“[...] entende-se que as decisões judiciais que envolvem pedidos relacionados à inserção no registro civil da dupla paternidade, foram apreciadas tendo como base o princípio da afetividade, garantindo assim ao Estado de Direito uma constante evolução, que prima por defender com justiça aos interesses da sociedade, sempre atento à aplicação das normas, porém aberto às interpretações que sejam adequadas à realidade vivenciada por esta mesma sociedade[...]”
RESUMO. O trabalho tem por objetivo demonstrar a possibilidade do registro da dupla paternidade levando em consideração o princípio da afetividade. Pretende-se abordar a evolução legislativa do conceito de família, a filiação no novo contexto de família, e explicitar a questão da dupla paternidade com embasamentos jurisprudenciais que reafirmam a prevalência da afetividade sobre a questão biológica. O trabalho foi realizado através de revisão bibliográfica, com pesquisa sistêmica em doutrinas, sites jurídicos, revistas eletrônicas e jurisprudências, que proporcionaram o embasamento teórico adequado para discorrer sobre o tema proposto. Entende-se que as decisões judiciais que envolvem pedidos relacionados à inserção no registro civil da dupla paternidade, foram apreciadas tendo como base o princípio da afetividade, garantindo assim ao Estado de Direito uma constante evolução, que prima por defender com justiça aos interesses da sociedade, sempre atento à aplicação das normas, porém aberto às interpretações que sejam adequadas à realidade vivenciada por esta mesma sociedade.
Palavras-chave: Filiação. Afetividade. Dupla Paternidade. Registro Civil.
THE DOUBLE PATERNITY IN THE CIVIL REGISTRY BASED ON THE NEW FAMILY MODELS
Abstract
The aim of this study is to demonstrate the possibility of double paternity registration taking into account the principle of affectivity. It is intended to address the legislative evolution of the concept of family, membership in the new family context, and to explain the issue of dual paternity with jurisprudential bases that reaffirm the prevalence of affectivity on the biological issue. The work was carried out through a bibliographical review, with systemic research in doctrines, legal websites, electronic journals and jurisprudence, which provided the adequate theoretical basis to discuss the proposed theme. It is understood that judicial decisions involving applications related to the insertion in the civil registry of double paternity were assessed on the basis of the principle of affectivity, thus guaranteeing the rule of law a constant evolution, which prima facie defended the interests of society, always attentive to the application of the norms, but open to the interpretations that are appropriate to the reality lived by this same society.
Keywords: Membership. Affectivity. Double Fatherhood. Civil Registry.
1 INTRODUÇÃO
O natural desenvolvimento da sociedade provocou uma profunda modificação na família no que tange ao seu conceito, função e composição, alterando, por conseguinte, todas as relações decorrentes deste novo contexto familiar.
A Constituição Federal de 1988 reforçou o reconhecimento destes novos arranjos familiares, representando uma mudança de paradigma fundamentada pelo respeito à dignidade da pessoa humana e baseado na afetividade.
Considerando estes aspectos, pretende-se através deste estudo responder ao seguinte questionamento: As mudanças de paradigmas em relação às novas concepções do que é família na atualidade modificaram as relações de paternidade?
Naturalmente, com as modificações no âmbito da família, a filiação também sofreu alterações positivas e importantes, pois foi deixado de lado o cunho discriminatório e os filhos passaram a ser tratados de maneira igualitária, principalmente quando envolvidos em relações socioafetivas. Neste contexto, o trabalho tem por objetivo demonstrar a possibilidade do registro da dupla paternidade levando em consideração o princípio da afetividade.
A evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial a respeito do tema o torna bastante relevante, uma vez que o aprimoramento das relações familiares exige dos acadêmicos, juristas e doutrinadores atualização constante para a preservação dos direitos emanados constitucionalmente.
O trabalho foi realizado através de revisão bibliográfica, com pesquisa sistêmica em doutrinas, sites jurídicos, revistas eletrônicas e jurisprudências, que proporcionaram o embasamento teórico adequado para discorrer sobre o tema proposto.
