INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como foco lecionar sobre a proibição da venda de órgãos em território nacional com enfoque no comércio de cabelo humano, prática comum na indústria da beleza. A Lei n° 9.434/97 expõe sobre a questão da disponibilização gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, além disso, deixa claro em seu Art. 9° que a disposição gratuita destes componentes somente poderá ocorrer se estes constituírem órgãos duplos, de partes dos órgãos e tecidos que a retirada não comprometa o bom funcionamento do corpo. Não obstante, esse procedimento só tem a possibilidade de ser feito na condição de que o indivíduo a dispor de partes do seu corpo seja juridicamente capaz. Todavia, nesse contexto que se trata especificamente sobre o cabelo humano, mesmo sendo parte do corpo, não há lei específica que ministre sobre sua disposição. Ademais, os números dos setores que trabalham com estética capilar são praticamente imbatíveis no Brasil, a oferta e procura são gigantescas e o mercado dificilmente se abala com as crises econômicas. Entretanto, fazendo uma reflexão minimamente razoável, o questionamento sobre a venda de cabelo vem à tona. De certo, não há possibilidade no ordenamento jurídico que permita a venda do coração, pâncreas, ou de um dos rins, então, pode-se questionar o motivo da venda capilar ser feita de forma tão corriqueira. DESENVOLVIMENTO É coerente afirmar que o cabelo humano não constitui parte vital do corpo e consequentemente, há um entendimento ordinário que sua venda não constitui crime; o Código Penal Brasileiro, inclusive, não expõe criminalmente a prática do comércio capilar. Todavia, a lei 9.434/97, aqui já citada, também dispõe que a venda de partes do corpo humano constitui crime; então, resta recorrer aos costumes e princípios do direito. A título de exemplo vale lembrar o princípio da adequação social, muito presente em um contexto mais atrelado ao direito penal; observando tal instituto, apreende-se que condutas aceitas social e moralmente por parte majoritária da população não têm necessidade de serem tipificadas como crime. É válida a lembrança de outros exemplos similares como a prática do furo na orelha de recém-nascidas, o que é praticamente impossível de se imaginar que esta prática possa ser considerada criminosa. Sobre o princípio supracitado, Guilherme de Souza Nucci tem sua tese voltada para o entendimento de que a adequação social é motivo para exclusão de tipicidade devido ao peso insignificante da matéria, socialmente falando, (NUCCI, 2011, p. 229-230). Aqui, podem ser incluídos, nesse contexto, tanto a o furo na orelha quanto a venda de cabelo humano para procedimentos estéticos. A parte geral do ensino de direito civil, por sua vez, ensina sobre a questão dos direitos de personalidade, dentro do qual, a questão abordada aqui se encontra. O direito à integridade física, especificamente sobre o corpo aborda o direito que todo ser humano tem de proteção ao seu corpo – vivo ou morto. Pablo Stolze leciona que o direito à integridade física é amplo e compreende também as partes integrantes do corpo, não só as vitais, (STOLZE, 2017, p. 174). De outro pórtico, deve ser lembrado o hall dos direitos à integridade psíquica no qual se encontra o direito à liberdade, tendo um peso imensurável para qualquer sociedade que se afirme minimamente democrática. Neste âmbito, ainda se encontra o tema abordado aqui. Além disso, cabe falar sobre as características dos direitos de personalidade, mais especificamente sobre o seu caráter absoluto; Pablo Stolze elucida que esse atributo está ligado aos efeitos causados na coletividade, impondo a elas o respeito a estes direitos já que são indubitavelmente absolutos, (STOLZE, 2017, p. 164). Outra característica igualmente importante é a indisponibilidade, assim, Carlos Alberto Gonçalves argumenta que esse quesito não é absoluto, mas sim, relativo, (GONÇALVES, 2017, p. 204). Dessa forma, a indústria que trabalha com implantes de cabelo humano não teria necessidade de preocupação sobre sua conduta, visto que não pode ser caracterizada como criminosa. CONCLUSÃO Portanto, há de se afirmar que não existe relativização dos direitos de personalidade nesse âmbito, já que a mera disposição do cabelo não constitui perda vital das funcionalidades do corpo humano, e consequentemente, não viola lei nenhuma. Vale lembrar também da ADPF 132 de 2011, concernente à união estável de casais homoafetivos; este caso emblemático utilizou do princípio da busca da felicidade como um de seus argumentos principais, sendo pilar do princípio da dignidade humana. O tema abordado aqui está intimamente ligado com a felicidade humana e sua busca, então, não há motivo para grande assombramento visto que a prática de apliques capilares nada mais é do que a busca por bem estar individual e elevação da autoestima de cada um. REFERÊNCIAS BRASIL. CASA CIVIL, Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9434.htm. Acesso em: 11/10/19; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, Pleno, julgamento em 26.11.2012. Acesso em: 11/10/19; STOLZE, Pablo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2017; GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2017; NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
Análise acerca da venda de cabelo humano à luz do Direito Penal Brasileiro
O trabalho aqui apresentado propõe uma discussão a respeito da venda de cabelo humano para fins estéticos. Ademais, são apresentados argumentos sobre convenções sociais e comportamentos convencionais que por ventura podem ser caracterizados crimes.
Recém-formada em Direito pela Universidade Potiguar, possuo experiência nas áreas de Direito Civil, Família, Imobiliário e Previdenciário. Durante a graduação estagiei em escritórios de advocacia desde o 4° período, sempre focando para produção de peças processuais, análise de casos e acompanhamento processual. Fui estagiária da Defensoria Pública da União, onde aprimorei o conhecimento em Direito Previdenciário e demais competências necessárias para atuação jurídica, como atendimento ao público e orientação jurídica.
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