RESUMO: Este trabalho tem por objeto de estudo os estudantes religiosos e o dia sagrado destes perante os direitos fundamentais à educação, à religião e a legislação pertinente. O objetivo é analisar a suposta colisão entre o direito à educação e à liberdade religiosa. Busca-se explorar o vínculo entre a sociedade, o Estado Democrático de Direito e a religião. Focaliza-se o dia sagrado como uma manifestação cultural e suas reflexões. Desenha-se o quadro nacional do direito à educação e à liberdade religiosa. No âmbito externo, relata-se a perspectiva internacional quanto aos objetores por convicção religiosa diante de obrigações e deveres. Debate-se de que forma a legislação e a jurisprudência nacionais estudam a extensão da objeção de consciência frente ao acesso livre à educação, numa concepção laica, plural e integrativa. Ao serem analisadas tais fontes, procura-se verificar se há necessidade de um Legislador mais atuante e garantidor.
Palavras-chave: Liberdade religiosa; Educação; Objeção de Consciência; Religião; Direito; Direito Fundamental; Minorias.
1. INTRODUÇÃO
Ser um jovem religioso não se resume a questões espirituais e sociais, mas pode ter também implicações jurídicas. Um desses reflexos está em ser ele confrontado com a exigência da legislação brasileira de serem inseridas todas as crianças e os adolescentes em uma instituição de ensino, como forma de integração social e de educação. Dessa forma, milhares de jovens são levados a procurar instituições que conformem a necessidade humana à norma compulsória nacional.
Instituições confessionais, que professam a sacralidade de um dia da semana, oferecem aos seus jovens o ensino e a qualificação necessária para a vida socioprofissional. Essas instituições estão em crescimento, oferecendo alternativa para aqueles que procuram uma educação na qual não enfrentarão problemas por causa da fé professada. Esse fato, por outro lado, leva ao problema a ser alçado: a segregação. A existência de instituições confessionais é uma saída e conforto para milhares de jovens que procuram se qualificar sem sofrer por sua fé, não necessitando se ausentar de aulas, semanalmente, em virtude de convicção religiosa.
Entretanto, aparentemente, as demais instituições, particulares, seculares e públicas, "ficam acomodadas" e não se esforçam para receber, da melhor maneira possível, uma parcela diferente da população. Essas instituições, que não buscam tal inserção, têm suas vontades "legitimadas", superficialmente, pelo princípio da isonomia, pelo princípio da livre iniciativa e pela suposta oferta, em número considerável de instituições de ensino como formas possíveis para a solução do "problema" dos religiosos faltosos.
Contudo, tais ofertas não são em grande variedade e a condição financeira de milhares de estudantes não permite uma acomodação de muitos jovens que buscam o direito básico à educação de qualidade, sem que, para isso, tenham que sacrificar a sua crença. A dificuldade se agrava, sobretudo, quando o estudante ingressa em instituições com uma gama de turmas reduzida, ficando à mercê da simpatia de um coordenador de curso ou de um diretor de escola. A resposta das autoridades próximas, frequentemente, rotacionam para que o aluno procure outro curso, outra instituição, outra forma, outro jeito, longe dali, longe do espaço destinado a pessoas "normais". Sem grandes análises, opta-se pela não adaptação e o acolhimento, pois o ideal seria a retirada desses problemas de instituições sérias que, prioritariamente, são isonômicas e desenvolvidas.
Neste trabalho, apresenta-se, inicialmente, a religião no meio social em relação à cultura e ao Estado. Conseguintemente, há uma pequena explanação sobre o dia sagrado no seio da comunidade, analisando o sábado enquanto tal. A conexão da educação, enquanto ramo da sociedade e do Estado laico, com o sábado é tema também abordado. Nesse debate, o mais interessante é até que ponto uma norma fundamental pode se sobrepujar a outra, sem que haja um prévio e aprofundado estudo sobre o tema, e o quanto um sistema educacional pode ser segregador e desenvolver um plano de ensino não integrativo.
É nesse cenário que se propõe explorar sobre o direito à objeção de consciência e à garantia de prestação alternativa para os estudantes faltosos em virtude de convicção religiosa. Por derradeiro, cumpre observar a conjuntura da legislação vigente, interna e internacional, bem como o entendimento do Poder Judiciário e do Ministério da Educação no que diz respeito aos estudantes religiosos que se ausentam de provas e aulas em virtude de crença, posto que o Legislador e os Tribunais não podem se desviar da discussão ora levantada e, por isso, fecha-se esse trabalho com a análise da atuação hodierna dos Poderes nesse cenário conflitivo.