2 EVOLUÇÃO ESTRUTURAL E CONCEITUAL DA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA
A família, historicamente, sempre foi fundamentada sobre o princípio da autoridade sustentada pelo pater poder, sendo que o patriarca era ao mesmo tempo o chefe político, sacerdote e juiz e, desta forma comandava o culto dos deuses domésticos e distribuía justiça, pois exercia sobre os filhos direito de vida e de morte, podendo impor a estes, pena corporal, vendê-los, tirar-lhes a vida. Além disso, somente o patriarca que adquiria bens, exercendo a domenica potestas (poder sobre o patrimônio familiar) ao lado e como consequência da patria potestas (poder sobre a pessoa dos filhos) e da manus (poder sobre a mulher) (PEREIRA, 2018).
Pode-se afirmar que este modelo de família possuía apenas o objetivo de preservar uma linha sucessória legítima e manter uma unidade econômica, política, militar e religiosa, sem qualquer preocupação com vínculos afetivos. Para Dias (2016, p.22) “mesmo sendo chancelada pelo matrimônio, a família tinha formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação”.
A introdução da concepção cristã na família, com a predominância de preocupações de ordem moral, a autoridade patriarcal começou a ser restringida progressivamente, porém, a família cristã se consolidou na herança de um modelo patriarcal, concebida como célula básica da Igreja (que se confundia com o Estado) e, por consequência, da sociedade (GAGLIANO, 2017).
A família constituída através do matrimônio era considerada o formado ideal predominante, o hegemônico para a sociedade, que desprezava qualquer outra forma de composição familiar ou prole advindas destas.
De acordo com Wald e Fonseca (2013), esta antiga concepção conjugal que é o matrimônio, foi referenciado pela primeira vez no Brasil através do art. 72, §4º da Carta Magna de 1890, posteriormente consagrado por todas as Constituições Federais, sendo o mesmo vinculado ao conceito de família e identificado como sendo indissolúvel.
A partir do Código Civil de 1916, toda noção jurídica de família era em torno do matrimônio, que correspondia ao modelo familiar tido como ideal pela sociedade patriarcal existente, justificando a adoção de parâmetros conservadores para a tutela jurídica da família, baseado no princípio da monogamia, que apesar de não possuir texto expresso no ordenamento jurídico brasileiro, confere maior solidez aos laços conjugais baseados na predominância do homem e na certeza da paternidade dos filhos (MADALENO, 2013).
Complementa Venosa que:
“Quando da promulgação do Código Civil de 1916. Basta dizer, apenas como introito, que esse Código, entrando em vigor no século XX, mas com todas as ideias ancoradas no século anterior, em momento algum preocupou-se com os direitos da filiação havida fora do casamento e com as uniões sem matrimônio, em um Brasil cuja maioria da população encontrava-se nessa situação. Era um Código tecnicamente muito bem feito, mas que nascera socialmente defasado, preocupado apenas com o individualismo e o patrimônio.” (VENOSA, 2017, p.22)
Porém, na segunda metade do século XX, algumas concepções em relação ao regime familiar começaram a mudar, devido às transformações sociais e econômicas resultantes das duas grandes guerras mundiais, que impulsionaram as mulheres para o mercado de trabalho, pois o homem deixou de ser o único responsável pela subsistência da família. “Tais fatos não prejudicaram os elos familiares, mas provocaram transformações no regime doméstico” (NADER, 2016, p.51).
Discorre Venosa (2017), que este novo papel da mulher provocou sensíveis efeitos no seio familiar, pois ao alcançar os mesmos direitos do marido, os conflitos sociais por esta nova posição aliados as pressões econômicas, a desatenção e o desgaste das religiões tradicionais, fizeram aumentar o número de divórcios e as uniões sem casamento, e que apesar de serem muito comuns em muitas civilizações do passado, passam a ser regularmente aceitas pela sociedade e pela legislação. Desta forma, a unidade familiar, sob o prisma social e jurídico, não mais tem como baluarte exclusivo o matrimônio e a nova família estrutura-se independentemente das núpcias, restando, portanto, à ciência jurídica acompanhar legislativamente essas transformações sociais.
