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A IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DE OFÍCIO PELO TRIBUNAL COM RELAÇÃO A AÇÃO RESCISÓRIA FULCRADA EM OFENSA A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI

Agenda 05/03/2020 às 08:48

O ARTIGO ENFOCA DECISÃO DO STJ NO SENTIDO DE QUE NÃO CABE APRECIAÇÃO EX OFICIO EM CASO DE QUE A AÇÃO RESCISÓRIA TENHA COMO CAUSA PETENDI OFENSA A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI.

A IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DE OFÍCIO PELO TRIBUNAL COM RELAÇÃO A AÇÃO RESCISÓRIA FULCRADA EM OFENSA A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI

Rogério Tadeu Romano

I – A OFENSA A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI

Observa-se do artigo 966, V, do CPC:
A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
.......
V - violar manifestamente norma jurídica.

Trata-se aqui daquela decisão que destoa do padrão interpretativo da norma jurídica (de qualquer escalão) em que a decisão baseia-se. Eventual divergência jurisprudencial não deve ser compreendida como elemento a descartar a rescisória por esse fundamento.

Não é certo que a ação rescisória tenha por fito, como o recurso especial ou o recurso extraordinário, manter a unidade do sistema federal. O remédio rescisório não possui tal função.

Na lição de Pontes de Miranda(Tratado da ação rescisória,  5ª edição,1976, pág. 283), “se existe regra jurídica interpretativa, que foi infringida ao se interpretar negócio jurídico, ou ato jurídico stricto sensu, cabe ação rescisória: a regra jurídica interpretativa, ius interpretativum, é regra de direito, como qualquer outra. Se o erro é na sua interpretação, sem se infringir ius cogens, ius dispositivum ou ius interpretativum, então sim.

Assim se o juiz viola regra de direito pré-processual, processual, material, constitucional, administrativo, judiciário interno, sobredireito no tempo ou no espaço, ou no espaço-tempo, a ação rescisória cabe.

Alguns julgados exigiram que tenha havido discussão sobre a violação da lei, uma espécie de pré-questionamento.. De modo algum, não.

Pontes de Miranda, aliás(obra citada, pág. 290) lembrou que: “A Corte de Apelação do Distrito Federal, a 16 de dezembro de 1936, julgou caso de violação de direito processual expresso, mandando que se julgasse o recurso cabível, do qual o acórdão não conhecera, desprezando o recurso cabível, do qual o acórdão não conhecera, desprezando o texto da lei então vigente. A 25 de maio de 1938, o Tribunal de Apelação do Distrito Federal assentou: “... em conhecer da ação rescisória, se bem que se não houvesse invocado, no processo da sentença rescindenda, a lei que se diz violada, desde que é aplicável de ofício(Pontes de Miranda, A ação rescisória contra as sentenças, 197, s)”.

O autor deve indicar o dispositivo jurídico cuja regra foi violada.

Para o cabimento da ação rescisória, o que importa é que tenha havido infração da regra jurídica, ofensa ao direito em tese. Quais os degraus que subiu o juiz para a conclusão, qual o caminho tortuoso que tomou, como ensinou Pontes de Miranda, mesmo se reproduz a regra jurídica, se lhe acentua os conceitos, se põe em relevo os seus dizeres, há rescindibilidade da sentença se não atendeu ao preciso sentido da regra jurídica, tal como ela se insere no sistema jurídico. Infringe regra jurídica quem a interpreta erradamente. Ao juízo rescindente cabe a missão de apura-lo.

Mas o juiz é obrigado a conhecer o direito.

As sentenças de eficácia impossível e as outras em que alguma impossibilidade absoluta as fere não são rescindíveis, são decisões ineficazes. Assim: se personalíssima a prestação, passiva ou ativamente, e falece o obrigado, ou o credor; b) se perece o objeto, em casos raríssimos em que não subiste a obrigação; c) se a relação jurídica se extingue sem ser por execução, novação, ou outro modo convencional.

Por sua vez, o julgamento ultra petita ou citra petita constitui violação às regras processuais.
Como escreveu ainda Pontes de Miranda(Comentários ao CPC, volume 6, n. 9, pág. 216), pode haver ação rescisória ainda quando a infração do direito concerne àquelas regras sujeitas à interpretação. Para a caracterização da hipótese prevista na regra que ocupava o artigo 485, V, do CPC de 1973, não e necessário que a ofensa dirija-se ao teor literal do dispositivo normativo. Ainda há violação quando a sentença veicular orientação incompatível com a interpretação correta da norma.

