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A arte de se reinventar em tempos difíceis: uma reflexão sobre alternativas práticas às microempresas e empresas de pequeno porte

Agenda 22/05/2020 às 16:00

Apresentam-se possibilidades de preservação e recuperação financeira das ME e EPP, todas pautadas na celeridade e redução de custos, aproveitando-se de institutos jurídicos como mediação e recuperação extrajudicial e judicial.

Fôlego financeiro: esta, sem dúvida, é a maior necessidade atual do empresariado do Brasil (e do mundo!).

A nova década se inicia com uma pandemia avassaladora, a qual, literalmente, vem desacelerando o globo.

Na tentativa de frear o avanço da contaminação em progressão geométrica, Chefes de Estado decretam ações de isolamento social, mantendo em funcionamento somente serviços de ordem essencial.

O planeta pausou.

A roda econômica produtiva, lentamente, tende a não mais conseguir girar. A legítima preocupação com a crise da saúde divide espaço com os anseios de ordem econômica. O mundo inteiro passa a enfrentar esta mesma dicotomia: saúde pública x economia.

Fato é que o mundo já teve sua economia afetada de forma profunda pelo covid-19.

Não seria ousado afirmar que em todo o planeta não haja ninguém que, de uma forma ou de outra, não tenha sido obrigado a repensar coisas simples do cotidiano, a inovar, a se reinventar em meio ao caos.

Dependendo da extensão da calamidade, algumas empresas, com reservas financeiras mais substanciais, enfrentarão período de recessão, conseguindo, contudo, atravessá-lo.

É inquietante, entretanto, a situação da grande maioria das empresas do país, as quais possuem fluxo de caixa muito sensível, sobretudo as micro e empresas de pequeno porte.

Nesta linha, dedica-se o presente ensaio a este nicho empresarial que, em sua maior parcela, possui finanças demasiadamente estreitas.

Importante salientar que o Brasil possui, aproximadamente 9 milhões de microempresas (ME) e empresas de pequeno (EPP)[1], as quais representam 27% do PIB.

Tal “fragilidade” das ME e EPP já podia ser constatada, antes mesmo do covid-19, tendo em vista a liderança dos pedidos de recuperação judicial protocolizados em juízo.

Neste momento, milhares de micro e pequenos empresários devem estar conjecturando as saídas, economicamente viáveis, ante à paradoxal realidade do planeta.

Com a redução abrupta de receita, como saldar todas as obrigações financeiras?

O ordenamento jurídico possui uma esteira de possibilidades para que se viabilize a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Certo é que, algumas possibilidades são de ordem mais simples, enquanto outras, com maior complexidade.

Em uma sintética escala jurídica de “custo x benefício” às ME e EPP, tem-se, sob esta perspectiva, o seguinte: MEDIAÇÃO -> RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL -> RECUPERAÇÃO JUDICIAL (com apresentação de plano especial).


MEDIAÇÃO

O ordenamento jurídico, juristas e operadores do Direito de um modo geral já levantam esta bandeira não é de hoje.

O instituto de mediação vem sendo difundido e disseminado mundo afora.

Seria a atual situação um catalisador da mudança de comportamento para as soluções de conflitos?

Sem dúvidas, mediar é mais do que preciso. É salutar neste momento.

Salutar para credores, devedores, empregadores e empregados.

O momento é ideal para ponderar interesses e necessidades e, assim, contornar a crise financeira.

O empresariado, sem dúvidas, deve lançar mão de ferramentas alternativas ao Judiciário, a fim de, assim, transpor a crise e perpetuar suas atividades.

Credores, fornecedores, empregados, locadores: o momento é de diálogo e negociação. Dialogar e negociar para, assim, afastar a bancarrota.

 Dependendo do volume de negociações, tal movimento poderá ser liderado diretamente pelo representante da empresa, o que poupará os custos operacionais de uma mediação.

Diante de um quantitativo maior, ou mesmo de certa dificuldade nas tratativas, ainda assim, sempre valerá a composição. Ainda que seja necessária a utilização de profissionais com a expertise adequada para negociar, conciliar e, finalmente, mediar. A transação sempre trará saving financeiro à empresa. 

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Dentre diversas medidas, vale destacar a recente publicação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho[2], a qual prevê orientações, de caráter excepcional, para o uso dos institutos da mediação em conflitos trabalhistas, individuais ou coletivos, durante a pandemia do covid-19. Estimula-se o diálogo como poderosa ferramenta à solução de conflitos.

Sem dúvidas, a primeira tentativa de obtenção de fôlego financeiro, principalmente pelas ME e EPP, será a mediação, onde cada lado terá que renunciar uma parte para ganhar, literalmente, no todo.


RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

Um passo à frente estaria a Recuperação Extrajudicial.

Diante de um cenário em que não tenha sido possível negociar todas as obrigações necessárias ao restabelecimento da saúde financeira da empresa, o próximo passo seria uma avaliação do seguinte cenário:

“Qual o número de credores dispostos a negociar/ aceitar as condições factíveis de cumprimento das obrigações assumidas pela empresa? ”

Se a resposta for 3/5 ou mais, de cada classe, esta pode ser a saída.

