Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A concretização do princípio da individualização da pena:

a interpretação evolutiva da lei de crimes hediondos

Exibindo página 1 de 4
Agenda 08/03/2006 às 00:00

Após mais de uma década e meia de vigência do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, a sociedade e as funções de Poder do Estado iniciam um debate sobre o regime de progressão de pena em matéria de crimes hediondos.

Resumo

[Introdução] Artigo científico cujo escopo de pesquisa visa investigar a interpretação evolutiva da lei dos crimes hediondos, realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), vindo a concretizar o princípio da individualização da pena.

[Metodologia] Por meio da pesquisa dogmática e instrumental, e das técnicas bibliográfica e documental de pesquisa, sistematizou-se a doutrina jurídica brasileira e comparou-se a evolução das decisões judiciais do STF durante mais uma década e meia, a fim de investigar a possibilidade da concretização do direito fundamental a individualização da pena por meio de uma interpretação evolutiva da Lei dos Crimes Hediondos.

[Resultados] Uma análise crítica dos precedentes e das opiniões do STF induziu ao resultado de que se constatou uma evolução da sociedade no que concerne ao tratamento dado ao presidiário que comete delitos de natureza hedionda, sendo que os Ministros (intérpretes) do STF acreditam, após este intervalo de tempo, que a dureza no direito ao regime progressivo de penas não ressocializa o preso, mas pelo contrário, a progressão de regime pode ser um dos fatores a possibilitar a reeducação e reinserção desse indivíduo na vida em sociedade.

[Conclusão] Pela análise dos votos dos primeiros HCs e pelo estudo dos votos do HC n. 82.959 (em especial do Ministro Gilmar Mendes), percebe-se uma preocupação maior da Corte Constitucional com os direitos fundamentais, em razão do paradigma da pós-modernidade, o qual enseja a colocação da Constituição como centro do ordenamento jurídico, a necessidade, por meio dos princípios norteadores da interpretação constitucional, de uma hermenêutica e de uma argumentação (constitucional) sofisticadas, a fim de conectar o texto constitucional às normas infraconstitucionais e à realidade atual, para resguardar e concretizar uma teoria geral dos direitos fundamentais, contexto em que se exige a participação da sociedade aberta no processo de tomada de decisão, seja pelos estudiosos, seja pela mídia, seja pelos meios institucionais (como os amicus curiae).


Palavras-chave: Lei dos Crimes Hediondos; Interpretação Evolutiva; Princípio da Individualização da Pena; Concretização dos Direitos Fundamentais; Supremo Tribunal Federal; Pós-Modernidade; Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição.


1 Considerações iniciais

Este artigo decorre de uma pesquisa acadêmica elaborada para a disciplina Direito Penal do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), a fim de discutir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da Lei dos Crimes Hediondos, sendo fomentada e desenvolvida no âmbito do grupo de pesquisa Círculo Constitucional (vinculado ao Núcleo de Estudos Constitucionais – NEC), mediante a análise da evolução do comportamento dos precedentes no Supremo Tribunal Federal, com destaque para o julgado mais recente – HC n. 82.959 – cujo Relator é o Ministro Marco Aurélio.

Com efeito, percebe-se que as mudanças no âmbito normativo no qual está inserida a sociedade demonstram a Constitucionalização do Direito, colocando a Constituição como centro do ordenamento jurídico [01], observando-se, no contexto dos crimes hediondos, a concretização do princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI).

Nesse sentido, mediante construções doutrinárias e jurisprudenciais acerca da matéria, procurar-se-á demonstrar a evolução do entendimento acerca dos crimes hediondos, ressaltando a ligação entre o conteúdo da Constituição e os preceitos legais por meio dos princípios norteadores da interpretação constitucional. [02]

Para tanto, mesclar-se-ão as perspectivas empírica e crítico-normativa (dimensões de uma metódica estruturante) [03], a fim de averiguar as condições de eficácia da norma constitucional relativa à individualização da pena e o modo como os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os doutrinadores a observam e a aplicam no contexto dos crimes considerados hediondos.