Sendo assim, acompanhando a evolução da sociedade, a família também se desenvolveu, sofrendo profundas mudanças de função, natureza, composição e, consequentemente, de concepção, sobretudo após o advento do Estado social, provocando, assim, uma crise na família patriarcal e culminando sua derrocada no plano jurídico pelos valores introduzidos na Constituição de 1988 (LÔBO, 2011).
Em sintonia com tal afirmativa, Dias afirma que a Constituição da República Federativa do Brasil
“...instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu igual proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental.” (DIAS, 2016, p.31)
Interpreta-se que apenas as entidades familiares expressas na Constituição Federal estão sob a proteção do Estado, porém, conforme Dias (2016), ao alargar o conceito de família, reconhecendo juridicamente novos arranjos e eliminando do conceito a existência obrigatória de par de sexos opostos com o fim de procriação, a Constituição Federal não só empresta juridicidade as outras entidades familiares, mas permite também interpretação extensiva, de modo a incluir as demais entidades implícitas, e dentre essas entidades estão incluídas as uniões homoafetivas e as relações concubinárias adulterinas, que se salienta serem cada vez mais ocorrentes.
O Texto Constitucional representa uma mudança de paradigma em relação à família, fundamentados pelo consenso, a solidariedade, o respeito à dignidade das pessoas que a integram e principalmente pela afetividade.
De acordo com Pereira (2018), esta mudança não significa desagregação ou crise nas concepções atuais de família, ou seja, como organismo natural, a família não acaba, mas como organismo jurídico, elabora-se sua nova organização, com o reconhecimento da união estável entre homem e mulher como “entidade familiar” (CONSTITUIÇÃO, art. 226, § 3º), com o status de “entidade familiar” das uniões homoafetivas, inclusive sendo autorizado a adoção, com as famílias monoparentais sendo compreendidas como “comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (§ 4º do art. 226, CF).
Neste sentido, o conceito de família não é mais descrito apenas por um registro de casamento ou por uma assinatura, pois falar em família na atualidade significa desnudar a intimidade do princípio do afeto, que embora ausente no mundo jurídico apareça na atualidade como foco principal para condução dos traços artísticos do modelo familiar moderno (SOARES, 2013).
Esta nova tendência de identificação da família através do envolvimento afetivo que busca sempre a felicidade individual através de um processo de emancipação de seus membros é denominado eudemonismo que enfatiza o sentido de busca pelo sujeito de sua felicidade (DIAS, 2016).
Esta visão eudemonista das formações familiares é assim entendida por Hironaka (2012, p.7-8):
“A busca pelo eudemonismo decorre daquela convivência interpessoal marcada pela afetividade e pela solidariedade mútua e que se estabelece, normalmente, dentro de ambientes considerados familiares, pelas novas visões do que sejam entidades familiares [...] a família se idealiza e se constrói por meio de uma entidade que se alicerça na afetividade e que tem como causa final, a busca pelo projeto pessoal de felicidade de cada um de seus membros.” (HIRONAKA, 2012, p.7-8)
Corrobora Diniz (2013), que na atualidade a família é constituída por pessoas que tenham afeto, que estão dispostas a criar um vínculo de amor, confiança e de apoio entre elas. Sendo assim, não importa se a família é composta por pares homoafetivos ou heteroafetivos, a essência da boa convivência se dá em função do amor e do que elas oferecem para se sentirem bem com as pessoas, e não pela distinção de sexos entre elas.
Deste modo, a transformação da sociedade que anteriormente era fechada e imutável, para um modelo mais diversificado e maleável, permitiu uma mudança na concepção da família, que hoje se baseia em uma sociedade plural e possui a capacidade de se adequar à infinidade dos tipos sociais que atualmente se apresenta, fazendo incluir em seu rol de proteção jurídica, todos aqueles coligados pelo vínculo afetivo (GONÇALVES, 2017).