Ao contrário do que o nome indica, trata-se de procedimento sujeito ao Poder Judiciário.

A diferença (em relação à Recuperação Judicial), entretanto, é que a empresa recuperanda já inicia a provocação do Judiciário com a apresentação do plano de recuperação e a respectiva aprovação do mesmo por, pelo menos 3/5, dos credores de cada classe[3].

A recuperação é extrajudicial na medida em que o plano de recuperação é aprovado previamente ao ajuizamento da ação.

Verifica-se de certa forma, assim, uma negociação prévia com os credores, na qual a empresa, iminente recuperanda, obteve sucesso (aprovação) com pelo 3/5 dos seus credores de cada classe.

O ajuizamento do pedido de recuperação extrajudicial provocará o Juízo a homologar o plano e, por conseguinte, fazer as condições ali previstas valerem para todos os credores, inclusive aqueles dissidentes que não o aprovaram.

Homologado o plano, ter-se-á um título executivo.

O procedimento em questão é, sem dúvidas, mais simples, menos dispendioso e com consequências menos austeras à empresa recuperanda.

Mais simples e menos onerosa, uma vez que afasta a necessidade de Assembleia Geral de Credores, de um Administrador Judicial, bem como a participação do Ministério Público.

Menos severa quanto às consequências, tendo em vista que a eventual não homologação do plano de recuperação[4] pelo juízo ou o descumprimento do mesmo não acarretará a convolação em falência[5].


RECUPERAÇÃO JUDICIAL COM APRESENTAÇÃO DE PLANO ESPECIAL

Por fim, na escala “custo x complexidade” apresentada, tem-se a Recuperação Judicial (RJ).

Vale enfatizar que, conforme o próprio legislador bem definiu, trata-se de uma ferramenta para superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Outro dado importante em relação à RJ é que o ano de 2019 encerrou-se com queda de 1,5% dos pedidos de recuperação judicial em comparação ao ano anterior[6].

A queda nos pedidos de recuperação judicial no último ano tinha explicação: a melhora da economia brasileira naquele ano, aliada às reduções das taxas de juros.

2020, entretanto, chegou colocando em cheque todo o tímido avanço conquistado no ano antecessor.

Acaso os conflitos (“credor x devedor”) não tenham sido solucionados através de um dos dois institutos tratados anteriormente, poderá a empresa, ainda, se socorrer do Judiciário, apresentando um pedido de RJ.

A Lei 11.101/05 prevê, ao longo dos capítulos III e IV, o instituto da Recuperação Judicial.

Com base no princípio constitucional da isonomia, os artigos 70 a 72 desta lei preveem condições específicas para as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Possibilitando a apresentação de plano especial de recuperação judicial (PERJ)[7].

Em termos práticos, o que significa optar pela apresentação de um plano especial?

Basicamente, pode-se resumir que:

  1. Não será realizada Assembleia Geral de Credores para a submissão do plano à aprovação dos credores;
  2. O PERJ será apresentado em até 60 dias;
  3. O PERJ deverá prever todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49;
  4. O PERJ deverá prever parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, podendo conter, ainda, a proposta de abatimento do valor das dívidas;
  5. O PERJ deverá prever o pagamento da 1ª (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da distribuição do pedido de recuperação judicial;
  6. Por fim, o PERJ estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.

Como o procedimento em questão dispensa a realização da AGE, haverá abertura de prazo processual para a apresentação de eventuais objeções pelos credores.

Não havendo objeção de mais de 50% dos credores, de cada uma das classes, o juiz homologará o PERJ, concedendo o pedido de recuperação judicial. Havendo oposição superior a este limite, será decretada a falência do devedor.

Em apertada síntese, eis os macros aspectos do procedimento.

Não obstante a liderança dos pedidos de recuperação judicial ajuizados ser ocupada por micro e empresas de pequeno porte, raríssimas são aquelas que optam pela apresentação de um PERJ.

Qual seria a razão de uma ME/ EPP optar pela apresentação de um plano “ordinário” ante à previsão legal mais benéfica/simples que lhe assiste?

A resposta é: DESCONHECIMENTO.

Explica-se.

Até o ano de 2014, o inciso I do art. 71 possuía a seguinte redação:

“Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se á às seguintes condições:

I – abrangerá EXCLUSIVAMENTE OS CRÉDITOS QUIROGRAFÁRIOS, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei; ”

Ou seja, os créditos sujeitos a este procedimento limitavam-se aos quirografários.

Sendo certo que os problemas financeiros que acometem as empresas são de ordem global (envolvendo outras classes de créditos), o procedimento previsto à ME e EPP não atendiam às suas reais necessidades, obrigando-as, assim, a optar pelo procedimento “ordinário” da RJ.

Eis aí a principal razão pela opção do procedimento mais moroso e custoso de RJ pela quase unanimidade das ME e EPP.

Em 2014, entretanto, este cenário mudou.

