seria calculado e apresentado, a publicidade da Polishop potencialmente induziria o consumidor ao erro. No caso em tela, não existe justificativa plausível para a adoção dessa sistemática além de que, ao fazer o consumidor realizar uma ligação tarifada para saber o preço do produto, ele estaria mais sujeito a comprar o produto por já ter pago uma quantia pelo telefonema, além de mais vulnerável para ser convencido pelos atendentes de ​marketing​.


3. DO DEVER DE ATENÇÃO QUANTO À PUBLICIDADE RESPONSÁVEL

O Código de Defesa do Consumidor é claro ao estipular a publicidade enganosa por omissão como prática proibida. Ora, a escolha de omitir fatos do produto ou serviço pode vir a representar uma ameaça real à integridade físico-moral do consumidor, daí a necessidade de precisa regulação. A precisão da informação, prevista entre os deveres do art. 31, é mais um dos meios para a concreta segurança e tutela do consumidor. A imprecisão da informação leva a erro, que faz com que, por exemplo, seja contratado serviço de internet sem que se saiba que a empresa provedora do serviço só garante 10% da velocidade contratada, ou quando um consumidor que apresenta intolerância ao glúten compra alimento em cuja embalagem não se avisa sobre a presença dessa proteína, passando mal após seu consumo.
Vale ressaltar, contudo, que não se caracteriza publicidade enganosa por omissão o fato de o fornecedor só tomar real conhecimento da eventual nocividade do produto ou serviço após sua disponibilização no mercado, devendo, porém, notificar a sociedade e aos órgãos competentes quanto à característica danosa existente naquilo que oferece.

Por tudo isso, resta imperativo que os fornecedores procedam de acordo com as boas práticas para as relações de consumo, restando o consumidor salvaguardado de imprevistos perigosos decorrentes do que foi obtido no mercado, seja produto ou serviço.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BESSA, Leonardo Roscoe; MOURA, Walter José Faiad de. ​Manual de direito do consumidor. ​4. ed. Escola Nacional de Defesa do Consumidor, 2014. 290 p. Disponível em: <​https://www.defesadoconsumidor.gov.br/images/manuais/manual-do-direito-do-consumidor. pdf​>. Acesso em: 28 de nov. de 2019.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. ​Código de Defesa do Consumidor​. Disponível em: <​http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm​>. Acesso em: 26 de nov. de 2019.
BRASIL. ​Constituição Federal de 1988. Disponível em: <​http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm​>. Acesso em: 27 de nov. de 2019.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (Resp) 1370708/RN.
PRO
. Acesso em: 26 de nov. de 2019..
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (Resp) 1428801/RJ.
CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA. PUBLICIDADE DE PRODUTOS EM CANAL DA TV FECHADA. OMISSÃO DE INFORMAÇÃO ESSENCIAL​. Relator: Ministro Humberto Martins. Brasília-DF. 13 de novembro de 2015. Diário da Justiça Eletrônico.
Disponível em: <​https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.2:acordao;resp:2015 -10-27;1428801-1486042​>. Acesso em: 26 de nov. de 2019.
CARVALHO, José Carlos Maldonado de. ​Propaganda enganosa e abusiva ​. Revista da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v.4, n.15, 2001.
Disponível em: <​http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista15/revista15_120.pdf​>. Acesso em: 25 de nov. de 2019.
CASAROTTO, Camila. ​Saiba o que é Publicidade, para que serve e como é a carreira do publicitário​. Rock Content, 2019. Disponível em: .​ Acesso em: 27 de nov. de 2019.
FERNANDES, Adriana Figueiredo. ​A publicidade enganosa e abusiva e a responsabilidade dos envolvidos​. Disponível em: .​ Acesso em: 26 de nov. de 2019.
MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe; BENJAMIN, Antonio Herman V. Manual de Direito do Consumidor. 5.​ ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
SILVA, Juliana Pereira da; ANDRADE, Vitor Morais de. ​A importância das boas práticas para as relações de consumo no cenário global​. Migalhas, 2017. Disponível em: <​https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI269299,101048-A+importancia+das+boas+prati cas+para+as+relacoes+de+consumo+no​>. Acesso em: 28 de nov. de 2019.
​VIEIRA, Andrea. ​Da publicidade enganosa por omissão​.Jus Navigandi, 2018. Disponível em: <​https://jus.com.br/artigos/69317/da-publicidade-enganosa-por-omissao​>. Acesso em: 25 de nov. de 2019.

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Sobre o autor
Henrique Rafael Batista da Silva

Graduando em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Estagiário de Direito no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará

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Em razão da impossibilidade temporária de se acrescentar os nomes das demais co-autoras ao momento da publicação deste, eis a lista: Ianca Rocha Leal Araújo (iancarlaraujo@hotmail.com) Lara Cruz de Almeida (lara_cda@hotmail.com) Natália Guedes Firmino Uchôa (natalia.gfu@gmail.com)

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