O afeto então ultrapassou as relações familiares, tanto que a sua importância ficou visível ao meio jurídico, pois de maneira inequívoca no mundo contemporâneo, o elemento socioafetivo se apresenta como o de maior relevância na análise das questões atinentes ao direito de família, diante de uma nova lógica racional que coloca a dignidade da pessoa humana como centro das preocupações do direito civil (FACHIN, 2008).
De acordo com Tartuce (2017), o afeto é considerado na atualidade o principal fundamento das relações familiares e mesmo não constando a expressão afeto na Constituição da República como sendo um direito fundamental, pode-se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade humana, portanto, afetividade é um dos princípios do direito de família brasileiro, implícito na Constituição, explícito e implícito no Código Civil e nas diversas outras regras do ordenamento.
Importante mencionar que com a implantação de uma nova ordem constitucional no Direito devido à promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, os princípios ganharam importante reconhecimento quanto à sua força normativa e, inúmeras vezes, devem as questões ser solucionadas à luz da principiologia e das técnicas de interpretação e aplicação das normas a ela referentes (PINHEIRO, 2009).
Corrobora Tartuce (2017, p.28) que “os princípios estruturam o ordenamento, gerando consequências concretas, por sua marcante função para a sociedade. E não restam dúvidas de que a afetividade constitui um código forte no Direito Contemporâneo, gerando alterações profundas na forma de se pensar a família brasileira”.
Descreve Pinheiro, que o Princípio da Afetividade integra o eixo principal dos avanços verificados no direito de família, pois:
“...por força do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, do qual decorre e no qual se justifica a existência e importância do Princípio da Afetividade, vem sendo ampliado o conceito família ou entidades familiares, ou seja, passam a serem reconhecidas e tratadas como famílias novas entidades familiares em nosso ordenamento, inclusive tornando efetivo o princípio da pluralidade das formas de famílias.” (PINHEIRO, 2009, p.28)
A afetividade, portanto, é uma construção cultural que se processa com a convivência estabelecida com solidariedade e responsabilidade, que valoriza o interesse da pessoa humana mais do que suas relações patrimoniais e abrange toda uma relação familiar, seja em razão do vínculo entre um homem e uma mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes, ou seja, “afetividade é necessariamente presumida nas relações entre pais e filhos, ainda que na realidade da vida seja malferida, porque esse tipo de parentesco jamais se extingue” (LOBO, 2002, p.7).
Neste contexto de mudanças, as famílias reconstituídas nascem de um novo relacionamento (casamento ou outra união), onde um dos cônjuges ou companheiro (ou ambos) compõe a família com filhos de relações anteriores. Nesta convivência familiar todos trazem experiências anteriores e se veem diante do desafio de criar novos espaços de afetividade. Esta renovada relação de parentesco por afinidade assume, muitas vezes, as funções e cuidados próprios da família biológica, sobretudo em razão da morte ou da separação conjugal. Os genitores afins, quase sempre participam do processo de socialização, do sustento material e educação. Neste núcleo familiar, o diálogo, o afeto e a solidariedade podem ajudar nos conflitos que se apresentam diversificados em cada configuração familiar (PEREIRA, 2018).
3 A FILIAÇÃO NO NOVO CONTEXTO DE FAMÍLIA
A narrativa de Coelho (2012) expressa de maneira bem singular sobre a importância dos filhos. O autor argumenta que se trata de uma experiência única, gratificante e enriquecedora, pois exige uma reestruturação interna para ter a capacidade de transmitir a alguém conceitos e valores que contribuam de forma decisiva para a sua formação, sendo que, a experiência da paternidade ou maternidade não pressupõe necessariamente a geração do filho. Ela é tão ou mais enriquecedora, mesmo que a criança ou adolescente não seja portador da herança genética dos dois pais.
