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O HISTÓRICO DE EXTINÇÃO DE PARTIDO NO BRASIL

Agenda 07/04/2020 às 08:41

O ARTIGO DISCUTE SOB O PONTO DE VISTA HISTÓRICO A CASSAÇÃO DE REGISTRO DE PARTIDO NO BRASIL.

O HISTÓRICO DE EXTINÇÃO DE PARTIDO NO BRASIL

Rogério Tadeu Romano

 

Segundo a coluna de Fausto Macedo, do Estadão, o vice-procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Goés, deu parecer favorável a um processo que pode levar ao cancelamento do registro do Partido dos Trabalhadores.

Conforme manifestação apresentada no dia 27 de março, teria sido comprovado durante as investigações da Operação Lava Jato que o PT recebeu dinheiro de empresas estrangeiras, o que é proibido pela Lei de Partidos Políticos e passível de perda do registro.

De acordo com a coluna de Fausto Macedo, do Estadão, a ação tem como base depoimentos colhidos pela operação Lava Jato contra o partido. Segundo esses depoimentos, o partido recebeu recursos ilícitos de origem estrangeira, o que violaria o inciso I do art. 28 da Lei dos Partidos Políticos.

“Diante de tal contexto, forçoso reconhecer a existência de indícios suficientes do recebimento, por parte do Partido dos Trabalhadores – PT, ora requerido, via interpostas pessoas, de recursos oriundos de pessoas jurídicas estrangeiras (Keppel FELS e Toshiba), inclusive para pagamento de despesas contraídas pelo próprio partido, a evidenciar, em tese, interesse direto da instituição partidária e não apenas de dirigente seu, circunstância que autoriza o prosseguimento do feito quanto à hipótese do inciso I do art. 28 da Lei dos Partidos Políticos, com a inauguração de sua fase de instrução”, escreveu o vice-procurador.

A defesa do Partido assim se manifestou segundo o que se lê do UOL:

“Em sede de defesa, regular e tempestivamente apresentada, o Partido dos Trabalhadores argumentou que: 1.Não existem quaisquer provas das supostas irregularidades suficientes para ensejar o cancelamento do registro, fator que obsta o conhecimento da ação; 2.A alegação de que o Partido dos Trabalhadores seria uma organização criminosa, além de completamente infundada, não configura hipótese de cancelamento e torna a Justiça Eleitoral incompetente, à luz do art. 28, da Lei nº 9.096/95 3.Não restou demonstrada a origem estrangeira dos supostos recursos financeiros apontados, tampouco como seriam destinados ao Partido dos Trabalhadores, formulando narrativa genérica que não tem o condão de imputar qualquer ilegalidade; 4.As empresas mencionadas como doadoras de recursos financeiros, ainda que a narrativa fosse verdadeira, são todas brasileiras e a doação de pessoa jurídica era permitida à época dos supostos acontecidos; 5.O partido político, conforme jurisprudência uníssona do TSE, não pode ser sancionado em virtude de eventuais condutas ilícitas de alguns dirigentes, sob pena de violação ao princípio constitucional da intranscendência das penas. Assim a ausência de demonstração, pela parte autora, de que suposto esquema ilegal seria fruto de decisão institucional do partido - e nem poderia - reflete a improcedência da ação. 6.As contas seguem sendo anualmente prestadas pelo Partido dos Trabalhadores, de modo que a aventada ausência de prestação não encontra fundamento fático”

Disse a direção do PT que o objetivo do Ministério Público é “calar a voz da oposição, atendendo aos desejos do governo". "Só isso justifica a admissão de um pedido esdrúxulo e ilegal como este”, conclui a sigla na nota, do que se lê do Brasil de Fato.

A esquerda diário, por sua vez, afirmou:

“A golpista operação Lava Jato afirma ter comprovado que o Partido dos Trabalhadores teria recebido financiamento de empresas estrangeiras.” 

Será uma peça de construção de luta ideológica? Algo dentro do jogo político da extrema-direita brasileira? Caberá ao TSE trazer a resposta.

Observe-se o que dita o artigo 28, I, da Lei dos Partidos Políticos:

Art. 28. O Tribunal Superior Eleitoral, após trânsito em julgado de decisão, determina o cancelamento do registro civil e do estatuto do partido contra o qual fique provado:

I - ter recebido ou estar recebendo recursos financeiros de procedência estrangeira;

Voltemos ao passado.

