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FALECIMENTO DE UM DOS COTITULARES DE CONTA CORRENTE CONJUNTA SOLIDÁRIA, SONEGADOS E PARTILHA

Agenda 02/04/2020 às 06:58

O ARTIGO DISCUTE SOBRE RECENTE DECISÃO DO STJ COM RELAÇÃO AO TEMA TRATADO.

FALECIMENTO DE UM DOS COTITULARES DE CONTA CORRENTE CONJUNTA SOLIDÁRIA, SONEGADOS E PARTILHA

Rogério Tadeu Romano

 

Com o falecimento de um dos cotitulares de conta-corrente conjunta solidária, o saldo existente deve ser objeto de inventário e partilha entre os herdeiros, aplicando-se a pena de sonegados ao cotitular que, com dolo ou má-fé, ocultar valores.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou esse entendimento para determinar que um homem restituísse ao espólio do irmão 50% do saldo existente na conta que mantinham juntos.

O recurso teve origem em ação de sonegados ajuizada pelo espólio, na qual pleiteou a restituição e colação de 50% do saldo bancário existente na conta conjunta, sob o argumento de que o irmão sobrevivente teria dolosamente ocultado o valor após a morte. Na ação, o espólio pedia ainda que o cotitular perdesse o direito à partilha desse valor.  

A decisão se deu no REsp 1.836.130.

Relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que existem duas espécies de conta-corrente bancária: a individual (ou unipessoal), em que há um único titular que a movimenta por si ou por meio de procurador; e a coletiva (ou conjunta), cuja titularidade é de mais de uma pessoa.

Segundo ela, esta última pode ser fracionária, sendo movimentada apenas por todos os titulares; ou solidária, em que qualquer um dos titulares pode movimentar a integralidade dos fundos disponíveis, em decorrência da solidariedade dos correntistas especificamente em relação à instituição financeira mantenedora da conta, mas não em relação a terceiros, "sobretudo porque a solidariedade, na forma do artigo 265 do Código Civil, somente decorre da lei ou do contrato, e não se presume".

Ao citar precedentes sobre o tema, a ministra ressaltou que "o cotitular de conta-corrente conjunta não pode sofrer constrição em virtude de negócio jurídico celebrado pelo outro cotitular e por ele inadimplido, podendo, nessa hipótese, comprovar os valores que compõem o patrimônio de cada um e, na ausência ou na impossibilidade de prova nesse sentido, far-se-á a divisão do saldo de modo igualitário".

Para a ministra, esse mesmo entendimento deve ser aplicado na hipótese de superveniente falecimento de um dos cotitulares da conta conjunta. "A atribuição de propriedade exclusiva sobre a totalidade do saldo em razão de uma solidariedade que, repise-se, apenas existe entre correntistas e instituição bancária, representaria grave ofensa aos direitos sucessórios dos herdeiros necessários, de modo que a importância titularizada pelo falecido deverá, obrigatoriamente, constar do inventário e da partilha", afirmou.

Inventário é o procedimento especial que consiste na descrição individuada e clara dos herdeiros e dos bens do morto. A meação dos encargos e a avaliação e liquidação da herança, móveis ou imóveis, dívidas e direitos.

Já a partilha é a divisão dos bens do espólio entre os herdeiros do finado, em quinhões iguais entre todos e outros direitos.

De importância para o estudo do direito das sucessões é o conceito de sonegação.

Sonegação é o ato pelo qual o inventariante ou herdeiro oculta, com propósito malicioso, bens da herança, que devia apresentar, descrever ou colacionar no inventário.

Para Limongi França trata-se de um "instituto complementar à execução da herança que tem por fim prevenir, compor e punir a omissão de bens do espólio, por parte de algum herdeiro, do inventariante ou do testamenteiro" (Instituições de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 925).

