Muito se tem discutido acerca dos efeitos do Corona Vírus (COVID-19) no âmbito das relações de consumo. Nesta oportunidade, far-se-á uma breve análise dos contratos de viagens, seja a prestação de serviço aéreo, seja nos serviços de hospedagem. É observado que muito ecoam a questão da responsabilidade civil, caso fortuito, força maior, dentre outros. Incontroverso que que nas relações de consumo, principalmente nas prestações de serviços (art. 14 do CDC), a responsabilidade como regra é a objetiva, ou seja, independente de culpa. Indo além, o CDC ainda adota a teoria do risco criado, conforme as lições de Serpa Lopes. Também não há dúvida do ônus do fornecedor com o risco do seu negócio, um risco integral em face do vulnerável consumidor.
Ocorre que, não adianta discursos retóricos, empolgantes, se não fizer a análise complexa do que a pandemia está trazendo. Sem embargo, o CDC é uma norma que protege o consumidor, o vulnerável e hipossuficiente consumidor. Mas também, é o CDC que busca regular e harmonizar as relações de consumo (art. 4º, III do CDC). Em linhas gerais, o microssistema é estruturado para defender o consumidor, mas não admite desequilíbrio na relação gerando onerosidades ao fornecedor. A boa fé objetiva deve ser de ambas as partes com fim de manter o equilíbrio na relação, que 90% das vezes é desequilibrada por condutas dos fornecedores.
Na situação em comento, antes de falarmos em responsabilidade civil, nexo de causalidade, ou até um caso fortuito que o CDC não prevê, mas que poderia quebrar o nexo, temos uma relação de consumo vigente, um contrato vigente.
Assim, por óbvio deve ser verificadas as condutas das partes, as cláusulas contratuais abusivas e, destacadamente, o fato superveniente (COVID-19) que possa gerar uma onerosidade excessiva ao consumidor, como a perda de uma passagem aérea ou a perda total do que foi gasto em hospedagem. Tais coeficientes de multas também devem ser verificados com possíveis remarcações. Inconcebível que uma companhia aérea ou um hotel cobre o valor de 80% do valor pago como multa.
Não se defende que o fornecedor arque com todos os ônus, gerando prejuízos não só para si, mas para todo o mercado. Como exemplo, temos situações que o STJ admitiu uma multa máxima no valor de 20% para cancelamentos ou remarcações.
Ciente que o risco do negócio é do fornecedor, deve-se diante do desequilíbrio da base objetiva buscar a harmonia, divisão de ônus e prejuízos na relação, que por óbvio recairá em maior grau ao hipersuficiente fornecedor. Fato que jamais redunda dizer que o consumidor terá direito a tudo. Análogo ao que o STJ decidiu no caso da indexação do dólar em contratos de leasing, analisou-se o fato superveniente, desconstituiu-se as práticas e cláusulas abusivas e dividiu o ônus do fato superveniente equitativamente entre os consumidores e fornecedores. Repete-se, como o risco do negócio é do fornecedor, por óbvio, o grau do seu ônus será maior. Enfim, temos uma relação contratual ainda a ser tratada, discutida, antes de falar em responsabilidade civil (que não é impossível a luz do desvio produtivo, do dano temporal).