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OS DIREITOS HUMANOS E O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE BRASILEIRO: O EMBATE ENTRE A DOUTRINA NACIONAL E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Agenda 01/03/2020 às 17:47

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João Henrique Cunha Gontijo[1]

Pablo Gonzaga Pereira[2]

 

RESUMO:

 O presente artigo objetiva analisar o Controle de Convencionalidade sob uma perspectiva ampla, englobando os Direitos Humanos e seus acontecimentos mais importantes que fizeram com que o assunto (Direitos Humanos) estivesse diretamente ligado ao tema proposto. Não obstante, pretende-se analisar ainda a divergência entre o posicionamento adotado pela doutrina nacional e a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro em relação ao Controle de Convencionalidade.

 

Palavras-Chave: Controle de Convencionalidade. Direitos Humanos. Doutrina. Supremo Tribunal Federal.

 

ABSTRACT:

This article aims to analyze the Conventionality Control from a broad perspective, encompassing the Human Rights and its most important events that have made the subject (Human Rights) directly related to the proposed theme. Nevertheless, it is intended analyze, also the divergence between the position adopted by the national doctrine and the current jurisprudence of the Brazilian Federal Supreme Court regarding the Conventionality Control.

 

Keywords: Conventionality Control. Human Rights. Doctrine. Federal Supreme Court.

 

1. INTRODUÇÃO

O controle de convencionalidade pode ser considerado algo relativamente novo no ambiente acadêmico e na prática internacional, todavia não se pode dizer que os direitos humanos seja algo recente, visto que, mesmo antes de Cristo, já existem registros históricos de sua prática, a exemplo do Cilindro de Ciro.

Visto isso, a relação entre direitos humanos e o controle de convencionalidade é imanente, justamente pelo fato de que os acontecimentos que marcaram a história da humanidade, tais como guerras, chacinas, escravidão, torturas ou perseguições contra um determinado grupo de pessoas serem alguns exemplos práticos que fizeram a sociedade, em algum momento da história - mais precisamente após a Segunda Guerra Mundial - a repensar seus atos e sobrelevar a proteção à vida humana. E nada mais adequado do que positivar tratados internacionais que versem sobre direitos humanos em países que serviram de palco desses infelizes acontecimentos que levaram à morte milhões de pessoas ao decorrer dos séculos.

Numa perspectiva de direito comparado, o controle de convencionalidade é advindo do controle de constitucionalidade, sendo este último apresentado de forma sucinta no presente artigo apenas com o intuito de fornecer elementos para a compreensão do tema principal proposto, englobando-se apenas o controle repressivo exercido em regra pelo Poder Judiciário, seu contexto histórico e as teorias mais afamadas, a saber: o controle concentrado e difuso de constitucionalidade, ambas adotadas no ordenamento jurídico pátrio.

Ao cabo, espera-se que fique evidente a ligação entre os institutos, na medida que um leva ao outro, já que, o controle de constitucionalidade está em uma dimensão nacional, ao passo que o controle de convencionalidade encontra-se na dimensão internacional dentro da seara jurídica, buscando, desse modo, uma dupla compatibilização as quais as normas infraconstitucionais devem se submeter.

Após a explanação acerca do controle de convencionalidade e seu histórico, far-se-á a emblemática distinção da posição adotada em relação à sua aplicação na doutrina pátria e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

 

2. A IMPORTÂNCIA DOS DIREITOS HUMANOS PARA O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

 

2.1. Contexto histórico

Falar em direitos humanos é falar de algo histórico que não se formou ou se consolidou da noite para o dia. Quando se pensa em Direitos Humanos é imprescindível ter o discernimento de que levaram-se anos para que pessoas de diferentes origens, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas que desviasse do “padrão social” tivessem o mesmo valor dentro da sociedade.

Ao menos em teoria, no decorrer dos séculos, vários desses direitos passaram a compor as cartas nacionais e internacionais que versam sobre direitos humanos, encontrando-se positivados em leis, decretos ou tratados internacionais que buscam o máximo de sua efetividade, tentando abranger o maior número de pessoas possíveis.

É possível estabelecer um panorama dos principais eventos da humanidade que fizeram com que os direitos humanos vigorassem com tanta veemência ao redor do globo, perfazendo discussões acaloradas que são travadas diariamente com a intenção de sempre prezar a vida e o bem estar do homem.   

Em primeiro lugar, descoberto em 1879, nas ruínas da Babilônia (atual Iraque), o Cilindro de Ciro pode ser considerado o primeiro documento de direitos humanos do mundo (COMPARATO, 2006, p.19), e que surtiu um grande efeito para a população da época que ali se instalava. Em 539 a.C., os exércitos de Ciro, o Grande, primeiro rei da Pérsia conquistaram a cidade da Babilônia (BOBBIO, 2004, p. 260). Após essa conquista, Ciro mostrou que era um rei além do seu tempo, já que seus feitos para a época foram bastante surpreendentes.

Dentre os seus feitos como rei, seu documento, escrito em um cilindro de argila na língua acádia e escrita cuneiforme, previa a libertação dos escravos, a declaração de que todas as pessoas tinham o direito de escolher a sua própria religião e o estabelecimento da igualdade racial (BOBBIO, 2004, p. 265).

Como segundo marco histórico, já em 1215, o rei da Inglaterra, conhecido como João Sem-Terra, foi obrigado a assinar a Magna Carta (BOBBIO, 2004, p. 269). Nesse documento, pela primeira vez na História, foram consignados direitos das pessoas em face do poder da autoridade constituída (CASTILHO, 2012, p. 49). A Magna Carta de 1215 foi a base das modernas constituições.

