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Apontamentos e críticas à delação premiada no direito brasileiro

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Agenda 15/03/2006 às 00:00

III - ASPECTOS CRÍTICOS

3.1 A ética e a delação premiada

3.1.1 Diferença entre ética, moral e direito

É de suma importância diferenciar ética, moral e direito para, em um segundo momento, verificar se a delação premiada é realmente, do ponto de vista ético, reprovável, como acreditam alguns.

Embora as três áreas se distingam, também têm grandes vínculos e, às vezes, até se sobrepõem.

Mister, neste momento, algumas considerações.

É assente que o vocábulo "lei" tem o significado de norma imperativa do comportamento humano, ou seja, lei ética, moral ou humana. O saudoso André Franco Montoro (1993, p. 301), de maneira ímpar, lecionava que o mundo jurídico faz parte do mundo ético.

Outrossim, a título de explicação da assertiva supra, tem-se que, em sentido amplíssimo, há a lei da natureza, cósmica ou universal, que se divide em natural e moral (ética ou humana) (Ibid, 1993, p. 295).

A lei moral fundamenta-se na consciência e a lei jurídica é imposta pela autoridade social.

Assim, tem-se, em ordem decrescente, a lei geral ou universal, a lei humana, a lei ética ou moral e, por fim, a lei jurídica.

Tanto a moral como o direito se baseiam em regras que visam estabelecer uma certa previsibilidade para as ações humanas. Ambas, porém, diferenciam-se por sua natureza.

A norma ética (moral) é a lei do "ser" (do que é) e a jurídica, a do comportamento, é a do "dever ser" (do agir).

Portanto, a norma moral estabelece regras que são assumidas pela pessoa, como uma forma de garantir sua harmonia. A jurídica, por sua vez, busca estabelecer o regramento de uma sociedade delimitada pelas fronteiras do Estado.

Ambas, porém, têm uma base ética comum e constituem normas de comportamento (DINIZ, 1995, p. 343).

Há quem afirme que o direito é sub-conjunto da moral e, por isso, toda a lei é moralmente aceitável. Acredita-se ser essa assertiva equivocada, vez que a moral e o direito, apesar de se referirem a uma mesma sociedade, podem ter perspectivas discordantes.

A ética, diferentemente da moral e do direito, faz um estudo do que é bom ou mau, buscando justificativas para as regras propostas pela moral e pelo direito. Não estabelece regras, apenas reflete acerca da ação humana. Assim, percebe-se que a ética corresponde a uma espécie de delimitação do que é certo, sendo este próprio e determinado pelo indivíduo.

Éticae moral são, em realidade, duas faces da mesma moeda, pois uma está voltada para o interior e a outra se volta para o mundo.

3.1.2 A eticidade da delação premiada

Por que queimaram Judas? Não será para punir a delação? Castigar a traição?

Efetivamente, a traição sempre foi repugnada na sociedade, mesmo assim, Judas, por apenas trinta moedas, traiu Jesus Cristo; César foi apunhalado por Brutus; Joaquim Silvério dos Reis, pelo simples perdão de uma dívida, dedurou Tiradentes e assim por diante.

Para muitos, a colaboração premiada é imoral tendo em vista que a traição demonstra fraqueza de caráter (MOREIRA, on-line).

Nesse cariz, há quem sustente que a lei deve sempre indicar condutas sérias, moralmente relevantes e aceitáveis, o que não ocorreu quando da introdução da delatio no Brasil.

Para esses doutrinadores falta, antes de tudo, um fundamento minimamente ético para a delação premiada.

Dá-se o prêmio punitivo por uma cooperação eficaz com a justiça sem importar com o que motiva o colaborador, de quem não se exige nenhuma postura moral, muito pelo contrário, estimula-se a deslealdade, a perfídia, enfim, a traição.

Acredita-se que, na equação "custo-benefício", só há valoração às vantagens que possam advir ao Estado no combate à criminalidade, não se atribuindo qualquer relevância aos reflexos negativos que podem surgir, como por exemplo, a rotulação eterna do delator (FRANCO, 1994, p.211).

Destarte, verifica-se que a questão, efetivamente, suscita polêmica.

