Coautor: Jeffrey Chiquini. Advogado criminalista. Especialista em direito penal e processual penal. Professor de processo penal da Escola da Magistratura Federal do Paraná.
Diferentemente da prisão temporária, prevista na Lei nº 7.960/89, as demais medidas cautelares restritivas da liberdade não possuem prazo de duração.[1]
A prisão temporária, conforme dispõe o art. 2º da mencionada lei, possui prazo de duração de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período “em caso de extrema e comprovada necessidade”.
E, segundo o art. 2º, § 4o, da lei dos crimes hediondos, a prisão temporária nos ditos crimes hediondos e equiparados à hediondos, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável uma única vez por igual período.
Já as demais medidas cautelares restritivas da liberdade, como a prisão preventiva e as cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, não possuem prazo de duração, pois a Lei 12.403/2011 nada disse quanto ao prazo de duração das cautelares restritivas da liberdade.
Na ausência do prazo de duração da restrição cautelar da liberdade, prevalece a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, que quer dizer “estando assim as coisas”. Isto significa que as medidas cautelares restritivas da liberdade persistirão enquanto subsistirem os motivos que ensejaram sua decretação. Esta cláusula aplica-se à prisão preventiva e às cautelares restritivas da liberdade diversas da prisão.
Trata-se de observância do princípio da proporcionalidade. Havendo necessidade da restrição cautelar da liberdade do imputado, deverá o juiz utilizar a medida mais adequada ao caso concreto, pelo período que se fizer necessário.
Mas embora a legislação não tenha conferido limite temporal na duração das cautelares restritivas da liberdade, com a edição da Lei 13.964/2019 a legislação processual passou a exigir o reexame da necessidade da sua manutenção, a fim de que seja verificado, em determinados momentos processuais, a existência dos motivos que ensejaram a decretação da medida constritiva da liberdade.
O art. 3º-C, § 2º, do Código de Processo Penal, exige que “(...) após o recebimento da denúncia ou queixa, deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de 10 (dez) dias”.
O mencionado artigo impõe ao juiz que receber a denúncia que analise e decida sobre a necessidade da manutenção da medida cautelar restritiva da liberdade imposta na fase investigatória.
Por sua vez, o novel parágrafo único do art. 316 do Código de Processo Penal exige que “decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal".
Ou seja, as medidas cautelares restritivas da liberdade, previstas no Código de Processo Penal, permanecem sem prazo de duração, mas a legislação processual passou a exigir revisão de ofício pelo juiz da necessidade da manutenção da restrição cautelar da liberdade.
Trata-se da reanálise dos motivos que determinaram a decretação da medida constritiva da liberdade, que deverá ser realizada independentemente de provocação das partes. E a inobservância dessa exigência acarretará no relaxamento da medida decretada.
Buscando, então, solucionar a omissão legislativa quanto ao prazo de duração das medidas cautelares restritivas da liberdade, entendemos que, com a edição do novo texto do parágrafo único do art. 316 do Código de Processo Penal, pela Lei 13.964/2019, as medidas cautelares restritivas da liberdade deverão perdurar por até 90 (noventa) dias da data sua decretação, e eventual prorrogação deste prazo somente se justificará por decisão devidamente fundamentada nas circunstâncias do caso concreto, através de elementos probatórios capazes de demonstrar a necessidade da manutenção da medida constritiva da liberdade à proteção da persecução penal.
A duração da restrição cautelar da liberdade para além de 90 (noventa) dias, sem motivação idônea à justificar o risco gerado pela liberdade do imputado à efetividade da persecução penal, será considerada desarrazoada, tornando a restrição cautelar da liberdade ilegal, devendo, portanto, ser relaxada.
Este raciocínio deve ser feito à prevalência dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, presunção de inocência e duração razoável do processo.
Portanto, se a prisão preventiva for decretada com o fim de assegurar a conveniência da instrução criminal, não poderá a liberdade do acusado suportar os ônus da demora para a conclusão da instrução processual e prolação da sentença penal para além de 90 (noventa) dias.
Aplicando-se este raciocínio, o direito à razoável duração do processo terá maior efetividade, pois os juízes terão maior preocupação com a observância dos prazos. E com a criação dos processos eletrônicos, a utilização desse critério na análise da razoabilidade da duração das cautelares restritivas da liberdade é plenamente possível.
Referências
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único I, 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
PACELLI, Eugenio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017.
PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal, 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.
TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal, 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
[1] RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, HOMICÍDIOS QUALIFICADOS, SEQUESTRO, TORTURA, OCULTAÇÃO DE CADÁVER E CORRUPÇÃO DE MENOR. EXCESSO DE PRAZO. INSTRUÇÃO CRIMINAL ENCERRADA. SÚMULA N.º 52/STJ. IDONEIDADE DOS FUNDAMENTOS DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR. GRAVIDADE CONCRETA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. Na hipótese, as informações prestadas pelo Juízo de primeiro grau dão conta de que a Defesa de IGOR DA SILVA OLIVEIRA apresentou as alegações finais em 16/12/2019. Em consulta ao andamento processual, verifica-se, também, que o derradeiro prazo concedido para as alegações finais de dois réus decorreu no dia 11/02/2020. Dessa forma, encontra-se encerrada a instrução criminal, com a conclusão do procedimento para a finalidade prevista nos arts. 413 e seguintes do Código de Processo Penal. Assim, fica superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo, nos termos da Súmula n.º 52 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Ademais, diante das peculiaridades do caso (recusa dos acusados em sair das celas para o recebimento da citação, que somente ocorreu no dia 08/11/2018, bem como a oitiva de diversas testemunhas e dos Réus - oito, no total - além da juntada do laudo de exame pericial realizado em aparelho telefônico apreendido), o feito segue o seu curso dentro da normalidade. 3. A prisão preventiva do Recorrente foi decretada pelo Juízo de primeiro grau para a garantia da ordem pública, tendo em vista a gravidade em concreto do delito, sob a motivação de que "há indícios de que as vítimas supostamente foram mortas pelos representados e que os mesmos pertencem ao crime organizado, potencializando a sensação de insegurança, por ordem de facção criminosa no Estado" (fl. 64). 4. A custódia cautelar encontra-se suficientemente fundamentada na garantia da ordem pública, especialmente em razão da gravidade dos delitos, pois o Recorrente foi denunciado pela suposta prática de associação criminosa, sequestro, tortura, homicídio qualificado, ocultação de cadáver e corrupção de menor, contra duas vítimas, que teriam sido assassinadas por pertencerem à facção rival. 5. Nos termos de reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é cabível a prisão para a garantia da ordem pública, quando se sabe que o delito de homicídio qualificado foi praticado em decorrência de disputa relacionada ao tráfico drogas, porque patente o risco de reiteração delitiva. 6. Recurso ordinário em habeas corpus conhecido em parte, e nessa extensão, negado provimento, com recomendação de celeridade no encerramento da primeira fase do procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri. (RHC 122.541/RR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 16/03/2020)