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PORTARIA NÃO REGE MATÉRIA PENAL E PROCESSUAL PENAL

Agenda 17/03/2020 às 16:34

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A EDIÇÃO DE RECENTE PORTARIA COM RELAÇÃO AO COMBATE DO CORONAVÍRUS.

PORTARIA NÃO REGE MATÉRIA PENAL E PROCESSUAL PENAL

Rogério Tadeu Romano

I – O FATO

Os ministros da Justiça, Sergio Moro, e da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, editaram nova portaria para o combate à pandemia de coronavírus, autorizando o uso da força policial para forçar indivíduos suspeitos de contaminação a ficar em isolamento ou quarentena e estabelecendo crimes no caso de descumprimento das medidas.

A portaria reforça as medidas já estabelecidas em uma lei aprovada no Congresso Nacional e em uma portaria anterior do Ministério da Saúde. Pelo texto, profissionais de saúde poderão "solicitar o auxílio de força policial nos casos de recusa ou desobediência" por parte das pessoas que precisam ficar em isolamento ou quarentena.

A portaria reforça as medidas já estabelecidas em uma lei aprovada no Congresso Nacional e em uma portaria anterior do Ministério da Saúde. Pelo texto, profissionais de saúde poderão "solicitar o auxílio de força policial nos casos de recusa ou desobediência" por parte das pessoas que precisam ficar em isolamento ou quarentena.

Outra determinação é que "a autoridade policial poderá encaminhar o agente à sua residência ou estabelecimento hospitalar para o cumprimento das medidas". Em casos excepcionais, na hipótese da ocorrência de crimes graves, a pessoa poderá ser encaminhada a um estabelecimento prisional em cela isolada dos demais.

A nova portaria estabelece que o descumprimento do isolamento e da quarentena pode ensejar a responsabilização civil, penal ou administrativa da pessoa suspeita de contaminação. Caso esse descumprimento acarrete em ônus aos cofres públicos na utilização do Sistema Único de Saúde (SUS), os valores gastos poderão ser posteriormente cobrados da pessoa.

O texto da portaria, à qual o Estadão/Broadcast teve acesso, prevê detenção de 15 dias a dois anos, e multa, para quem descumprir a quarentena. A pena deve variar deacordo com a gravidade do descumprimento à medida. 

A portaria cita dois artigos do Código Penal para justificar a prisão. O artigo 268, que trata do desrespeito a determinação do poder público para impedir introdução ou propagação de doenças contagiosas, prevê detenção de um mês a um ano, e multa. Já o artigo 330, que trata de desobediência a ordem legal de funcionários públicos, prevê prisão de 15 dias a dois anos, ou multa.

A medida prevê que a pessoa que se recusar a seguir quarentena ou outras medidas de prevenção previstas será inicialmente enquadrada por infração de menor potencial ofensivo. Caso ela assine um termo de compromisso de cumprir as medidas, poderá ser liberada. Do contrário, poderá ser configurado crime mais grave e até imposição de prisão – neste caso, fica estabelecido que a pessoa ficará em cela separada dos demais para evitar contágios. 

II – A TUTELA PENAL

Para o caso haveria incidência dos artigos 268 e 330 do Código Penal.

Para o caso a Lei nº 13.979/2020, que prevê várias medidas para evitar a contaminação ou a propagação da doença, destacando-se o isolamento, a quarentena e a realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, vacinação e tratamentos médicos específicos, é a fonte normativa para a matéria. Desobedecida pode gerar conduta criminal inscrita no artigo 268 do Código Penal, que é crime de menor potencial ofensivo, em que cabe a transação penal e diante de sua frustração a ação penal pública incondicionada.

Mesmo que o sujeito não tenha certeza de estar contaminado, mas aceita a hipótese, e transita normalmente por locais públicos, assumindo o risco de transmitir a doença, cometerá o ilícito com dolo eventual.

Está aí esse perigo de contágio que exige para os casos concretos aplicação da norma penal específica.

É crime comum, formal (que não exige para a sua consumação resultado naturalístico). Havendo dano ocorre o exaurimento. É crime instantâneo, de perigo comum, unissubjetivo.