Com efeito, Luigi Ferrajoli (apud SILVA, 1999, p. 05) questiona a moralidade da colaboração premiada, percebendo o perigo dos agentes estatais utilizarem os benefícios para pressionar o réu, influenciando seu livre arbítrio, de modo a transformar as delações na linha mestra dos processos, passando-se a negligenciar as demais modalidades probatórias.

Sérgio Moccia (1999, p. 75) comenta que há uma lógica contratual entre o Estado e o colaborador que reduz a delação premiada a um sistema útil para encorajar os acusados, quando deveria, na verdade, ser atribuído valor às delações que fossem a verdadeira expressão da livre vontade individual, sem qualquer provocação por parte do Estado.

Eduardo Luiz Santos Cabette (on-line), ao abordar o instituto da delação premiada no Direito Brasileiro, salienta que se pode constatar uma "quase" promiscuidade entre Ética e Direito.

Posicionam-se em sentido oposto, autorizados pensadores.

Eduardo Araújo da Silva, em brilhante trabalho publicado no Boletim IBCCrim nº 85, dezembro de 1999, comenta:

Malgrado o questionamento sobre a moralidade do instituto, hodiernamente dupla é a sua vantagem: permite ao Estado quebrar licitamente a lei do silêncio que envolve as organizações criminosas, assim como colaborar para o espontâneo arrependimento de investigado ou acusado. (1999, p. 05)

Tratando do tema em comento, David Teixeira de Azevedo sustenta:

Oportuna, portanto, a legislação brasileira, que se põe na linha de frente da política criminal orientada de um lado na proteção dos direitos da vítima e de outro no âmbito da efetividade da persecução penal na prevenção e repressão de graves formas delituosas, cujo deslinde depende, e em muito, da efetiva colaboração da vítima, do destemor das testemunhas e, também, da eficaz e eficiente colaboração dos co-autores e partícipes.(1999, p. 05/06)

E enfatiza:

O perdão judicial e a diminuição da pena previstos na nova legislação embebem-se de eticidade, não se constituindo num desprestígio ao direito punitivo, nem numa barganha sombria do Estado com o criminoso para a busca e soluções fáceis para a investigação penal e para o processo penal à custa e sacrifício de princípios morais.

Como assinala Jorge Alberto Romeiro, "o sentimento reflexo de bondade, pois salvo raras exceções, a indulgência determina também, na generalidade dos indivíduos, por uma espécie de mimetismo psicológico, sentimentos reflexos de altruísmo. Assim, o perdoado de um mal pretérito poderia sentir o dever de compensá-lo com um futuro bom comportamento".

Aliás, o fazem bem ao próximo desencadeia sentimentos e posicionamentos positivos e favoráveis com relação a quem fez o bem. As Escrituras Sagradas pontuam: "Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça". O "amontoarás brasas de fogo sobre a cabeça" significa, aqui no texto, justamente despertar sobre quem praticou a má ação um sentimento de arrependimento e de reversão da postura de colisão com os valores negados com a ação ilícita.

Portanto, sob os princípios de uma ética cristã, o instituto do perdão judicial e da causa de diminuição de pena particularmente previstos na nova lei, estariam plenamente justificados.(Ibidem, p. 06)

Damásio Evangelista de Jesus (1999, p. 05), ao traçar suas primeiras idéias acerca do tema, concluiu que a medida deve ser empregada com prudência, devendo ser reservada para casos de relevância.

Malgrado os posicionamentos contrários, induvidoso o fato de que a delação premial está imbuída de nobre propósito, pois, na verdade, trata-se de oportunidade concedida ao criminoso de rever seus atos, assumir a culpa e contribuir com a justiça no combate à criminalidade.

Nesse aspecto, não há uma efetiva traição, mas sim união de esforços do Estado com o delator, que, arrependido, insatisfeito por haver violado a lei, age de maneira a tentar restaurar a ordem perturbada.

Pesa sobre o delator um sentimento de dor por sua conduta criminosa, uma vontade que o impulsiona a mudar de rumo e colaborar com a justiça.

Cumpre ressaltar que deve haver rígido controle judicial para aplicação da delação premiada, de modo a evitar qualquer constrangimento em relação à vontade do colaborador.

