Luiz Francisco de Oliveira
Promotor de Justiça
Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Uuniversidade Federal do Tocantins
William Santos de Oliveira
Advogado inscrito na OAB/TO
Pós graduando em Direito Eleitoral
O art. 196 da Constituição Federal de 1988 define claramente que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Segundo Santos de Oliveira (2018), o direito à saúde só constou da Constituição Federal após muito esforço do Movimento da Reforma Sanitária (MRS). Tal direito está elencado como um Direito Fundamental assegurado entre os entes federativos previstos na Constituição Federal de 1988: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Diante disso, podemos perceber que somente no atual texto constitucional brasileiro é que foi dada a devida atenção à saúde.
Na Constituição de 1988 estão previstos os direitos humanos do país, quais sejam, fundamentais, sociais e econômicos, que demandam execução imediata. Surge então uma indagação: em qual modalidade de direitos humanos o direito à saúde está inserido? Conforme dispõe o artigo 6º da Constituição Federal de 1988 o direito à saúde trata-se de um direito social. Sabe-se que os direitos sociais são aqueles que buscam melhorar as condições de vida e trabalho para todos. Portanto, o direito à saúde é garantido a toda sociedade, não comportando nenhuma exceção.
Os direitos sociais também são conhecidos doutrinariamente no Brasil, como direitos de segunda geração ou dimensão, por ser obrigação do Estado.
Se a implementação dos direitos sociais é de alta complexidade, o direito à saúde se torna ainda mais complicado em face de seus princípios e diretrizes constantes em nossa Constituição Federal.
A saúde é uma questão social que deve ser compartilhada entre Estado e cidadãos. Quando se fala em Estado está se falando em Poder Legislativo, Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia e sociedade, dentre outros, e não apenas o Poder Executivo.
Diante da pandemia do novo coronavírus, os Entes Estatais têm adotado medidas para prevenir e conter o coronavírus, bem como tratar as pessoas que tenham sido contaminadas. São medidas necessárias, duras, no sentido de evitar a propagação dessa terrível doença.
Coronavírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus foi descoberto em 31/12/19 após casos registrados na China e provoca a doença chamada de coronavírus, também conhecida como COVID-19.
Os primeiros coronavírus humanos foram isolados pela primeira vez em 1937. No entanto, somente em 1965 que o vírus foi descrito como coronavírus, em decorrência do perfil na microscopia, parecendo uma coroa.
A maioria das pessoas se infecta com os coronavírus comuns ao longo da vida, sendo as crianças pequenas mais propensas a se infectarem com o tipo mais comum do vírus. Os coronavírus mais comuns que infectam humanos são o alpha coronavírus 229E e NL63 e beta coronavírus OC43, HKU1.
Devido ao pânico registrado em todas as partes do mundo, necessário tecermos algumas considerações sobre o que fazer para prevenir o contágio.
Segundo a Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, as investigações sobre as formas de transmissão do coronavírus ainda estão em andamento, mas a disseminação de pessoa para pessoa, ou seja, a contaminação por gotículas respiratórias ou contato, está ocorrendo. Portanto, qualquer pessoa que tenha contato próximo (cerca de 1 metro) com alguém com sintomas respiratórios está em risco de ser exposta à infecção.
É importante observar que a disseminação de pessoa para pessoa pode ocorrer de forma continuada, sendo que ainda não está claro com que facilidade o coronavírus se espalha de pessoa para pessoa.
Apesar de estudos em andamentos, a transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como: gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, bem como contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.
O período médio de incubação por coronavírus é de 5 dias, com intervalos que chegam a 12 dias, período em que os primeiros sintomas levam para aparecer desde a infecção. Outro detalhe importante diz respeito ao fato da transmissibilidade dos pacientes infectados pelo coronavirus ser em média de 7 dias após o início dos sintomas. No entanto, dados preliminares do coronavírus sugerem que a transmissão possa ocorrer mesmo sem o aparecimento de sinais e sintomas.
Muitos estão criticando ou afirmando que não cumprirão as determinações emanadas dos Órgãos Públicos. Tais determinações são de observãncia obrigatória. Como exemplo pdoemos citar que em situações normais as reuniões em público não necessitam de autorização, embora tenham que ser comunicadas ao poder público competente. Por outro lado, infelizmente não estamos vivendo em situações normais, pois todo o mundo encontra-se sob o surto de uma virose que foi qualificada pela OMS como pandemia.
