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IMPUGNAÇÃO A QUEM PRETENDE SE CANDIDATAR

Condenação em segunda instância é suficiente para impugnação?

Agenda 27/03/2020 às 14:54

O artigo trata de questão jurídica sobre impugnação de candidatura, em razão da Lei da Ficha Limpa.

À guisa de esclarecimento, o presente artigo não pretende, em seu conteúdo, ser o senhor da verdade. Contudo, infelizmente, há muitos aproveitadores de situação que especulam com determinadas decisões e acórdãos, pelo cunho judicial que possuem, a fim de denegrir imagem de pessoas físicas ou jurídicas, no mais das vezes, em ambiência política ou empresarial. Principalmente por meio de redes sociais.

Nossa abordagem é na ambiência política. Em razão de clientes que temos e da aproximação das eleições de outubro deste ano. E qual é o busílis?

À evidência, pelo calendário eleitoral, na época do registro de candidaturas, haverá por parte de adversários políticos a tentativa de impugnar o registro deste ou daquele candidato. E o argumento maior, certamente, basear-se-á na Lei da Ficha Limpa. E a grande maioria das impugnações terá como fundamento o artigo 1º,  alínea “e”, que prediz:

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; 

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; 

3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 

4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; 

5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 

6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 

7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 

8. de redução à condição análoga à de escravo; 

9. contra a vida e a dignidade sexual; e 

10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando; 

f) os que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo de 8 (oito) anos; 

Tais condenações judiciais -  possivelmente com grande incidência por decisões de órgão judicial colegiado (2ª Instância) -  dar-se-ão por meio de Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público, com base na Lei de Improbidade Administrativa. Aqui será o nascedouro do que prega a Lei da Ficha Limpa, quando determina: 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público. Por isso, devemos nos ater aos artigos em que são enquadrados políticos gestores da coisa pública contra quem o órgão ministerial apresenta ação civil pública, em razão de entender que algum ato administrativo tivesse  cunho da irregularidade que infringisse norma legal. E o que dizem esses artigos?

Muito bem, o art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) é o que trata de ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei,

E cita, em doze incisos, quais seriam as ações que se enquadrariam em enriquecimento ilícito. Já o art. 10, trata dos atos que causam lesão ao erário, seja por ação ou omissão, na forma dolosa ou culposa, como verificamos:

 

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei,

 

OBS- foi acrescido o art. 10-A – que tratou dos atos de improbidade decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário.

 

E são citados vinte e um incisos, dentro dos quais, enquadrar-se-iam que cometesse tais ações. O art. 11 aborda os atos que atentam contra os princípios da administração pública, também por omissão ou ação que viole os deveres constitucionais impostos pelo art. 37 da CF88.

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Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições:

E tal qual os demais, esse artigo apresenta dez incisos, cujo conteúdo enquadra quem praticar quaisquer das ações ali descritas. O art. 12 delibera sobre as penas a que incorrem os gestores que infringirem os artigos acima citados, qualquer um deles ou mais de um.

 

Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:         (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

IV - na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido. (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016)

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Assim sendo, na esteira do raciocínio que estamos desenvolvendo, vamos agora nos ater à interpretação que nossos tribunais vêm dando. Veremos que não será qualquer condenação em segunda instância que alijará o cidadão de eleições de que ele queira participar e que sofreu ação civil pública com condenação.  O entendimento doutrinário e de nossos tribunais ficam claros na inteligência do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Edson Fachin, um dos mais respeitados, mesmo com tantas críticas a esse Tribunal, sapiência essa que é aceita, acatada por unanimidade nas diversas cortes.

Diz ele que “condenação por improbidade administrativa só é hipótese de inelegibilidade se ficar claro que o gestor público enriqueceu ilicitamente, fato esse que deve ser demonstrado e não presumido.”  Em outras palavras – não se pode condenar por lesão ao erário sob argumento de dano in re ipsa.  Tal presunção não é aceita em nossos tribunais. E há precedentes no TSE, posto que a referida corte já concluiu que, para se caracterizar enriquecimento ilícito, é preciso que a decisão da Justiça comum faça referência ao recebimento de valores sem justa causa ou ao pagamento de valores indevidos (REsp. 10.788).  Assim, a utilização de presunções ou termos genéricos não têm o condão de impedir candidatura. Não se tem dúvida de que a decisão do Ministro Fachin abriu, estabeleceu parâmetro relevante para as eleições posteriores à sua decisão.  Constate-se:

 

