I – O QUE É DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
O agravo de instrumento é o recurso cabível, em primeiro grau de jurisdição, contra específicas decisões interlocutórias previstas em lei.
Decisão interlocutória é todo pronunciamento com conteúdo decisório proferido no curso do procedimento, que não encerra a fase cognitiva nem o processo de execução. É um conceito atingido por exclusão: se o pronunciamento decisório encerra a fase cognitiva ou a execução, tem-se sentença; se não encerra a fase cognitiva nem a execução, mas não tem conteúdo decisório, é despacho de mero expediente. Todo o resto é decisão interlocutória.
II – HIPÓTESES DE CABIMENTO
Cabe agravo de instrumento, a ser ajuizado em prazo peremptório de 15 dias, contra decisões interlocutórias que versem:
I - tutelas provisórias;
II - mérito do processo;
III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI - exibição ou posse de documento ou coisa;
VII - exclusão de litisconsorte;
VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o;
XII - (VETADO);
XIII - outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
Sobre a matéria Eduardo Talamini lecionou (Agravo de instrumento – hipóteses de cabimento no CPC/15):
“O art. 1.015 do CPC veicula um elenco de decisões interlocutórias que comportam agravo de instrumento. As hipóteses de cabimento são taxativas, embora não estejam todas elas contidas nesse dispositivo. O inc. XIII do art. 1.015 remete ainda a “outros casos expressamente referidos em lei”. As principais hipóteses de cabimento são as seguintes:
(a) decisões sobre tutela provisória (art. 1.015, I). A disposição refere-se a todas as modalidades de tutela de evidência e de urgência. Entre as de urgência, aplica-se às cautelares e às antecipatórias; às antecedentes e às incidentais. Aplica-se igualmente às previsões de tutela provisória contidas em incidentes ou procedimentos especiais, disciplinados no Código ou fora dele – e ainda que não recebam essa expressa denominação. Importa é a natureza da providência sobre a qual a decisão versa. Tratando-se de decisão interlocutória a respeito de providência revestida das características da tutela provisória, ela é agravável. E o recurso é cabível não apenas contra a decisão que defere a tutela provisória, mas também contra aquele que a indefere, modifica-a (art. 296) ou define o regime que lhe será aplicável (art. 305, par. ún.). O motivo pelo qual tais decisões são agraváveis é evidente: de nada adiantaria só no final da fase cognitiva, depois de já proferida a sentença, vir se decidir que, muito antes, uma medida urgente ou fundada na evidência deveria ou não deveria ter sido dada, deveria ter esse ou aquele outro conteúdo, seguir um ou outro procedimento... (p. ex.: não faria sentido, apenas no julgamento da apelação, o tribunal dizer: “há três anos, o autor deveria ter recebido uma tutela antecipada que lhe assegurasse um tratamento médico que poderia ter-lhe salvo a vida”...). É inerente à tutela provisória a necessidade de uma definição imediata do seu cabimento, conteúdo, alcance e regime;
(b) decisões sobre o mérito do processo (art. 1.015, II, 354, par. ún., e 356, par. ún.). Como visto em mais de um texto desta série, admitem-se decisões interlocutórias de mérito (art. 354, par. ún., no que concerne aos casos dos arts. 487, II e III, e art. 356). Nesses casos, até para se permitir o trânsito em julgado autônomo dessa decisão (art. 356, § 3.º), e assim se conferir efetiva utilidade à resolução parcial do mérito, não se poderia atrelar a sua recorribilidade ao recurso contra a decisão final. Mas o agravo cabe não apenas quando a interlocutória de mérito desde logo resolve uma parte do objeto do processo. Há casos em que a decisão versa sobre o mérito, mas se limita a descartar a ocorrência de um fato impeditivo ou extintivo do direito do autor, sem ainda definir nenhuma parcela da lide. É o que acontece, por exemplo, quando no saneamento do processo o juiz rejeita a ocorrência de prescrição ou decadência e determina a produção de provas. O agravo, em todos os casos em que seu objeto é uma decisão sobre o mérito, reveste-se de peculiaridades. Como ele impugna uma decisão cujo conteúdo corresponde àquele que tipicamente se tem nas sentenças de mérito, ele “herda” algumas das características da apelação (p. ex., se a decisão não for unânime, é aplicável a técnica de extensão do julgamento prevista no art. 942; deve caber sustentação oral na sessão de seu julgamento etc.);
(c) decisão de rejeição da alegação de existência de convenção de arbitragem. Reconhecendo a crescente importância que a arbitragem assume no sistema de resolução de conflitos, o Código prevê que a decisão que nega a existência, validade ou eficácia de uma convenção arbitral e leva adiante o processo judiciário, é imediatamente recorrível. Seria um despropósito o processo judicial persistir por vários meses ou mesmo anos, para só depois o tribunal vir a reconhecer que a atuação judiciária é incabível e que a causa tem de ser remetida à solução arbitral. Note-se que a decisão que acolhe a arguição de convenção arbitral é também prontamente recorrível: como ela extingue a fase cognitiva do processo, é sentença, apelável;