Prevê o artigo 329 do Código Penal: ¨Desobedecer a ordem legal de funcionário público.O crime de desobediência tem previsão de pena de detenção, de quinze dias a seis meses, e multa, sendo crime de menor potencial ofensivo, sujeito a disciplina da Lei 9.099/95 e aos seus institutos, como a transação penal, a suspensão condicional do processo, por exemplo.  

O crime de desobediência exige para a sua configuração a existência de pessoa determinada, contra quem foi expedida a ordem contra a autoridade. Com isso se diz que a ordem deve emanar de funcionário público, que somente poderá ser o empregado público, no sentido estrito do direito administrativo, como relevou Nelson Hungria(obra citada), pois somente este é o agente do Poder Público, em cujo nome atua, expedindo ordem de cumprimento obrigatório.

  Essa ordem deverá ser, de forma indispensável, transmitida diretamente ao destinatário, pois não haverá crime se este não tiver o induvidoso e inequívoco conhecimento da mesma(RT 427/424; 427/426; 531/327). Somente em casos excepcionais será admitida a notificação por edital(comprovando a acusação de que o agente teve perfeito e completo conhecimento de todos os seus termos).

  Pratica o crime quem desobedece a ordem legal emanada de autoridade competente. O particular, geralmente, e o funcionário público podem ser sujeitos ativos do crime de desobediência(RT 418/249). É necessário, no entanto, que não esteja no exercício da função(RT 738/574).

  A ordem deve conter cominação expressa não sendo bastante a mera solicitação, como explicita Heleno Cláudio Fragoso(Jurisprudência Criminal, nº196).

  É exemplar a lição de Soler(Derecho Penal argentino, título V, pág. 112), lembrada por Paulo José da Costa Jr.(obra citada, pág. 507), para quem não se deve atribuir uma grande capacidade de expansão à norma que preceitua o crime de desobediência, em sua exegese. Assim  se entende que a resistência passiva à prisão não configura crime. Como exemplo se tem a falta de tipicidade nos casos em que o depoente se recusa a assinar o depoimento, sem assistência de advogado.

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  O crime se consuma quando há o desatendimento à ordem legal expedida. Se se tratar de omissão, o momento consumativo se apresenta quando  decorrer o prazo para o cumprimento da obrigação, não sendo possível a tentativa.

  Voltemos a lição de Heleno Cláudio Fragoso(Lições de Direito Penal, volume II, 5ª edição, pág. 459), para quem é mister que a ordem seja legal, isto é, fundada em lei e emanada da autoridade competente, agindo nos limites de suas atribuições, com observância das formalidades legais. Mas estabelecida a legalidade, será indiferente a justiça ou a injustiça da ordem, assegura Heleno Cláudio Fragoso(obra citada, pág. 459). Mas se impõe que o destinatário da ordem tenha o dever jurídico de obedecer(RTJ 103/139).

  Entende-se que o dolo é o genérico consistente na vontade de desobedecer à ordem legal do funcionário público. Deve o agente ter ciência da determinação e consciência da antijuridicidade de sua conduta.

É ainda o crime de desobediência um crime de menor potencial ofensivo.

Diverso é o crime de resistência.

Prevê o artigo 329 do Código Penal o crime de resistência:¨Opor-se à execução de ato legal, mediante violência a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio¨. A pena prevista é de dois meses a dois anos, podendo ser hipótese de transação penal, prevista no artigo 76 da Lei 9.099/95 ou ainda suspensão condicional do processo, artigo 89 da mesma Lei.

O crime de resistência envolve uma oposição, mediante violência ou ameaça, à execução de ato legal. O ato deve estar sendo executado, isto porque violência anterior ou posterior ao ato não configura o delito. Não se constitui crime de resistência a violência ou ameaça praticada antes do início da execução do ato ou aquela ocorrida após ter este concluído em represália ao agente ou autoridade. Assim o delito previsto no artigo 329 do Código Penal é absorvido pelo do artigo 157, a não ser que este se dê apenas de forma tentada(RT 704/358). Leva-se em conta a douta opinião de Manzini(V,399), exposta por Heleno Cláudio Fragoso(Lições de Direito Penal, volume II, 5ª edição, pág. 450), uma vez que, em relação a este crime, ¨pressupõe-se já iniciado o ato de ofício ou de serviço, e a violência ou ameaça deve ser contemporânea ao desenvolvimento da atividade funcional tendendo a frustrar absoluta ou relativamente a obtenção do escopo a que o ato se dirige¨.