2 Constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei dos crimes hediondos?

2.1 A questão da progressão de regime

A progressividade no sistema penitenciário brasileiro tem seu fundamento legal no Código Penal, art. 33, § 2º, respaldado pela Lei n. 7.210/84 – Lei de Execuções Penais. Como salienta João José Leal, indiscutivelmente o sistema de execução da pena privativa de liberdade em forma progressiva tem evitado que os horrores do penitenciarismo se tornem maiores, permitindo que o condenado possa avançar do regime fechado para o semi-aberto e deste ao aberto. Assim, para o autor:

"O direito à progressão constitui, sem dúvida, um forte estímulo para que o condenado se adapte e se comporte de acordo com a disciplina prisional. Entretanto, é preciso reconhecer que o direito à progressão tem contribuído para evitar um número ainda maior de rebeliões, motins, fugas e suas tentativas, de maldades e perversidades, de psicoses e atos de violência os mais insensatos, cruéis e horrendos, que marcam o cotidiano do sistema penitenciário brasileiro." [04]

Com efeito, a Lei n. 8.072, de 25.07.1990, dispõe sobre os crimes hediondos elencados na Constituição Federal, art. 5º, XLIII. No § 1º do art. 2º, o diploma legal salienta que será a pena cumprida em regime integralmente fechado por crime nele previsto.

Nesse contexto, para João José Leal o legislador ignorou o princípio da individualização da pena, previsto no CP, art. 59 e consagrado na CF, art. 5º, XLVI, segundo o qual "cada condenado receberá a reprimenda certa e determinada para prevenção e repressão do seu crime, cujo processo executório ficará também sujeito às regras do princípio individualizador", a fim de que a expectativa de ressocialização (uma das funções da pena privativa de liberdade) não fique completamente frustrada. [05]

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Nessa perspectiva, Alberto Silva Franco nos ensina que:

"(…) mais importante do que a sentença em si é o seu cumprimento na prática, porque é na execução que a pena cominada pelo legislador, em abstrato, ajustada pelo juiz ao caso particular, encontra o seu momento de maior concreção. É aí que o processo individualizador chega à sua derradeira fase: adere, de modo definitivo, à pessoa do condenado. Excluir, portanto, o sistema progressivo é impedir o princípio constitucional da individualização das penas. Lei ordinária que estabeleça regime prisional único, sem possibilidade de nenhuma progressão, atenta contra a Constituição Federal". [06]

Segundo Antonio Lopes Monteiro, esta lei traz no seu corpo normas de Direito Processual Penal e até de execução de pena. Quis inovar em matéria penal, mas introduziu regras outras que, na pressa de sua edição, afetaram todo um sistema criminal existente em nosso ordenamento jurídico. [07]

Nesse sentido, a Lei n. 7.210/84 que disciplina os regimes seria considerada (em virtude do CP, art. 40) de Direito de Execução Penal ou de Direito Penitenciário, informada por princípios diversos daqueles do Direito Penal substantivo. A natureza jurídica é diversa, pois as normas contidas na lei não criam ou alteram tipos penais, nem mesmo modificam as reprimendas impostas na sentença, não se podendo assim aplicar de forma igual, por exemplo, os princípios da ultratividade da norma penal. [08]

Dessa forma, as regras dos regimes estão sujeitas ao princípio geral da aplicação da lei (tempus regit actum). Como conseqüência, a aplicação deste dispositivo mais severo aos crimes hediondos e demais crimes é imediata, mesmo para aqueles que tenham sido cometidos anteriormente à vigência desta lei. [09]

Contudo, a lei não pode contrariar a coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI), alterando a sentença condenatória do juiz que no processo de conhecimento concedeu cumprimento de pena em regime semi-aberto ou aberto, ou do juiz de execução que concedeu a progressão para o condenado que fazia jus a regime menos rigoroso. [10]

No mesmo sentido entende João José Leal, afirmando que o princípio da legalidade (CF, art. 5º, II e XXXIX) deve ser concebido como uma garantia individual, não somente diante da lei que defina novo crime e respectiva pena, mas também como garantia de que a execução penal ocorra segundo a lei do momento do delito, salvo se a mudança legal no processo executório da pena favorecer ao condenado. [11]

Com efeito, as normas que tratam do regime prisional estão originalmente previstas no Código Penal (art. 33 a 37), dispostas de forma programática. A diferença entre o cumprimento da pena em regime fechado, em regime semi-aberto e aberto não é questão de natureza meramente formal, restrita ao campo processual ou do direito de execução, mas sim de natureza material, que atinge fundo o direito de liberdade individual (CF, art. 5º, caput). [12]

Dessa maneira, se uma norma material é derrogada (mesmo pelo princípio da especialidade) por outra norma, esta última necessariamente deve ser de direito material, sujeita, portanto, à proibição da retroatividade temporal (se prejudicar o réu), nos termos da CF, art. 5º, XL, e do CP, art. 2º, parágrafo único.

