Certa vez o grande sábio chinês Lao Tsé, no livro Tao Te Ching disse:
“A moralidade e o direito nasceram / Quando o homem deixou de viver / Pela alma do Universo. / Com a tirania do intelecto / Começou a grande insinceridade; / Quando se perdeu a noção da alma, / Foi decretada a autoridade paterna / E a obediência dos filhos. / Quando morreu a consciência do povo, / Falou-se em autoridade do governo / E lealdade dos cidadãos.”
Quanto mais a essência for perdida, mais o homem irá se perder. Claro que, para podermos nos achar, devemos nos perder. O grande problema é que a humanidade há muito não mais tem conseguido retornar ao caminho que perdeu. O caminho da verdadeira evolução espiritual. Somos mais do que um invólucro de carne, que perece e está sujeito ao desgaste do tempo. Somos alma e essência do Universo.
Em grande medida o direito surgiu como forma de dominação. Regras foram criadas para subjugar, para controlar, para que o poder pudesse estender suas raízes a longas distâncias. Como já advertiram os romanos, nem tudo o que é honesto é justo - summum jus, summa injuria – “o máximo direito, o máximo da injustiça”.
Pode ser que um determinado comportamento esteja inserido em determinada norma legal, mas isso não significa que referida norma seja justa. O Estado tirano de 1964, quando do golpe militar, não era justo, mas era legal, posto que estava previsto em lei a dominação do cenário político pelos militares. Além disso, não os esqueçamos do regime nazista.
Muitos condenados pelo Tribunal de Nuremberg alegaram, em suas defesas, o estrito cumprimento do dever legal, ou seja, cumpriram ordens decorrentes da legislação vigente à época.
Justamente por isso o positivismo jurídico teve que sofrer abrandamentos decorrentes do direito natural que, hodiernamente, é exposto em nosso ordenamento jurídico por meio dos princípios gerais do direito, com previsão no arts. 4º (“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”) e 5º (“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”) da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - Lei nº 13.376/2010), bem como o art. 8º do Código de Processo Civil que giza: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. Há inúmeras outras previsões legais. Ficaremos com essas apenas à guisa de exemplo.
A questão é que as normas existem para regulamentar aquilo que se desviou de sua essência primordial e, para evitar o caos e a desordem, regras foram necessárias. Regras essas que preveem consequências para o caso de descumprimento, pois, caso contrário, seriam normas inócuas. Sem consequências as normais não teriam natureza legal, mas, apenas moral. Seriam de observância facultativa e não obrigatória, o que não garantiria o controle social que se almeja.
Quando o homem voltar a viver a essência do universo, certamente, poderá deixar de lado o direito e viver a justiça em sua plenitude. Regras devem ser uma bússola para pautar a conduta em sociedade, mas jamais devem ser utilizadas como instrumento de dominação, de controle.
Jamais o legal poderá se sobrepor ao justo, pois o justo deflui da essência humana, aquilo que os jusfilósofos chamavam de ¬_direito natural_, um direito que não está contigo em códigos, normas ou decretos, mas que está esculpido dentro do coração e da alma de todo ser humano. Toda pessoa sabe o que deve fazer, sabe discernir o certo do errado quando ouve a voz de seu coração, quando permite que sua consciência a guie. Isso, como dizem os japoneses, é o verdadeiro _entendimento com o grande coração_. Quando entendemos com o grande coração percebemos a essência do respeito a tudo o que existe e, diante dessa ampliação da consciência, as normas perdem sentido, porque a própria conduta do indivíduo é sua norma-guia.
As leis podem ser modificadas, revogadas, alteradas, emendadas, distorcidas, mas a lei da alma, a verdadeira lei, aquela que emana da verdadeira essência humana, essa permanecerá a mesma eternamente, assim como vem permanecendo durante séculos. Esta jamais poderá ser revogada ou alterada, distorcida ou ludibriada, mesmo que o homem queira.
O homem ainda não aprendeu que não pode controlar tudo, não pode dominar tudo, mas somente a si mesmo.
Quando o homem tomar consciência destas verdades não precisará de leis, tribunais, prisões e celas, porque cada ser humano saberá de seus próprios limites. Conhecerá, antes de tudo, seus deveres, porque a partir deles os direitos fluem normalmente.
Se cada ser humano se contentasse com o que tem e lutasse para conquistar, com seu esforço, aquilo que almeja, não haveria roubos, furtos, assassinatos, latrocínios e todo o tipo de barbárie que se vê, todos os dias, em todas as partes do mundo.
Como alguém já disse: “o homem pode burlar os códigos terrenos, mas não pode fugir do tribunal de sua consciência”.
Rodrigo Mendes Delgado
Heloiza Beth Macedo Delgado
Advogados e escritores
*Revisado em 26.III.2020*