(d) decisão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 1.015, IV). A rigor, essa seria uma previsão desnecessária, em face daquela outra prevista no inc. IX do art. 1.015, que prevê o cabimento de agravo em qualquer hipótese de admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros. É disso que se trata, afinal, a decisão do incidente de desconsideração. Mas há uma razão que talvez explique a preocupação do legislador em destacar essa hipótese. Durante o incidente, o sujeito trazido para o processo tem o direito de participar ativamente. Mas, uma vez deferido o pedido de desconsideração, ele em princípio se torna “transparente” dentro da relação processual. Não tem uma posição própria. Ele passa a ser tratado como que se fosse a própria parte originária. O seu patrimônio será considerado como uma extensão do patrimônio da parte (a sociedade em relação ao sócio; o sócio em relação à sociedade). Então, subsequentemente, nem lhe será dada a oportunidade de participar ativamente do processo (v. o texto anterior nesta série acima referido). Afinal, está considerando-se que ele outra coisa não é que uma extensão da parte originária – cabendo a essa desempenhar as posições jurídicas inerentes à relação processual. Isso é bem diferente do que se passa com o denunciado e o chamado ao processo, por exemplo, que ocupam, no processo, inclusive depois de deferida sua intervenção, a condição de sujeitos investidos de toda a gama de direitos processuais (tornam-se partes, inclusive). Por outro lado, o destaque para o cabimento do agravo contra a decisão que indefere a desconsideração, que também já estaria abrangido pela regra do art. 1.015, IX, considera a circunstância de que a indevida postergação de uma desconsideração que é devida tende a gerar graves danos para a parte prejudicada pelo uso abusivo ou fraudulento do instituto da pessoa jurídica;
(e) rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação (art. 1.015, V). Nesse caso, a recorribilidade imediata não é simétrica. Apenas a parte que teve a gratuidade de justiça indeferida ou revogada é que pode recorrer. Não cabe agravo contra a decisão de deferimento ou de manutenção da gratuidade. Toma-se em conta a relevância da garantia constitucional da assistência jurídica integral (CF, art. 5.º, LXXIV);
(f) decisão no incidente de exibição ou posse de documento ou coisa (art. 1.015, VI). Quando o pedido de exibição é formulado contra um terceiro, há verdadeira ação incidental, de modo que a hipótese já estaria enquadrada naquela mais ampla do inc. II do art. 1.015 (interlocutória sobre o mérito de uma ação). Já quando o incidente envolve as próprias partes originárias do processo, a recorribilidade extrai-se unicamente da disposição ora comentada. Mesmo entre as partes, reputou-se que não seria razoável postergar para o final do processo a definição da utilização de um documento, indeferida em um primeiro momento, ou a determinação, sob as penas da lei, de exibição de um documento eventualmente inexistente ou a respeito do qual se deveria guardar sigilo. Não deixa de ser, de qualquer modo, uma escolha do legislador, pois outras hipóteses similares, relativas a outros meios de prova, não foram contempladas com tal recorribilidade;
(g) decisão de exclusão de litisconsorte (art. 1.015, VII). Ao se excluir um litisconsorte do processo, nega-se, no que tange à pretensão externada por ele ou contra ele, a resolução do mérito (art. 487, VI). A hipótese constitui um caso especial de negativa parcial de resolução do mérito, já agravável por força do art. 354, par. ún.. É mais um caso, portanto, de reiteração didática de recorribilidade;
(h) rejeição do pedido de limitação de litisconsórcio (art. 1.015, VIII). Justifica-se o cabimento do agravo nessa hipótese – não extraível de nenhuma outra regra geral – porque não se justificaria apenas muito tempo depois, já na apelação, reconhecer-se que não deveria ter havido um litisconsórcio com a amplitude que se teve no caso, por ser prejudicial ao exercício da defesa. Eis mais uma questão que demanda resolução imediata, sob pena de inocuidade do que se decidisse apenas depois ou de nulidade de todo o processo, por cerceamento de defesa;
(i) admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros (art. 1.015, IX). A inclusão do terceiro no processo em curso ou a negativa de seu ingresso são também questões que exigem pronta definição. O tardio reconhecimento de que alguém, que participou do processo, dele não deveria participar gera graves prejuízos a esse sujeito e ao próprio andamento do processo como um todo. Do mesmo modo, a constatação, apenas posterior à sentença, de que um terceiro, que não participou do processo, deveria ter dele participado ou seria inócua ou geraria a repetição de todo o processo, com a participação desse terceiro (em regra, não haverá como ele ingressar apenas na fase recursal, assumindo o processo no estado em que se encontre). Excetua-se da autorização contida nessa norma a decisão que defere ou indefere a intervenção de amicus curiae. Embora se tenha na hipótese uma intervenção de terceiro, pela sistemática adotada pelo Código, o art. 138, caput, exclui expressamente o recurso nessa hipótese;
(j) concessão, modificação ou revogação de efeito suspensivo em embargos de execução (art. 1.015, X). A atribuição pelo juiz de efeito suspensivo aos embargos, uma vez constatado o perigo de danos graves e a plausibilidade dos fundamentos da medida, é uma modalidade de tutela provisória urgente. Assim, a disposição é didática, de mera explicitação. O caso já se enquadraria no art. 1.015, I, aplicando-se-lhe as razões apresentadas para aquela hipótese;
(k) redistribuição do ônus da prova (art. 1.015, XI). Eis outra matéria que depende de rápida definição. Se apenas muito depois, na apelação, a questão pudesse ser revista, de duas uma: ou a parte sucumbente na questão seria surpreendida e gravemente prejudicada, por uma redistribuição feita retroativamente, ou haveria a necessidade de repetição de todos o processo, desde o início da instrução probatória