2.2 A questão do indulto

A Lei n. 8.072/90, em seu art. 2º, I, dispõe que os crimes considerados hediondos são insuscetíveis de anistia, graça e indulto. No entanto, a Constituição Federal determinou ao legislador que considere os crimes de natureza hedionda como inafiançáveis e insuscetíveis de graça e anistia (CF, art. 5º, XLIII), não incluindo, nesse rol taxativo, o instituto do indulto.

Nesse sentido, há uma sensível diferença conceitual entre estes institutos. [13] O indulto é o meio coletivo pelo qual o Presidente da República (CF, art. 84, XII), dentro de suas atribuições, concede o perdão, eliminando coletivamente a punibilidade. Não incide, portanto, na pessoa do condenado ou no fato delituoso, mas na pena cominada.

A concessão de anistia (CF, art. 48, VIII), por sua vez, deve ser feita mediante lei de iniciativa do Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, por se tratar de competência da União (CF, art. 21, XVII). Diferente do indulto, já é um ato complexo, cuja atuação é sobre o fato delituoso, e não sobre a pessoa condenada ou na sua pena especificamente.

O Constituinte de 1988, por exemplo, concedeu anistia a dois fatos distintos, ambos previstos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: (a) entre 18.09.1946 até a data da Constituição, aos atos com motivação política contidos no Decreto Legislativo n. 18, de 15.12.1961 e no Decreto-Lei n. 864, de 12.09.1969 (CF, art. 8º, ADCT); (b) e os que, por motivo exclusivamente político, foram atingidos por ato do Presidente da República, entre 15.07.1969 a 31.12.1969, podendo requerer ao Supremo Tribunal Federal o reconhecimento dos direitos e vantagens interrompidos (CF, art. 9º, ADCT).

No que se refere à graça, este instituto é previsto no Código de Processo Penal (CPP, art. 734 a 740) e foi recepcionado pela Constituição. Nesse contexto, a característica preponderante da graça é que ela pode ser requerida pelo condenado, por qualquer pessoa do povo, pelo Conselho Penitenciário, Ministério Público ou, inclusive concedida espontaneamente pelo Presidente da República (CPP, art. 734).

Dessa forma, ela se dirige exclusivamente à pessoa do condenado, tendo este que provar condições subjetivas para auferir o benefício (CPP, art. 735 e 736), a fim de ver extinta ou comutada a sua pena pelo Presidente da República (CPP, art. 738).

Assim, vistas as sensíveis diferenças, percebe-se que o legislador agiu além do exigido pela Constituição (CF, art. 5º, XLIII) ao negar o benefício do indulto aos condenados por crimes hediondos, atuando de maneira inconstitucional, afrontando e restringindo a competência privativa do Presidente em concedê-lo (CF, art. 84, XII).

2.3 A questão da liberdade provisória

No mesmo sentido do item anterior, a Lei n. 8.072/90 (art. 2º, II) extravasou sua competência legislativa, ao proibir ao condenado por crime hediondo a concessão de fiança e liberdade provisória. O texto constitucional é claro ao restringir apenas a fiança aos crimes considerados hediondos (CF, art. 5º, XLIII).

A fiança e a liberdade provisória se distinguem. A primeira se trata de um instituto em que, de acordo com as condições dispostas no Código de Processo Penal, efetua-se o pagamento de determinado valor para se alcançar a liberdade provisória. Já esta, a seu turno, não precisa da fiança para ser decretada, podendo, inclusive, sofrer um juízo de maior apreciação, nos casos em que a sua decretação (CPP, art. 310, parágrafo único) não ofendem os requisitos da prisão preventiva (CPP, art. 312), mais severos que os requisitos da fiança.

