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LEI ANTICRIME E SAÍDA TEMPORÁRIA

Analisa a proibição de Saída Temporária para autores de crimes hediondos com resultado morte pela Lei 13.964/19.

 

Autores: Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia aposentado, Assessor e Parecerista Jurídico, Mestre em Direito Social, Pós – graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia, Medicina Legal e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós – graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal e Gianfranco Silva Caruso, Promotor de Justiça na Comarca de Cruzeiro, Estado de São Paulo, Mestre em Direitos de Titularidade Difusa e Coletiva, Pós – graduado em Direito Público e em Direito Penal, Professor de Direito Administrativo e de Direito Processual Penal do Curso de graduação e pós-graduação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo. Co-coordenador do Núcleo Regional, da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (Vale Histórico).

 

O artigo 122 da Lei de Execução Penal (LEP – Lei 7.210/84) regula a chamada “saída temporária”.

Conforme leciona Marcão:

Nos precisos termos do art. 122 da Lei de Execução Penal, os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, vale dizer, sem escolta, nos seguintes casos: I – visita à família; II – frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do segundo grau ou superior, na comarca do juízo da execução; III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

A denominação saída temporária é apropriada, já que a ausência será autorizada por tempo determinado e não poderá ultrapassar o tempo máximo de sete dias, daí a denominação temporária, contrapondo-se à permissão de saída, onde não há tempo determinado por lei para a ausência autorizada e com escolta (grifos no original). [1]

 

Desde logo se constata que não deve a “saída temporária” ser confundida com a “permissão de saída”. Esta segunda, de acordo com o mesmo autor em destaque, tem as seguintes características:

A permissão de saída, regulada nos arts. 120 e 121 da Lei de Execução Penal, funda-se basicamente em razões humanitárias e tem por finalidade permitir aos condenados que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto e aos presos provisórios sair do estabelecimento, mediante escolta, em caso de falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira ou companheiro, ascendente, descendente, irmão ou irmã, ou em caso de necessidade de tratamento médico. [2]

Ademais, enquanto a “saída temporária” somente pode ser autorizada pelo Juiz da Execução, a “permissão de saída” é ato administrativo de atribuição do Diretor do respectivo estabelecimento. [3]

A “saída temporária” constitui mecanismo componente do chamado “Sistema Progressivo de Cumprimento de Pena”, conforme leciona Mirabete, expondo ainda o escólio de Dotti:

As saídas temporárias servem para estimular o preso a observar boa conduta e, sobretudo, para fazer-lhe adquirir um sentido mais profundo de sua própria responsabilidade, influindo favoravelmente sobre sua psicologia. Sua maior justificação dogmática, segundo René Ariel Dotti, está em preparar adequadamente o retorno à liberdade e reduzir o caráter de confinamento absoluto da pena privativa de liberdade, caracterizando uma etapa da forma progressiva de execução e podem ser consideradas como a sala de espera do livramento condicional. [4]

Estes dois institutos, de acordo com sua topografia na Lei de Execução Penal, podem ser qualificados como espécies de um gênero chamado de “autorizações de saída”, tratado na seção III, de um capítulo que versa sobre a execução de penas privativas de liberdade.

Também não devem tais institutos ser confundidos com os denominados “Favor Principis” da Anistia, da Graça e do Indulto. Estes constituem não uma saída temporária ou necessária do estabelecimento e depois um retorno para continuidade do cumprimento da pena ou da prisão provisória. São causas de extinção de punibilidade que põem fim à pena. Esses “Favor Principis” são vedados expressamente, por exemplo, a quaisquer crimes hediondos ou equiparados (artigo 5º., XLIII, CF c/c artigo 2º., I da Lei 8.072/90), [5] o que em geral não acontece com as autorizações de saída da Lei de Execução Penal. Esse alerta é interessante porque é comum no dia a dia policial presenciar leigos e os próprios reeducandos mencionarem que estão “de indulto” (sic) quando, na verdade, receberam autorização de saída na forma de “saída temporária”. Essa confusão é perdoável para leigos e detentos, mas inadmissível para os versados na área jurídica.

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Vistos esses conceitos iniciais é preciso dizer que a Lei Anticrime (Lei 13.964/19) não alterou a vedação constitucional e legal da anistia, graça e indulto para crimes hediondos e equiparados. Também não modificou em nada o tratamento desses institutos. Na verdade, a lei ordinária jamais poderia alterar o tratamento desses “Favor Principis” em relação aos crimes hediondos ou equiparados sem incidir em inconstitucionalidade.

Também nada se modificou com relação ao regramento legal das “permissões de saída”. Elas são possíveis tanto para condenados por crimes comuns, quanto para condenados por crimes hediondos ou equiparados, bem como para presos provisórios.

