CORONAVÍRUS E SEUS REFLEXOS DIANTE DE CONTRATOS CIVIS E CONSUMERISTAS
Há algumas semanas o assunto mais comentado, certamente, é a pandemia do novo coronavírus. Infelizmente passamos por um momento delicado e, o mais preocupante, é a falta de certeza de até quando isso irá perdurar.
Diante deste cenário, surgem inúmeras preocupações. Obviamente, o bem da vida, isto é, a nossa saúde, fica em primeiro plano. Entretanto, outras tantas incertezas são geradas e não devem ser ignoradas.
Desde relações entre empregador e empregado, como, por exemplo, a polêmica Medida Provisória n° 927 que, em seu texto inicial, previa a suspensão dos contratos de trabalho por até 04 meses sem salário, até relações contratuais são diretamente afetadas.
Assim, neste texto, buscarei em poucas linhas e sem exaurir o tema, traçar um breve esboço de quais são as consequências práticas que o novo coronavírus pode causar nas relações contratuais civis e consumeristas. Vejamos.
Primeiro, qual seria a diferença entre contrato civil e consumerista? Basicamente é que no contrato civil a legislação aplicada será o Código Civil e no contrato consumerista, o Código de defesa do Consumidor.
Ok, resposta bem óbvia. Mas quando irei identificar se é um contrato civil ou contrato de consumo? Se contrato civil, existe duas ou mais partes em posições iguais. Se de consumo, de um lado há o consumidor (aquele que adquire ou utiliza o produto ou serviço como destinatário final) e de outro o fornecedor, que comercializa, produz, cria, distribui e etc., produtos ou serviços.
Em um ou outro caso, a pandemia do novo coronavírus interfere de alguma forma? A depender da situação, sim! E qual seria esta interferência?
Vejamos, primeiro, em se tratando de contrato civil.
Existem 03 (três) institutos previstos no Código Civil que, diante de cenários inesperados (como da covid 19), permitem o interessado se socorrer ao judiciário, a fim de ser resguardado de alguma forma. Estes institutos são denominados: (i) teoria da imprevisão; (ii) onerosidade excessiva; (iii) caso fortuito ou força maior. Vejamos cada um deles.
Quanto a teoria da imprevisão, que está prevista no art. 317 do CC/02, tem como requisitos: evento superveniente, imprevisível e desproporcionalidade no valor da prestação, no momento da execução do contrato, requisitos este que, se presentes, autorizam a revisão contratual.
Vejamos um exemplo: contrato de prestação de serviço, firmado em novembro de 2019, a ser prestado por A em favor de B, pelo período de 15 meses, não sujeito a lei trabalhista. Diante do cenário do coronavírus em determinado município, determinou-se, no início de 2020, pela paralização de todos os serviços não essenciais, pelo prazo de 05 meses, onde o serviço prestado por A se encaixa como serviço não essencial, sendo paralisado, portanto.
Nesta situação, por se tratar de evento superveniente a formação do contrato, imprevisível, pois, quando firmado o contrato, não havia qualquer possibilidade de pandemia e, ainda, como o tomador de serviços irá pagar, sem, a princípio, ter qualquer retribuição durante estes cinco meses, poderia, nesta situação, pedir uma revisão contratual, a fim de adequar os valores a realidade vivenciada pelas partes.
Agora, imaginemos que neste mesmo exemplo, o decreto baixado pelo município suspenda referidas atividades por tempo indeterminado. Poderia o tomador de serviços pedir a rescisão contratual? Se ele comprovar todos aqueles requisitos da teoria da imprevisão acima citados, bem como que o pagamento efetuado por ele está extremamente oneroso e está causando uma vantagem extrema a parte contrária, no caso o prestador de serviços, tendo em vista que está recebendo sem trabalhar, poderia sim, em aplicação a teoria da onerosidade excessiva, prevista no art. 478 do CC/02.
Por último, temos o caso fortuito/força maior, previstos no art. 393 do CC/02. Segundo a doutrina majoritária, caso fortuito/força maior são eventos supervenientes, imprevisíveis e inevitáveis, não imputada a qualquer das partes. Num primeiro momento, parece bem similar a teoria da imprevisão ou a onerosidade excessiva, porém, são institutos diferentes, com consequências diferentes.
Em se tratando de caso fortuito/força maior, a princípio, a parte não responderá pelos seus prejuízos, salvo se expressamente por eles tiver se responsabilizado. Isto é, se houver caso fortuito/força maior e a parte, por conta disso, não cumpriu o contrato, não deverá ser penalizada, que seja através de juros, multa e etc., salvo se houver previsão no contrato que, mesmo diante de caso fortuito/força maior, ela irá responder.
Um caso que podemos usar como exemplo foi a greve dos caminhoneiros, no ano de 2018. Muitos deixaram de cumprir o contrato por conta deste fato. Assim, se não houvesse previsão em contrário no contrato, não poderia a parte ser responsabilizada por este descumprimento.
A mesma premissa pode ser aplicada ao caso da pandemia do coronavírus. Se uma das partes deixar de cumprir determinado contrato e comprovar que referido descumprimento se deu por conta do coronavírus, acredito que não poderá ser responsabilizada.
Por exemplo: deveria a parte entregar determina mercadoria em um estado vizinho, mas, por conta da pandemia, as fronteiras interestaduais foram fechadas. Neste caso, não poderia a parte contrária pleitear a aplicação de multa pelo descumprimento contratual, salvo se, como dito, houver previsão em sentido contrário no contrato, o que é plenamente lícito, principalmente após a vigência da Lei n° 13.874, conhecida como MP da Liberdade Econômica, que inseriu o art. 421-A, inc. II no CC/02, ratificando, mais ainda, a licitude de referidas conveções.
Percebam que os três institutos possuem características e consequências distintas, devendo ser analisado caso a caso.
Por fim, em se tratando de relações consumeristas, há uma previsão normativa que também autoriza a revisão/modificação de cláusulas contratuais, onde a doutrina majoritária a denomina de teoria da base objetiva, cuja qual está prevista no art. 6°, inc. V do CDC.
Trazendo referido conceito ao caso da pandemia do coronavírus, pergunto: seria possível o consumidor, a pretexto da pademia do coronavírus, modificar seu contrato, postergando o pagamento, por exemplo? De igual forma, a depender do caso, acredito que sim, frente a aplicação da teoria da base objetiva.
Para tanto, deve o consumidor comprovar que o coronavírus, fato superveniente a formação do contrato, tornou o contrato excessivamente oneroso a ele. A diferença entre a teoria da base objetiva e a onerosidade excessiva do Código Civil é que naquele, não é necessário a comprovação de evento imprevisível, basta comprovar a superveniência e a onerosidade excessiva.
Importante ressaltar que o caso fortuito/força maior também se aplica nas relações de consumo.
Assim se o consumidor comprovar que não cumpriu o contrato por conta do coronavírus e que referido fato é caso fortuito/força maior, também não sofrerá as consequências da inadimplência.
E a recíproca também se aplica ao fornecedor. Se o fornecedor não cumprir o contrato em decorrência deste mesmo fato (pandemia do coronavírus) e comprovar que é caso fortuito/força maior, também não sofrerá as consequências do inadimplemento.
Um exemplo deste último caso são as inúmeras passagens áreas que estão sendo canceladas por este motivo. A companhia aérea não poderá ser penalizada, porém, deve fornecer ao consumidor a opção de reembolso ou remarcação do voo.
De todo modo, deve analisar o caso concreto e tentar sempre resolver de forma amigável, torcendo para que referida crise passe o mais rápido possível.