(l) decisões interlocutórias proferidas nas fases de liquidação e de cumprimento de sentença e no processo de execução (art. 1.015, par. ún.). No procedimento executivo, desenvolva-se ele no processo de execução ou na fase de cumprimento de sentença, não há a perspectiva de uma sentença final apelável. No processo de conhecimento, a tutela jurisdicional é prestada prioritariamente pela sentença, que, em circunstâncias normais, deve definir quem tem razão. Logo, normalmente há a perspectiva de a parte total ou parcialmente derrotada apelar dessa sentença. Já na execução a tutela jurisdicional é prestada por atos materiais, de satisfação prática do direito do exequente. A sentença final, quando há (pois não é incomum o processo ficar indefinidamente suspenso, pela falta de patrimônio penhorável – art. 921, III e §§ 2º e 3º), é meramente processual. Presta-se a declarar o fim da atividade executiva. Por isso, é muito incomum que alguma das partes tenha específico interesse jurídico para dela apelar. Então, subordinar o reexame das questões interlocutórias ao momento da apelação, nesse caso, seria despropositado. Some-se a isso o fato de que muitas vezes a decisão interlocutória, na execução, tem a aptidão de gerar prejuízos graves e de difícil reparação, seja para o credor, seja para o devedor. Tudo isso justifica o cabimento generalizado de agravo de instrumento contra as interlocutórias no processo executivo e no cumprimento de sentença. Mas essa ordem de argumentos não explica por que as interlocutórias na fase de liquidação também merecem ser todas imediatamente recorríveis. Afinal, a fase liquidatória constitui atividade cognitiva, tendente a uma decisão final de mérito. Seria razoável aplicar-lhe os mesmos parâmetros de recorribilidade das interlocutórias adotados na fase de conhecimento. Nem se diga que a diferença está no fato de que a decisão final de mérito na liquidação é veiculada ela mesma em decisão interlocutória, de modo que não existiria uma apelação na qual poderiam ser reexaminadas as anteriores interlocutórias. Em primeiro lugar, já há grandes discussões doutrinárias quanto à natureza da decisão do mérito da liquidação (se é sentença ou interlocutória) e, portanto, quanto ao recurso cabível (se apelação ou agravo de instrumento). Em segundo lugar, e ainda que se repute que esse pronunciamento é decisão interlocutória, agravável, bastaria uma regra especial, determinando que as interlocutórias proferidas no curso da fase liquidatória deveriam ser suscitadas como preliminares do julgamento do agravo cabível contra a decisão final de liquidação. Ou seja, esse agravo cumpriria o papel que cumpre a apelação na fase cognitiva. Mas não foi esse o regime adotado. Então, todas as interlocutórias na fase de liquidação (e podem ser muitas) são recorríveis;
(m) no processo de inventário (art. 1.015, par. ún., parte final). As razões que justificam a recorribilidade ampla das interlocutórias no inventário são análogas às que se põem para a execução. Muitas vezes, as questões de nuclear relevância para os interessados são decididas antes, no curso do processo. A sentença final, frequentemente, apenas retrata um conjunto de deliberações já antes tomadas;
(n) outras situações expressamente previstas em lei (art. 1.015, XIII). Exemplos: a decisão do juízo de primeiro grau que resolve requerimento de prosseguimento de processo sobrestado, em que a parte procura demonstrar que o objeto nele tratado distingue-se da questão de direito que será submetida a julgamento pelo regime dos recursos repetitivos (art. 1.037, § 13, I); a decisão que nega parcialmente a possibilidade de resolução do mérito da causa (art. 354, par. ún., no que tange aos casos do art. 485) etc.”
Ao apresentar seu voto no REsp 1.704.520, a ministra Nancy Andrighi, relatora, argumentou que a enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses de cabimento do agravo revela-se insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do artigo 1.015, as quais "tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo".
"Um rol que pretende ser taxativo raramente enuncia todas as hipóteses vinculadas a sua razão de existir, pois a realidade, normalmente, supera a ficção, e a concretude torna letra morta o exercício de abstração inicialmente realizado pelo legislador", afirmou.
Por outro lado, advertiu a ministra, uma interpretação extensiva ou analógica mostra-se igualmente ineficaz, "seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos".
Ela destacou outra corrente interpretativa, segundo a qual a lista do artigo 1.015 seria puramente exemplificativa, de modo que em determinadas situações a recorribilidade da decisão interlocutória seria imediata, "ainda que a matéria não conste expressamente do rol ou que não seja possível dele extrair a questão por meio de interpretação extensiva ou analógica".
III – A TAXATIVIDADE MITIGADA
Há o que se chama de taxatividade mitigada.
Em abril de 2019, a Terceira Turma entendeu que cabe agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas em liquidação e cumprimento de sentença, no processo executivo e na ação de inventário.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso (que tramitou em segredo judicial), disse que a opção do legislador foi "estabelecer regimes distintos em razão da fase procedimental ou de especificidades relacionadas a determinadas espécies de processo".
Ela explicou que o caput do artigo 1.015 é aplicável somente à fase de conhecimento, conforme orienta o parágrafo 1º do artigo 1.009 do CPC – o qual, ao tratar do regime de preclusões, limita o alcance do primeiro dispositivo às questões resolvidas naquela fase.