O que de fato desperta curiosidade nesse contexto, é que a Magna Carta não foi um documento que assegurava princípios legais duradouros, mas apenas uma solução prática para limitar o comportamento despótico e grotesco do rei João Sem-Terra (BOBBIO, 2004, p. 270). Mesmo assim, constituiu um marco na história, pois a partir dela foi implantada a monarquia constitucional inglesa, modelo que o mundo ocidental em pouco tempo adoraria (CASTILHO, 2012, p. 51).

É imprescindível citar que o artigo mais conhecido da Magna Carta de 1215 (Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da USP, 2010) é a cláusula 39, que determina a observância do devido processo legal nos casos de prisão ou privação de uma propriedade, reduzindo, com isso, a arbitrariedade na aplicação das penas:

Nenhum homem livre será preso, encarcerado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora da lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra.

 

Toda essa busca por respeito e dignidade, não era por mero aborrecimento, pois a condição dos camponeses na Europa feudal, quando foi editada a Magna Carta, era de total desrespeito aos direitos humanos. Leo Huberman (1981, p. 13), no livro A história da riqueza do homem, descreve:

 

O camponês viva numa choça do tipo mais miserável. Trabalhando longa e arduamente em suas faixas de terra espalhadas (todas juntas tinham, em média, uma extensão de 06 a 12 hectares, na Inglaterra, e 15 a 20, na França), conseguia arrancar do solo apenas o suficiente para uma vida miserável. Teria vivido melhor, não fora o fato de que, dois ou três dias por semana, tinha que trabalhar a terra do senhor, sem pagamento. Tampouco era esse o único trabalho a que estava obrigado. Quando havia pressa, como em época de colheita, tinha primeiro que segar o grão nas terras do senhor. Esses “dias de dádiva” não faziam parte do trabalho normal. Mas isso ainda não era tudo. Jamais houve dúvida quanto à terra mais importante. A propriedade do senhor tinha que ser arada primeiro, semeada primeiro e ceifada primeiro. Uma tempestade ameaçava fazer perder a colheita? Então, era a plantação do senhor a primeira que deveria ser salva.

Em suma, as consequências trazidas por este documento foram: a) previsão do devido processo legal (o famoso item 39 fala em julgamento regular pelos pares ou de acordo com a lei do país em caso de prisão ou privação de bens); b) liberdade da Igreja da Inglaterra; c) proporcionalidade entre a gravidade do delito e a magnitude da pena; d) liberdade de locomoção; e) liberdade de obter justiça; f) liberdade de entrar e sair do país.

Como terceiro evento histórico propulsor dos direitos humanos, alguns séculos depois, em 1628, um marco milenário ficou conhecido como Petition of Rights (Petição de Direitos). A transformação da Inglaterra de monarquia absolutista para monarquia constitucionalista representou um avanço no sentido de reconhecimento dos direitos do homem.

 Até 1628, o lema das monarquias absolutistas era: “Um rei, uma fé, uma lei”, expoente da unidade política de um país, que tomava por base a unidade religiosa (CASTILHO, 2012, p. 68). Todavia, acontecimentos advindos das teorias liberais de John Locke, nas suas três obras filosóficas principais (Tratado do Governo Civil – 1689; Ensaio sobre o Intelecto Humano – 1690 e Pensamentos sobre a Educação – 1693), fizeram com que a atitude dos povos diante do poder dos reis começasse a mudar.

O registro da Petition of Rights então foi feito pelo Parlamento Inglês e enviado à Carlos I, como uma declaração de liberdade civil. A rejeição pelo Parlamento de financiar a política exterior impopular do rei tinha causado grandes alvoroços, Carlos I então não viu outra opção a não ser exigir empréstimos forçados e o aquartelamento de tropas nas casas dos súditos como uma medida econômica.

Essas medidas foram consideradas como um ataque direito ao Parlamento, que então revida com bastante hostilidade contra Carlos e Jorge Villiers, o Duque de Buckingham, com a Petition of Rights, iniciada por Sir Edaward Coke, baseada em estatutos e cartas anteriores e afirmando quatro princípios (BOBBIO, 2004, p. 272): I – Nenhum Tributo pode ser imposto sem o consentimento do parlamento, II – Nenhum súdito pode ser encarcerado sem motivo demonstrado (a reafirmação do direito de habeas corpus), III – Nenhum soldado pode ser aquartelado nas casas dos cidadãos, e IV – A Lei Marcial não pode ser usada em tempo de paz.

 Algumas décadas depois, em 1688, Maria Stuart e seu marido Guilherme de Orange assumiram o trono inglês, mas sob estrito controle do Parlamento. Em 1689, eles tiveram que aceitar e promulgar a Declaração de Direitos, mais conhecida como Bill of Rights, sendo esse documento um quarto marco histórico dos direitos humanos. A declaração de Direitos foi o documento mais importante na história ocidental, no sentido da limitação dos poderes dos reis (CASTILHO, 2012, p. 73). Em suma, as conquistas obtidas por este documento são: a) fortalecimento do princípio da legalidade; b) previsão, de forma inédita, do direito de petição; c) liberdade de eleição dos membros do Parlamento; d) vedação de fianças exorbitantes, de impostos excessivos e de penas severas.

Transportando-se agora para o continente americano, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América de 1776 e a Constituição do país de 1787 saíram de uma utopia para se tornar uma realidade palpável para a sociedade norte americana. A Declaração de Independência foi assinada aos 04 de julho de 1776 por 11 das 13 colônias existentes na época (COMPARATO, 2006, p. 29). O principal autor foi Thomas Jefferson, que escreveu o documento explicando o porquê do Congresso ter votado no dia 02 de julho para declarar a independência da Grã-Bretanha.