Ademais, o legislador, ao proibir a liberdade provisória sem fiança, atuou de maneira inconstitucional, ofendendo além da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), o próprio direito fundamental à liberdade provisória sem fiança (CF, art. 5º, LXVI) e a presunção de inocência sem o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (CF, art. 5º, LVII), maculando, dessa maneira, o conteúdo material do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput).


3 O entendimento anterior do Supremo Tribunal Federal

Anteriormente, o Supremo Tribunal Federal não considerava a ligação existente entre o princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI) e a progressividade do regime de seu cumprimento, haja vista o entendimento firmado pelo Ministro Carlos Velloso (em especial no HC n. 69.377, j. 03.11.1992). [14]

Com efeito, o Ministro Paulo Brossard também considerava que apenas à lei ordinária competia fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderia efetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Discutia-se, iluminado por uma interpretação restritiva das funções de Poder do Estado, se o Supremo Tribunal Federal era o foro adequado para debater se o legislador usou bem ou não a sua prerrogativa constitucional para edição da Lei de Crimes Hediondos. [15]

No entanto, o Ministro Marco Aurélio, a época considerado voto vencido, já consubstanciava a inconstitucionalidade da Lei dos Crimes Hediondos. Como Relator do HC n. 69.657 (j. 18.12.1992), argüiu a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, acentuando, como parâmetros de controle, conforme suas palavras:

"(…) o princípio isonômico em sua latitude maior, quer o da individualização da pena previsto no inciso XLVI do art. 5º da Carta, e o princípio implícito segundo o qual o legislador ordinário deve atuar tendo como escopo maior o bem comum, sendo indissociável da noção deste último a observância da dignidade da pessoa, que é solapada pelo afastamento, por completo, de contexto revelador da esperança, ainda que mínima, de passar-se ao cumprimento da pena em regime menos rigoroso". [16]

Para o Ministro, a progressividade do regime está umbilicalmente ligada à própria pena, no que incentiva o condenado à correção do rumo, a empreender um comportamento penitenciário voltado à tentativa de reingressar no meio social. Todavia, contrariando-se a sistemática da execução da pena contida no Código Penal e na Lei de Execuções Penais, distinguiu-se os cidadãos não pelas condições sócio-psicológicas a ele inerentes, mas pelo episódio criminoso em que se envolveram. [17]

Nesse sentido, o Ministro entende que a principal razão de ser da progressividade no cumprimento de pena não está na minimização desta ou no benefício indevido, mas sim no interesse da preservação do ambiente social, da sociedade, que dia menos dia receberá de volta aquele que inobservou a norma penal e, com isto, deu margem à movimentação do aparelho punitivo do Estado. [18]

Nessa perspectiva, o diploma normativo impede a evolução no cumprimento da pena e prevê, em flagrante descompasso, benefício maior, que é o livramento condicional, transcorrido quantitativo superior a dois terços da pena, pressupondo-se, por essa razão, não uma coerente política criminal, mas uma legislação, segundo o Ministro, "editada sob o clima de emoção, como se no aumento da pena e no rigor do regime estivessem os únicos meios de afastar-se o elevado índice de criminalidade". [19]

Nesse contexto, a permanência do condenado em regime fechado durante todo o cumprimento da pena não interessa a quem quer que seja, muito menos à sociedade que um dia, mediante o livramento condicional ou, o mais provável, o esgotamento dos anos de clausura, terá que recebê-lo de volta, não para que este torne a delinqüir, mas para atuar como um partícipe do contrato social, observados os valores mais elevados que o respaldam. [20]

Dessa forma, acentua o Ministro Marco Aurélio que:

"Assentar-se que a definição do regime e modificações posteriores não estão compreendidas na individualização da pena é passo demasiadamente largo, implicando restringir garantia constitucional em detrimento de todo um sistema, e o que é pior, a transgressão a princípios tão caros em Estado Democrático, como são os da igualdade de todos perante a lei, o da dignidade da pessoa humana e o da atuação do Estado sempre voltado para o bem comum." [21]

Nesse sentido, cumpre ressaltar que o Ministro Marco Aurélio também identificou a ação inconstitucional do legislador, no que toca a normatização das restrições constitucionais, como se depreende:

"Há de se considerar que a própria Constituição Federal contempla restrições a serem impostas àqueles que se mostrem incursos em dispositivos da Lei n. 8.072/90 e dentre elas não é dado encontrar a relativa à progressividade do regime de cumprimento de pena. O inciso XLIII do rol das garantias constitucionais – art. 5º - afasta, tão somente, a fiança, a graça e a anistia para, em inciso posterior (XLVI), assegurar de forma abrangente, sem excepcionar esta ou aquela prática delituosa, a individualização da pena".