Finalmente, as “saídas temporárias” continuam também permitidas, nos termos acima expostos, em geral, tanto para crimes comuns, como para crimes hediondos ou equiparados. Mas, uma novidade advém com a Lei 13.964/19. A partir de sua entrada em vigor não mais será permitida a “saída temporária para aqueles condenados que cumpram pena pela prática de “crime hediondos com resultado morte”. Essa é a nova redação dada pela Lei 13.964/19 ao artigo 122, § 2º., da LEP (Lei 7.210/84).

Pode-se então afirmar que a “saída temporária” será possível para quem cumpra pena em regime semiaberto por crime comum ou mesmo por crime hediondo ou equiparado, desde que não haja resultado morte. O crime poderá ser marcado pela violência ou grave ameaça, lesões graves etc., mas não pela morte.

Por exemplo, será possível a “saída temporária” para condenados por tráfico de drogas, por falsificação de medicamentos, por furto com emprego de explosivos e até mesmo por estupro, roubo com emprego de arma de fogo, extorsão mediante sequestro, extorsão com qualificadora de sequestro etc.

Entretanto, em casos como homicídio qualificado, homicídio em atividade típica de grupo de extermínio, latrocínio, extorsão com sequestro e resultado morte, extorsão mediante sequestro qualificada pela morte da vítima, estupro qualificado pela morte, lesão corporal seguida de morte de agentes de segurança pública em razão ou no exercício da função, estupro de vulnerável com morte, epidemia com resultado morte, genocídio com morte, tortura qualificada pela morte etc., não se poderá pleitear o benefício ou, se for, mesmo assim, pleiteado, deverá ser negado.

Interessante notar que os crimes arrolados como hediondos ou equiparados o são tanto nas formas consumadas como tentadas. Quando se trata de crimes qualificados pelo resultado preterdoloso da morte (v.g. estupro qualificado pela morte etc.), não haverá problema, já que a forma qualificada somente advirá com o resultado morte e então haverá a vedação legal.

Mas, nos casos de crimes dolosos em que houver mera tentativa e não acontecer a morte, ou seja, o resultado pretendido pelo autor, não haverá vedação da “saída temporária”. Serão exemplos o homicídio qualificado tentado, o homicídio tentado em atividade típica de grupo de extermínio, o genocídio mediante a morte de uma ou várias pessoas, desde que somente tentado, sem o resultado morte alcançado, o latrocínio tentado, a extorsão qualificada pela restrição da liberdade e tentada em relação à morte; a extorsão mediante sequestro com tentativa de morte da vítima. [6] Nesses casos, o “resultado morte” impeditivo do benefício não ocorre e, portanto, não há vedação por força do Princípio da Legalidade.

Não se olvida que possa surgir entendimento no sentido de que o “resultado” mencionado pelo legislador para vedar a saída temporária aos condenados por crime hediondo com resultado morte seja o normativo e não o naturalístico.

Nessa ordem de ideias, seria possível se sustentar que os autores dos delitos acima mencionados, ainda quando a morte não ocorresse materialmente, ou seja, mesmo quando a vítima não morresse (por exemplo, no caso de um homicídio qualificado tentado), estariam impedidos de receber o benefício.

Para melhor compreensão dessa linha de exegese, mister percorrer o conceito de resultado, dentro do conceito analítico de crime.

O resultado, na clássica definição de Damásio Evangelista de Jesus é “a modificação do mundo exterior provocada pelo comportamento humano voluntário”[7].

Ocorre que a doutrina identifica duas teorias para o resultado, sendo a primeira naturalística e a segunda normativa ou jurídica; daí o chamado “resultado naturalístico” e “resultado normativo”.

Para a primeira teoria, o resultado compreende exatamente essa noção de mudança concreta (física) no mundo, em razão do comportamento humano. Dentro dela é que faz sentido aquela classificação de “crimes materiais” (que apresentam resultado naturalístico e sua consumação depende da ocorrência daquele), “crimes formais” (que prescindem desse resultado para sua consumação) e “crimes de mera conduta” (que o tipo penal descreve apenas a conduta, sem mencionar o resultado naturalístico)[8].

A teoria do resultado normativo pronuncia que o resultado da conduta é a lesão ou perigo de lesão de um interesse protegido pela norma. Nessa perspectiva que se pode ver a classificação de “crimes de dano” (cuja consumação exige a efetiva lesão ao bem jurídico) e “crimes de perigo” (quando a consumação se contenta com a exposição do bem jurídico a uma situação de perigo)[9].