É caso em que a violação deriva da pura e simples aplicação incorreta das normas jurídicas(aplicação de regra inaplicável o desconsideração de regra que deveria incidir). É a esse segundo grupo de hipóteses que se aplica a fórmula “violar literal disposição de lei”. A expressão tem o sentido da ofensa ao ordenamento que se constata independentemente do reexame dos fatos da causa.

É caso, pois, de violação de direito em tese.

Observe-se a Súmula 343 do STF:

Súmula 343
Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

Teses de Repercussão Geral
● A decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das decisões anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a interposição de recurso próprio ou, se for o caso, a propositura de ação rescisória própria, nos termos do art. 485 do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495).
[Tese definida no RE 730.462, rel. min. Teori Zavascki, P, j. 28-5-2015, DJE 177 de 9-9-2015,Tema 733.]

● Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.
[Tese definida no RE 590.809, rel. min. Marco Aurélio, P, j. 22-10-2014, DJE 230 de 24-11-2014,Tema 136.]


Jurisprudência selecionada

● Afastamento da Súmula 343 e interpretação constitucional

No tocante à preliminar de incidência da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, ressalto que, em se tratando de ofensa à norma constitucional, ao comentar o art. 966, V, do Código de Processo Civil, Humberto Theodoro Junior pondera que "a súmula 343 não deixa de se aplicar, invariavelmente, às ações rescisórias, cujo objeto envolva tema constitucional. Mas, o que não se justifica é o seu afastamento em caráter absoluto na aplicação do art. 966, V, do NCPC, quando se cogitar de ofensa à norma constitucional" (Curso de Direito Processual Civil, Volume III, 50ª edição, Editora Forense, p. 864). Conforme já afirmou o Pleno do Supremo Tribunal Federal, "Preliminar de descabimento da ação por incidência da Súmula STF 343. Argumento rejeitado ante a jurisprudência desta Corte que elide a incidência da súmula quando envolvida discussão de matéria constitucional." (Ação Rescisória 1409/SC, Rel. Min. Ellen Gracie).

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[AR 1.981 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. min. Dias Toffoli, P, j. 20-2-2018, DJE 39 de 1-3-2018.]

● Súmula 343 e ofensa à Constituição

Reitero que o entendimento aplicado por esta Suprema Corte quando da prolação do decisum rescindendo estava de acordo com seu entendimento e prevalece até a presente data. E, ainda que houvesse algum indicativo de alteração do entendimento quanto à questão posta nos autos (o que não é o caso, pois esta Corte se mantém firme em sua compreensão), não restaria configurada a alegada causa de rescindibilidade da decisão, prevista no art. 966, inciso V, do Código de Processo Civil atual, pois, conforme tese fixada no julgamento do Tema 136 da Repercussão Geral (RE  590.809/RS): "não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente"
[AR 2.572 AgR, rel. min. Dias Toffoli, P, j. 24-2-2017, DJE 54 de 21-3-2017.]

Acompanho o relator quanto ao tema de fundo, porém peço vênia para manter o meu entendimento (...). Entendo que é cabível ação rescisória fundada em violação a literal dispositivo de lei (art. 485, V, do antigo CPC), quando a decisão rescindenda tiver se baseado em interpretação constitucional frontalmente contrária à própria Constituição Federal ou em interpretação tida como incompatível pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que seja pela posterior declaração de inconstitucionalidade superveniente da legislação que amparou o título executivo transitado em julgado, não se aplicando a ratio essendi da Súmula 343 do STF. (...) É sabido que o Plenário desta Corte, recentemente, passou a entender aplicável a súmula 343 do STF, inadmitindo ação rescisória fundada em ofensa à literal dispositivo de lei (art. 485, V, do CPC), aos casos de interpretação de norma constitucional controvertida à época da decisão rescindenda, consubstanciada no RE 590.809, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 24.11.2014 (discussão envolvendo creditamento de IPI). Ocorre que tal julgado teve como pano de fundo a existência de divergência de entendimento interna no próprio STF, de modo a manter o aresto transitado em julgado quando a jurisprudência do Pretório Excelso era vacilante. Por outro lado, não há como aplicar a súmula 343 do STF (...) aos casos em que o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sempre decidiu no mesmo sentido (...).”
[AR 2.572 AgR, voto do min. Gilmar Mendes, red p/ o ac. min Dias Toffoli, P, j. 24-2-2017, DJE 54 de 21-3-2017.]