Outrossim, mister cautela no recebimento da delação, vez que o legislador pátrio não criminalizou a falsa colaboração como o fez o italiano. Por isso, imprescindível a consideração de alguns critérios consagrados pela jurisprudência para a validade das palavras do co-réu delator: a) verdade da confissão; b) inexistência de ódio, em qualquer das manifestações; e c) inexistência de atenuação ou mesmo eliminação da própria responsabilidade (SILVA, 1999, p. 05).

Nessa ótica, o instituto reveste-se de eticidade, sendo que o que pode ser considerado moralmente reprovável é qualquer abuso por parte dos agentes estatais para a obtenção da delação.

Eduardo Araújo da Silva obtempera:

Em verdade, o que se apresenta reprovável moralmente, é o abuso por parte dos agentes estatais para a obtenção da delação premiada, impondo-se especial atenção dos magistrados nesse particular, de modo a assegurar as garantias do Estado Democrático de Direito. (1999, p. 05)

Efetivamente, a delação premial trata-se de um instrumento importante para a investigação da criminalidade nos moldes em que esta se apresenta na atualidade e, por isso, deve, sempre que possível, ser utilizada. No entanto, como já exposto, abusos por parte de agentes do Estado em sua aplicação prática podem ocorrer, comprometendo, assim, a dignidade do acusado, o que faz imprescindível o prudente controle judicial.

3.2 A demonstração de ineficácia do Estado no combate à criminalidade

Paira sobre esse instituto a idéia de demonstração da inoperância do Poder no combate ao crime.

Há quem assevere que, ao inserir a colaboração premial no ordenamento jurídico brasileiro, o Estado reconhece sua impotência, tanto para investigar quanto para punir a prática de crimes, necessitando, sobremaneira, da boa vontade do investigado ou acusado em colaborar com a justiça, delatando.

Partindo-se desse entendimento, o Estado estaria falido no cumprimento de um de seus objetivos básico, qual seja, a segurança pública e por isso, ressalte-se, tão-somente por isso, buscou substituir os meios normais e tradicionais de investigação pela delação premiada (MACHADO, on-line).

Observa Alexandre Demetrius Pereira:

É realmente uma situação iníqua, em que o Estado mais uma vez reconhece sua incompetência para investigar e punir a criminalidade. De fato, não vislumbro outra maneira de entender a proposta contida em tais artigos, senão com a confissão pública e expressa do Estado, que parece dizer "não tenho como investigar o crime. Não tenho como punir o criminoso". Se, não obstante, tiver o criminoso vontade de delatar seus comparsas, identificando-os ou dizendo onde está a res, receberá a clemência do Estado, ficando impune. (on-line)

Contrariando essa posição doutrinária, encontra-se o entendimento de que mesmo sendo amplamente criticada, a figura da delatio tem grande eficácia e configura uma atitude coerente no combate ao crime organizado. Ainda, caminha ao lado dos demais meios de investigação, como um trunfo em prol da justiça.

No dizer de Roberto Porto, promotor de justiça integrante do Gaeco - Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado:

Só para também ressaltar: até 1995, o estado negava a existência de crime organizado no Brasil e já havia em São Paulo a Máfia Chinesa, um caso em que temos atuação desde 1985. O PCC é outro em que o Gaeco atua, ou seja, todas essas organizações nasceram e ganharam porte em cima da omissão do Estado. Foi criada essa lei de repressão ao crime organizado, mas na verdade já existia na legislação, e um dos trunfos dessa lei é um dispositivo copiado da Itália: a delação premiada. É a forma de o sujeito se tornar colaborador e Ter a pena reduzida. A redução é substancial, de um a dois terços da pena. Na Itália foi a maior arma nas operações Mãos Limpas. Aplicamos no caso da "Máfia dos Fiscais". Nunca tinha sido aplicada esse lei, e o dispositivo tem uma eficácia tremenda. Como teve. E aí fomos supercriticados, inclusive todos os livros doutrinários criticam esse instituto, porque no Brasil instituíram que o sujeito que colabora é delator. Então, essa lei baseia-se na traição, e por isso é imoral. No mundo inteiro ela é aplicada, mas no Brasil há uma resistência. (2003, p. 32)

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Na linha acima, percebe-se que a tendência atual em matéria de investigação e repressão criminal ruma no sentido da união de esforços já citada. O Estado deixou de ser omisso e vem procurando combater as práticas delituosas que se disseminaram rapidamente.