Porém, este pensamento nem sempre correspondeu à realidade:
“Tradicionalmente, afirmava-se com insistência, em passado não muito remoto, que a maternidade era sempre certa (mater semper certa est); a paternidade era sempre incerta (pater semper incertus est). No direito tradicional, vigente até próximo ao fim do século XX, essa foi uma verdade dogmática: enquanto a maternidade era sempre suscetível de ser provada, a paternidade era difícil comprovação.”(VENOSA, 2017, p.250).
Neste sentido, o conceito de filiação era bastante discriminatório, pois o próprio Código Civilista de 1916 contribuía para isso ao regulamentar que só era considerada família aquela fundada no casamento, sendo, portanto, os filhos fora dele sem nenhuma legitimidade (VENOSA, 2017).
A evolução do conceito de família, que deixa de ser absolutamente patriarcal, contribuiu efetivamente para a formulação da proteção jurídica de novos contornos familiares e a Constituição Federal de 1988, contribuiu para um tratamento igualitário relacionado à filiação:
“Toda essa abominável discriminação entre filhos legítimos e ilegítimos, biológicos ou adotados, felizmente é coisa do passado. Embora ainda haja doutrina considerando de “vital importância” a distinção entre os legítimos, ilegítimos e adotivos, na verdade não há mais hierarquia — para a sociedade ou para a ordem jurídica — entre os filhos, sendo todos merecedores de iguais cuidados e direitos econômicos e patrimoniais. Deixaram de existir filhos de verdade, de um lado, erros e arremedos, de outro” (COELHO, 2012, p.330).
Discorre doutrinariamente Gagliano (2017) que não existe mais espaço para nenhuma distinção entre legítimo e ilegítimo ou qualquer outra expressão que deprecie ou estabeleça tratamento diferenciado entre os membros da família, porque filiação é um ato da vida e ser filho de alguém independe de vínculo conjugal válido, união estável, concubinato ou mesmo relacionamento amoroso adulterino, devendo todos os filhos ser tratados da mesma forma.
É o que dispõe o texto Constitucional no seu art. 227, que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”, consagrando então o Princípio da Isonomia.
O artigo 1596 do Código Civil reforça o princípio da igualdade entre os filhos designando que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Desta forma, juridicamente todos os filhos consanguíneos, adotivos, havidos por inseminação artificial heteróloga, enfim, todos são iguais perante a lei, havidos ou não durante o casamento, tanto no campo patrimonial quanto no pessoal, não podendo mais ser usadas expressões discriminatórias como filho bastardo ou filho adulterino (TARTUCE, 2017).
Esta evolução legislativa em torno da criança e do adolescente impulsionou as mudanças necessárias para buscar um melhor desenvolvimento a este grupo social baseado em princípios estabelecidos pela dignidade da pessoa humana, proteção integral, prioridade absoluta e melhor interesse da criança.
Neste sentido, evidenciou-se em decisões proferidas pelos tribunais um entendimento geral sobre a possibilidade da filiação/paternidade baseados na afetividade, pois se entende que muito mais importante que o vínculo genético, seja necessário que para a criança ser acolhida por alguém que realmente exerça a função de pai, não apenas o simples fato de constar na certidão de nascimento, pois é cada vez mais clara a constatação de que a paternidade não é um fator biológico, mas sim cultural e emocional. “Esta será, portanto, uma função exercida por determinada pessoa, não necessariamente o pai biológico. A função do pai, sem dúvida, não se encerra com a reprodução e sustento material” (TEPEDINO, 2012, p.229).
A partir desta premissa, a origem genética deixa de ser um único meio de afirmação existencial da relação paterno-filial, conforme descrevem Farias e Rosenvald (2017):
“Não se pense, de qualquer modo, que a comprovação de origem genética, pela realização do DNA, é bastante para afirmar a existência de uma relação paterno-filial. É que apesar da determinação da origem biológica, o vínculo de filiação pode ser determinado através do tratamento dispensado no cotidiano, enfim, da afetividade. É o que se convencionou chamar de dessacralização do DNA, deixando claro não ser meio de prova absoluto, embora bastante importante e recomendável.” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p.569).