Bem se percebe, portanto, que o Tribunal, nesse julgamento (RE 590.809/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 24/11/2014), não operou substancial modificação da sua tradicional e cristalizada jurisprudência no sentido de que a Súmula 343 não se aplica em ação rescisória fundada em ofensa à Constituição. O que o Tribunal decidiu foi outra questão: ante a controvérsia, enunciada no acórdão que reconheceu a repercussão geral da matéria, a respeito da possibilidade ou não da 'rescisão de julgado fundamentado em corrente jurisprudencial majoritária existente à época da formalização do acórdão rescindendo, em razão de entendimento posteriormente firmado pelo Supremo', a Corte, por maioria, respondeu negativamente. Em outras palavras: o que o Tribunal afirmou, naquela oportunidade, foi que a superveniente modificação da jurisprudência do STF não autoriza, sob esse fundamento, o ajuizamento de ação rescisória para desfazer acórdão que aplicara jurisprudência firme até então vigente no próprio STF.
[AR 2.370 AgR, rel. min.Teori Zavascki, P, j. 22-10-2015, DJE 225 de 12-11-2015.]

2. In casu, incide a Súmula 343 deste Tribunal, cuja aplicabilidade foi recentemente ratificada pelo Plenário deste Tribunal, inclusive quando a controvérsia de entendimentos se basear na aplicação de norma constitucional (RE 590.809, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 24/11/2014).
[AR 1.415 AgR-segundo, rel. min. Luiz Fux, P, j. 9-4-2015, DJE 79 de 29-4-2015.]

4. Ação Rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343/STF. 5. A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. 6. Cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal. 7. Embargos de Declaração rejeitados, mantida a conclusão da Segunda Turma para que o Tribunal a quo aprecie a ação rescisória.
[RE 328.812 ED, rel. min Gilmar Mendes, P, j. 6-3-2008, DJE 78 de 2-5-2008.]


● Súmula 343 e ofensa à literal disposição de lei

Ação rescisória - Violação a literal dispositivo de lei - interpretação - divergência - negativa de seguimento. Envolvida norma de interpretação controvertida, incabível é a rescisória - Verbete 343 da súmula do Supremo.
[AR 2.435 AgR, rel. min. Marco Aurélio, 1ª T, j. 25-8-2015, DJE 186 de 10-9-2015.

Sabe-se que a orientação tomada pelo ministro Gonçalves de Oliveira nos EAR 602 deu motivo a essa súmula: “Entendo que não é possível, em rescisória, alterar o julgamento proferido em grau de embargos ao recurso extraordinário, com amplo debate, sem que se possa dizer que o julgamento é nulo por violação da lei. O Tribunal tomou, após ampla discussão, uma interpretação razoável da lei, firmada, de resto, de acordo com precedentes. Destarte, não caberia ação rescisória para anular a sentença anterior do Supremo Tribuna, porque, em favor do mesmo, da tranquilidade pública, da tranquilidade jurídica, em razão mesmo da eficácia da coisa julgada, terminou o julgamento, ainda que tomado por maioria ocasional”.


Na AR 323, também o STF adotou a mesma orientação(DJU 18.12.1970). Na matéria é costume ler as lições de Luiz Eulálio de Bueno Vidigal, Comentários ao Código de Processo Civil, v. VI,/116 e 165, ed. RT. Aliás, segundo Vidigal, a regra daquele artigo 485, V, apenas se aplicaria às violações de literal disposição da lei vinculadas na própria sentença rescindenda, no conteúdo do julgamento. A violação assim não poderia consistir em error in procedendo cometido por ocasião da sentença. Haveria de ser error in iudicando contido na sentença, ainda que versando sobre norma de caráter processual. Segundo Eulálio Vidigal, os outros casos de rescisória previstos nos demais incisos e que concernem a errores in procedendo também envolveriam implícita ou explicitamente violação de literal disposição da lei. Sendo assim aquele inciso V deveria ser examinado de forma restrita. Mas, para Eduardo Talamini esses argumentos não procedem.