A exemplo da Itália que já se apresentou como palco de cenas de terror desenvolvidas por agentes mafiosos, a delação premiada teve relevante papel no combate às organizações criminosas.

Observa Carlos Alberto Marchi de Queiroz:

Giannicola Sinisi, um dos criadores da Fundação Goivanni e Francesca Falcone, é, na atualidade, um dos magistrados mais temidos pela Máfia na Itália, principalmente por ter um de seus projetos convertidos em lei, mais especificamente, aquele que estimula a participação de colaboradores nos processos movidos pela Justiça contra o crime organizado italiano. (1998, p. 63)

Existe crime organizado no Brasil e isso faz com que haja mudança de atitude por parte do Estado, que prescinde de atualização.

Ainda, as organizações criminosas têm características peculiares como: a) o chefe situa-se em posição eqüidistante dos demais integrantes; b) existe uma estrutura hierárquico-piramidal, com divisão de tarefas; c) nem todos os integrantes sabem exatamente qual a finalidade das ações criminosas; d) só sobrevive com a participação efetiva do Estado (BLAT, 2003, p. 31).

Desta forma, torna-se deveras difícil encontrar, por exemplo, quatro pessoas devidamente identificadas nas organizações, o que torna a colaboração premial relevante.

Muitas vezes, devido à estrutura hierárquico-piramidal das organizações criminosas, o investigado ou acusado detido não sabe quem é o chefe, o qual mor das vezes está bem situado na sociedade e não "suja as mãos" (ibidem, p.32), mas tem conhecimento de quem são seus superiores imediatos. Assim, pela colaboração do criminoso, o Estado poderá romper a estrutura de maneira gradativa, coisa que não conseguiria sem o auxílio face à estrutura de teia apresentada pelas organizações criminosas.

Portanto, não se trata de demonstração de impotência do Estado, mas sim de adequação deste à realidade fática.

Destarte, sem qualquer abalo às estruturas jurídicas, premiar o criminoso que coopera faz parte de uma política criminal atual no combate à criminalidade que vem sendo utilizada em vários países com sucesso.

Ademais, a título de ilustração, os Estados Unidos, um exemplo no combate ao crime organizado, possuindo um Poder Judiciário extremamente ágil, apoiado por uma Polícia moderna, eficiente e cumpridora de leis enérgicas e duras, faz, constantemente, uso do instituto da delação premiada, inclusive transaciona com aos acusados.

Por isso, não existe qualquer amparo a alegação de que, por fazer uso da colaboração premiada, o Brasil demonstra a falência do Estado na garantia da segurança pública, vez que os benefícios concedidos pelo instituto da delação premiada não configuram qualquer desprestígio ao Direito Penal.

3.3 O menosprezo de valores fundamentais

Dentro da corrente doutrinária que critica a delação premiada, encontram-se presentes os que acreditam estar menosprezando valores fundamentais como "equidade" e "proporcionalidade".

A Constituição Federal, no quadro das garantias individuais e sociais, procurou seguir as exigências de aperfeiçoamento do homem e o respeito à sua integridade física e moral. A preservação de sua personalidade e a proteção contra as penas infamantes, a condenação sem processo contraditório, a supressão de algumas penas, a afirmação de que somente o delinqüente pode sofrer a pena, sem atingir os que dele dependem, definem uma orientação que qualifica perfeitamente o regime e os princípios fundamentais da Constituição.

Muito se tem discutido acerca do princípio da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade requer um juízo de ponderação em relação à gravidade do fato e à gravidade da pena. Sendo assim, sempre que restar demonstrado um grande desequilíbrio nessa relação haverá uma inadmissível desproporção.

O princípio da proporcionalidade é destinado tanto ao poder legislativo, encarregado de estabelecer penas em abstrato que sejam proporcionais à gravidade do delito, quanto ao juiz, que impõem penas aos autores dos delitos.

O artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal, determina que a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos. Trata-se do princípio da individualização da pena, imprescindível para a avaliação da proporcionalidade.

A individualização divide-se em três fases: a cominação, quando o legislador valora as condutas, cominando-lhes penas que variam de acordo com a importância do bem a ser tutelado; a aplicação, que se dá quando há o cometimento da infração e abre-se a oportunidade para o Estado individualizar a pena, por meio da decisão condenatória do julgador; e, por fim, tem-se a execução, efetivada após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Importante, in casu, atentar para a segunda fase da individualização da pena, na qual o juiz somente poderá aplicar a pena na justa medida do necessário, atendendo, assim, a determinação contida no artigo 59, caput, do Código Penal, o qual determina que a pena será estabelecida conforme seja necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Certo é que o princípio da proporcionalidade exige que a pena seja proporcional ao mal produzido pela conduta típica, ilícita e culpável do agente.

Cesare Beccaria, no século XVIII, já asseverava:

O interesse de todos não é somente que se comentam poucos crimes, mas ainda que os delitos mais funestos à sociedade sejam os mais raros. Os meios que a legislação emprega para impedir os crimes devem, pois, ser mais fortes à medida que o delito é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais comum [...] Bastará que o legislador sábio estabeleça divisões principais na distribuição das penas proporcionadas aos delitos e que, sobretudo, não aplique menores castigos aos maiores crimes. (1999, p. 85)

Feitas essas anotações, demonstra-se necessário analisar a finalidade da pena, isso é, para que serve, o que visa.

Pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos (SOLER, apud JESUS, 1988, p. 517).

Claro está que de nada adiantaria o preceito se não houvesse a sanção, pois é ela que assegura a coercibilidade do ordenamento jurídico positivo.

Com efeito, a pena tem como finalidade a retribuição do mal praticado. No entanto, a prevenção apresenta como seu primordial objetivo.

A política criminal, para atingir suas finalidades, atua tanto pela prevenção geral quanto pela especial.

A prevenção especial consiste em afastar o criminoso do convívio social. Acredita-se que o fato do indivíduo ter cometido um delito demonstra sua periculosidade e a necessidade de uma reeducação para o convívio social. Por isso a pena é aplicada.

Sendo assim, a pena tem um caráter ressocializador e deve fornecer condições para que o condenado se recupere e volte à comunidade.

Feitas essas notas, percebe-se que a delação premiada não menospreza os valores fundamentais acima citados.

Para ter coragem, o acusado ou investigado deve ser movido pelo senso de colaboração com a justiça, pois tem noção das conseqüências que poderão advir de seu ato.

Essa atitude provavelmente implicou uma mudança de opinião com respeito à criminalidade, e esta mudança de opinião vai seguida de uma alteração correspondente dos sentimentos com respeito de suas atitudes passadas, uma necessidade de regenerar.

David Teixeira de Azevedo assinala:

Se a reprimenda já não potencialmente atingirá a finalidade retributiva ou preventiva, seja especial ou geral, positiva ou negativa, é caso de dispensa de pena. Como acrescenta Donnedieu de Vabres, lembrado por Wagner Brussolo Pacheco, "dizer que o perdão judicial é, hoje, um ato de política criminal não significa que ele constitui um favor, uma manifestação de generosidade arbitrária. O seu domínio é determinado pelos fins sociais que a lei tem em vista ao criá-lo". E também para Manzini, igualmente citado pelo mesmo articulista, a não imposição da pena, em determinados casos, pode; levar à prevenção da delinqüência e também ao aprimoramento ético em geral. (1999, p. 07)

Ninguém, em sã consciência, delata por delatar. Para fazê-lo deve estar movido por sentimentos de notáveis valores e com o intuito de amenizar o sentimento de pesar, embora isso não seja requisito essencial consoante já exposto.

Corrobora essa assertiva o fato de que a confissão espontânea sempre atenua a pena e, pelo fato do legislador não ter determinado o parâmetro dessa atenuante, por analogia, pode-se chegar ao limite máximo de dois terços, nos moldes da delação. Assim, o acusado não precisaria delatar para receber a benesse da redução de pena, bastaria confessar.