Doutrinariamente, para fins de prova de filiação, a reciprocidade de tratamento efetivo, ou seja, a notoriedade e exteriorização de uma relação paterno filial deu origem à posse do estado de filho, que se constitui por um conjunto de circunstâncias capazes de exteriorizar a condição de filho do casal que o cria e educa, conferindo, assim, juridicidade a uma realidade social, pessoal e afetiva induvidosa, o que proporciona mais Direito a vida e mais vida ao Direito (FARIAS; ROSENVALD, 2017).
Neste sentido, a posse do estado de filho se traduz pela demonstração diuturna e contínua da convivência harmoniosa dentro da comunidade familiar, pela conduta afetiva dos pais em relação ao filho e vice-versa, pelo exercício dos direitos e deveres inerentes ao poder familiar, visando ao resguardo, sustento, educação e assistência material e imaterial do filho (JUJITA, 2009).
Para o seu efetivo reconhecimento a doutrina atenta a três aspectos:
“a) tractatus - quando o filho é tratado como tal, criado, educado e apresentado como filho pelo pai e pela mãe;b) nominatio - usa o nome da família e assim se apresenta; c) reputatio- é conhecido pela opinião pública como pertencente à família de seus pais. Confere-se à aparência os efeitos de verossimilhança que o direito considera satisfatória.” (DIAS, 2016).
Observados tais aspectos da posse do estado de filho, pode afirmar que foram abertas novas possibilidades de relações filiais baseadas na realidade social, pois é comum a existência de relações transversais entre filhos oriundos dos relacionamentos anteriores de cada pai e os comuns, dentro do mesmo ambiente familiar (LÔBO, 2011).
Portanto, coexistindo vínculos parentais afetivos e biológicos ou apenas afetivos, mais do que apenas um direito, é uma obrigação constitucional reconhecê-los. Não há outra forma de preservar os direitos fundamentais de todos os envolvidos, sobretudo no que diz com o respeito à dignidade e à afetividade (DIAS, 2016).
4 COEXISTÊNCIA ENTRE PATERNIDADE BIOLÓGICA E SOCIOAFETIVA NO REGISTRO CIVIL E SEUS EFEITOS JURÍDICOS
O novo modelo da família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, refletem na identificação dos vínculos de parentalidade levando ao surgimento de novos conceitos e de uma nova linguagem que melhor retrata a realidade atual: filiação social, filiação socioafetiva, estado de filho afetivo etc. A paternidade deriva do estado de filiação, independentemente de sua origem ser biológica ou afetiva. A ideia da paternidade está fundada muito mais no amor do que submetida a determinismos biológicos (DIAS, 2016).
Corrobora Welter (2009) que não reconhecer as paternidades genéticas e socioafetiva ao mesmo tempo, com a concessão de ‘todos’ os efeitos jurídicos, é negar a existência tridimensional do ser humano, que é reflexo da condição e da dignidade humana.
Neste sentido, a realidade fática apresenta um quadro onde existe a convivência entre filhos, pais biológicos e afetivos, fato que o Direito enquanto ciência que evolui de acordo com as questões sociais proeminentes, não poderia desconsiderar, aplicando, portanto, os efeitos jurídicos necessários.
No entendimento de Póvoas (2012), quando a legislação evolui no sentido de dispor sobre a coexistência da paternidade biológica e afetiva, está cumprindo uma obrigação constitucional de assegurar e proteger os direitos fundamentais de todos os envolvidos, garantindo tantos aos filhos o reconhecimento e manutenção das paternidades, quanto aos pais afetivos e biológicos o direitos às suas filiações.
No entendimento de Casserati (2014), a parentalidade socioafetiva, depois de reconhecida, deve, obrigatoriamente, ser averbada no registro civil, nos assentos de nascimento, casamento e óbito, para ganharem publicidade e conseguirem, de forma mais efetiva, a produção dos seus regulares efeitos, além de propiciar segurança quanto às informações constantes desses assentamentos.