Os profissionais de saúde são unânimes em afirmar que uma das medidas básicas de prevenção contra a ampla disseminação do contágio do vírus é evitar a aglomeração de pessoas, posto que o contágio pode se dar pelas vias aéreas, ou seja, o mero fato de respirar próximo a um indivíduo contaminado é suficiente para gerar o contágio.
É por isso que tem que ser louvado a atuação dos governos estaduais e municipais em decretarem suspensão de aulas ou eventos que possam haver aglomeração de pessoas. Tal medida afigura-se totalmente necessária, na medida em que reduz a possibilidade de proliferação da doença. Se em situações normais vemos dificuldades em prover o sistema de saúde de recursos financeiros, no estágio atual todos os esforços devem ser redobrados, pois estamos à porta de uma gravíssima crise de saúde pública, se é que ela já não chegou.
A pandemia do Covid-19 é o princípal assunto, quiçá único, em nossos meios de comunicação social. Com isso surge a imprescindível atuação estatal na contenção da doença, bem como na proteção da população. Entretanto, essa atuação impõe limites e restrições às algumas liberdade fundamentais.
A pandemia do coronavirus está assolando o mundo, trazendo tristeza e desespero entre os seres humanos. É necessário que os líderes políticos tomem todas as providências cabíveis para conter a doença, bem como fazer todo o possível para que a vida, direito humano mais que fundamental, seja protegido de todas as formas.
Infelizmente algumas pessoas têm a ideia retrógrada de que determinados direitos fundamentais garantidos constitucionalmente não podem ser suprimidos, caso do direito à liberdade, direito de ir e vir, entre outros. Ouve-se casos de religiosos dizendo que o culto religioso é de livre exercício. De fato, o artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso VI, preconiza que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;” (grifo nosso).
Entretanto, inexiste direito absoluto no ordenamento pátrio. Não obstante a garantia constitucional do livre exercício dos cultos religiosos, a Administração Pública tem o dever de sempre atuar em conformidade com o princípio da legalidade. Ora, se uma igreja emite som em volume muito alto pode acabar sendo interditada até adequação aos limites de decibéis definidos pelo município, o que dizer diante da pandemia do coronavirus?
Há alguns juristas que tem o entendimento de que os cultos religiosos só podem ser suspensos diante do Estado de Defesa ou de Sítio, previstos nos artigos 136 e 137 da Constituição Federal de 1988.
Estamos diante de um conflito entre dois valores constitucionais: liberdade religiosa versus proteção da saúde e da vida das pessoas. Logicamente nenhum direito fundamental pode ser totalmente descartado, pois ambos devem ter a máxima proteção possível.
Quando o poder público atua para impedir aglomeração de pessoas para evitar a proliferação do coronavirus, seja em qual evento for, no caso está sendo priorizado o direito à vida. O culto pode (e deve) continuar ser exercido, não havendo que se falar em prejuízo liberdade religiosa.
No momento atual, é necessário ponderar limites à tais direitos nos casos de conflito com o direito à vida. Ora, se até a vida não é um direito absoluto, o que dizer dos outros?
Isto explica porque está sendo aplicado o princípio administrativo da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
O Estado, principalmente os governadores, estão criando medidas que prevêem isolamento e/ou quarentena compulsórios, realização obrigatória de exames médicos, vacinas e tratamentos, restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, podendo haver, inclusive, requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas. E essas medidas estão preconizadas na Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, publicada antes da pandemia iniciar no Brasil.
O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é um princípio implícito, que tem suas aplicações explicitamente previstas em norma jurídica. Para Bandeira de Mello (1994, p. 20), a prevalência dos interesses da coletividade sobre os interesses dos particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável e justifica a existência de diversas prerrogativas em favor da Administração Pública, tais como a presunção de legitimidade e a imperatividade dos atos administrativos, os prazos processuais e prescricionais diferenciados, o poder de autotutela, a natureza unilateral da atividade estatal, entre outras. Trata-se, pois, das prerrogativas administrativas. A essência desse princípio está na própria razão de existir da Administração, ou seja, a Administração atua voltada aos interesses da coletividade.
Para Di Pietro (2010, p. 95-97), o princípio da supremacia do interesse público está presente tanto no momento de elaboração da lei como no momento de execução em concreto pela Administração Pública. Dessa forma, o princípio serve para inspirar o legislador, que deve considerar a predominância do interesse público sobre o privado na hora de editar normas de caráter geral e abstrato.