Ao confessar, o infrator dá um importante passo rumo à sua recuperação, objetivo da pena, e ao delatar, não se vislumbra qualquer outro motivo senão recompensar a sociedade do mal que causou juntamente com seus comparsas, o que é louvável.

E por que não conceder o perdão judicial ou a redução de pena àquele que, embora tarde, se emendou moralmente? Àquele que cooperou com o Estado na persecução criminal? Àquele que depositou sua confiança e vida nas mãos do Poder Público?

De nada serviria a pena para esse indivíduo. Sua própria contrição encarregou-se de regenerá-lo. Por outro lado, não se vislumbra a necessidade de retribuição. Houve um fato criminoso sim, mas seu co-autor além de admitir, ou seja, confessar, delata, virando uma página de sua vida, contrapondo-se ao crime, protegendo, dessarte, a sociedade.

Realmente, o Direito Penal é imprescindível ao controle social, mas é verídico que atualmente as penas não mais satisfazem suas razões e, por isso, tem que ser reconhecida a relevância da doutrina a intervenção mínima, para a qual o Direito Penal só deve intervir nas questões socialmente mais relevantes.

Frente a esta nova tendência de buscar a minimização de utilização do Direito Penal merece destaque a proposição da despenalização que se fundamenta na supressão da pena diante de situações próprias a serem observadas no caso concreto.

3.4 A falta de condições por parte do Estado em garantir a integridade física do delator e de sua família

Neste espaço, forçosas certas observações antes de alavancar a questão em si.

3.4.1 Fundamento da proteção

A Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania é uma resposta firme dada pelo Estado às graves violações à liberdade e à igualdade cometidas.

O direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, consoante dispõe o artigo III, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é regra a todo ser humano (ONU, on-line).

Na visão atual do processo, exige-se uma atuação mais séria e protetora do Estado em relação àquele que elucidar ou proporcionar esclarecimento de um fato criminoso.

Isso se dá pelo crescimento desenfreado da criminalidade e por sua alta complexidade que, por vezes, possui organização superior à dos órgãos persecutórios, os quais, sem a ajuda de pessoas, não conseguem realizar a justiça.

É assente que o Brasil encontra-se comprometido com os valores democráticos e de respeito aos direitos humanos consagrados na Declaração Universal, e por isso, o Governo tem procurado corresponder às expectativas, e aos compromissos assumidos com a plena inserção do país no sistema internacional de proteção e promoção dos direitos humanos.

O Programa Nacional de Direitos Humanos [01], elaborado pelo Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça em conjunto com organizações da sociedade civil, assim justifica sua implantação:

A falta de segurança das pessoas, o aumento da escala de violência, que a cada dia se revela mais múltipla e perversa, exigem dos diversos atores sociais e governamentais uma atitude firme, segura e perseverante no caminho do respeito aos direitos humanos. O Programa Nacional de Direitos Humanos aponta nessa direção, e está dirigido para o conjunto dos cidadãos brasileiros. O programa é uma clara afirmação do Governo Federal com os compromissos assumidos, pelo Brasil, externamente e com a população na luta contra a violência geral. (on-line)

Assim, a implantação de serviços para proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas tem seu marco na proposta prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos de 1996.

Entretanto, apenas no ano de 1999, por meio da Lei n.º 9.807/99, o Governo Federal instituiu no Brasil um programa de proteção a testemunhas e vítimas de crimes, dispondo, inclusive, sobre a proteção aos indiciados, acusados ou condenados colaboradores da polícia ou da justiça.

Na opinião de Eudes Quintino de Oliveira Júnior:

Tal lei já era reclamada não só pelas pessoas que ora são tuteladas como também pelas próprias autoridades encarregadas da investigação policial e do processo criminal que encontravam sérios entraves em coletar um depoimento incriminador com total segurança ao agente que prestava. (1999, p. 49)

No mesmo sentido, convém colacionar o pensamento de André Estefan Araújo Lima:

O ordenamento jurídico brasileiro, já há muito tempo, carecia de um diploma normativo que implementasse um programa de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas. Trata-se de instrumento fundamental para o combate à criminalidade, sobretudo organizada. (on-line)

Regulamentado, por meio do Decreto n.º 3.518, de 20 de junho de 2000, o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas visava formar e capacitar 380 profissionais para operarem no sistema.

