Introdução
Promulgado no final de dezembro de 2019, o pacote anticrime trouxe diversas alterações, principalmente no tocante ao código penal, processo penal e execução penal. Dentre elas, o agente que praticar qualquer crime doloso contra a vida tem a possibilidade começar a cumprir a pena de forma provisória, mesmo o Supremo tribunal Federal decidindo em casos similares de forma diversa (não execução provisória da pena após prisão em segunda instância). Tema este abordado pelo presente artigo!
Antes de adentrarmos sobre a efetiva modificação, é de suma importância entendermos questões como: O que é o Tribunal Do Júri, Crimes Dolosos Contra a Vida e demais aspectos.
O que é Tribunal Do Júri
O Tribunal Do Júri consiste em um órgão especial que faz parte do primeiro grau de jurisdicional, sendo também uma garantia fundamental, pois o indivíduo que praticar qualquer tipo de crime doloso contra a vida será processado e seguirá tal rito, (Art. 5°, XXXVIII, “d” CF).
O Tribunal do Júri é composto por um juiz presidente e vinte e cinco jurados, sete deles selecionados compondo o conselho de sentença, com o objetivo de representar a sociedade de forma direta. Expondo sua opinião sobre determinado fato, podendo tanto absolver, como também, efetivar a condenação do acusado. Valendo ressaltar que há diversos recursos em face da decisão fundada no Júri.
Dessa forma, o Tribunal do Júri mostra-se um mecanismo do exercício direto da cidadania, haja vista que seu rito permite que o agente seja julgado por seus semelhantes, independentemente de sua condição social. Reafirmando o transcrito em seu art. 1°, CF “Estado Democrático de Direito”.
O que são crimes dolosos contra a vida?
Os crimes dolosos contra a vida estão previstos na parte especial do Código Penal, nos artigos 121 a 126 do Código Penal, e versam diretamente sobre os crimes em que a agente tem o intento de matar terceiro (animus necandi), são eles:
Homicídio
Previsto no artigo 121 do código penal o homicídio consiste diretamente sobre a eliminação da vida humana, ou seja, trata-se da morte de um indivíduo causado por outrem.
Exemplo: “A” dispara com sua arma de fogo em “B” matando-o.
Um ponto importante a ser destacado, é o fato que o cidadão que se mata, tira sua própria vida, não é considerado como tipo penal, pois o indivíduo estará morto, não podendo ser punido por àquele ato cometido contra si mesmo, tornando assim, fato atípico. Conforme detalharemos abaixo o partícipe que auxilia de alguma forma incorre em participação em suicídio.
Participação em suicídio
O Suicídio como descrito acima pode ser conceituado como sua autodestruição, isto é, a pessoa que retira a própria vida. Como o suicídio não é criminalizado pelo direito penal, aquele que participa de qualquer modo será responsabilizado por este feito (art. 122, CP).
Participe refere-se como o indivíduo que não realiza o(s) ato(s) de execução, mas de alguma maneira, concorre dolosamente para prática do delito.
Exemplo: João soube que foi traído por Maria e quer se matar, seu amigo Felipe incentiva-o através do uso de veneno para de que forma rápida e simples provoque sua morte. Nesse caso, Felipe agiu com participação moral por meio da instigação.
Espécies de participação
A participação se dá com a dolosa colaboração no delito doloso de outrem, se manifestando por duas formas:
I. Participação Moral: na instigação o partícipe, de qualquer modo, estimula e\ou reforça a ideia para prática da conduta. Já no induzimento faz-se surgir na mente do indivíduo o propósito de executar o delito.
II. Participação por meio de auxílio: corresponde à colaboração material. No efetivo auxílio, o partícipe tem sua ação limitada a emprestar, por exemplo, sua arma para o cometimento do delito. Nada impedindo de alguém ao mesmo tempo de instigar e auxiliar materialmente.
Infanticídio
Com previsão no artigo 123 do código Penal, o infanticídio tem como principal característica a morte da criança por parte da mãe sob influência do estado puerperal.
O que é estado puerperal?
O estado puerperal pode ser considerado como um período pós-parto, que em algumas ocasiões, pode acarretar distúrbios psíquicos na mãe do recém-nascido, causando diminuição da capacidade de entendimento, levando-a morte de seu filho.
Exemplos: é o caso da mãe que logo após a gravidez joga seu filho(a) pela janela.
É importante mencionar que o infanticídio pode ser cometido também por terceiros em razão do concurso de pessoas, ou seja, o terceiro que praticar tal crime poderá responder como autor, coautor ou partícipe (artigo 29, Código Penal).
ABORTO
Por fim, o aborto é previsto nos artigos 124 a 126 do Código Penal, grande parte da doutrina conceitua o aborto como a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção.
O aborto pode ser espontâneo, natural ou provocado, salvo-se for praticado nas hipóteses de:
1. Quando há risco de vida para a mulher causado pela gravidez;
2. Quando a gravidez é resultante de um estupro;
3. Se o feto for anencefálico (má formação cerebral do feto).
A respeito: “A prática de aborto não constitui finalidade da medicina. Ao reverso, estão os médicos proibidos de praticá-lo, exceto nas hipóteses que a lei penal chama de aborto necessário, na falta de outro meio para salvar a vida da gestante ou quando resulte de estupro a gravidez” (TJSP — RT, 454/364).
O terceiro que provocar aborto com ou sem consentimento da gestante será penalizado nos termos dos artigos 125 e 126 do Código Penal.