Feita essa digressão percebe-se por que se poderia sustentar que os autores desses crimes, mesmo quando não ultimada a morte da vítima, seriam impedidos de obter o benefício: porque foram autores de crime hediondo com resultado (normativo) morte.

Esse, todavia, não parece ter sido o propósito nem o sentido invocado pelo legislador. Parece que o legislador pretendeu aumentar o rigor quando o crime hediondo provocar a morte de alguém, seja porque a conduta adquire maior reprovabilidade social seja porque concretamente foi mais lesiva.

Em sequência, oportuno pontuar que, embora a lei somente se refira aos “crimes hediondos com resultado morte”, entendemos que atinge também eventuais crimes equiparados a hediondos com resultado morte, como terrorismo ou tortura, eis que a equiparação se dá por força constitucional e de lei, de modo que a vedação aplicável aos crimes hediondos deve abranger os equiparados (inteligência do artigo 5º., XLIII, CF c/c artigo 2º., “caput” da Lei 8.072/90).

A vedação à “saída temporária” nos casos de crimes hediondos com resultado morte somente será aplicada àqueles infratores que praticarem crimes dessa espécie após a entrada em vigor da Lei 13.964/19. O dispositivo não pode ter força retroativa, tendo em vista tratar-se de “novatio legis in pejus” de natureza híbrida (penal e processual penal). Portanto, infratores que já cumprem pena e tinham deferidas suas “saídas temporárias” continuarão a obter o benefício normalmente. Essa questão já foi inclusive objeto de apreciação pelo E. TJSP, que referendou esse entendimento e reformou decisão que considerava que a vedação poderia ser aplicada a execuções em andamento por ter natureza exclusivamente processual penal (TJSP, HC 2040060-83.2020.8.26.0000, Des. Márcio Bartoli, 1ª. Câmara de Direito Criminal, 05.03.2020). [10]

REFERÊNCIAS

ANGELO, Tiago. Alteração que proíbe saída temporária de presos não pode retroagir. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-mar-08/fimde-alteracao-proibe-saida-temporaria-presos-nao-retroagir, acesso em 16.03.2020.

 

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 7ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2019.

 

DOTTI, René Ariel. A Crise da Execução Penal e o Papel do Ministério Público. Revista Justitia. n. 129, p. 34 – 54, abr./jun., 1985.

 

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume 2. 15ª. ed. Niterói: Impetus, 2018.

 

JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal. 1. vol., 28ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

 

LEAL, João José. Crimes Hediondos. 2a. ed. Curitiba: Juruá, 2004.

 

MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

 

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 3ª. ed. São Paulo: Atlas, 1990.

 

 

 

 

 

 

 

 


[1] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 229.

[2] Op. Cit., p. 227.

[3] Cf. Op. Cit., p. 227 e 233.

[4] MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 3ª. ed. São Paulo: Atlas, 1990, p. 311 – 312. Cf. ainda DOTTI, René Ariel. A Crise da Execução Penal e o Papel do Ministério Público. Revista Justitia. n. 129, abr./jun., 1985, p. 52.

[5] LEAL, João José. Crimes Hediondos. 2a. ed. Curitiba: Juruá, 2004, p. 184 – 185.

[6] Lembremos que o latrocínio ou roubo seguido de morte pode ocorrer nas formas dolosa ou preterdolosa e na forma dolosa é possível a figura da tentativa. O mesmo se diga com relação à morte no crime de extorsão qualificado pela restrição da liberdade da vítima e no crime de extorsão mediante sequestro qualificada. Ver por todos: GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume 2. 15ª. ed. Niterói: Impetus, 2018, p. 649. Lembremos, ainda, que, de acordo com entendimento majoritário, arvorado na Súmula n.610, do Supremo Tribunal Federal, haverá crime de latrocínio consumado – e daí a aplicação da vedação em exame – quando a morte se consuma, ainda que o agente não alcance a subtração dos bens.

[7] JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 1. vol., 28ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 243.

[8] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 7ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 273.

[9] Op. Cit., p. 274.

[10] ANGELO, Tiago. Alteração que proíbe saída temporária de presos não pode retroagir. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-mar-08/fimde-alteracao-proibe-saida-temporaria-presos-nao-retroagir, acesso em 16.03.2020.

Sobre os autores
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Gianfranco Silva Caruso

Gianfranco Silva Caruso, Promotor de Justiça na Comarca de Cruzeiro, Estado de São Paulo, Mestre em Direitos de Titularidade Difusa e Coletiva, Pós – graduado em Direito Público e em Direito Penal, Professor de Direito Administrativo e de Direito Processual Penal do Curso de graduação e pós-graduação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo. Co-coordenador do Núcleo Regional, da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (Vale Histórico).

Informações sobre o texto

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