Com a Constituição de 1945, com a vitória do Marechal Dutra, setores ligados ao liberal populismo, com apoio norte-americano, se interessaram pela cassação do registro do PCB. 

No início de 1947, a aliança entre os Estados Unidos e a União Soviética, fruto da luta contra o Eixo, começou a ser desfeita. Era o início da chamada Guerra Fria. Segundo o presidente americano Harry Truman, as potência mundiais da época estavam divididas em dois sistemas nitidamente contraditórios: o capitalista e o comunista. E a política externa americana voltou-se para o combate ao comunismo.

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O governo Dutra foi totalmente alinhado com os Estados Unidos.

A 23 de março de 1946, dois deputados da chamada “ala direita do PTB” solicitaram ao Tribunal Superior Eleitoral(TSE) a cassação do registro do partido comunista. Fundamentaram seu pedido ao argumento de que o PCB é uma organização internacional “a serviço de Moscou”. Como prova, apresentaram vários documentos, entre os quais a famosa de Luiz Carlos Prestes, líder do partido comunista, de que no caso de uma guerra entre o Brasil e a URSS, o PCB ficaria com esta última. Apesar disso, o procurador geral da República, Temistoclés Cavalcanti, rejeitou o pedido de cassação. Em maio, o governo demite os funcionários públicos acusados de comunistas e ordena sindicâncias a respeito das atividades do PCB. A 17 de janeiro de 1947, o ministério da justiça enviou documentação ao tribunal superior eleitoral para fundamentar a acusação de que o partido se rege por um estatuto clandestino. A 7 de maio, o TSE vota pelo cancelamento do registro. A votação não é unânime: três ministros votaram a favor e três contra. O PCB voltou mais uma vez à ilegalidade.

Os votos vencedores concluíram pela procedência das acusações, com base na violação ao art. 141, § 13, da Constituição Federal de 1946 , c.c. o art. 26, alíneas a e b, do Decreto-Lei nº 9.258/46. Esse dispositivo constitucional vedava a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido político ou associação cujo programa ou ação contrariasse o regime democrático. O preceito estava baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem.

A tese vencida ressaltou a ausência de provas das alegações e defendeu a democracia calcada na pluralidade partidária, independentemente do caráter antidemocrático das agremiações, razão pela qual entendeu manter o registro do partido. Dias depois, o Ministério da Justiça iniciava o fechamento das instalações do PCB.

Votaram pela extinção do partido: o ministro Cândido Lobo, o desembargador J.A. Nogueira e o relator ministro Rocha Lagoa.

Votaram contra: o juiz Sá Filho e o ministro Ribeiro da Costa.

Alcêu Barbedo, sub-procurador geral da República foi o autor dos pareceres pela quebra do registro do PCB. Alceu Barbedo argumentou que, além da irregularidade dos estatutos, o PCB era um partido estrangeiro, apresentando como prova o seu nome: não era um Partido Comunista Brasileiro e sim um Partido Comunista do Brasil.

Em abril de 1948, o Supremo Tribunal Federal recebeu recurso extraordinário contra a decisão que cassou o registro do partido, mas dele não conheceu.

Todos os parlamentares eleitos pelo PCB perderam seus mandatos, porquanto o partido não existia mais.

Diante da hipótese de perda de mandato eletivo não expressamente prevista na Constituição Federal, editou-se a Lei nº 648, de 10 de março de 1949, que estabeleceu em seu artigo 1º:

"Os lugares tornados vagos nos corpos legislativos, em consequência do cancelamento do registro do Partido Comunista do Brasil, pela Resolução nº 1.841, de 7 de maio de 1947, do Tribunal Superior Eleitoral, caberão a candidatos de outro ou de outros partidos, votados na eleição de que se tenham originado os mandatos".

A lei dispunha que o Tribunal Superior Eleitoral deveria considerar nulos os votos da legenda extinta, contudo ela teve sua aplicação negada pelo Tribunal, através da Resolução nº 3.222, de 20.5.1949  por inconstitucionalidade.

O recurso extraordinário  encaminhado ao Supremo Tribunal Federal não foi acolhido, por entender-se que houve violação ao art. 52, parágrafo único, da Carta Magna, que previa a convocação de suplente ou, na ausência deste, a realização de nova eleição.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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