Recurso Ordinário 11.550

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL RECURSO ORDINÁRIO (11550) Nº 0603453-87.2018.6.19.0000 (PJe) - RIO DE JANEIRO - RIO DE JANEIRO R E L A T O R : M I N I S T R O  L U I Z E D S O N F A C H I N   R E C O R R E N T E : R U B E N S J O S E F R A N C A B O M T E M P O Advogados do(a) RECORRENTE: FELIPE SANTOS CORREA - DF53078, MARIANA ALBUQUERQUE RABELO - DF4491800A, RAFAEL DE ALENCAR ARARIPE CARNEIRO - DF2512000A, MATHEUS FRANCA SOUZA - RJ213918, THIAGO MESQUITA GIBRAIL - RJ1507860A DECISÃO ELEIÇÕES 2018. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO. CONDENAÇÃO COLEGIADA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. RESSARCIMENTO AOS COFRES PÚBLICOS. DANO AO ERÁRIO IN RE IPSA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. VEDADA A PRESUNÇÃO. PRECEDENTES. NÃO INCIDÊNCIA DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, “l”, DA LC nº 64/1990. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA DEFERIR O REGISTRO DE CANDIDATURA

No caso concreto, nosso cliente foi sim condenado em segunda instância, porém o tribunal superior condenou-o parcialmente, com fundamento no art. 11, caput, inciso I, da Lei Federal 8.429/92, aplicando a pena do inciso III, do art. 12.

 

Ora, como vimos, o art. 11 determina que: “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”  Já o art. 12, III, determina: “Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).  III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Ora, no acórdão, a condenação retirou o ressarcimento integral do dano. Ou seja, não houve prejuízo ao erário. Consequentemente, os arts. 11 e 12 não fazem referência a dano ao erário e enriquecimento ilícito.  Como vimos acima, os artigos que fazem referência a dano ao erário e enriquecimento ilícito são o 9º e o 10 da LIA, e nosso cliente não foi enquadrado em nenhum deles. E o acórdão proferido pelo tribunal de segunda instância foi, evidentemente, contestado e está sob apreciação do STJ,  tramitando na fase de recurso interno.

Contudo, pelo que se nota, mesmo que haja alguma condenação no recurso impetrado, NÃO HOUVE, COMO VISTO, DANO AO ERÁRIO ou ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, ou seja, NÃO FOI CONDENADO NOS ARTIGOS 9º E 10. Dessa forma, estará sim apto a concorrer às próximas eleições. Não só nosso cliente, mas qualquer outro cidadão que estiver nas mesmas condições. Constate:

RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEFERIMENTO. ELEICOES 2012. VEREADOR. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLACAO AOS PRINCIPIOS DA ADMINISTRACAO PUBLICA. ART. 1°, I, L, DA LC N° 64/90. AUSENCIA DE CONDENACAO POR DANO AO ERARIO E ENRIQUENCIMENTO ILICITO. PROVIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte e no sentido de que não incide a inelegibilidade da alínea l do inciso I do art. 1° da LC n° 64/90, nos casos em que a condenação por improbidade administrativa importou apenas violação aos princípios da administração publica, sendo necessária também a lesão ao patrimônio publico e o enriquecimento ilícito (Precedentes: AgR-REspe 67-10/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, PSESS de 6.12.2012). 2. Não cabe à Justiça Eleitoral proceder a novo enquadramento dos fatos e provas veiculados na ação de improbidade para concluir pela presença de dano ao erário e enriquecimento ilícito, sendo necessária a observância dos termos em que realizada a tipificação legal pelo órgão competente para o julgamento da referida ação. 3. Recurso especial provido para deferir o registro do candidato. (Recurso Especial Eleitoral 154144, Acórdão de 06/08/2013, Relator (a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 168, Data 3/9/2013, Página 80).

Dessa forma, como dissemos, este artigo apenas visa esclarecer fatos para que não se continuem  pessoas inescrupulosas e oportunistas, publicando inverdades em redes sociais. E este esclarecimento é de caráter público.

Sobre o autor
Wilson Paganelli

Professor - Direito Administrativo e Linguagem Jurídica - Autor - "Eutanásia - Conceitos e opiniões de consagrados autores" - "Reflexões sobre a Comunicação Escrita na Linguagem Jurídica" - Professor - Ensino Médio e Cursinhos - Língua Portuguesa. Advogado - áreas criminal/Júri - cível - eleitoral Foi jornalista e radialista.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O fato de haver, nas redes sociais, exploração com nome de possíveis candidatos, disseminando que o cidadão não poderá ser candidato pelo fato de ter condenação em segunda instância. Na verdade, não são todas as condenações que impedem a candidatura.

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