2. SOCIEDADE E RELIGIÃO
2.1. Religião e Cultura
A vida, do ponto de vista sociológico, contém um sentido cultural e histórico, envolvendo diversas ramificações. De tais ramificações, a sociedade se estrutura sobre um suporte plural e, ao mesmo tempo, harmônico, conduzindo as populações, de diferentes épocas, em um sentido correspondente.
Bauman[1] explica que a maneira como agimos e pensamos são conformadas pela expectativa do grupo a que pertencemos, podendo se manifestar de várias formas. Tais formas são a maneira que os grupos buscam identificar-se, refletidas nos fins que alcançamos, nos meios que utilizamos e no modo como distinguimos quem pode e quem não pode colaborar nesse processo.
A cultura, nesse sentido, é o resultado desse processo de identificação da sociedade e esta, por sua vez, é o espaço de realização do indivíduo enquanto ser cultural. Essa relação de um para com o outro leva a concluir que a variedade de manifestações de cultura são formas variadas de identificação do ser humano. Entre essas formas, temos a Religião, que alça importante posição no meio social.
Cumpre observar que o estudo e a proteção da cultura[2] evoluíram e que, atualmente, a sua conceituação não se restringe à instrução e à educação, mas importa na consideração das diferentes manifestações de ser e de viver de cada indivíduo e dos diferentes grupos sociais existentes. Assim, as minorias, entendidas como não apenas os numericamente menores, mas os com pouca expressividade no meio político e social, devem ser estimadas na análise das questões decisivas da vida social.
O termo religião[3] tem origem controversa. Alguns afirmam que vem do latim religio, que quer dizer “reverência pelos deuses, respeito pelo que é sagrado”. Doutra banda, outros argumentam que é palavra originária do verbo religare, significando “atar firmemente”, “atender a uma obrigação” ou mesmo “laço entre o ser humano e o divino”.
Quanto a números, consoante dados estatísticos da Pew Research Center[4], temos que aproximadamente 84% da população mundial declara possuir uma filiação religiosa. E, mesmo entre os afiliados, existem os que praticam algumas crenças religiosas ou espirituais, ainda que não se identifiquem com uma fé particular. Quanto ao Brasil, com base no Censo Demográfico[5], realizado em 2010, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, apenas 8,0% da população brasileira declara não ter religião.
A Religião, no meio social, tem um papel fundante, sobretudo no que diz respeito à formação da personalidade e da função a desempenhar no meio coletivo, estas que são os principais motivos da existência da sociedade. E essa influência da Religião pode ser percebida em diferentes setores, tais como no compromisso do indivíduo com seu labor, no seio familiar, nas hierarquias simbólicas e institucionais e em sua cosmovisão, que repercute na realidade e no conhecimento.
A religião está tão intrínseca à sociedade, tanto quanto o próprio sentido de ser humano. E, de fato, só houve uma ruptura mais drástica com a chegada do Iluminismo, tendo como apogeu o século XIX, época em que a sociedade começa a ser analisada sob um ponto de vista mais técnico e menos valorativo. No entanto, ainda assim, para se compreender a sociedade, sempre houve e haverá a necessidade de reconhecer e entender o papel da religião na relação do ser humano consigo mesmo e com os outros.
2.2. Religião e Estado
A relação do Estado e da Religião é uma relação histórica que remete à própria trajetória do ser humano, desde suas origens. O humano, desde os primórdios dos tempos, se estabeleceu no mundo utilizando-se de símbolos e rituais religiosos, trazendo para o cotidiano costumes e leis baseados nessas relações com a fé. Esse vínculo nunca foi marcado pela divisão. Tanto é assim que os afazeres, reuniões, conflitos e soluções sempre foram assinalados pela notória presença de elementos religiosos.
Atualmente, contudo, vê-se uma mudança nesse cenário, sendo perceptível uma distinção, no meio social e político, da conexão indivíduo-religião e indivíduo-sociedade. Por outro lado, não se pode afirmar que, hoje, exista um desmembramento claro e total, mas, tão-somente, uma distinção conceitual e organizacional de institutos e instituições, a saber, do Estado e da Igreja. Doutra banda, também não se pode afirmar uma homogeneidade internacional nessa conexão. Nesse sentido, Winfried Brugger[6] elaborou uma interessante classificação, com 6 modelos de Estado e Igreja e sua relação com a liberdade religiosa, da hostilidade agressiva, passando pelo reconhecimento, até a identificação de ambas as instituições.