Em seu voto, Nancy Andrighi lembrou que o parágrafo único do artigo 1.015 excepciona a regra do caput e dos incisos, ditando um novo regime para as fases subsequentes à de conhecimento (liquidação e cumprimento de sentença), para o processo executivo e o inventário.
Em outro caso, ao analisar o REsp 1.736.285, o colegiado reforçou o entendimento de que na liquidação e no cumprimento de sentença, no processo de execução e na ação de inventário, há ampla e irrestrita recorribilidade de todas as decisões interlocutórias.
No voto acompanhado pelos demais ministros do colegiado, a ministra Nancy Andrighi anotou que a doutrina jurídica é uníssona nesse sentido.
IV - Falência e recuperação
No caso de microssistemas específicos, a interpretação pode ser diferente da definida pela corte para o artigo 1.015. Em setembro de 2019, a Segunda Seção afetou três recursos especiais para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, nos quais decidirá acerca da possibilidade da interposição de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias no âmbito de processos de recuperação judicial e falência (Tema 1.022).
A questão submetida a julgamento é a seguinte: "Definir se é cabível agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas em processos de recuperação judicial e falência em hipóteses não expressamente previstas na Lei 11.101/2005".
A relatora dos processos afetados, ministra Nancy Andrighi, disse que é preciso definir se a questão jurídica do agravo nos processos de falência é idêntica àquela examinada pelo STJ no REsp 1.704.520.
Ela lembrou que, no julgamento de 2018, a Corte Especial se concentrou exclusivamente na interpretação do sistema procedimental e recursal das regras gerais do CPC de 2015, não tendo sido enfrentado o cabimento do agravo em procedimentos especiais e seus sistemas recursais específicos.
"Há, portanto, nítido distinguishing com a tese firmada no Tema 988, haja vista a questão jurídica de os recursos especiais ora em análise se referirem à matéria dos processos falimentares e recuperacionais, procedimento especial regido por sistema recursal próprio, no qual a averiguação do cabimento do agravo de instrumento envolve o exame de fatores diversos", explicou a relatora.
V - Guarda de criança
Duas hipóteses de cabimento de agravo de instrumento analisadas pelo tribunal em 2019 dizem respeito ao direito de família. Ao julgar um processo sob segredo de justiça, a Terceira Turma decidiu que o agravo pode ser interposto contra a decisão interlocutória que determina busca e apreensão de menor para efeito de transferência de guarda, uma vez que tal hipótese, no entendimento do colegiado, encaixa-se na regra do inciso I do artigo 1.015.
O ministro Villas Bôas Cueva, relator, apontou que, apesar das várias decisões da Justiça estadual no caso, a guarda da criança foi concedida ainda em caráter provisório. Assim, tratando-se de decisão interlocutória sobre tutela provisória, o ministro entendeu ser perfeitamente cabível a interposição de agravo de instrumento.
Além disso, o relator lembrou a taxatividade mitigada do rol do artigo do CPC, o que implica a admissão do agravo em hipóteses não contempladas naquela lista, desde que o critério de urgência esteja presente.
Para o ministro, ainda que se entendesse não ser o caso das tutelas provisórias previstas no inciso I do artigo 1.015, "é indubitável que a questão relativa à guarda de menor envolve situação de evidente urgência a ser apreciada de forma imediata pelo tribunal".
VI - Data da separação
Em outro caso que também tramitou em segredo, a Terceira Turma entendeu que cabe agravo contra decisão interlocutória que fixa a data da separação de fato. Para o colegiado, essa decisão resolve parte do objeto litigioso, e por isso pode ser atacada por agravo de instrumento.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora, o CPC passou a reconhecer expressamente em seu artigo 356 o fenômeno segundo o qual pedidos ou parcelas de pedidos podem amadurecer em momentos processuais distintos, seja em razão de não haver controvérsia sobre a questão, seja em virtude da desnecessidade de produção de provas.
"Diante desse cenário, entendeu-se como desejável ao sistema processual, até mesmo como técnica de aceleração do procedimento e de prestação jurisdicional célere e efetiva, que tais questões possam ser solucionadas antecipadamente, por intermédio de uma decisão parcial de mérito, com aptidão para a formação de coisa julgada material", apontou a relatora.
No caso dos autos, a ministra ressaltou que a questão relacionada à data da separação de fato do casal é, realmente, tema que versa sobre o mérito do processo, mais especificamente sobre uma parcela do pedido de partilha de bens. Por isso, explicou, a decisão proferida em primeiro grau é, na verdade, verdadeira decisão parcial de mérito, nos termos do artigo 356 do CPC.
VII - Litisconsorte e prescrição
Em maio de 2019, a Quarta Turma decidiu que, nos casos de pronunciamento judicial sobre a exclusão de litisconsorte, o questionamento pode ser feito via agravo de instrumento (nos termos do inciso VII do artigo 1.015), independentemente dos motivos jurídicos para essa exclusão. "É agravável, portanto, a decisão que enfrenta o tema da ilegitimidade passiva de litisconsorte, que pode acarretar a exclusão da parte", afirmou o relator do REsp 1.772.839, ministro Antonio Carlos Ferreira.
O colegiado também entendeu, no mesmo julgamento, que as decisões interlocutórias que analisem temas relativos à prescrição e à decadência possuem natureza de mérito e, portanto, são atacáveis por agravo de instrumento, conforme previsto no artigo 1.015, inciso II.
