Coautor: Jeffrey Chiquini. Advogado criminalista. Especialista em direito penal e processual penal. Professor de processo penal da Escola da Magistratura Federal do Paraná.
As medidas cautelares restritivas da liberdade somente poderão ser utilizadas mediante decisão judicial, pois que limitadoras de direito fundamental, estando vinculadas, portanto, à cláusula de reserva jurisdicional (ou de jurisdição).
Essa exigência deriva do art. 5º, inciso LXI, da Constituição Federal, que preceitua que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”. E constitui garantia da própria jurisdição.
Ferrajoli ensina que “a motivação permite a fundação e o controle das decisões”.[1]
No Código de Processo Penal, a jurisdicionalidade da restrição cautelar da liberdade está prevista no art. 283, que determina que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado”.
Ademais, a nova redação do art. 315 do Código de Processo Penal, editado pela Lei 13.964/2019, é expresso ao exigir que “a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada”.
Ou seja, nem mesmo situação emergencial capaz de amparar a utilização das cautelares pessoais justificaria ausência de motivação na decisão de restrição da liberdade do investigado ou acusado.[2]
O parágrafo 1º do art. 315 do Código de Processo Penal disciplina que “na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”.
Isso significa que na decisão de decretação de medidas cautelares restritivas da liberdade, não é suficiente a fundamentação sobre o preenchimento dos requisitos legais. Deve o juiz justificar sua decisão de restrição da liberdade do imputado nas circunstâncias fático- probatórias do caso concreto.
Em vista disso, para que o decreto das medidas cautelares restritivas da liberdade seja idôneo, necessário se faz que o Juiz especifique, fundamentadamente, as circunstâncias de fato e de direito que justificam a utilização da medida constritiva da liberdade, sob pena de configuração de constrangimento ilegal e declaração de ilegalidade da prisão.
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça[3] já decidiu que “a fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes. Tal fundamentação, para mais, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação não raramente com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada”.
A nova estrutura das medidas cautelares tem como objetivo a superação de decretos cautelares desnecessários ou inadequados, de modo que se passa a exigir decisões fundamentadas nas circunstâncias e nos elementos do caso concreto.
Com a reforma do Código de Processo Penal pelas Leis 12.403/2011 e 13.964/2019, a decisão que decretar as cautelares restritivas da liberdade deverá demonstrar, nas circunstâncias e nos elementos probatórios do caso concreto, a necessidade utilização da medida.
E conforme exigência do princípio da proporcionalidade, demonstrada a necessidade da restrição cautelar da liberdade do imputado, deverá o juiz utilizar a medida mais adequada ao caso concreto. Isso significa que, na fundamentação da decisão judicial, não é suficiente a demonstração da necessidade de restrição da liberdade, exige-se também, e principalmente, que o juiz demonstre que a medida utilizada é a mais adequada às circunstâncias do caso concreto, levando em consideração as particularidades fáticas e processuais do caso em análise.
Portanto, quando da decretação da prisão provisória (preventiva ou temporária) o juiz deverá, inclusive, fundamentar sua decisão na ineficiência das medidas cautelares diversas da prisão ao caso examinado, como dispõe o novo texto do parágrafo 6º do art. 282 o Código de Processo Penal[4].
O novo parágrafo 2º do art. 315 do Código de Processo Penal enumera as hipóteses em que uma decisão judicial não estará suficientemente fundamentada:
Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento." (NR)
E a ausência de fundamentação da decisão constritiva da liberdade do imputado, poderá ser atacada pela via do habeas corpus, nos termos do art. 648, III, do Código de Processo Penal.
Não poderá juiz, entretanto, na decisão de decretação da custaria cautelar, extrapolar na fundamentação do seu convencimento, para que não haja excesso de linguagem, evitando-se ocorra julgamento antecipado, sob pena de violação do princípio do juiz natural.
Ou seja, a decisão que decretar medida cautelar restritiva da liberdade deverá estar fundamentada nas circunstâncias do caso concreto, e a motivação não necessita ser exaustiva, sendo suficiente análise sucinta dos requisitos legais e das circunstâncias fáticas e probatórias do caso sob análise.
Referências
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único I, 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. PACELLI, Eugenio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017. PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal, 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.
TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal, 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
[1] Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2ª ed. Revista dos Tribunais.
[2] PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. QUANTIDADE DE DROGA. REITERAÇÃO DELITIVA. PLEITO DE SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR EM RAZÃO DE GRAVE DOENÇA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.
III - Na hipótese, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, para a garantia da ordem pública, seja pela quantidade do entorpecente apreendido (241 gramas de maconha), além de balança de precisão, embalagens plásticas e outros petrechos utilizados para o comércio ilegal, a indicar um maior desvalor da conduta perpetrada, seja pelo fato de o paciente ostentar condenação anterior pelo mesmo crime de tráfico de drogas em ação penal diversa, o que revela a probabilidade de repetição de condutas tidas por delituosas, em virtude do fundado receio de reiteração delitiva. Precedentes.
IV - Não é cabível a aplicação das medidas cautelares alternativas à prisão, in casu, haja vista estarem presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva, consoante determina o art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal.
V - É firme a jurisprudência deste Tribunal Superior no sentido de que o deferimento da substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, nos termos do art. 318, inciso II, do Código de Processo Penal, depende da comprovação inequívoca de que o réu esteja extremamente debilitado, por motivo de grave doença, aliada à impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra, não bastando para tanto a mera constatação de que o recorrente sofre de doença que necessita de tratamento, como no caso dos autos. Precedentes.
Habeas corpus não conhecido.
(HC 562.706/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 16/03/2020)
[3] STJ, 6a Turma, HC 86.113/DF, Rel. Min. Hamilton Carvalinho.
[4] Art. 282, § 6º, do CPP: “A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada”.