Para Brugger, os Estados Ocidentais, entre guerras e rearranjos políticos, passaram, ao longo do tempo, por mudanças que resultaram numa distinção estrutural das áreas pertencentes ao Estado e à Igreja, as menções à liberdade religiosa nas novas constituições são, em sua maioria, mais específicas e abrangentes que nas constituições antigas e sintéticas. Entretanto, mesmo no Ocidente, nessa distinção, nos diferentes países, há uma variação de modelos com menor a maior afastamento. Em tal classificação, pode-se enquadrar, ainda, os modelos constitucionais orientais, com as ressalvas necessárias no que diz respeito às culturas e História do Oriente. Com a elaboração de tal classificação, também foi possível investigar em quais modelos a liberdade religiosa, enquanto direito fundamental, é mais protegida, sendo forçoso concluir que os modelos mais centrais [leia-se equilibrados] são os sinalizados com maior liberdade religiosa.
Como apontado, a conexão do indivíduo com a religião e com a sociedade, desde as primícias dos tempos, esteve presente conflituosa ou harmoniosamente e a modernidade foi a responsável por institucionalizar tais relações que sempre existiram, dos indivíduos entre si e dos indivíduos para com o transcendente. É nesse contexto que se viu surgir a figura da Igreja e a figura do Estado. A Igreja, em sentido amplo, é a expressão usualmente utilizada para referir-se às instituições e núcleos sociais reunidas organizadamente em virtude das ligações dos indivíduos ao transcendente e à fé. O Estado, por sua vez, é a entidade construída socialmente como forma de proteção de determinado povo ou determinados povos que se unem sob a égide de um mesmo ordenamento e sob um mesmo soberano.
O Brasil, dentro desta perspectiva, enquanto Estado, manteve relações diversas com a Igreja. Seguindo a classificação de Brugger, no Brasil, houve, nos primórdios coloniais, uma relação de identificação entre Estado e Igreja[7], sendo o próprio “descobrimento” do Brasil e sua formação como Colônia de Portugal ocorridos devido à interferência e à influência da Igreja, até, nos tempos atuais, um reconhecimento de ambas instituições, podendo-se apontar uma cooperação e uma destacada influência mútua, por ser o Brasil fortemente religioso. E por ter essa religiosidade acentuada [vide tópico 2.1], a importância social desse ponto não pode ser ignorada e injustificadamente secularizada ao se estabelecer as bases do Estado perante a população, em todos os campos, inclusive no que diz respeito à estrutura educacional implementada.
2.3. Dia Sagrado e Sociedade
A religião e a sociedade sempre foram de tal forma interligadas que seus hábitos e conceitos se influenciaram entre si. E entre os grandes pontos de destaque da religião e de suas repercussões no meio social esta o estabelecimento de um dia sagrado.
As sociedades atuais, bem como as milenares e antigas, contêm diferenças gigantescas, sobretudo em questões de conflito, tecnológicas e de linguagem. Todavia, há claras semelhanças entre todas elas. Nesse diapasão, pode-se destacar a presença, em muitas delas, mesmo que sutis, do dia sagrado.
Não se pode negar as repercussões dessa necessidade do indivíduo, integrante de uma sociedade e enquanto ser religioso, de cultuar em um dia específico. Ela está presente, por exemplo, na disposição do calendário observado em diversas culturas, com a divisão milenar em sete dias. E não é por acaso, pois a forma como o indivíduo social está ligado à natureza e ao transcendente o conecta de tal modo que o impossibilita de perceber seu tempo, sobretudo semanal, organizado de outro jeito. Tanto é assim que muitas das mudanças ocorridas nos calendários de algumas sociedades modernas, como na França Revolucionária[8] e na União Soviética[9], se tornaram infrutíferas, apontando para o fator cultural dos povos que indica o não desvencilhamento do sacro pelos indivíduos nem mesmo em suas organizações sociais.
Esse ponto não é exclusivo de uma só cultura. Muitas religiões, ao longo das eras, foram estabelecidas com a observância de um dia especial, sagrado, em homenagem a um evento importante e fundamental para seu reconhecimento e ligação com o transcendente. Seja o dies Dominicus de boa parte dos cristãos, seja o Shabbat de judeus e outra parte de cristãos, sejam as sextas para os muçulmanos, ou qualquer outro signo no tempo de outros povos, o dia sagrado, ou os dias sagrados, sempre foram marcas das sociedades em todas as épocas.