O ministro Antonio Carlos Ferreira apontou que, diferentemente do CPC de 1973 – segundo o qual haveria decisão de mérito apenas quando o juiz pronunciasse a decadência ou a prescrição –, o artigo 487 do CPC/2015 estabelece que a resolução de mérito ocorre quando o magistrado decide, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência ou não de decadência ou prescrição.
"Desse modo, nos termos do código processual vigente, quando o magistrado decidir a respeito da prescrição ou da decadência – reconhecendo ou rejeitando sua ocorrência –, haverá decisão de mérito e, portanto, caberá agravo de instrumento com fundamento no inciso II do artigo 1.015 do CPC/2015", declarou o ministro.
VIII - Exibição de documentos
A exibição de documentos pode ser requerida quando já pendente o processo principal, dizendo-se, então, que é incidente, ou antes do processo principal.
A exibição antecedente ao processo principal não deve ser considerada necessariamente como preventiva e, ainda, num sentido rigoroso, sequer preparatória. É possível que a exibição satisfaça plenamente o requerente, e que, até mesmo desaconselhe qualquer providência posterior.
A ratio essendi da exibição é de ordem pública.
Os limites existentes da ação de exibição do documento são decorrentes dos fatos, ou, eventualmente, alegáveis em juízo, e que sejam reputados controvertidos e necessitando de prova, a ser feita pela exibição, ou, ainda, pela demonstração no interesse mesmo da prova.
É certo que normalmente os sujeitos da exibição são os sujeitos do processo, o que o venham a ser, nomeadamente às partes (partes principais), o que não exclui a possibilidade de que assistente, que é um terceiro no processo, formule tal pedido. A exibição comumente é pedida por uma parte contra a outra, sem embargo de poder ser solicitada contra terceiros. A exibição, desde que preenchidos os requisitos legais, o artigo 356 do CPC de 1973, sem quem a solicite seja obrigado, ou necessariamente tenha de vir a acionar a outra parte contra.
É certo que a parte ou o terceiro, a quem se pediu a exibição de documento ou coisa, pode se escusar de exibi-lo, toda vez que o documento ou a coisa disser respeito a negócios da vida familiar; se a exibição puder violar dever de honra; se da exibição puder redundar a desonra própria ou familiar e ainda possibilitar a abertura de ação penal contra o exibidor de alguém ou sua família, e, nos casos em que isto acarretar a revelação de segredo profissional.
Discute-se a questão recursal.
A decisão que, pendente a lide principal, aprecia pedido incidental de exibição de documento, feito por uma parte contra a outra, é agravável, ainda que processado em apartado o pedido (RT 506/146).
Por outro lado, é sentença, e, portanto, passível de ser objeto de apelação, a decisão que em processo incidental reconhece a obrigação de exibir documentos por parte de terceiro, em face do procedimento especial respectivo cujo núcleo se estampava no artigo 361 do CPC de 1973 (JUTACivSP 63/50).
A matéria foi, recentemente, objeto de apreciação no REsp 1.798.939.
Foi dito no site do STJ, em 13 de dezembro do corrente ano, que cabe agravo de instrumento contra decisão interlocutória que indefere expedição de ofício para a exibição de documentos, independentemente de o pedido ter sido feito por mero requerimento no mesmo processo, e não em ação incidental ou incidente processual.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) interpretou a regra do inciso VI do artigo 1.015 do Código de Processo Civil de 2015 e concluiu que essa hipótese de cabimento do agravo deve ser entendida de forma abrangente.
O colegiado deu provimento ao recurso de uma seguradora contra decisão interlocutória que indeferiu seu requerimento para que a Caixa Econômica Federal fornecesse documentos comprobatórios da existência de vínculo entre os autores da ação, o Sistema Financeiro de Habitação e os riscos cobertos pela apólice. A turma determinou que o Tribunal de Justiça de São Paulo analise a plausibilidade do requerimento formulado.
Colho daquele julgamento o que segue.
A questão vertida no recurso especial consistiu em definir se o art. 1.015, VI, do CPC/15, diria respeito somente às decisões interlocutórias proferidas no incidente processual e na ação incidental a que se referem os arts. 396 e 404 do CPC/15 ou se a hipótese de recorribilidade acima mencionada seria mais ampla, abrangendo quaisquer decisões que digam respeito à exibição ou posse de documento ou coisa.
Ali foi relembrado, uma vez mais e a exemplo do que já se destacou em diversas outras oportunidades (como, por exemplo, no julgamento do REsp 1.752.049/PR, 3ª Turma, DJe 15/03/2019 e do REsp 1.729.110/CE, 3ª Turma, DJe 04/04/2019), que o art. 1.015 do CPC/15, que regula o cabimento do recurso de agravo de instrumento, em suas hipóteses típicas, é bastante amplo e dotado de diversos conceitos jurídicos indeterminados, de modo que esta Corte será frequentemente instada a se pronunciar sobre cada uma das hipóteses de cabimento listadas no referido dispositivo legal.