  Fala-se com relação a essa oposição.

  A Lei penal adota uma fórmula liberal, mesmo tendo sido elaborada em período autoritário, de modo que se trate de oposição a ato legal. Mas a lei não distingue nem sequer qualifica a legalidade do ato. Aliás, do que se tem na Alemanha, nas lições de Maurach(Lehrbuch, § 67, II, A), trazidas por Heleno Cláudio Fragoso(obra citada, pág. 456), há uma tendência a considerar a legalidade da ordem condição objetiva de punibilidade, que não integra o tipo penal, não carecendo de estar abrangido o dolo.

  A oposição deve ter caráter militante, ativo. Isso porque a mera desobediência, a oposição branca, a resistência passiva, realiza o tipo descrito  no artigo 330 do Código Penal(RF 225/329).

Assim a oposição à prática do ato legal deve ser atuante e positiva. Não caracteriza o crime de resistência: o ato de simples indisciplina(RT 423/422); a recusa em ingressar em viatura policial e ainda o uso de palavrões(RJTJESP 47/379); o esbravejar(RT 548/322); deitar-se no chão ou agarrar-se a um poste para evitar a prisão; recusar-se a abrir a porta para o ingresso de policiais.

  Assim, como ensinou Heleno Cláudio Fragoso(Lições de Direito Penal, volume II, 5ª edição, pág. 451), a oposição deve dar-se mediante violência(força física exercida sobre a vítima) ou ameaça(manifestação de causar um mal). Assim as simples palavras ou gestos ultrajantes constituem a materialidade do crime de desacato(artigo 331 do CP).

  Quando houver imprecação de pragas ou blasfêmias estamos diante de um crime de desacato, previsto no artigo 331 do Código Penal.

  A violência é emprego de força física. A ameaça(vis moralis, vis compulsiva) pode ser real, como apontar uma arma, mesmo descarregada ou simulada, verbal ou escrita, realizada na presença de funcionário ou não, pois deve ser endereçada ao funcionário público ou a seus auxiliares.

  É indispensável que o agente empregue força física  ou ameaça(RF 200/249; RT 382/87; 469/415; RTJ 106/494). Por sua vez, a ameaça há de ser real ou verbal, como ocorre com a promessa de um mal. Sendo assim, a violência deve ser física exercida sobre o executor ou seu auxiliar.

  Não há na resistência, uma violência contra coisa, mas contra a pessoa. Nesse ponto, não se aplicam, como o devido respeito,  os exemplos de Nelson Hungria, como, por exemplo, do cavalo do soldado que encalça o criminoso e é morto a tiros(Comentários ao Código Penal, volume IX, pág. 409). Da mesma forma, não há o crime de resistência se ha simples ofensas por palavras, gestos ou vias de fato ultrajantes, que caracterizam o crime de desacato(RT 532/329). O comportamento rude e deselegante, por si só, não caracteriza o crime de resistência(RJT/SP 122/498).

  Trata-se de crime formal, que se consuma com a mera prática de ato de violência ou ameaça. E possível a tentativa da violência ou da ameaça.

Em caso dos artigos 268 e 330 do Código Penal, repita-se, há crimes de menor potencial ofensivo. Não se fala em hipótese de prisão preventiva, à luz do que se lê no artigo 312 do Código de Processo Penal.

Ademais que crime mais grave seria esse caso o agente descumpra o compromisso firmado pelas autoridades? Portaria não pode ser fonte de crimes. Crime é ilícito penal previsto em lei. Há a reserva de Parlamento.

Pior: portaria não pode estabelecer prisão, somente a lei. Seria esse crime a resistência? Então há cogitação na lei penal como já mencionado.

III – A INADEQUAÇÃO DA PORTARIA PARA TAL MISTER

Portaria é norma secundária, abaixo da lei.

Portaria não cria normas gerais.

Todavia, a portaria não traz novidade, própria da edição de uma regra jurídica, pois é regra secundária que está limitada por normas primárias.