Já se entendeu que esse texto não se aplica quando a controvérsia for em relação a texto constitucional(RE 101.114, DJU de 10 de fevereiro de 1984, relator ministro Rafael Mayer). Não se aplica quando a interpretação controvertida se circunscreve a um mesmo tribunal(RE 96.952, DJU de 5 de novembro de 1982). Descabe a rescisória quando a decisão rescindenda foi proferida segundo a jurisprudência dominante na época(AR 957, RTJ 104/944, 114/361 e 125/267). Se a jurisprudência alterou-se quando do julgamento do recurso extraordinário, viável a divergência. Entretanto, se a decisão recorrida foi prolatada em ação rescisória, não será possível o provimento para prevalecer a jurisprudência atual(Ag.88.486, Rel. ministro Aldir Passarinho, RTJ 110/1072). Ainda tenha-se quanto a aplicação da súmula 343, o julgamento na AR 1.124, relator ministro Francisco Rezek, RTJ 110/487.

Por seu turno, tem-se a sumula 400 do STF:
Súmula 400
Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra "a" do art. 101, III, da Constituição Federal.
Jurisprudência selecionada
● Afastamento da Súmula 400 em matéria de índole constitucional


(...) esta Corte já assentou que "temas de índole constitucional não se expõem, em função da própria natureza de que se revestem, à incidência do enunciado 400 da Súmula do Supremo Tribunal Federal" (...).
[RE 434.059, rel. min. Gilmar Mendes, P, j. 7-5-2008, DJE 172 de 12-9-2008.]

Temas de índole constitucional não se expõem, em função da própria natureza de que se revestem, à incidência do enunciado 400 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Essa formulação sumular não tem qualquer pertinência e aplicabilidade às causas que veiculem, perante o Supremo Tribunal Federal, em sede recursal extraordinária, questões de direito constitucional positivo. Em uma palavra: em matéria constitucional não há que cogitar de interpretação razoável. A exegese de preceito inscrito na Constituição da República, muito mais do que simplesmente razoável, há de ser juridicamente correta.
[AI 145.680 AgR, rel. min. Celso de Mello, 1ª T, j. 13-4-1993, DJ de 30-4-1993.]


Bem lembrou Eduardo Talamini(Coisa julgada e sua revisão, pág. 163) que “em certo sentido, a ideia de que as várias interpretações cogitadas pelas diferentes correntes jurisprudenciais seriam todas “razoáveis” pressupõe a noção de que haveria alguma “discricionariedade” na atividade de interpretação e aplicação da lei pelo juiz. O processo interpretativo conduziria a uma multiplicidade de alternativas, todas equivalentes entre si. A escolha de uma delas, em lugar da outra, não seria censurável”.

Mas, o próprio Eduardo Talamini(obra citada) não reputa correta essa noção. Disse ele: “A atividade de concreta determinação do “conceito vago” envolve certa “liberdade” do julgador que será exercida levando-se em conta as “máximas da experiência”, os valores reinantes  na comunidade, e assim por diante. Mas, nela, não há propriamente discricionariedade. Estando o “conceito vago” na hipótese da incidência da norma, terá de ser identificados, concreta e precisamente, que fatos a ela se subsumem”.

O ministro Eros Grau(Crítica da discricionariedade e restauração da legalidade. Perspectivas do direto púbico, Estudos em homenagem a Miguel Seabra Fagundes, 1995) embora afirme que a aplicação dos chamados “conceitos indeterminados” constitui “juízo de legalidade” e, não, discricionariedade, discorda da noção de que nessas situações haveria apenas uma solução justa. Segundo, aliás, o ministro Eros Grau, “inexistem, no âmbito do direito, soluções exatas”, mas “sempre, para cada caso, um elenco de soluções corretas”, porque “direito não é ciência, mas prudência’.

Leve-se em conta, aliás, que para que o sistema jurídico possa operar, inclusive no que concerne à efetivação da isonomia, do controle dos atos estatais, da inafastabilidade da tutela, da segurança e certeza jurídica, há de se pressupor que, idealmente, há uma única solução correta. O sistema jurídico, como lembrou Talamini(obra citada, pág. 165) contempla diversos outros mecanismos inspirados nesse ideal(uniformização da jurisprudência, recurso especial, recurso extraordinário).

O que se tem da súmula 343 do STF? Se a interpretação de determinada norma é “controvertida nos tribunais, isso no mais das vezes significa que há uma grande quantidade de casos similares submetidos ao exame do Judiciário. Nesses casos, certamente, a adoção de diferentes soluções(ainda que razoáveis) para casos identificáveis tende a multiplicar as situações anti-isonômicas.

Lembre-se que, de há muito, se sedimentou no STF, o entendimento de que a súmula 343 é inaplicável em matéria constitucional.