Em 1787, a primeira e única Constituição dos Estados Unidos é implantada no país se tornando uma referência internacional no mundo ocidental (COMPARATO, 2006, p. 36). Em 1791, as dez primeiras emendas da Constituição entram em vigor, limitando os poderes do governo federal.

Nesse período, em meio aos acontecimentos nos Estados Unidos, totalmente inspirada nessa onda libertária, em 1789 a Revolução Francesa atinge seu ápice. É importante destacar que foi um movimento que estrondou em vários cantos da Europa e demais locais, se tornando o mais importante movimento social do mundo moderno (CASTILHO, 2012, p. 78).

Algumas características bastante marcantes nesse movimento foram o fim do feudalismo europeu, bem como também os princípios da Revolução, que se fortificaram na Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão), promulgada pela Assembleia Nacional, após a derrubada da monarquia francesa.

Além disso, a declaração estabeleceu reformas políticas que davam aos cidadãos o direito à liberdade e de serem tratados igualmente perante a lei. O modo como seria assegurado essa liberdade igualdade era pela tripartição dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si (CASTILHO, 2012, p. 78). Vale ressaltar que esse modelo que foi aplicado na França e que se perpetua até na atualidade em vários países democráticos no mundo deve-se às ideias de Montesquieu, no livro O Espírito das Leis, publicado em 1748.

Também é válido lembrar que a declaração também estabeleceu a separação entre Estado e Igreja. Nesse mesmo diálogo, caberia ao Estado a obrigação de oferecer educação, saúde e segurança a toda população. O povo, por sua vez, participaria de eleições, escolhendo representantes para tomarem decisão em seu nome.

Nas palavras de Ricardo Castilho (2012, p. 80), a Revolução Francesa se define da seguinte maneira:

 

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão constitui, na Era Moderna, o primeiro marco normativo dos direitos humanos ao consagrar, entre outros, os princípios da igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, legalidade, presunção de inocência, liberdade religiosa e de manifestação de pensamento.

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Quase um século depois se passou até que falasse novamente em Direitos Humanos. Dessa vez, em 1864, na Primeira Convenção de Genebra. Dezesseis países europeus e vários estados americanos assistiram a uma conferência em Genebra (COMPARATO, 2006, p. 46). O objetivo principal especificado no tratado era a ampliação do cuidado, sem discriminação ao pessoal militar ferido ou doente (COMPARATO, 2006, p. 49). Posteriormente, novos tratados foram firmados e passaram a compor a Convenção de Genebra com vistas a incluir novas questões que pudessem atentar contra a humanidade.

A II convenção ocorreu em Haia, na Holanda, na qual se decidiu estender os princípios da convenção para os conflitos marítimos, para proteger os doentes, feridos ou náufragos de forças armadas do mar. Já a III convenção dessa vez promoveu uma nova revisão, determinando o tratamento humanitário a ser dado a prisioneiros de guerra. (AS CONVENÇÕES DE GENEBRA DE 12 DE AGOSTO DE 1949, Convenção II de Genebra, 2016, p.23).

 Chegando ao século XX, após a 2° Guerra Mundial e suas mazelas e catástrofes causadas à humanidade, em abril de 1945, delegados de cinquenta países se reuniram em São Francisco para formar um corpo internacional para promover a paz e prevenir as futuras guerras, criando, assim, as Nações Unidas (COMPARATO, 2006, p. 56).

Em 1948, as Nações Unidas adotaram a proposta de Eleanor Roosvelt que, juntamente com sua comissão, elaborou o rascunho do documento que viria a converter-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Roosvelt referiu-se à Declaração como “A Carta Magna Internacional para toda a Humanidade” (COMPARATO, 2006, p. 61).

Por fim, porém reconhecendo que o conteúdo histórico de direitos humanos é seguramente maior, deve-se citar a IV Convenção de Genebra de 1949, que sob influência dos acontecimentos da 2° Grande Guerra processou-se a atualizar os acordos em caso de conflito armado internacional. A convenção já foi realizada sob a coordenação da Organização das Nações Unidas.

 

2.2. A importância dos direitos humanos

A expressão “Direitos Humanos”, na visão de Luño (1995, p. 48) seria “o conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional”.

Todavia, ainda na atualidade, mesmo com todos os acontecimentos e fatos descritos anteriormente, o homem ainda possui instinto animalesco de brutalidade, sendo um traço da personalidade humana que a civilização moderna ainda não foi capaz até o presente momento de extirpá-lo totalmente.

Consciente ou inconscientemente, homens de todos os povos seguem a cartilha da crueldade, seja para com os semelhantes, pilhando-os e até causando-lhes a morte, seja para com os que lhes parecem inferiores, escravizando-os e destruindo-lhes mais do que a vida, mas a própria cultura e identidade (CASTILHO, 2012, p. 11).

 Após vários acontecimentos ao longo da história - com vitórias e derrotas, diversas mazelas, porém com grandes graças - é que se começou a analisar os direitos humanos com um olhar mais crítico e passou a levar com mais seriedade a proteção das pessoas de um modo de geral, com leis positivadas, e que essas mesmas leis abarcassem o maior número de países possíveis. Indo além, é importante destacar que até na atualidade se busca métodos alternativos e tecnológicos uma maior eficiência e aplicabilidade dos direitos humanos, como será visto nos próximos capítulos, como por exemplo, os tratados internacionais que ensejam por uma segurança jurídica ampla e global.