Para Teixeira e Rodrigues (2010), somente através da publicidade registral é que o nome passa a ter suas características jurídicas de nome, em toda a sua amplitude e com oponibilidade erga omnes, além disso, se o nome tem finalidade de refletir a posição jurídica familiar perante a sociedade, o registro também deve refletir a verdade real.
Após tais posições doutrinárias, não restou ao Direito outra opção senão evoluir quanto à legislação, e outorgar a possibilidade se incluir no assento de nascimento, casamento ou óbito o nome de mais de um pai e/ou de uma mãe, no caso de multiparentalidade, fato disposto Provimento 2 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 27 de abril de 2009, que foi alterado pelo Provimento 3, em 17 de novembro de 2009, onde as certidões de nascimento, casamento e óbito foram padronizadas em todo o país, ou seja, são iguais em qualquer município, e os campos pai e mãe foram substituídos por filiação e os de avós paternos e maternos por, simplesmente, avós (CASSERATI, 2014).
Complementa Dias (2016):
“Esta é uma realidade que a Justiça já começou a admitir. O direito de uma criança ou adolescente ter retratado em seu assento de nascimento o espelho de sua família constitui elemento essencial para a formação e desenvolvimento de sua identidade pessoal, familiar e social. Sua identificação no mundo é indissociável daqueles que fazem parte da sua história, dos quais carrega o DNA em sua alma.” (DIAS, 2016, p.683).
Segundo a autora, decisões Brasil afora passaram a determinar a inserção do nome de mais de um pai ou mais de uma mãe no registro de nascimento do filho, como segue decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Rio grande do Sul:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. PADRASTO E ENTEADA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA ADOÇÃO COM A MANUTENÇÃO DO PAI BIOLÓGICO. MULTIPARENTALIDADE. Observada a hipótese da existência de dois vínculos paternos, caracterizada está a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade. DERAM PROVIMENTO AO APELO. (TJRS, AC 70064909864, 8ª Câm. Cível, Relator Des. Alzir Felippe Schmitz, j. 16/07/2015).[1]
No caso em questão é um processo de adoção onde seria suprimido o vínculo da adotada com o seu pai biológico, com a retirada do patronímico de família deste. Porém, houve uma apelação em conjunto, pois a apelante não tinha o interesse de suprimir a paternidade biológica contida em seu registro de nascimento, e o apelante, pai afetivo e adotante, também buscou a possibilidade de conformar o reconhecimento da multiparentalidade, mantendo-se assim, o pai biológico e o adotante na certidão de nascimento da adotada.
Conforme expressa Casserati (2014) não há gesto mais belo do que buscar a declaração da parentalidade de um filho afetivo, com quem não possui laços biológicos, com todas as consequências jurídicas que a parentalidade sanguínea irá ensejar nesse caso, trazendo uma série de deveres para a pessoa que pretende tal pedido.
Em outra decisão, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ao julgar o Processo 2013.06.1.001874-5,74 reconheceu a possibilidade da existência da multiparentalidade em um caso em que a criança havia sido adotada à brasileira e desenvolveu laços de afetividade com o pai registral, vindo, posteriormente, a conhecer o pai biológico. Descreve Pereira (2018) que nos casos em para o filho é importante manter vínculo com seu ascendente genético, poderá constar o nome de dois pais, com as demais consequências jurídicas daí advindas, notadamente em relação ao parentesco, nome, pensão alimentícia, convivência, guarda e direito sucessório.