Tenha-se em resumo:

a) A hipótese de violação da lei não se limita à ofensa de norma de direito material. A violação pode recair sobre norma processual, desde que geradora de “nulidade absoluta” e não mera invalidade sanável pela falta de arguição tempestiva no curso do próprio processo;

b) A violação de dispositivo processual nem mesmo precisa consistir em jui´zo incorreto sobre tal norma formulada no conteúdo da sentença rescindenda(error in iudicando). Pode-se tratar de vício derivado da inobservância de requisitos de tempo, lugar ou forma;


c) É sequer necessário, como afirmou Eduardo Talamini(obra citada, pág. 171), que a violação se dê na própria sentença rescindenda ou por ocasião do seu proferimento. A ofensa pode ter ocorrido no curso do processo.

d) Por outro lado, é ainda possível que a rescisória fundamente-se em ofensa a norma de direito material havida ainda no curso do processo. Tal seria o caso de decisão interlocutória que, na fase saneadora, descarta prescrição, ofendendo a literal disposição sobre o tema.

“A viabilidade da ação rescisória por ofensa de literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta da literalidade da norma jurídica, sendo inviável, nesta seara, a reapreciação das provas produzidas ou a análise acerca da correção da interpretação dessas provas pelo acórdão rescindendo” (AgInt no AREsp 569.690/SP, Terceira Turma, DJe 25/11/2016).

II – O IUDEX NE PROCEDAT IUDEX  EX OFFICIO

Trata=se do princípio da necessidade da demanda (ne procedat iudex ex officio; nemo iudex sine actore). A jurisdição só age quando provocada.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso por entender que a ação rescisória fundada na violação a literal dispositivo de lei não permite ao seu julgador analisar matéria estranha àquela apontada na petição inicial, mesmo que a questão seja de ordem pública.

O colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) para julgar improcedente a ação rescisória ajuizada contra sentença favorável a um pedido de adjudicação de imóvel, objeto de contrato de compra e venda.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, explicou que a indicação de violação a literal dispositivo de lei é ônus do requerente, já que constitui a causa de pedir da rescisória e vincula o exercício da jurisdição pelo órgão competente para apreciá-la – no caso, o TJRN.

Segundo a ministra, não é possível ao julgador da rescisória examinar a decisão rescindenda para saber se teriam sido violados na sua literalidade outros dispositivos de lei, além daqueles apontados pelo autor do pedido.

Assim, o julgador da ação rescisória fundada no artigo 485, V, do CPC/1973 fica vinculado aos dispositivos de lei apontados na petição inicial como violados, e não pode examinar outras matérias – ainda que de ordem pública –, "sob pena de transformar a ação rescisória em mero sucedâneo recursal".

Ela lembrou que a rescisória proposta pela empresa está fundada na previsão do inciso V do artigo 485 do CPC/1973, tendo como causa de pedir as alegadas violações aos artigos 332, 382 e 397 do código.

Apesar disso, destacou, o juízo rescindente foi baseado no reconhecimento de que a sentença proferida na ação de adjudicação transgrediu literal disposição do artigo 303 do antigo CPC.

"Na hipótese dos autos, o juízo rescindente promovido pelo tribunal de origem ultrapassou os limites das causas de pedir deduzidas pelo autor na presente ação rescisória, além de não ter observado que o indeferimento da produção probatória e o julgamento antecipado da lide foram devidamente fundamentados", afirmou Nancy Andrighi.

A relatora considerou que o indeferimento da produção de provas na ação de adjudicação do imóvel foi fundamentado pelo juiz e que não houve cerceamento de defesa ou violação dos dispositivos indicados.

A matéria foi objeto de discussão no REsp 1.663.326.

Na matéria, lembra-se a lição de Barbosa Moreira para quem, “cada suposta violação constitui uma causa petendi”, razão pela qual “o autor precisa indicar, na inicial, a norma a seu ver infringida”, logo, “ao órgão julgador não é lícito acolher o pedido senão com base em alguma(s) das alegadas” violações, pois, “se nenhuma delas ocorreu, terá de julgar o pedido improcedente, ainda que verifique a transgressão de norma não indicada pelo autor” (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, 15ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 132-133, sem destaque no original).

Entende-se que na ação rescisória do art. 485, V, do CPC/73, o juízo rescisdente do Tribunal se encontra vinculado aos dispositivos de lei apontados pelo autor como literalmente violados, não podendo haver exame de matéria estranha à apontada na inicial, mesmo que o tema possua a natureza de questão de ordem pública, sob pena de transformar a ação rescisória em mero sucedâneo recursal.

 

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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