Destaquem-se, nesse sentido, os estudos de Jostein Gaarder e outros[10], que analisaram alguns dos costumes de religiosos ao redor do mundo, como, por exemplo, os hinduístas, que, habitualmente, separam uma sala ou um canto especial para cultuar seus deuses e esses cultos ocorrem, em alguns casos, diversas vezes por dia e, em outros, uma vez por semana, geralmente nas sextas-feiras. Os muçulmanos também separam as sextas-feiras como um dia especial de contato com o transcendente. Este encontro semanal, segundo a fé islâmica, é o dia de convocação dos fiéis, para recordação de Deus e abandono dos negócios[11].
Para a Igreja Católica Apostólica Romana[12], o dies Dominicus é o centro do tempo litúrgico e constitui a sua santificação o terceiro mandamento da fórmula da Catequese, sendo um dos preceitos da Igreja participar na missa do Domingo e dos Dias Santos de Guarda e abster-se de trabalhos e atividades que impeçam a santificação desses dias.
O Shabbat é um dia sagrado reconhecido por diversas religiões como batistas do sétimo dia e adventistas do sétimo dia e também pelo povo judeu, justificando tal fato na crença da criação do mundo e, para cristãos, também se baseia no costume de Jesus e dos primeiros cristãos de crer que este é um dia santo, como foi destacado na obra de Guaarder, Hellern e Notaker[13].
Este fato importa na constatação de que o fenômeno religioso, sobretudo quanto a um dia sagrado, é algo cotidianamente expressivo e lança valores também na organização política e jurídica dos Estados, inclusive dos Estados Democráticos de Direito.
2.4. O Sábado como Dia Sagrado
Como conceito introdutório das questões a serem abordadas nesse trabalho, deve-se também explanar e especificar o significado de dia sagrado e de sábado para os fins almejados.
Como já foi destacado, entende-se como dia sagrado não apenas os dias de importância histórica para uma nação, povo ou tribo, mas um dia de especial celebração no qual sejam conduzidas práticas importantes para o melhor entendimento do que seja sagrado, conferindo um aspecto de perfeição e plenitude para a espiritualidade de quem participa dessa comemoração. O dia sagrado é a coroação de uma vida de espiritualidade e transcendência, no qual se busca se definir enquanto professante de uma fé específica e renovar os votos de fidelidade à divindade.
O dia sagrado não se trata apenas de uma lembrança, mas um compromisso de fé, no qual os devotos veem a plenitude de suas identidades consideradas, tornando-se parte de um corpo seleto, separado, sagrado.
Nesse dia, como relatado, há práticas específicas de devoção. Como exemplo, temos a oração especial dos muçulmanos nas sextas-feiras. Outro exemplo é o costume de cultuar nas igrejas, aos domingos ou aos sábados. Os adventistas, enquanto referência, são acostumados a ir às igrejas, visitar amigos e necessitados, ajudar pessoas e passear na natureza nos dias de sábado.
Ao se falar do sábado como dia sagrado, este deve ser situado, primeiramente, na História. Tal crença nasce, como já apontado anteriormente, de outros credos religiosos milenares tal qual a crença da criação[14] do mundo em 6 (seis) dias, por um Ser Supremo, que, ao sétimo dia, repousou de toda obra realizada, não por fadiga, mas como exemplo a ser seguido pela humanidade. Desde então, povos, de diferentes épocas, separam esse dia como um memorial da criação.
Os que creem nisso, como os adventistas[15], por exemplo, não veem esse dia apenas como memorial da criação, mas também da redenção, acreditando que o fato de ter Jesus Cristo descansado no sábado entre a sua morte e ressurreição[16], é prova de que houve uma confirmação desse dia como sagrado e especial para o Ser Supremo e Seu povo. Dessa forma, uma gama maior do que apenas judeus preservam a crença do sábado, cujo tratamento é de um marco no tempo para a eternidade.
