A transação penal é um dos institutos despenalizadores, ao qual visa diminuir o abarrotamento de processos e com isso evitar a instauração de uma lide criminal, permitindo um acordo entre o Ministério Público e o autor do fato, antecipando a restrição de algum direito através da medida penal.
Ao mesmo tempo em que é um instituto de Direito Processual, uma vez que por meio dela se compõe a lide, é um instituto de direito material, visto que os ajustes entre as partes, homologado pelo juiz, implicam a extinção da punibilidade do fato antijurídico, com o fim da divergência.
A pena aplicada na transação penal não tem caráter punitivo, mas sim de uma medida penal aceita pelo autor do fato a fim de evitar o processo, sem admissão de culpa e de posterior inclusão como antecedente criminal.
CONSIDERAÇÕES
No que pese a aplicação do instituto mencionado e sua efetivação na seara criminal conforme dispõe o artigo 61 da Lei 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais, seu alcance é amplo, desde que a pena abstrata cominada, não seja superior a dois anos.
Desse modo, a perspectiva será compreender a legitimidade da proposta de transação penal e sua função social no que concerne a titularidade dessa oferta nos casos de queixa-crime na ação penal privada.
É a função social despenalizadora, que desafoga o judiciário trazendo soluções em centenas de ações, ao mesmo tempo em que existe a omissão legal quanto a quem deve ofertá-la no âmbito da ação penal privada.
DO CONFLITO DA TRANSAÇÃO PENAL E A FUNÇÃO SOCIAL
A função social dos Juizados Especiais criminais é a paz e harmonia entre os cidadãos, conciliar conflitos, e não parece salutar deixar à titularidade da proposta a cargo do querelante que na grande maioria das vezes entende que trazer o mais elevado ônus a parte contrária é uma forma de punição, o que torna desproporcional o fato e o valor da reparação do dano.
Para serem julgados nos Juizados Especiais Criminais – JECRIM, os crimes devem cominar a pena máxima de até dois anos cumulada ou não com multa, além das contravenções penais.
A proposta de transação penal não é alternativa ao pedido de arquivamento, mas algo que possa ocorrer somente nas hipóteses em que o Ministério Público entenda que deva o processo penal ser instaurado.
Essas infrações, consideradas por boa parte da doutrina como bagatela, não reclama a imposição de pena privativa de liberdade, mas sim, um tratamento diferenciado buscando o consenso. A Lei 9.099/1995 destaca que o juizado especial, deve priorizar a reparação dos danos sofridos pela vítima.
PLEA BARGAINING EUA
No direito comparado, há uma série de institutos de grande semelhança aos do ordenamento jurídico brasileiro. Pode-se observar nos Estados Unidos da América, o “plea guilty” e “plea bargaining”.
Quanto ao alcance prático do “plea barganing” nos Estados Unidos, observa-se que através dele são solucionados de 80% a 95% de todos os crimes.
Entre esses institutos jurídicos tem a base para que mais de três quartos das condenações nos Estados Unidos da América seja produto das transações que permitem que a administração funcione.
Por óbvio não se deve tolerar abusos, e ao ofensor deve ser oportunizado o devido processo legal, devidamente acompanhado do seu advogado no momento da proposta, e na falta deste lhe seja ofertado um defensor público, ou advogado dativo previamente constituído.
PLEA BARGAINING EUROPA
Pode-se ver no Direito Comparado da Alemanha que prevê a abstenção da persecução penal por delitos menores. Em Portugal, regula a suspensão provisória do processo; a Itália possui um procedimento alternativo ordinário; e a Espanha estabeleceu um procedimento sumaríssimo para determinados delitos.
Para tanto, convém fazer apenas mencionar alguns institutos, assemelhados, mas que com ela não se confundem. Nos sistemas de Common Law, há o plea of non contendere. Nesse caso, o acusado sustenta, perante a Corte, que não irá confessar e tampouco irá refutar a acusação.
Ou seja, ele faz uso do direito ao silêncio – Nemotenetur se ipsum accusare ou Nemotenetur se detegere. Ao que releva, há o plea of guilty, mediante o qual o acusado reconhece como correta a imputação, diz que os fatos realmente ocorreram e que ele é o responsável criminal.
TRANSAÇÃO PENAL NO BRASIL
Nas últimas décadas, nosso país tem experimentado um grande desenvolvimento econômico e sua população quase que dobrou, vivendo, hoje, sua esmagadora maioria nas grandes cidades. Intrínseco a isso, a qualidade de vida, no tocante à segurança pública, asseverou sensivelmente, com os índices de criminalidade.
Ao longo desse tempo, a Polícia, o Poder Judiciário, o Ministério Público e o sistema de execução de penas não foram dotados de recursos materiais e quadro de pessoal à altura da demanda pelos seus serviços; nem tampouco a organização, sob o plano institucional, modernizou-se como necessário, e em consequência, acentuou-se cada vez mais a insatisfação da sociedade em relação à justiça.
Concomitantemente aos fatos se criam leis, majoram-se as penas, com novos tipos de crimes e regras processuais, também, por outro lado, instituem-se instrumentos despenalizadores, com forte tendência liberalizante, uma vez que a experiência demonstrou que a imposição da pena privativa de liberdade como solução para todos os conflitos sociais não reduziu a criminalidade.
DA AÇÃO PENAL PRIVADA
O queixoso, que viu frustrado o acordo civil do art. 74, quase certamente oferecerá a queixa, se nenhuma outra alternativa lhe for oferecida. O que importa é a relevância de se promover avanços na legislação e com isso, disponibilizar alternativas para os crimes de menor potencial ofensivo, no sentido de lutar pela sua ressocialização e o desencarceramento.