A portaria é norma secundária. Ela não é editada pelo Parlamento, criando-se nos gabinetes da Administração.

Necessário estudar a natureza jurídica da portaria diante da lei.

Como bem ensinou Celso Antônio Bandeira de Mello(Curso de Direito Administrativo, 17ª edição, pág. 337):

“Se o regulamento não pode criar direitos ou restrições à liberdade, propriedade e atividades dos indivíduos que á não estejam estabelecidos e restringidos na lei, menos ainda poderão fazê-lo instruções, portarias ou resoluções. Se o regulamento não pode ser instrumento para regular matéria que, por ser legislativa, é insuscetível de delegação, menos ainda poderão fazê-lo atos de estirpe inferior, quais instruções, portarias ou resoluções. Se o chefe do Poder Executivo não pode assenhorear-se de funções legislativas nem recebê-las para isso por complacência irregular do Poder Legislativo, menos ainda poderão outros órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta”.

Na lição de Paulino Jacques(Curso de Introdução à Ciência do Direito, 2ª edição, pág. 81), as instruções, normas típicas secundárias, dispõem, em geral, sobre a execução dos serviços públicos ou de normas legais ou regulamentares. Daí tem-se a lição de Carré de Malberg de que as instruções só produzem efeito “no interior do serviço, porque se originam do serviço e se editam em virtude das relações que o serviço engendra entre chefes e subalternos”(Teoria general del Estado, tradução de J. L. Degrete, México, 1948, pág. 605, n. 224), não obrigando assim os particulares.

Em verdade, com relação a portarias, há regras dadas às autoridades públicas, prescrevendo-lhes o modo por que devem organizar e pôr em andamento certos serviços.

Portaria ministerial não integra o processo legislativo disciplinado pela Constituição. Trata-se de ato normativo interno destinado a ordenar os serviços executados por servidores de determinado estabelecimento ou repartição. Não atribui direitos, nem impõe obrigações e penalidades a terceiros. Desde o regime militar, todavia, o extinto Ministério do Trabalho – reduzido à condição de secretaria do Ministério da Economia pelo presidente Jair Bolsonaro – baixa portarias para aprovar normas regulamentadoras sobre higiene e segurança do trabalho, com regras impositivas que beiram o absurdo ou de impossível execução.

A portaria não faz as vezes de decreto presidencial no exercício do poder regulamentar.

Há no caso a Lei 13.979, na matéria, que deve ser objeto de regulamentação através de decreto e não de portaria, inclusive no que concerne às medidas quanto ao exercício do poder de polícia, como é o caso da internação e da quarentena devidas em nome da saúde pública, do bem comum. Essas medidas devem ser tomadas no cumprimento e no exercício do poder de polícia.

É uma lástima que tais medidas não venham por decreto. Isso demonstra a omissão do Poder Executivo, por seu chefe, em atuar em caso de tamanha gravidade. A portaria editada não substitui decreto que é sim o veículo correto para regulamentar a Lei 13.979 e compete ao chefe do Executivo.

IV – A NECESSIDADE DE UM DECRETO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

No direito administrativo, há uma reserva relativa de lei formal.

Assim, o direito administrativo se contenta com uma simples reserva de lei material, baseado no item generalidade, novidade, próprios de um perfil normativo.

No Brasil, admitem-se os chamados regulamentos de execução ou executivos.

O regulamento de execução se presta a:

a) precisar o conteúdo dos conceitos de modo sintético referidos pela lei;

b) determinar o modo de agir da Administração nas relações que, necessariamente, travará com os particulares na oportunidade da execução da lei;

c) surgem na chamada discricionariedade técnica, quando, na lição de Oswaldo Bandeira de Mello (Princípios Gerais de Direito Administrativo, volume I, 1980, pág. 310), se tem: “o Legislativo delega ao Executivo as operações de acertar a existência de fatos e condições para a aplicação da Lei, os pormenores necessários para que as suas normas possam efetivar-se. Ela encontra corpo nas atividades estatais de controle. A lei da habilitação fixa os princípios gerais da ingerência governamental e entrega ao Executivo o encargo de determinar e verificar os fatos e as condições em que os princípios legais devem ter aplicação”. Trata-se da Administração explicar técnico-cientificamente os pressupostos de fato previstos em lei.