Além do mais, a importância dos direitos humanos para a sociedade hodierna é inegável, pois, como se sabe, um dos mais relevantes princípios que rege tanto a ordem nacional quando a ordem internacional é o da Dignidade da Pessoa Humana, que se correlaciona diretamente com aquele, na medida em que, nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 60), a dignidade se sustenta da seguinte maneira:

 

A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Falar em direitos humanos também é buscar uma segurança, uma tutela jurisdicional tanto nacional, quanto internacional em face às mazelas que ainda se perpetuam na atualidade, é buscar ultrapassar a igualdade para então se comprometer com a equidade.

 

2.3. Os diretos humanos e o controle de convencionalidade

Os direitos humanos e o Controle de Convencionalidade têm uma relação muito íntima quando se trata da segurança jurídica e da proteção dos povos frente à legislações internas que não estejam de acordo com os tratados internacionais sobre direitos humanos de que determinado país seja signatário.

A busca por aperfeiçoamento compete não somente aos tribunais internacionais que versem sobre direitos humanos, mas também aos tribunais nacionais, vez que assim como o controle de constitucionalidade em que há possibilidade de realiza-lo pela via concentrada ou difusa, o controle de convencionalidade também pode ser realizado por ambas as vias.

Ressalta-se aqui também, que tanto o controle interno quanto o externo supracitados são característicos de países cujo regime de governo vigore a democracia, não sendo admitido, por exemplo, em países totalitários (VILLÁN DURÁN, 2002, p.81).  

Doravante, no tocante à segurança jurídica internacional, nas palavras de Villán Durán (2002, p.85):

 

O Direito Internacional dos Direitos Humanos é um sistema de princípios e normas que regula a cooperação internacional dos Estados e cujo objeto é a promoção do respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais universalmente reconhecidas, assim como o estabelecimento de mecanismos de garantia e proteção de tais direitos.

 

 Exemplo de busca dessa segurança jurídica internacional é a Carta de São Francisco, tratado internacional que criou a Organização das Nações Unidas em 1945 e que em seu preâmbulo e nos objetivos da Organização consagrou a vontade da comunidade internacional em reconhecer e fazer respeitar os direitos humanos no mundo, embora não se olvide que mesmo antes de 1945 houve importantes tratados de proteção a direitos específicos.

E justamente nesse ponto em específico que o Controle de Convencionalidade entra, pois, nas palavras de Mazzuoli (2009, p. 23) “este controle está apto a invalidar as normas internas incompatíveis com os tratados internacionais de direitos humanos em vigor no estado, à luz do princípio pro homine”. A Carta de São Francisco, utilizada neste exemplo, deve ser respeitada de forma concisa pelos países democráticos que assinaram este tratado, pois, se uma norma interna for de encontro com este tratado, caberá ao judiciário – como é o caso do Brasil – de analisar e fazer as devidas alterações. Caso não seja feito, os tribunais internacionais poderão entrar em ação aplicando sansões dentre outras penalidades.

 

3. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

3.1. Conceito

Primeiramente, embora não se olvide que o controle de constitucionalidade possa ser exercido pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, abordar-se-á no presente artigo apenas o denominado controle repressivo exercido, via de regra, pelo Poder Judiciário.

Não é difícil de entender que o ordenamento jurídico é um sistema. Esse mesmo sistema necessita de ordem e unidade, devendo suas partes conviver de maneira sutil e harmoniosa. Quando se há a quebra desse sistema, deverá o ordenamento jurídico estar municiado de mecanismos de correção destinados a restabelecê-lo. Desse modo, segundo Luis Roberto Barroso (2016, p.23):

O controle de constitucionalidade é um desses mecanismos, provavelmente o mais importante, consistindo na verificação da compatibilidade entre uma lei ou qualquer ato normativo infraconstitucional e a Constituição. Caracterizado o contraste, o sistema provê um conjunto de medidas que visam a sua superação, restaurando a unidade ameaçada. A declaração de inconstitucionalidade consiste no reconhecimento da invalidade de uma norma e tem por fim paralisar sua eficácia.

Na prática, quando uma pretensão jurídica funda-se em uma norma que não integra a Constituição, como, por exemplo, uma lei ordinária, o intérprete, antes de aplicá-la, deverá certificar-se de que ela é de fato constitucional. Caso seja, poderá prosseguir normalmente, todavia, se não for, deverá adotar as devidas medidas juridicamente adequadas, pois, hierarquicamente, a Constituição deve prevalecer sobre uma lei ordinária, bem como as demais leis internas. Aplicar uma lei inconstitucional significa deixar de aplicar a Constituição (BARROSO, 2016, p. 24).

 

3.2. Breve exposição do contexto histórico

O Controle de Constitucionalidade nos moldes do Judiciário teve origem no direito norte-americano, tendo se consolidado e transcorrido o mundo a partir da decisão da Suprema Corte no caso Marbury v. Madison, julgado em 1803.

Embora os Estados Unidos da América seja herdeiro direito da tradição inglesa, do common law, eles adaptaram o seu direito pátrio nos moldes de um princípio-mor, qual seja, o da Supremacia da Constituição, cabendo ao Judiciário o papel de seu intérprete qualificado e final (BARROSO, 2016, p.50). Diferentemente do modelo britânico se apoia no Princípio da Supremacia do Parlamento, que, segundo Albert Venn Dicey[1] (1950, p.90), as características essenciais do modelo anglicano são:

(I) poder do legislador de modificar livremente qualquer lei, fundamental ou não; (II) ausência de distinção jurídica entre leis constitucionais e ordinárias; (III) inexistência de autoridade judiciária ou qualquer outra com o poder de anular um ato do Parlamento ou considerá-lo nulo ou inconstitucional (tradução nossa).

 

Nos demais países da Europa, por exemplo, o modelo de Controle de Constitucionalidade entrou em vigor somente a partir da Segunda Guerra Mundial, com a Constituição da Áustria, na concepção de Hans Kelsen - que elaborou o Controle de Constitucionalidade Concentrado.