Nota-se que a satisfação, no âmbito penal se reduz a imposição imediata de uma pena restritiva de direitos, que, se aceita pelo autor do fato, será mais benéfica e o processo não se instaura.
ESPÉCIES DE AÇÃO PRIVADA
A ação penal privada tem 3 (três) espécies: a ação penal exclusivamente privada muito comum nos crimes contra a honra, a personalíssima que é a ação que somente o ofendido poderá exercer, hoje no Código Penal só existe o crime de induzimento a erro essencial, descrito no artigo 240 do Código Penal e por último a privada subsidiária da pública que se dá quando o Ministério Público é o detentor da ação permanece inerte, e não oferece a denúncia no prazo legal.
A ação penal de iniciativa privada é a ação que o Estado outorga a legitimidade ad causam ao ofendido ou ao seu representante legal, ou seja, deve ser iniciada pela pessoa ou pelo seu representante legal, por meio da peça denominada queixa-crime.
Se a ação for privada entende-se por omissão legislativa que caso não haja acordo entre os litigantes, cabe ao Ministério Público à oferta da transação penal, pois o ofendido diante de uma lesão patrimonial ou moral pode ingressar com uma ação civil para a respectiva reparação.
COMPOSIÇÃO CIVIL NA TRANSAÇÃO PENAL
A Lei 9.099/95 aduz a composição civil. Se houver a negativa pelo acordo, a vítima poderá ajuizar uma ação de indenização na esfera civil, mas à proposta de transação deve ficar na tutela estatal.
Havendo composição civil dos danos antes da audiência preliminar ou durante sua realização, a transação penal não ocorrerá (artigo 74 da Lei 9.099/95), o que é mais benéfico para o autor do fato, que não transacionará e manterá intacto seu direito de se beneficiar pelo instituto da transação penal.
POSICIONAMENTO DO STJ
Em que pese a omissão legislativa quanto a titularidade da oferta da proposta de transação penal nas ações penais privadas, a corte em comento tem em suas decisões que o ofendido é quem deve realizar o ato processual.
{…} Nesse caso, a legitimidade para formular a proposta é do ofendido, e o silêncio do querelante não constitui óbice ao prosseguimento da ação penal.
(STJ – APN: 634 RJ 2010/0084218-7)
ORIENTAÇÃO DO FONAJE
Em contraponto a jurisprudência do STJ dispõe o Fórum dos Juizados Especiais – FONAJE e em seu enunciado 112 (substitui o enunciado 90) que “na ação penal de iniciativa privada cabe transação penal e a suspensão condicional do processo, mediante proposta do Ministério Público” (FONAJE, 2010).
Quando o autor do fato aceita o acordo, encerra-se a persecussio penal, e como prêmio o mesmo não sofre uma possível condenação, o que se tornaria antecedente criminal. imperioso destacar que em caso de aceite o acordo nasce o ônus de não poder utilizar o instituto pelos próximos 05 anos (artigo 76, II da Lei 9.099/95).
A instituição da transação penal só foi possível em razão da mitigação do princípio da obrigatoriedade que obriga o Ministério Público a promover a ação penal, podendo então apresentar a proposta para análise do autor do fato, que poderá ou não aceitar.
Apenas na hipótese de não terem as partes acordado quanto aos danos civis, com a homologação do acordo, a audiência continuará com a tentativa de transação penal, se houver a queixa-crime ou a representação.
PRINCÍPIOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS
Os princípios processuais fundamentam todo o ordenamento jurídico de várias vertentes diferentes, não há dúvidas que no artigo 2º da Lei dos Juizados, os mesmos representam um avanço significativo e eficaz para o mecanismo processual.
Determina a lei que o juiz se utilize no caso concreto dos critérios principiológicos de competência dos Juizados Especiais, em concordância ou mesmo em supremacia a outros, no interesse da mais célere e eficaz aplicação da lei.
Estabelecendo a adoção da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, aos procedimentos previstos na Lei 9.099/1995 dando cumprimento ao preceito constitucional, no seu artigo 98, I, que prevê para eles um procedimento oral e sumaríssimo.
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
Toda a aceitação a proposta de transação penal, encerra a lide, a decisão judicial, tem caráter homologatório apenas. No que toca à sua operacionalidade, a possibilidade de atuação de conciliadores na fase preliminar do procedimento foi de grande significado. Além de ser importante para a celeridade processual, permite que a conciliação seja realizada por uma pessoa desvinculada, pois ainda não temos a instauração da lide, gerando maior integração e harmonia entre as partes, a paz social e a justiça.
Sem o devido processo legal, a sentença que aplica pena restritiva de direitos, com base no artigo 76 da lei 9099/95, não tem caráter condenatório, mas apenas homologa a transação penal, não gerando reincidência, registro criminal ou responsabilidade civil.
CONCLUSÃO
Com o exercício regular do direito, devidamente assistido por seu representante, sendo o detentor da escolha em realizar o acordo ou seguir a lide, mostra a relevância da transação penal no seio social, dirimindo de forma apriori o conflito, aplicando-se o direito subjetivo do provável ofensor, que detém melhor juízo de valor sobre as ações que lhe são imputadas .
É necessário que os operadores do direito observem os delitos além da forma singular que flerta com o juízo de adequação penal abstrata, e que diante da sua imperatividade consequencialista é comissiva em detrimento a indispensável compreensão acerca da dimensão humana do suposto autor do fato. Olha-se o fato e o direito; esquece-se da pessoa, e esta é o centro das possibilidades de transformação da realidade social.
Jorge Alexandre Fagundes
Advogado
F&M advogados Associados