Na decisão, a juíza considerou que:
“O direito ao reconhecimento da MULTIPARENTALIDADE está embasado nos direitos da personalidade, que se visualizam através da imagem que se tem, honra e também privacidade da vida, direitos estes que se revestem essenciais à própria condição humana. Por derradeiro, em atenção ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente, sempre sublinhado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a MULTIPARENTALIDADE se desenha com cores que anunciam um novo caminho social [...] Assim, será que devemos enxergar a parentalidade apenas em seu aspecto dual, ou será possível que ela se mostre diversificada? É aceitável que a pessoa possa ter mais de um pai ou uma mãe? É acertado impor a unicidade paterna e materna, ainda que a realidade grite outra versão? [...] Identificada a pluriparentalidade ou MULTIPARENTALIDADE, é necessário reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação. Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, sendo que o filho desfruta de direitos com relação a todos. Não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória”.[2]
Nesse caso, a criança teria, então, com ambos os pais, o direito ao parentesco, tendo vínculo jurídico com os parentes de ambos, assim como impedimentos matrimoniais; o direito ao nome, de modo que o “nome de família materno, paterno, da madrasta, do padrasto, ou socioafetivo e o avoengo poderão ser incluídos no nome civil”; o direito de convivência e guarda, sendo necessária
a definição de convivência e guarda, a fim de assegurar o melhor interesse da criança, podendo todos os envolvidos dialogar sobre os destinos desse filho; o direito a alimentos, devendo o pensionamento alimentar ser estendido a todos; o direito ao reconhecimento genético; e o direito à herança, tendo o filho direito de receber herança de tantos pais/mães quantos tiver (PEREIRA, 2018).
Não obstante às diversas decisões proferidas pelos tribunais em favor da inserção no registro civil da dupla paternidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no dia 22 de setembro deste ano, por oito votos a dois, a tese de repercussão geral, admitida no Recurso Extraordinário nº 898.060-SP, reconhecendo que uma pessoa pode ter, em seu documento de identificação, o registro do pai biológico e do socioafetivo, sem que se estabeleça nenhuma hierarquia entre eles.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evolução natural da sociedade provocou modificações importantes para o indivíduo, dentre elas a relação familiar, que se antes era exclusivamente patriarcal e embasado no formalismo do casamento, passou a ser composta por novos arranjos e composições determinados pelos laços afetivos.
Aos poucos, estas novas configurações e modelos tomaram formas e tal realidade não poderia fugir à tutela do Estado, pois envolve a base de toda a sociedade, a família, incluindo neste contexto os filhos, sendo, portanto, o objetivo deste trabalho destacar a filiação socioafetiva e sua importância na atualidade em relação à ação negatória de paternidade.
Aferiu-se que a afetividade permitiu uma evolução na concepção da família atual e ultrapassou o âmbito familiar, demonstrando de forma inequívoca a sua relevância como um princípio norteador capaz de tutelar as relações familiares, principalmente quando envolve os filhos.
Demonstrou-se que o conceito discriminatório em relação à filiação, juridicamente deixou de existir, sendo a distinção entre os mesmos, quanto a serem legítimos ou ilegítimos não mais permitida, além dos direitos serem igualados.
Portanto, entende-se que todo o contexto envolvendo a mudança de paradigma quanto à família, incluindo à filiação, modificaram as relações de paternidade através da real convivência multiparental existente na atualidade.
Levando-se em consideração esses aspectos, na ocorrência de implicações que envolvem questões de filiação e paternidade, percebeu-se que baseado no princípio da afetividade, o Poder Judiciário tem-se posicionado acompanhando a evolução social e com um desenvolvimento interpretativo, não esbarrando apenas em normas específicas, mas visualizando os princípios de uma forma geral, deixando prevalecer a hermenêutica jurídica que considera o direito como um todo, com a finalidade de aplicá-lo à realidade na busca de uma solução justa.
Entende-se que as decisões judiciais que envolvem pedidos relacionados à inserção no registro civil da dupla paternidade, foram apreciadas tendo como base o princípio da afetividade, garantindo assim ao Estado de Direito uma constante evolução, que prima por defender com justiça aos interesses da sociedade, sempre atento à aplicação das normas, porém aberto às interpretações que sejam adequadas à realidade vivenciada por esta mesma sociedade.
REFERÊNCIAS
CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos / Christiano Cassettari. – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2015.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, família, sucessões, volume 5 / Fábio Ulhoa Coelho. – 5. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. Ed. São Paulo: RT, 2016.
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[1] https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/211663570/apelacao-civel-ac-70064909864-rs
[2] https://www.jusbrasil.com.br/diarios/169408215/djdf-23-11-2017-pg-1632?ref=previous_button