Relembre-se a lição de a lição de Elaine Harzheim Macedo:
O direito pátrio sempre reconheceu que a pretensão à exibição possa ser deduzida contra terceiro. Aqui, é preciso fixar um denominador comum: o terceiro aqui referido não é o terceiro juridicamente interessado e que interveio no processo, como é o caso do assistente, do denunciado à lide ou do chamado no processo. O terceiro passível de sofrer uma exibitória é uma pessoa, natural ou jurídica, estranha ao processo em curso, mas que devido a certas circunstâncias é a detentora do documento ou coisa a ser exibido como meio de prova. (MACEDO, Elaine Harzheim. Exibitória de documento ou coisa no novo CPC: arts. 396 a 404 in Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 5: direito probatório. Coord.: Fredie Didier Jr. et. al. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2018. p. 921)
Da doutrina, tem-se, outrossim:
Exibição ou posse de documento ou coisa – inciso VI.A decisão que determina que certo documento seja entregue, ou seja, exibido, quer em relação à própria parte, quer em relação a terceiro, é agravável de instrumento, bem como a decisão que indefere pedido neste sentido. (ARRUDA ALVIM, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1.616).
Portanto, a regra do art. 1.015, VI, do CPC/15, tem por finalidade permitir que a parte a quem a lei ou o juiz atribuiu o ônus de provar possa dele se desincumbir integralmente, inclusive mediante a inclusão, no processo judicial, de documentos ou de coisas que sirvam de elementos de convicção sobre o referido fato probandi e que não possam ser voluntariamente por ela apresentados.
IX – ADMISSÃO DE TERCEIROS
Segundo informou o site do STJ, na data de 22 de agosto do corrente ano, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que cabe agravo de instrumento contra decisão que trata da admissão de terceiro em ação judicial, com o consequente deslocamento da competência para Justiça distinta. Para o colegiado, nessa hipótese, a intervenção de terceiro – recorrível de imediato por agravo de instrumento (artigo 1.015, inciso IX, do Código de Processo Civil) –, além de influenciar o modo de se decidir a competência, exerce relação de dominância sobre ela, sendo cabível o uso do agravo.
O recurso especial teve origem em ação de responsabilidade obrigacional ajuizada por segurados contra uma companhia de seguros. A Caixa Econômica Federal (CEF) manifestou interesse em integrar a demanda de três dos autores. Com isso, apenas para eles, a competência para o julgamento do processo foi declinada para a Justiça Federal.
A seguradora interpôs agravo de instrumento, argumentando a necessidade de intervenção da CEF em relação aos demais autores, mas o Tribunal de Justiça do Paraná não conheceu do recurso por entender que a decisão quanto à matéria de competência não se encaixa nas possibilidades do rol taxativo do artigo 1.015 do CPC.
Segundo a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, o pronunciamento jurisdicional que admite ou inadmite a intervenção de terceiro e que, por esse motivo, modifica ou não a competência, "possui natureza complexa, pois reúne, na mesma decisão judicial, dois conteúdos que, a despeito de sua conexão, são ontologicamente distintos e suscetíveis de inserção em compartimentos estanques".
Para estabelecer a natureza da conexão entre os dois conteúdos, a ministra explicou que pode ser usada como critério a preponderância da carga decisória, ou seja, qual dos elementos que compõem o pronunciamento judicial é mais relevante.
"A partir desse critério, conclui-se que a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, sobretudo porque, na hipótese, somente se pode cogitar uma alteração de competência do órgão julgador se – e apenas se – houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação", disse.
A relatora destacou que o segundo critério que se pode utilizar é o do antecedente-consequente e a ideia das questões prejudiciais e a das prejudicadas, em que se verifica se a intervenção de terceiro influencia o modo de se decidir a competência.
"No ponto, conclui-se que a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado – se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no artigo 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal; se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no artigo 109, I, da Constituição Federal, haverá manutenção da competência na Justiça estadual."
Para a ministra, é relevante examinar se o agravo de instrumento interposto pela recorrente se dirige à questão da intervenção de terceiro ou à questão da competência. Segundo ela, o foco da irresignação da companhia de seguros foi o fato de que o interesse jurídico que justificou a intervenção da CEF também existiria para todos os demais autores, tendo, em sua argumentação no recurso especial, apenas indicado que a remessa do processo para a Justiça Federal teria como consequência uma série de prejuízos processuais.
"Por qualquer ângulo que se examine a controvérsia, conclui-se que a decisão que versa sobre a admissão ou inadmissão de terceiro é recorrível de imediato por agravo de instrumento fundado no artigo 1.015, IX, do CPC/2015, ainda que da intervenção resulte modificação ou não da competência – que, nesse contexto, é uma decorrência lógica, evidente e automática do exame da questão principal", afirmou Nancy Andrighi.
Trata-se do REsp 1.797.991.
Em sendo decisão interlocutória, cabe o recurso de agravo de instrumento.
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros.
No caso discutiu-se a questão da preponderância da carga decisória.