No Brasil, alguns juristas, quando vigente a última Constituição, defenderam a tese de que o país admitia os regulamentos autônomos, sob o fundamento de que o artigo 81, V, atribuía ao Presidente da República a competência para “dispor sobre a estruturação, atribuições e funcionamento dos órgãos da administração federal”. Ora, os regulamentos de organização devem ser editados na forma da lei, de modo que não podem ser editados independentemente da lei.

Não há no Brasil regulamentos independentes, há regulamentos de execução, que servem para aplicação da lei. Não podem operar contra legem, ultra legem, nem praeter legem. Operam secundum legem.

Observe-se que a Constituição Portuguesa, com a revisão de 1982, previa, de forma expressa, os regulamentos independentes, no artigo 115. Eles não se confundem com os regulamentos autônomos porque não se satisfazem com o fundamento constitucional. Devem, como os de execução, indicar o ato legislativo que atribui competência regulamentar. Os regulamentos independentes, ao contrário dos executivos, já não recebem das leis determinados conteúdos-disciplinas para regulamentar, antes são eles que estabelecem, originalmente e com amplos poderes de conformação material, o regime, a disciplina de certas relações jurídicas, como ensinou Jorge Manuel Coutinho de Abreu (Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, 1987, pág. 40). O direito português, posto isto, admite os regulamentos independentes, “aquele em que a lei se limita a indicar a autoridade que poderá ou deverá emanar o regulamento e a matéria sobre o que versa”. Mas, na lição de J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional, pág. 675), não se admite, porém, os “regulamentos autônomos , isto é, regulamentos não derivados, sem referência a lei anterior”.

No caso em discussão, a regulamentação desse poder de polícia dar-se-á diante de decretos de regulamentação editados pelo presidente da República.

V – O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA

Trata-se de exercício de poder de polícia.

Atende-se aos casos de relevância e urgência na aplicação do modelo legislativo no que concerne ao exercício da autoexecutoriedade do ato administrativo para que se possa ter o poder de polícia.

Trata-se de executoriedade dos atos administrativos unilaterais. Através dele a Administração pode modificar, por sua única vontade, situações jurídicas, sem o consentimento dos atingidos pelo ato.

É a chamada execução forçada na via administrativa, que consiste em uma via jurídica especial, própria do ato administrativo, fazendo a Administração prescindir da declaratio iuris do Poder Judiciário.

A executoriedade, pois, por sua importância, é a manifestação do poder de autotutela da Administração Pública, pelo qual esta tem a possibilidade de realizar, de forma coativa, o provimento no caso de oposição do sujeito passivo.

Pois a executoriedade dos atos administrativos tem fundamental importância no exercício do poder de polícia administrativo, na faculdade que tem a Administração Pública de disciplinar e limitar, em prol de interesse público adequado, os direitos e liberdades individuais, como já ensinou Caio Tácito (O poder de polícia seus limites. in Rev. De Dir. Adm., volume 27, páginas 1 e seguintes).

Nessa linha de pensar, as decisões administrativas de polícia são, por sua natureza, executórias. A Administração tem a faculdade de recorrer a meios coercitivos para compelir ao cumprimento de suas determinações. Mas entenda-se que essa coação administrativa, desde que exercida, de forma moderada, e dentro de quadros legais, é permite, nos limites da proporcionalidade.

A providência legislativa adotada precisa ser enquadra em parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade.

A razoabilidade é vista na seguinte tipologia:

a)razoabilidade como equidade: exige-se a harmonização da norma geral com o caso individual;

b)razoabilidade como congruência: exige-se a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação;

c)a razoabilidade por equivalência: exige-se uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.

Há ainda o que se chama de proporcionalidade em sentido estrito, onde se cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Pesam-se as desvantagens dos meios em relação ás vantagens do fim.

Em resumo, a providência deve atender aos  seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de  fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.

Mas ela se perde em extrapolar, por portaria, matéria que, em sede penal, somente poderia ser objeto de lei, pelo princípio da legalidade. Deveria ser caso de edição de decreto regulamentar pelo presidente da República para regular matéria com relação ao exercício do poder de polícia no combate a tal mal.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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