Adotou-se ali uma fórmula distinta, com a criação de órgãos específicos para o desempenho da função: os tribunais constitucionais, cuja atuação tem natureza jurisdicional, embora não integrem necessariamente a estrutura do Judiciário (BARROSO, 2016, p. 51). No Brasil, foi adotado um sistema eclético de controle de constitucionalidade, isto é, incorporou-se tanto o modelo norte-americano quanto o modelo europeu continental.

 

3.3 O controle de constitucionalidade repressivo difuso ou concentrado

O Controle de Constitucionalidade Repressivo busca verificar se a norma já incorporada ao ordenamento jurídico pátrio guarda ou não compatibilidade com o texto constitucional, sendo, portanto, exercido em regra pelo Poder Judiciário depois de concluído todo o processo de elaboração da norma.

Nas palavras de Pedro Lenza (2015, p. 309), vale dizer que:

Os órgãos de controle verificarão se a lei, ou ato normativo, ou qualquer ato com indiscutível caráter normativo, possuem um vício formal (produzido durante o processo de sua formação), ou se possuem um vício em seu conteúdo, qual seja, um vício material. Mencionados órgãos variam de acordo com o sistema de controle adotado pelo Estado, podem ser político, jurisdicional, ou híbrido.

 

Desse modo, o controle de constitucionalidade repressivo judicial pode ocorrer perante qualquer juízo ou tribunal (controle difuso) ou por intermédio de seu órgão de cúpula (controle concentrado).

Historicamente a modalidade difusa do controle de constitucionalidade tem por origem no emblemático caso americano do precedente Marbury v. Madison (1803), no qual quando James Madison, secretário do recém então presidente dos Estados Unidos Thomas Jefferson decidiu não efetivar a nomeação do juiz de paz William Marbury que indignado com a postura adotada impetrou o chamado writ of mandamus, buscando efetivar sua nomeação.

Depois de dois longos anos a Suprema Corte dos Estados Unidos da América resolveu enfrentar a matéria. John Marshall, Chief of Justice, em seu voto, analisou vários pontos, dentre os quais a questão de se a Suprema Corte teria competência para apreciar ou não aquele remédio de writ of mandamus (LENZA, 2015, p. 317).

Após muita reflexão a decisão de Marshall corroborou a ideia de que a Constituição dos Estados Unidos defende que qualquer lei que for incompatível com a Carta Maior é nula e, desse modo, qualquer tribunal, seja ele do mais baixo grau até a Suprema Corte de cada país, deverá respeitar a Constituição e deve julgar inconstitucional qualquer lei que seja antagônica a ela.

Conforme afirma Lenza (2015, p. 318):

 

O controle difuso, repressivo, ou posterior, é também chamado de controle pela via de exceção ou defesa, ou controle aberto, sendo realizado por qualquer juízo ou tribunal do Poder Judiciário.

O controle difuso verifica-se em um caso concreto, e a declaração de inconstitucionalidade dá-se de forma incidental (incidenter tantum), prejudicialmente ao exame do mérito.

Pede-se algo ao juízo, fundamentando-se na inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ou seja, a alegação de inconstitucionalidade será a causa de pedir processual.

Portanto, no caso do Brasil, por exemplo, do juiz estadual recém-concursado até o Presidente do Supremo Tribunal Federal, todos os órgãos judiciários tem o dever de recusar aplicação às leis incompatíveis à Constituição (BARROSO, 2016, p. 52).

No tocante ao controle de constitucionalidade repressivo concentrado trata-se de modalidade que pode ser exercida por apenas um órgão ou por um número limitado de órgãos criados especificamente para esse fim ou tendo nessa atividade sua função principal.

Historicamente esse modelo de controle foi adotado pela primeira vez na Áustria, em 1920, e aperfeiçoado por via de emenda, em 1929 (BARROSO, 2016, p. 53). Exercido por cortes constitucionais, expressava convicções doutrinárias de Hans Kelsen, seu idealizador, e que eram diversas das que prevaleceram nos Estados Unidos (CANOTILHO, 2001, p. 869).

A criação dessa modalidade se deu como alternativa porque, como se sabe, nos países que seguem a tradição do common law, em contraposição aos que se filiam à família romano-germânica, existe a figura da stare decisis. Esta expressão designa o fato de que, a despeito de exceções e atenuações, os julgados de um tribunal superior vinculam todos os órgãos judiciais inferiores no âmbito da mesma jurisdição (CAPPELLETTI, 1984, p. 89-90).

Disso resulta que a decisão proferida pela Suprema Corte é obrigatória para todos os juízes e tribunais. E, portanto, a declaração de inconstitucionalidade em um caso concreto traz como consequência a não aplicação daquela lei a qualquer outra situação, porque todos os tribunais estarão subordinados à tese jurídica estabelecida. De modo que a decisão, não obstante referir-se a um litígio específico, produz efeitos gerais, em face de todos (erga omnes) (BARROSO, 2016, p. 53).

Vale ressaltar também que esse modelo de controle também pode ser chamado de via principal ou abstrato, já que trata-se de controle exercido fora de um caso concreto, independente de uma disputa entre partes, tendo por objeto a discussão acerca da validade da lei em si. Não se cuida de mecanismo de tutela de direitos subjetivos, mas de preservação da harmonia do sistema jurídico, do qual deverá ser eliminada qualquer norma incompatível com a Constituição (BARROSO, 2016, p. 55).

Especificamente na experiência brasileira, de acordo com Lenza (2015, p. 346):

 

O Controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo recebe tal denominação pelo fato de “concentrar-se” em um único tribunal. Pode ser verificado em cinco situações: ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica; ADC – Ação Declaratória de Constitucionalidade; ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental; ADO – Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e IF – Representação Interventiva (ADI Interventiva) (LENZA, 2015, p. 346).