Assim acentuou o acórdão:
“A questão controvertida está na hipótese de um pronunciamento judicial de natureza complexa, que, acolhendo ou rejeitando a intervenção do terceiro, também se pronuncia sobre a necessidade, ou não, de modificação da competência em virtude da referida intervenção. Dada a ausência de doutrina que tenha tratado especificamente desse tema, é preciso construir e estabelecer critérios decisórios para a solução da questão, tendo como fundamento, sobretudo, o conteúdo de cada pronunciamento judicial. Nesse particular, anote-se que, embora exista uma profunda imbricação entre os conteúdos de cada parcela do pronunciamento jurisdicional em exame – intervenção de terceiro e competência – é possível inseri-los em compartimentos estanques e perfeitamente definidos para, a partir daí, estabelecer a natureza da conexão havida entre eles. O primeiro critério que se pode fixar diz respeito a preponderância de carga decisória, ou seja, qual dos elementos que compõem o pronunciamento judicial é mais relevante, critério que se pode importar, por analogia, da classificação das ações delineada por Pontes de Miranda. A partir desse critério, conclui-se que a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, sobretudo porque, na hipótese, somente se pode cogitar de uma alteração de competência do órgão julgador se – e apenas se – houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação. Daí decorre, inclusive, o segundo critério que se pode estabelecer para solver a controvérsia, calcado na lógica do antecedente-consequente e na ideia das questões prejudiciais e das questões prejudicadas que se pode emprestar da própria ciência processual, em que se verifica se a primeira matéria – intervenção de terceiro – influencia o modo de se decidir a segunda matéria – competência. No ponto, conclui-se que a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado – se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal; se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá manutenção da competência na Justiça Estadual.”
X - O EFEITO SUSPENSIVO NO AGRAVO
Segundo informou o site do STJ, na data de 22 de agosto do corrente ano, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que cabe agravo de instrumento contra decisão que trata da admissão de terceiro em ação judicial, com o consequente deslocamento da competência para Justiça distinta. Para o colegiado, nessa hipótese, a intervenção de terceiro – recorrível de imediato por agravo de instrumento (artigo 1.015, inciso IX, do Código de Processo Civil) –, além de influenciar o modo de se decidir a competência, exerce relação de dominância sobre ela, sendo cabível o uso do agravo.
O recurso especial teve origem em ação de responsabilidade obrigacional ajuizada por segurados contra uma companhia de seguros. A Caixa Econômica Federal (CEF) manifestou interesse em integrar a demanda de três dos autores. Com isso, apenas para eles, a competência para o julgamento do processo foi declinada para a Justiça Federal.
A seguradora interpôs agravo de instrumento, argumentando a necessidade de intervenção da CEF em relação aos demais autores, mas o Tribunal de Justiça do Paraná não conheceu do recurso por entender que a decisão quanto à matéria de competência não se encaixa nas possibilidades do rol taxativo do artigo 1.015 do CPC.
Segundo a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, o pronunciamento jurisdicional que admite ou inadmite a intervenção de terceiro e que, por esse motivo, modifica ou não a competência, "possui natureza complexa, pois reúne, na mesma decisão judicial, dois conteúdos que, a despeito de sua conexão, são ontologicamente distintos e suscetíveis de inserção em compartimentos estanques".
Para estabelecer a natureza da conexão entre os dois conteúdos, a ministra explicou que pode ser usada como critério a preponderância da carga decisória, ou seja, qual dos elementos que compõem o pronunciamento judicial é mais relevante.
"A partir desse critério, conclui-se que a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, sobretudo porque, na hipótese, somente se pode cogitar uma alteração de competência do órgão julgador se – e apenas se – houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação", disse.
A relatora destacou que o segundo critério que se pode utilizar é o do antecedente-consequente e a ideia das questões prejudiciais e a das prejudicadas, em que se verifica se a intervenção de terceiro influencia o modo de se decidir a competência.
"No ponto, conclui-se que a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado – se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no artigo 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal; se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no artigo 109, I, da Constituição Federal, haverá manutenção da competência na Justiça estadual."
Para a ministra, é relevante examinar se o agravo de instrumento interposto pela recorrente se dirige à questão da intervenção de terceiro ou à questão da competência. Segundo ela, o foco da irresignação da companhia de seguros foi o fato de que o interesse jurídico que justificou a intervenção da CEF também existiria para todos os demais autores, tendo, em sua argumentação no recurso especial, apenas indicado que a remessa do processo para a Justiça Federal teria como consequência uma série de prejuízos processuais.
"Por qualquer ângulo que se examine a controvérsia, conclui-se que a decisão que versa sobre a admissão ou inadmissão de terceiro é recorrível de imediato por agravo de instrumento fundado no artigo 1.015, IX, do CPC/2015, ainda que da intervenção resulte modificação ou não da competência – que, nesse contexto, é uma decorrência lógica, evidente e automática do exame da questão principal", afirmou Nancy Andrighi.
Trata-se do REsp 1.797.991.
Em sendo decisão interlocutória, cabe o recurso de agravo de instrumento.
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros.
No caso discutiu-se a questão da preponderância da carga decisória.
Assim acentuou o acórdão:
“A questão controvertida está na hipótese de um pronunciamento judicial de natureza complexa, que, acolhendo ou rejeitando a intervenção do terceiro, também se pronuncia sobre a necessidade, ou não, de modificação da competência em virtude da referida intervenção. Dada a ausência de doutrina que tenha tratado especificamente desse tema, é preciso construir e estabelecer critérios decisórios para a solução da questão, tendo como fundamento, sobretudo, o conteúdo de cada pronunciamento judicial. Nesse particular, anote-se que, embora exista uma profunda imbricação entre os conteúdos de cada parcela do pronunciamento jurisdicional em exame – intervenção de terceiro e competência – é possível inseri-los em compartimentos estanques e perfeitamente definidos para, a partir daí, estabelecer a natureza da conexão havida entre eles. O primeiro critério que se pode fixar diz respeito a preponderância de carga decisória, ou seja, qual dos elementos que compõem o pronunciamento judicial é mais relevante, critério que se pode importar, por analogia, da classificação das ações delineada por Pontes de Miranda. A partir desse critério, conclui-se que a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, sobretudo porque, na hipótese, somente se pode cogitar de uma alteração de competência do órgão julgador se – e apenas se – houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação. Daí decorre, inclusive, o segundo critério que se pode estabelecer para solver a controvérsia, calcado na lógica do antecedente-consequente e na ideia das questões prejudiciais e das questões prejudicadas que se pode emprestar da própria ciência processual, em que se verifica se a primeira matéria – intervenção de terceiro – influencia o modo de se decidir a segunda matéria – competência. No ponto, conclui-se que a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado – se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal; se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá manutenção da competência na Justiça Estadual.”