Ocorre a sonegação quando bens do espólio são dolosamente ocultados para não se submeterem ao inventário e a colação (obrigação e reciprocamente o direito, que liga os herdeiros e os descendentes, chamados à sucessão do mesmo ascendente, em virtude da qual cada um deve conferir na massa a dividir as doações que lhe foram feitas pelo defunto). Nesse último caso, o conceito, no qual se inspira o instituto é o de que o ascendente, ao doar em vida a seus filhos ou descendentes, tenha querido simplesmente antecipar-lhes no todo ou em parte a porção que com a sua morte lhe caberia, isto é, que não tenha pretendido procurar-lhes uma vantagem sobre os outros coherdeiros na sua futura sucessão. Na verdade, quando uma doação tivesse sido feita pelo pai a um dos filhos e todos, compreendido o filho donatário, viessem depois à herança para a dividir tal como restava, deduzida pois da doação, o tratamento seria mais favorável para este filho, que além de uma quota ideal no acervo, lucraria os bens recebidos por doação. Com a colação, como ensinou Roberto de Ruggiero(Instituições de direito civil, 3ª edição, volume III, tradução Ary dos Santos, pág. 461), apresenta-se um instituto que se destina a remover a desigualdade entre coherdeiros do de cujus, mas desaparece quando não conste, e na parte em que conste, uma vontade contrária do defunto.  

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A sonegação de bem pelo inventariante não se concretiza pela simples omissão no declarar a sua existência. A sonegação é a ocultação maliciosa (TJSP, Ap. 285.094, RT 533/79).

Em relação ao elemento subjetivo, na doutrina, Euclides de Oliveira, Sebastião Amorim (Inventários e partilhas. 20. ed. São Paulo: Leud, 2006, p. 363), Maria Helena Diniz (Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 6: Direito das sucessões, p. 391), Zeno Veloso (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 21, p. 398), Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho (Direito das sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, v. III, p. 287-288) entendem pela necessidade da prova do dolo por quem alega a ocultação. Essa também é a posição doutrinária deste autor, em obra sobre o tema (Flávio Tartuce. Direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, v. 6: Direito das sucessões, p. 584).

A lei pune a sonegação de duas maneiras:

  1. Se o sonegador é apenas o herdeiro, perderá o direito sucessório sobre o objeto sonegado; se já não mais o tiver em seu poder, terá de pagar ao espólio o respectivo valor mais as perdas e danos;
  2. Se o herdeiro também for inventariante, além da perda do direito mencionado, sofrerá a remoção do cargo.

Temos da redação do artigo 1.992 do Código Civil:

Art.1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.

Tem-se no artigo 669 do Código de Processo Civil:

São sujeitos à sobrepartilha os bens:

I - sonegados;

II - da herança descobertos após a partilha;

III - litigiosos, assim como os de liquidação difícil ou morosa;

IV - situados em lugar remoto da sede do juízo onde se processa o inventário.

Parágrafo único. Os bens mencionados nos incisos III e IV serão reservados à sobrepartilha sob a guarda e a administração do mesmo ou de diverso inventariante, a consentimento da maioria dos herdeiros.

Por certo, a exigência de sobrepartilha de direitos e créditos discutidos em juízo onera o trâmite processual da ação, notadamente para o caso de demandas coletivas ou litisconsórcios numerosos, bem como desnatura os princípios da celeridade processual e da instrumentalidade das formas.

A jurisprudência do STj se consolidou no sentido de que “a renitência do meeiro em apresentar os bens no inventário não configura dolo, sendo necessário, para tanto, demonstração inequívoca de que seu comportamento foi inspirado pela fraude”, de modo que “não caracterizado o dolo de sonegar, afasta-se a pena da perda dos bens (CC, art. 1.992)” (REsp 1.267.264/RJ, 3ª Turma, DJe 25/05/2015).

Há solidariedade quando, na mesma obrigação, concorre uma pluralidade de credores, cada um com direito à dívida toda, ou pluralidade de credores, cada um com direito a dívida toda, ou pluralidade de devedores, cada um com direito à dívida toda, ou pluralidade de devedores, cada um obrigado a ela por inteiro.