Ainda referindo-se à experiência nacional, além do Supremo Tribunal Federal os Tribunais de Justiça de cada Estado-membro também podem realizar o controle de constitucionalidade repressivo concentrado em hipóteses de incompatibilidade de normas estaduais com a Constituição daquele estado.

 

4. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

4.1. Conceito

O controle de convencionalidade veio com o propósito conferir maior segurança jurídica, assegurando com maior ênfase que os direitos humanos devem ser observados e resguardados quando em conflito com normas domésticas que não sejam com eles compatíveis, quando amparados em tratados internacionais ratificados.

Nas palavras de Mazzuoli (2009, p. 24), “(...) é a compatibilização da produção normativa doméstica com os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no país”. Logo, o controle de convencionalidade tem por finalidade compatibilizar verticalmente as normas domésticas (as espécies de leis, lato sensu, vigentes no país) com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado e em vigor no território nacional (SILVA IRARRAZAVAL, 2006, p. 219).

No Brasil, segundo a doutrina majoritária, existe tanto o controle difuso quanto o concentrado de convencionalidade. O que pode ser constatado aqui é que ambos se aproximam bastante do controle de constitucionalidade. Todavia se diferenciam pelo fato de que, enquanto o primeiro visa à garantia dos direitos humanos, excluindo qualquer norma que implique e afronte as obrigações internacionais humanistas, o segundo tem como função a unidade do ordenamento, retirando a validade das leis que conflitem com a norma fundamental do sistema interno de cada país.

Também é imprescindível citar que no caso da experiência nacional as duas vias de controles se deram em épocas diferentes, pois, enquanto o controle de convencionalidade difuso existe entre nós desde a promulgação da Constituição, em 05 de outubro de 1988, o controle de convencionalidade concentrado legislativamente surgira apenas em 08 de dezembro de 2004, com a promulgação da Emenda Constitucional n° 45 (MAZZUOLI, 2009, p. 50).

 

4.2. Breve contexto histórico

 

O controle de convencionalidade entrou para a história a partir de 1975, em França, em parecer do Conselho Constitucional Francês no qual se entendeu pela aplicação do Princípio da Superioridade dos Tratados sobre a lei, exposto na Constituição francesa.

No continente americano, o controle de convencionalidade somente ganhou relevo a partir do julgamento no caso “Almonacid Arellano e Outros v. Governo do Chile” pela Corte Interamericana, em 26 de setembro de 2006.

Da referida decisão merece destaque a afirmação da Corte ao dizer que “O Poder Judiciário deve exercer uma espécie de ‘controle de convencionalidade’ entre as normas jurídicas internas que aplicam nos casos concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, caso Almonacid Arellano, 2006, p.52).

No Brasil, por sua vez, o tema começou a ser tratado indiretamente pelo Supremo Tribunal Federal, isto é, não havia se falado diretamente sobre o controle de convencionalidade, mas apenas de conflito entre tratados.

Como exemplo de análise indireta pode ser citado o RE 466.343-1/SP onde restou assentada a tese da supralegalidade dos tratados de direitos humanos na qual se discutia a questão da prisão civil por dívida nos contratos de alienação fiduciária em garantia (MAZZUOLI, 2009, p. 34).

Importante salientar, todavia, que em território brasileiro as discussões doutrinárias acerca do controle de convencionalidade ganharam destaque após a apresentação da tese de Doutorado do professor Valério de Oliveira Mazzuoli, defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul no ano de 2009.

 

4.3. Da competência para exercício do controle de convencionalidade

Via de regra, o controle de convencionalidade é exercido pelo Poder Judiciário, todavia, não é uma competência privativa. O instituto pode, por exemplo, ser realizado por outros órgãos que integram a estrutura da administração pública direta e indireta, a exemplo da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, que da mesma forma que precede com a análise de (in)constitucionalidade de um projeto de lei, pode entender também um por sua (in)convencionalidade (GOMES, 2008, p. 77).

Doravante, o que corrobora o fato de que o Poder Judiciário deva ser o principal órgão para exercer o controle, conforme Valério Mazzuoli (2009, p. 48) é o fato de que o instituto visa compatibilizar verticalmente as normas domésticas com os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos ratificados pelos os Estados, e deve:

(...) ser exercido pelos órgãos da justiça nacional relativamente aos tratados aos quais o país se encontra vinculado. Trata-se de adaptar ou conformar os atos ou leis internas aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado, que criam para estes deveres no plano internacional com reflexos práticos no plano do seu direito interno. Não somente os tribunais internos devem realizar o controle de convencionalidade (...), mas também os tribunais internacionais (...) criados por convenções entre Estados, em que estes se (os Estados) se comprometerem, no pleno e livre exercício de sua soberania, a cumprir tudo o que ali fôra decidido e a dar sequência, no plano de seu direito interno, ao cumprimento de suas obrigações estabelecidas na sentença, sob pena de responsabilidade internacional. 

 

5.  O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE: O EMBATE ENTRE A DOUTRINA NACIONAL E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

Numa tentativa de dar um enfoque ainda maior ao Princípio pro homine – princípio este ligado ao Direito Internacional e aos Direitos Humanos – o professor Valério de Oliveira Mazzuoli, em sua tese de doutorado, foi pioneiro ao tratar de modo aprofundado do controle de convencionalidade no Brasil e, como se verá em seguida, sua visão difere da visão adotada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Há certa convergência doutrinária e jurisprudencial no sentido de que após a Emenda n° 45/04, com o acréscimo do § 3° do artigo 5° da Constituição, os tratados que forem aprovados pelo o quorum qualificado passarão (desde que ratificados e em vigor no plano internacional) de um status materialmente constitucional para a condição (formal) de tratados “equivalentes às emendas constitucionais” (MAZZUOLI, 2009, p. 24). Em outras palavras, aquele tratado internacional que verse sobre direitos humanos e que passar pelo crivo do quorum qualificado terá status materialmente constitucional, bem como também será formalmente equiparado a uma Emenda Constitucional, logo, esse tratado é paradigma para o controle de convencionalidade.