XI- MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL
No que concerne à matéria, a sua disciplina é traçada pela Lei 12.016/2009, que revogou, de forma expressa, a Lei 1.533/1951, repetindo, é certo, em longa medida, disposições da lei anterior, e positivando posições doutrinárias e jurisprudenciais já existentes na matéria.
Sendo assim a Lei 12.016/2009 disciplinou a matéria, de forma negativa, dispondo que não se concederá mandado de segurança contra ato judicial, nas seguintes hipóteses:
a) de ato de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo independente de caução, não sendo obrigatório que o impetrante tenha que exaurir as vias administrativas (todavia, ingressando com o recurso administrativo com efeito suspensivo, o cabimento do mandado de segurança ficará postergado até a resolução daquele);
b) de decisão da qual caiba recurso com efeito suspensivo, isto porque o mandado de segurança é ação de índole subsidiária;
c) de decisão transitada em julgado, como reza o enunciado da Súmula 268 do Supremo Tribunal Federal, que assenta não caber mandado de segurança contra decisão transitada em julgado.
Mas o uso correto do mandado de segurança se dá com relação as chamadas decisões teratológicas causadores de dano irreparável, onde não haja recurso com efeito suspensivo próprio para suspender esses efeitos e onde a ilegalidade é manifesta. É o caso de decisões extra ou ultra petita, que impõem sanção sem que haja o devido processo legal em discussão.
Segundo informou o site do STJ, em 26 de novembro do corrente ano, é inadmissível a impetração de mandado de segurança contra decisão interlocutória que havia sido objeto de anterior impugnação por agravo de instrumento interposto pela mesma parte e não conhecido.
O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que fundamentou a decisão na Súmula 267/STF, segundo a qual "não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição". Para o colegiado, a previsão da súmula subsiste ainda que a impugnação só possa ser exercida posteriormente, na apelação ou em contrarrazões da apelação.
No processo analisado, após divergência entre dois laudos periciais contábeis produzidos no curso de embargos à execução e diante de dúvidas sobre o valor, o juiz determinou de ofício a realização de terceira perícia. Contra essa decisão, foi interposto agravo de instrumento e impetrado mandado de segurança pela mesma parte.
Em seu voto, a ministra relatora do recurso, Nancy Andrighi, destacou que o STJ já decidiu pela impossibilidade de uso do mandado de segurança como instrumento recursal em substituição ao agravo de instrumento ou à apelação, com o objetivo de impugnar decisões interlocutórias.
Contudo, no caso em julgamento, a magistrada destacou que a questão discutida é se é cabível a impetração de mandado de segurança contra decisão interlocutória quando houve a anterior interposição de agravo de instrumento pela mesma parte contra a mesma decisão.
Para a relatora, não há que se falar em admissibilidade de mandado de segurança impetrado contra decisão interlocutória que havia sido objeto de agravo de instrumento não conhecido.
"Não se está diante de decisão interlocutória irrecorrível, como querem sugerir os recorrentes, mas, sim, de decisão interlocutória cuja recorribilidade é diferida no tempo, ou seja, que será suscetível de impugnação no momento da apelação ou de suas contrarrazões."
"Conclui-se que é absolutamente impensável admitir que a mesma decisão interlocutória poderia ser contrastada, de forma concomitante ou sucessiva, pela mesma parte, por diferentes meios de impugnação e em prazos distintos, razão pela qual se deve aplicar à hipótese a Súmula 267/STF."
Para a relatora, a redação do artigo 5º, II, da Lei do Mandado de Segurança, ao prever que é inadmissível a segurança quando a decisão judicial puder ser impugnada por recurso com efeito suspensivo, pode conduzir à interpretação de que a segurança deveria ser concedida sempre que o recurso cabível não possuísse efeito suspensivo.
"O efeito suspensivo a que se refere o dispositivo legal não é somente aquele operado por obra da lei (ope legis), mas abrange também aquele que se concretiza por obra do juiz (ope judicis), o que, inclusive, melhor se coaduna com a excepcionalidade e com a restritividade de uso do mandado de segurança."
Ela afirmou ainda que "não há mais espaço no sistema para a impetração de mandado de segurança contra ato judicial pelas partes do processo".
Quanto ao mérito, a ministra destacou que, embora a determinação de realização de uma terceira perícia não seja comum, é algo possível, que se encontra no âmbito dos poderes instrutórios do juiz.
"A determinação de que seja realizada uma terceira perícia na hipótese, embora não seja corriqueira, está devidamente fundamentada no fato de que as duas outras anteriores foram inconclusivas", esclareceu.
O julgamento se deu no RMS 60.641.