Assim, em uma situação de conflito entre interesse de um particular e o interesse público, este último deve predominar. É por isso que a doutrina considera esse um princípio fundamental do regime jurídico administrativo.
Portanto, o interesse jurídico na preservação da saúde da população prevalece sobre o interesse, também tutelado constitucionalmente, de garantia à liberdade de reunião e de diversão, posto que, para se ter dignidade, é preciso se resguardar antes de mais nada a vida. Isto porque a ocorrência de aglomeração de pessoas atrai o risco de proliferação do contágio da moléstia, o que é objeto de justa preocupação pelas autoridades sanitárias.
Diante do quadro de pandemia declarado pela OMS, é necessário a tomada de medidas extremas, até mesmo porque em nosso país não há leitos disponíveis para fazer frente à doença. Os especialistas afirmam que é necessário achatar a curva da pandemia. O que isto significa? É uma medida crucial para evitar a sobrecarga dos serviços de saúde e limitar o número de mortes. Ou seja, significa atrasar o pico da pandemia. O objetivo final do achatamento da curva não é travar a pandemia, mas apenas abrandá-la o suficiente para salvar vidas.
Mas isso pode ser importante? A resposta é afirmativa! Nenhum sistema de saúde do mundo aguentaria a sobrecarga de um pico de coronavirus sem controle.
Nisto está a importância do isolamento. Conforme publicado no site https://www.publico.pt/, os cientistas defendem que o distanciamento social intermitente acompanhado com ações intensas na vigilância da doença pode “permitir que as intervenções sejam relaxadas temporariamente em janelas de tempo relativamente curto, mas as medidas precisarão ser reintroduzidas se ou quando os números de casos voltarem”.
Há de ser louvada a atuação do Ministério Público do Estado do Tocantins que expediu diversas recomendações para que todos observem as normas emanadas pelos órgãos estaduais e municipais, suspendendo as atividades dos shopping centers e afins, bares, restaurantes, cinemas, clubes, academias, boates, teatros, casas de espetáculo e casas de eventos, para evitar a aglomeração de pessoas. O descumprimento poderá ensejar responsabilização cível, administrativa e criminal.
No âmbito interno, em consonância com as diretrizes das autoridades sanitárias competentes, a Procuradora-Geral de Justiça, Dra. Maria Cotinha Bezerra Pereira, publicou diversos atos para evitar a transmissão ou propagação do coronavirus entre os integrantes do Ministério Público estadual. Pela PGJ também foi feita a Recomendação nº 002/2020 dirigida ao Governo do Estado, ao Comando-Geral da Polícia Militar, à Secretaria de Segurança Pública e à Secretaria de Estado da Saúde recomendando que os servidores públicos da saúde, policiais civis e militares cedidos a outras instituições retornem aos seus órgãos de origem, sem prejuízo da remuneração. Tal medida visa preservar os serviços considerados prioritários para a preservação da saúde e segurança dos cidadãos, por ocasião da pandemia do Coronavírus.
O Ministério Público do Estado do Tocantins vem adotando todas as medidas administrativas ou judiciais cabíveis, visando garantir o integral cumprimento das medidas restritivas determinadas pelos Chefes dos Poderes Executivo Estadual e Municipal, para contenção e prevenção ao Covid-19, doença que está pondo decretadas pelas autoridades sanitárias no âmbito federal, estadual e municipal.
A batalha será árdua, porém temos que auxiliar as autoridades civis e militares, fazendo a nossa parte e agindo em favor do espírito coletivo. Juntos venceremos esta batalha!
REFERÊNCIAS
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O princípio da Supremacia do Interesse Público: Sobrevivência diante dos ideais do Neoliberalismo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; RIBEIRO, Carlos Vinicius Alves Ribeiro (coords.). Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010.
MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 6ª edição. Niterói: Impetus, 2012.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994.
PARANÁ. Secretaria de Saúde do Estado do Paraná. Disponível em <http://www.saude.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=3511>. Acesso em 19 Mar 2020.
SANTOS DE OLIVEIRA, William. Opinião dos administrados de Dianópolis sobre a prestação do serviço de saúde por parte da administração e a intervenção do Judiciário. Monografia apresentada como Trabalho de Conclusão do Curso de Bacharel em Direito. Unitins. 2018.