A Lei Complementar 147/ 2014 alterou o inciso I[8], cuja redação passou a ser:

“Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se á às seguintes condições:

I - abrangerá TODOS OS CRÉDITOS EXISTENTES NA DATA DO PEDIDO, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49; ”

Ou seja, os créditos sujeitos a este procedimento passaram a ser todos (incluindo os créditos trabalhistas os quais possuem enorme peso nas finanças de uma ME/ EPP, principalmente quando necessitam reduzir seu quadro de funcionários em um momento de crise)[9].

Nota-se, entretanto, que a alteração do inciso I ainda é pouco percebida pelo empresariado afeto a tal dispositivo.

Hoje, o que se tem é um procedimento mais célere, menos custoso e que abarca os mesmos créditos sujeitos à RJ “ordinária”.

Entretanto, mostra-se tímido o volume de pedidos de RJ ajuizados por ME e EPP com a opção de apresentação de plano especial.

A possibilidade de se parcelar os débitos por até 36 meses (incluindo despesas trabalhistas com verbas rescisórias), com pagamento inicial em até 180 dias da distribuição do pedido de RJ, sem titubeio, é mecanismo eficaz de preservação de uma empresa que esteja em meio a uma fase econômica complicada, como a que agora tantas vivenciam.

Fazendo um contraponto ao procedimento anterior – Recuperação Extrajudicial -, a RJ necessita de quórum menor (50% + 1) para a aprovação do PERJ, enquanto que o procedimento de recuperação extrajudicial prevê a necessidade de 3/5 (60%).

Entretanto, acaso o plano não seja aprovado pelos credores, a consequência será a decretação da falência. O que não ocorre no procedimento extrajudicial, acaso não se efetive a homologação judicial do plano.


CONCLUSÃO

Muito se tem lido sobre a pandemia covid-19.

Todos os conteúdos com o mesmo fim: contribuir de alguma forma, cada um em sua área de atuação e conhecimento, com a sociedade.

Eis mais uma contribuição.

Em meio a todo esse caos, certamente os micro e pequenos empresários serão os mais afetados, ante ao pequeno fôlego financeiro que a grande maioria possui.

Pensando nesse nicho, o artigo teve por fim destacar, de forma objetiva, as possibilidades de preservação e recuperação financeira das ME e EPP, todas pautadas, precipuamente, na celeridade e redução de custos.

De forma sintética, tentou-se apresentar os caminhos jurídicos existentes, ventilando-se importantes institutos do ordenamento pátrio: Mediação – Recuperação Extrajudicial – Recuperação Judicial pautada em plano especial.


Notas

[1] De acordo com o art. 3º da Lei Complementar 123/06, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 Código Civil, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:

I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e

II - no caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).

[2] Recomendação 01/2020, publicada em 25/03/2020.

[3] Conforme Lei 11.101/05, excluem-se credores Trabalhistas e Tributários deste procedimento. Somente créditos quirografários e com garantia real sujeitam-se a este instituto.

[4] Acaso a recuperanda não cumpra com todos os requisitos previstos na Lei 11.101/05, ou haja, alguma outra mácula no plano apresentado/ aprovado, o juiz deixará de homologá-lo.

[5] No procedimento de Recuperação Judicial (RJ), acaso o plano não seja homologado ou deixe de ser descumprido, haverá a convolação da RJ em falência.

[6] Fonte: Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações Judiciais

[7] As recuperandas deverão manifestar sua intenção de apresentar plano especial de RJ na petição inicial de que trata o art. 51 desta Lei.

[8] Alteração também do inciso II do art. 71, o qual está vigente com a seguinte redação:

“II - preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das dívidas; ”

[9] Não obstante os créditos tributários não serem sujeitos à recuperação judicial (art. 161, §1º da Lei 11.105/05), a Lei 13043/2014 prevê, em seu art. 43, a possibilidade de parcelamento, em até 84 parcelas, débitos de empresas em RJ. Se o débito fiscal por de titularidade de uma ME ou EPP, tal parcelamento deverá ser ampliado em 20%, conforme art. 68 da LC 147/ 2014.

Sobre a autora
Mariana Albuquerque Negri

Advogada, ocupando posição executiva em uma grande Cia. de telecomunicações. Possui sólida experiência em direito privado, sobretudo na área consultiva contratual e empresarial. Profissional graduada na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) -, inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro. Em constante aprimoramento técnico, ao longo de quinze anos de carreira, cursou pós-graduação latu sensu em Direito Processual e diversos outros cursos de extensão, todos em renomadas instituições de ensino. Focada no âmbito corporativo, ingressou como Trainee Executiva em uma grande Cia. da área de Telecomunicações. Buscando expandir suas competências, cursou MBA em Gestão de Serviços, bem como submeteu-se à certificação Green Belt (Metodologia Six Sigma).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEGRI, Mariana Albuquerque. A arte de se reinventar em tempos difíceis: uma reflexão sobre alternativas práticas às microempresas e empresas de pequeno porte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6169, 22 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81000. Acesso em: 22 dez. 2024.

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