Na solidariedade há uma pluralidade subjetiva; se há um só devedor e um credor, a obrigação é singular, é simples na sua estrutura e nos seus efeitos, pois que o sujeito passivo deve a prestação por inteiro ao sujeito ativo. Há, na solidariedade uma unidade objetiva; se cada um dos credores tiver direito a uma cota-parte da coisa devida, não há o que se chama de solidariedade, que não é compatível com o fracionamento do objeto; pluralidade subjetiva e unidade objetiva, que é da essência da solidariedade.

A prestação é, pois, incindível sendo a obrigação solidária pura e simples em relação a alguns dos sujeitos, mas não perde esse caráter. Mas nada impede, que um dos devedores deva de pronto, enquanto outro gozo do benefício de um prazo, ou que, enquanto para um credor o débito seja puro e simples, para outro venha ser subordinado a uma condição.

A solidariedade tem uma origem puramente técnica.

De regra é imposta por lei ou convencionada pelas partes e de forma expressa em seu ajustamento.

A solidariedade implica pluralidade de sujeitos e unidade de prestação.

Os alemães faziam uma distinção entre solidariedade perfeita ou correalidade e solidariedade propriamente dita ou imperfeita, baseada na ideia original que vinha de Ribbentrop e de Keller, a que Windscheid emprestou o prestígio com apoio em Lacerda de Almeida.

Naquela decisão referenciada há menção a outra:

CIVIL, PROCESSO CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. EMBARGOS DE TERCEIRO. BLOQUEIO DE VALOR DEPOSITADO EM CONTA CORRENTE CONJUNTA. NÃO OCORRÊNCIA DE SOLIDARIEDADE PASSIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS. NÃO COMPROVAÇÃO DA TITULARIDADE INTEGRAL. PENHORA. APENAS DA METADE PERTENCENTE AO EXECUTADO.1. Embargos de terceiro opostos em 15/04/2013. Recurso especial interposto em 25/08/2014 e atribuído a este gabinete em 25/08/2016.2. Não subsiste a alegada ofensa ao art. 535 do CPC/1973, pois o tribunal de origem enfrentou as questões postas, não havendo no aresto recorrido omissão, contradição ou obscuridade.3. A conta-corrente bancária é um contrato atípico, por meio do qual o banco se obriga a receber valores monetários entregues pelo correntista ou por terceiros e proceder a pagamentos por ordem do mesmo correntista, utilizando-se desses recursos.4. Há duas espécies de conta-corrente bancária: (i) individual (ou unipessoal); e (ii) coletiva (ou conjunta). A conta corrente bancária coletiva pode ser (i) fracionária ou (ii) solidária. A fracionária é aquela que é movimentada por intermédio de todos os titulares, isto é, sempre com a assinatura de todos. Na conta solidária, cada um dos titulares pode movimentar a integralidade dos fundos disponíveis.5. Na conta corrente conjunta solidária, existe solidariedade ativa e passiva entre os correntistas apenas em relação à instituição financeira mantenedora da conta corrente, de forma que os atos praticados por qualquer dos titulares não afeta os demais correntistas em suas relações com terceiros. Precedentes.6. Aos titulares da conta corrente conjunta é permitida a comprovação dos valores que integram o patrimônio de cada um, sendo certo que, na ausência de provas nesse sentido, presume-se a divisão do saldo em partes iguais. Precedentes do STJ.7. Na hipótese dos autos, segundo o Tribunal de origem, não houve provas que demonstrassem a titularidade exclusiva da recorrente dos valores depositados em conta corrente conjunta.8. Mesmo diante da ausência de comprovação da propriedade, a constrição não pode atingir a integralidade dos valores contidos em conta corrente conjunta, mas apenas a cota-parte de cada titular.9. Na controvérsia em julgamento, a constrição poderá recair somente sobre a metade pertencente ao executado, filho da recorrente.10. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1.510.310/RS, 3ª Turma, DJe 13/10/2017).

De toda sorte, com o falecimento de um dos cotitulares de conta-corrente conjunta solidária, o saldo existente deve ser objeto de inventário e partilha entre os herdeiros, aplicando-se a pena de sonegados ao cotitular que, com dolo ou má-fé, ocultar valores.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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