Doravante, tratados que versem sobre direitos humanos que estão em vigor no Brasil não necessariamente necessitam serem equivalentes a uma emenda para serem constitucionais, uma vez que o art. 5°, § 3° do texto constitucional fez foi tão somente atribuir “equivalência” a tais tratados, e não o status de normas constitucionais que eles já detêm pelo art. 5° § 2° da Constituição (MAZZUOLI, 2009 p. 54). Portanto, dizer que os tratados são “equivalentes às emendas” não é a mesma coisa que dize que eles “têm status de norma constitucional”.

E é justamente que nesse ponto que a doutrina nacional encabeçada pelo entendimento do professor Valério Mazzuoli começa a se destrinchar. O autor entende que se o tratado internacional que verse sobre direitos humanos for aprovado pelo quorum qualificado, ele será tanto materialmente quanto formalmente constitucional. Desse modo, se isso acontecer, caberá sempre um controle de convencionalidade concentrado, já que, se cabe ao Supremo Tribunal Federal ser o guardião da Constituição, deve aquele órgão jurisdicional realizar interpretação além do controle de constitucionalidade, abrangendo também as normas constitucionais por equiparação, autorizando-se desse modo que os legitimados no texto constitucional possam propor as mesmas ações em sede de controle de convencionalidade.

Com base nesse entendimento se poderia dizer que os tratados de direito humanos internalizados pelo rito qualificado do art. 5°, § 3, da Constituição, passam a servir de meio concentrado de convencionalidade da produção normativa doméstica, para além de servirem como paradigma para o controle difuso (MAZZUOLI, 2009, p. 56). Em suma, os tratados internacionais de direitos humanos que forem aceitos pelo rito do art. 5°, § 3°, da Constituição, serão paradigmas para tanto o controle concentrado quanto o difuso de convencionalidade.

Para o autor, ainda, os tratados internacionais de direitos humanos que não forem processados no rito do art. 5°, § 3°, da Constituição, também seriam constitucionais, todavia, ostentariam status apenas materialmente constitucional e, por esse motivo, seriam somente paradigmas para o controle difuso (via de exceção ou defesa) de convencionalidade. Nas palavras do próprio Mazzuoli (2009, p. 57):

 

Em suma (...), tratados de direitos humanos internalizados com o quorum qualificado são paradigma do controle concentrado (para além, obviamente, do controle difuso), cabendo ADIn no Supremo Tribunal Federal a fim de nulificar a norma infraconstitucional incompatível com o respectivo tratado equivalente à emenda constitucional; tratados de direitos humanos que têm apenas “status de norma constitucional” (não sendo “equivalentes às emendas constitucionais”, posto que não aprovados pela maioria qualificada do art. 5°, § 3°, da Constituição) são paradigma apenas do controle difuso de constitucionalidade/convencionalidade (MAZZUOLI, 2009, p. 57).

Outro ponto relevante sustentado pela doutrina nacional são os tratados internacionais comuns, isto é, aqueles tratados que não versam sobre direitos humanos e que foram incorporados ao ordenamento jurídico nacional. Esses tratados possuiriam natureza supralegal, ou seja, devem estar de acordo com a Constituição e com os tratados internacionais de direitos humanos, aprovados pelo quorum qualificado ou não, mas se situariam acima das demais normas domésticas comuns. Nesse sentido é o magistério de Valério Mazzuoli (2009, p.60):

 

Esta segunda conformidade das leis com os tratados comuns deve existir pelo fato de estarem tais instrumentos internacionais alçados ao nível supralegal no direito brasileiro. Norma supralegal é aquela que está acima das leis e abaixo da Constituição. Trata-se, justamente, da posição em que se encontram tais instrumentos (comuns) ao nosso direito interno. A compatibilização das normas infraconstitucionais com os tratados internacionais comuns faz-se por meio do chamado controle de supralegalidade (MAZZUOLI, 2009, p. 60).

 

Ressalta-se que não há no texto constitucional nenhum dispositivo que positive tal entendimento de supralegalidade dos tratados comuns em relação às normas infraconstitucionais domésticas, havendo, todavia, no Código Tributário Nacional, em seu art. 98, a previsão de que “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”. (BRASIL, 1966, p. 737).

 

Por fim, entende-se, desse modo, que os tratados internacionais comuns não servem de parâmetros para o controle de convencionalidade, mas tão somente pra o controle de supralegalidade.

 

Como já dito anteriormente, o ponto em comum entre STF e a doutrina nacional é o de que os tratados internacionais de direitos humanos que forem aprovados pelo quorum qualificado serão equivalentes às Emendas Constitucionais por força do art. 5°, § 3°da Constituição. Todavia, na jurisprudência majoritária do STF os tratados internacionais que não forem aprovados pelo quórum qualificado e aqueles que tratem de matérias comuns ostentariam status diverso do que apresentado pela doutrina.

 

No dia 03 de dezembro de 2008, o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu que os tratados de direitos humanos estavam em um plano de validade superior do que somente uma lei ordinária dentro da normativa brasileira (HC 87.585/ TO e RE 466.343-1/ SP). Na época, estavam em pauta a tese do Ministro Gilmar Mendes, que defendia o valor supralegal dos tratados de direitos humanos, e a tese do Ministro Celso de Mello, que sustentava o valor constitucional desses tratados.