Exemplo: fornecer medicamento de efeito abortivo.
NOVOS ENTENDIMENTOS:
Não é novidade que a Lei nº 13.964/2019, apelidada de “Anticrime”, veio e promoveu diversas alterações no ordenamento jurídico. Contudo, salta aos olhos o fato dela ter modificado o art. 492 do Código de Processo Penal, especificamente o inciso I, letra “e”, para fixar que, em caso de condenação, “mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”. [1]
O que é espantoso - e aguarda-se desde já a manifestação do STF para declarar inconstitucional tal dispositivo – é a determinação da execução provisória das penas no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão, sobretudo quando o STF já reconheceu a inconstitucionalidade da execução antecipada após decisão do 2º grau, quando do julgamento das ADCs 43, 44 e 54.
Pois bem. Antes de discutir-se as razões pelas quais tal norma deve ser reconhecida e declarada inconstitucional, convém lembrar que está prevista a retomada do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.235.340, pela Suprema Corte, da matéria questão, a partir de fevereiro de 2020. Será objeto de julgamento: 1. Se a soberania do Tribunal do Júri autoriza a execução imediata da pena imposta pelo Conselho de Sentença; 2. Se veredictos do Júri, tribunal de primeira instância que tem competência para julgar crimes dolosos contra a vida, equivalem ao trânsito em julgado; 3. Se a soberania do Júri colide com o entendimento de que a execução da sentença penal condenatória só ocorra após esgotados todos os recursos e 4. Se a prisão imediata afronta o direito à ampla defesa e o princípio da presunção de inocência.
Enquanto não se coloca uma pedra final ao assunto, é importante trazer à baila as razões do inconformismo da aprovação da referida mudança dita no início.
- Primeira razão: viola a presunção constitucional de inocência. No Brasil, tal presunção está consagrada no art. 5º, LVII da Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Assim, ao permitir a execução provisória da pena neste caso, desrespeita o marco temporal do trânsito em julgado para fins de delimitação da culpa, que deveria perdurar enquanto não findo os recursos cabíveis.
- Segunda razão: como dito no início, o STF já se manifestou a respeito da inconstitucionalidade da execução provisória da pena. Com isso, editou-se o art. 283 do CPP para conter a previsão: “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.[2] Portanto, a segregação do acusado somente poderá se materializar antes de transitar em julgado o decreto condenatório em situações de fundamentada necessidade. Ora, se com razão o STF entendeu ser inconstitucional a prisão antecipada após segundo grau, com muito mais razão deve ser após uma decisão de primeiro grau (o Tribunal do Júri).
- Terceira razão: se cabe apelação contra as decisões do Tribunal do Júri, nos termos do art. 593, inciso III, não se deve reconhecer eventual condenação e sua execução antecipada. [3]
- Quarta razão: indo além, o art. 593, inciso III, “d” permite que, se a decisão dos jurados for manifestamente contrária a prova dos autos, poderá haver um novo júri quando quiser. E, por ser uma norma subjetiva, é amplamente possível que isso aconteça.
- Quinta razão: a decisão dos jurados é formada a partir da convicção e despida de qualquer fundamentação, afrontando, mais uma vez, o princípio da motivação das decisões implícito no art. 93, X, da CF. [4]
- Sexta razão: a instituição do Júri, prevista no art.5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, bem como a letra “c”, “soberania dos veredictos” fazem parte do capítulo dos “DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS”, não podendo, com isso, ir contra à própria liberdade do indivíduo.
- Sétima razão: por não ser revestida de caráter cautelar, ou seja, por ser efetivamente uma antecipação da condenação, não se analisa o perigo do Estado de liberdade daquele indivíduo, nem a necessidade da prisão, contribuindo para prisões irracionais e irresponsáveis, já que, em caso de reversão em segundo grau, reexame e anulação do júri, aquele tempo de prisão será irreversível.
- Oitava razão: a “soberania dos jurados”, isso não é argumento legitimador para a execução antecipada da pena, e sim, e tão somente, garantia da independência dos jurados.
- Nona razão: incluído também pela Lei Anticrime, nº 13.964/2019, o art. 313, §2º, proíbe expressamente a prisão preventiva com a finalidade de antecipação do cumprimento da pena;
CONCLUSÃO:
O presente artigo trouxe como questão primordial rememorar o “Tribunal do Júri” e trazer pontos importantes que servirão de análise para a inserção e modificação do art. 492, inciso I, “e” do CPP, o qual permite, depois da Lei Anticrime nº 13.964/2019, a execução provisória da condenação às penas igual ou superior a 15 anos. Importante reforçar tal aprovação, mesmo diante do que já foi decidido pelo STF a despeito da execução provisória da pena. Tal tema será julgado, pela Suprema Corte, no próximo dia 12 de fevereiro, sob o enfoque do Tribunal do Júri. Agora, espera-se, pelas razões apresentadas neste artigo e por outras tantas, que o STF reconheça e declare a institucionalidade da norma, para não aceitar execução antecipada da pena, sem o trânsito em julgado, de igual razão, nas decisões do Tribunal do Júri.
[1] Código de Processo Penal, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em 10 de fevereiro de 2020.
[2] Código de Processo Penal, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em 10 de fevereiro de 2020.
[3] Código de Processo Penal, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em 10 de fevereiro de 2020.
[4] Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> . Acesso em 10 de fevereiro de 2020.