Doutra banda, ao se tratar de como são feitos o culto e a consagração no Shabbat, há uma separação daquilo considerado santo e daquilo que é entendido como de interesses próprios[17]. Essa distinção é importante, pois esse dia é tido como um dia para não se praticar atos considerados como de interesse próprio, isto é, tudo aquilo que não é de interesse secular e comum, é praticado como alimento espiritual. Nesse sentido, esses religiosos, neste dia, cultuam, jejuam, visitam enfermos, órfãos, doam sangue, ajudam necessitados, visitam presos, cuidam da família, passeiam pela natureza, dentre outras atividades.
Outra questão importante a ser previamente explicada é a contagem do tempo adotada para definição do dia sagrado. Esta contagem tem explicação histórica também, tendo em vista que, para os povos antigos, a luz natural era a única fonte de energia e, portanto, os dias eram baseados nela. Nesse diapasão, a Bíblia Sagrada, ao contar sobre a Criação, e em outras oportunidades[18], explica que a contagem do dia era de tarde e manhã, ou seja, a chegada da noite marcava o fim do dia e o início de outro. Dessa forma, esta pequena comunidade de crentes continua a marcar o tempo do dia sagrado do pôr-do-sol ao pôr-do-sol, sendo, assim, iniciado o Shabbat no início da noite da sexta-feira até o fim da tarde do sábado.
Todas essas questões trazidas são importantes para se entender o quão significativo esse signo temporal tem para determinados grupos religiosos que são atores de uma sociedade em desenvolvimento coletivo e dinâmico.
2.5. O Sábado e o Ensino
Como apontado, a Religião e o Estado se cruzam enquanto instituições, mas também na vida social de religiosos, destacando-se, aqui, os que santificam um dia sagrado. Essa parcela da população não está à margem da sociedade, mas participa dela e, como integrante, é detentora de deveres e direitos estabelecidos pelo Estado. Dentre esses direitos, existem aqueles que são específicos de determinada categoria, e há os direitos gerais, protegidos e desfrutados por todos. O direito à educação, como será analisado no tópico 3.4, é um direito geral que tem por princípio a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Nesse sentido, deve-se compreender que os religiosos que professam fé na crença de um dia sagrado também têm direito a esse acesso[19].
A priori, não se vê, qualquer empecilho para acesso livre ao sistema educacional pela minoria que professam a santificação do sábado por convicção religiosa. Os obstáculos são encontrados, contudo, ao serem analisadas as escolhas do legislador e as decisões judiciais, bem como as decisões puramente administrativas de oportunidade e conveniência[20], o que se fará nos capítulos seguintes.
Nesse ponto, não se pode esquecer que o ser humano, ainda que revestido de um cargo público, não se retira da sociedade e de suas raízes culturais nem por um momento, recebendo, direta e indiretamente, influências do seu cotidiano para as medidas a serem adotadas em prol da coisa pública e do desejado bem-estar social. É por isso que um cidadão, exercente de uma função perante o Estado-Legislador e o Estado-Administração, quando se deparada com situações rotineiras, como o calendário anual, tende a pensar no coletivo de forma homogênea e prática, estabelecendo aquilo que é usual, alcançando a maioria interessada, e, aqueles que não se enquadrassem precisariam, “obviamente”, se adequar às exigências soberanas do Estado, justificando-se na isonomia pura, simples, abstrata e formal de todos perante a lei. Entretanto, como será averiguado, tal pensamento, perpetuado no cotidiano da vida pública, não parece ser o mais acertado, porque a problematização envolvida não é pura, simples, abstrata e formal, tendo variados elementos que não podem ser descartados injustificadamente, ganhando ênfase o direito fundamental da liberdade de culto.
Ao desprezar a complexidade do tema da educação em uma sociedade plural e diversa, não há como definir medidas tão importantes para a futuro de milhares de crianças e jovens de forma racional e justa. É necessário apurado estudo dos núcleos envolvidos e, em cumprimento dos deveres legais e constitucionais, assegurar máxima participação e acesso de todos, independente de sua situação social. Desrespeitar isso é diminuir aquilo que foi estabelecido como ordem suprema, que são os direitos fundamentais, e deslegitimar a construção de um Estado Democrático de Direito o mais próximo da realidade da sociedade em que esteja inserido.
A luta pelo Direito de todos está presente no cenário nacional e internacional e deve ser ponderada com a lógica-argumentativa, nas tentativas de harmonia com o próprio Direito e suas limitações. A lei, a doutrina e a jurisprudência são fontes de como estão sendo solucionados os conflitos e de quais as melhores opções para uma questão real, qual seja, a de estudantes que não frequentam aulas aos sábados em virtude de crença.