A respeito do RE 466.343-1/SP, discutiu-se a questão da prisão civil por dívida nos contratos de alienação fiduciária em garantia (STF, 2008, on-line).

Naquela ocasião, no mesmo sentido da doutrina de se defender o status materialmente constitucional dos tratados de direitos humanos, ainda que não aprovados pelo quórum constitucional qualificado, o Ministro Celso de Mello manifestou-se (STF, 2008, on-line):

 

Tecnicamente, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil já têm status de norma constitucional, em virtude do disposto no § 2º do art. 5º da Constituição (…), pois na medida em que a Constituição não exclui os direitos humanos provenientes de tratados, é porque ela própria os inclui no seu catálogo de direitos protegidos, ampliando o seu 'bloco de constitucionalidade' e atribuindo-lhes hierarquia de norma constitucional, como já assentamos anteriormente. Portanto, já se exclui, desde logo, o entendimento de que os tratados de direitos humanos não aprovados pela maioria qualificada do § 3º do art. 5º equivaleriam hierarquicamente à lei ordinária federal, uma vez que os mesmos teriam sido aprovados apenas por maioria simples (nos termos do art. 49, inc. I, da Constituição) e não pelo quorum que lhes impõe o referido parágrafo. (…) O que se deve entender é que o quorum que o § 3º do art. 5º estabelece serve tão-somente para atribuir eficácia formal a esses tratados no nosso ordenamento jurídico interno, e não para atribuir-lhes a índole e o nível materialmente constitucionais que eles já têm em virtude do § 2º do art. 5º da Constituição.

 

Entretanto, naquela ocasião, por cinco votos a quatro prevaleceu a tese do Min. Gilmar Mendes que entendeu que os tratados internacionais de direitos humanos que não forem aprovados pelo quorum qualificado teriam um nível hierárquico intermediário: abaixo da Constituição, mas acima de toda a legislação infraconstitucional. Assim, para o ministro esses tratados não seriam nem mesmo materialmente constitucionais, ostentariam natureza meramente supralegal. Nas palavras do Ministro:

 

Parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos que não forem aprovados pelo quorum qualificado. Os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não podem afrontar a supremacia da Constituição, mas tem lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção da pessoa humana.

 

Com esse entendimento é lógico asseverar que esses tratados por terem atributo meramente supralegal não possuiriam parâmetros para o controle de convencionalidade.

 

Com base nesse entendimento o STF firmou sua jurisprudência no sentido de que o Pacto de São José da Costa Rica, norma internacional de direitos humanos não submetida ao rito qualificado das normas constitucionais, possuiria somente status supralegal, existindo, portanto, no ordenamento jurídico nacional, um único exemplo de tratado internacional com status material e formalmente constitucional, que seria a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York e promulgados no Decreto n° 6.949/09.

 

Nesse sentido, na visão prevalecente da jurisprudência do STF aqueles tratados internacionais comuns (que não versam sobre diretos humanos), como por exemplo os que tratam de questões tributárias, como visto anteriormente, teriam caráter de Lei Ordinária ou Lei Complementar, dependendo da matéria inserida, não servindo, portanto, de parâmetro para o controle de convencionalidade.

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Falar em controle de convencionalidade, por mais que seja o tema relativamente recente no ambiente acadêmico e no plano do Direito Internacional, é olhar para o passado, numa tentativa de se evitarem os erros cometidos. É de fato algo histórico e emblemático para o homem, já que a segurança jurídica trazida por esse instituto deve ser considerada essencial para os países democráticos regidos por uma Constituição, na medida em que tem por objeto a promoção do respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais universalmente reconhecidas.

Os direitos humanos e o controle de convencionalidade têm uma relação muito íntima quando se trata da segurança jurídica e da proteção dos povos frente às legislações internas que não estejam de acordo com os tratados internacionais sobre direitos humanos de que determinado país seja signatário.

Nesse contexto, a partir do momento que um juiz ou tribunal doméstico não respeita tratado internacional de direitos humanos, os tribunais internacionais fazem o seu papel e buscam acordos ou impõem sanções para sua prevalência, ou seja, assegurando que o princípio pro homine seja preponderante.

No caso da experiência nacional, lamenta-se que esta não tenha sido a resolução dada pelo Supremo Tribunal Federal. Em apertada síntese, a partir de uma posição parcial e pessoal, entende-se que deste modo o STF deixou uma espécie de “brecha” no sistema jurídico brasileiro, porque independentemente se o tratado internacional de direitos humanos foi aceito pelo quórum qualificado ou não, deve-se de fato considerar a essência destes tratados, qual seja, de proteger o ser humano das transgressões causadas tanto pelos Estados, quanto por particulares que os infringem frequentemente, destoando consideravelmente da tão sonhada Justiça!

 

Portanto, com esta decisão, entende-se que o Brasil ficou exposto a mais violações a estes tratados, o que, infelizmente, pode acarretar situações irreversíveis para as partes envolvidas. 

 

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[1] Graduado em Direito pela Faculdade Pitágoras Divinópolis – MG. Advogado e Consultor Jurídico. Professor Universitário. Especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG.

[2] Graduando em Direito pela Faculdade Pitágoras Divinópolis – MG.

[3]First, the power of the legislature to alter any law, fundamental or otherwise, as freely and in the same manner as other laws; Secondly, the absence of any legal distinction between constitutional and other laws; Thirdly, the non-existence of any judicial or other authority having the right to nullify an Act of Parliament, or to treat it as void or unconstitutional.

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