(…)

"O mesmo raciocínio tem pertinência no que concerne à extensão, pela lei em comento, do dispositivo atinente à clemência do indulto, quando a Carta, em norma de exceção, apenas rechaçou a anistia e a graça (art. 5º, XLIII)." [22]

O Ministro Francisco Rezek, por sua vez, tinha como única intenção de seu voto vista a de ver se encontrava na doutrina da época algum suporte à tese de inconstitucionalidade. Encontra em Francisco de Assis Toledo uma crítica contundente, sendo a lei um dos trabalhos mais desastrados do legislador ordinário do Brasil nos últimos anos. Mas nem ele, nem outros autores acenam com nenhuma visão propositiva de inconstitucionalidade. [23]

Com efeito, Rezek (na época) tinha dificuldade em admitir a hipótese de dar ao magistrado certa elasticidade em cada um dos tópicos de decisão, de modo que ele pudesse optar sempre entre pena prisional e outro gênero de pena, e ainda entre regimes prisionais diversificados, além de poder alvitrar a intensidade da pena. Não lhe parece que o legislador deva abrir opções para o juiz processante para não ofender o princípio da individualização. [24]

Ademais, em seu voto o Ministro faz uma crítica acerca do livramento condicional como forma abrupta de interar o indivíduo na comunidade, sem antes passar pelo escalonamento salutar da progressão de regime. [25]

Afirma ainda o Ministro Rezek não ser uma casa legislativa, e sim um foro corretivo, só podendo extirpar do trabalho do legislador ordinário naquilo que não pode coexistir com a Constituição, citando, nesse sentido, a tese do Ministro Luis Gallotti: "a inconstitucionalidade não se presume, a inconstitucionalidade há de representar uma afronta manifesta do texto ordinário ao texto maior". [26]

Por fim, Rezek direciona a discussão para o ponto principal – se por não permitir a progressividade no regime de cumprimento de pena, o legislador afrontou o preceito constitucional da individualização ou manteve o princípio maior do tratamento igual para iguais e desigual para desiguais – declarando ser o objeto em discussão constitucional. [27]

Carlos Velloso, a seu turno, fora Relator do HC n. 69.377-MG (já citado nesse trabalho), entendendo que o dispositivo não estaria a infringir a Constituição, sob o aspecto da individualização da pena. Contudo, expressa a seguinte meditação sobre o tema: "a denominada lei dos crimes hediondos, no ponto, prestou desserviço ao Direito Penitenciário, porque ela retira a esperança dos presos, dos sentenciados, e um preso sem esperança acaba se revoltando, já que não terá sentido, para ele, o bom comportamento". [28]

Dentro desse contexto, é interessante observar o posicionamento do Ministro Sepúlveda Pertence. O ministro desconhece individualização da pena in abstracto.Para ele, "enquanto as palavras puderem exprimir idéias", individualização da pena é a operação que tem em vista o agente e as circunstâncias do fato concreto e não a natureza do delito em tese. Nesse sentido, acentua o Ministro Pertence que:

"De nada vale individualizar a pena no momento da aplicação, se a execução, em razão da natureza do crime, fará que penas idênticas, segundo os critérios da individualização, signifiquem coisas absolutamente diversas quanto à sua efetiva execução." [29]

Por essa razão, Sepúlveda Pertence assevera que a progressividade do regime em crimes hediondos não se choca com a Constituição em seu art. 5º, XLVIII, porque este inciso diz respeito ao estabelecimento penitenciário em que se cumprirá a privação de liberdade e "não às formas alternativas de aprisionamento propiciadas pelo regime legal de progressão das penas", acompanhando, assim, a posição do Ministro Marco Aurélio. [30]

Sobre o autor
André Pires Gontijo

bacharelando em Direito pelo UniCEUB, pesquisador do CNPq

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONTIJO, André Pires. A concretização do princípio da individualização da pena:: a interpretação evolutiva da lei de crimes hediondos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 980, 8 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8072. Acesso em: 23 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!