A competência para adoção e implementação de programas de proteção é da União, Estado e Distrito Federal, cada ente no âmbito de suas respectivas competências. Ademais, a lei autoriza a celebração de convênios entre União e Estados ou Distrito Federal.

Há, na verdade, um grande comprometimento do Estado para com as testemunhas e vítimas ameaçadas, com o fito de garantir-lhes a integridade física e mental decorrente de um pacto de responsabilidade, no qual o cidadão deve dizer a verdade e, em conseqüência, o Estado lhe concede toda a segurança necessária.

3.4.2 A Lei nº 9.807/99

Convém comentar que a Lei nº 9.807/99, já citada neste trabalho, foi dividida em dois capítulos. O primeiro traz regras de conteúdo programático e estabelece normas para a proteção de vítimas e testemunhas ameaçadas. O segundo, que mais interessa, institui regras destinadas aos réus colaboradores.

Foi estabelecido, portanto, um sistema misto: de um lado os programas de proteção de vitimas e testemunhas; e, de outro, os órgãos de segurança pública, que devem atender às demais situações de proteção, principalmente aquelas relacionadas aos réus colaboradores.

No entanto, percebe-se que o réu colaborador não foi inserido em nenhum programa de proteção, como é permitido às vítimas e às testemunhas ameaçadas (NASCIMENTO, on-line).

Os programas elencados no artigo 7º, da aludida lei, destinam-se apenas às vítimas e testemunhas, sendo que a proteção prevista para o réu colaborador restringe-se à adoção de medidas especiais de proteção e integridade física do réu preso ou em liberdade (NASCIMENTO, on-line).

Assim, as vítimas e testemunhas ameaçadas poderão ser beneficiadas com segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações; escolta e segurança nos deslocamentos da residência; transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção; preservação da identidade imagem e dados pessoais; ajuda financeira mensal para prover as despesas necessárias à subsistência individual ou familiar; suspensão temporária das atividades funcionais, sem prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens, quando servidor público ou militar; apoio e assistência social, médica e psicológica; sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida e poderá haver, em certos casos extremos, a mudança de identidade.

No tocante aos réus colaboradores, o entendimento mais adequado consiste em se dilatar os benefícios de proteção concedidos às vítimas e testemunhas.

André Estefan Araújo Lima fundamentou seu entendimento justificando:

a Lei permite a adoção de medidas especiais de segurança e de proteção à integridade física. Tais medidas podem ser aplicadas ao réu preso ou solto. Se preso provisoriamente, permanecerá separado dos demais. Se se tratar de condenado cumprindo pena em regime fechado, poderão ser efetuadas medidas que garantam sua segurança dentro da prisão. As medidas de proteção e segurança ao réu colaborador não vêm especificadas no art. 15. Nada impede, ao que tudo indica, sejam aplicadas a ele quaisquer das medidas de proteção previstas no art. 7.º da Lei. (on-line)

Ressalte-se que não é novidade que em decorrência do encontro da verdade, se o delator sofrer coação, o Estado se vê obrigado a tutelá-lo, quer em razão da plenitude de sua cidadania, quer pelo relevante serviço prestado à justiça (OLIVEIRA JÚNIOR, 1999, p. 50).

Ocorre que há exceção à proteção. Estão excluídas as pessoas cuja personalidade ou conduta sejam incompatíveis com as restrições de comportamento necessárias à proteção, os condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades.

Por outro lado, não há razão jurídica lógica para a exclusão dos réus colaboradores da proteção, nos moldes concedidos às testemunhas e vítimas.

O mesmo entendimento é adotado por André Estefan Araújo Lima:

Este rol de excluídos tem recebido severas críticas. Apenas como exemplo, no ano de 1997 mais de 1.091 pessoas ingressaram no programa italiano; destas, somente cerca de 50 não tinham nenhuma relação com o mundo do crime. (on-line)

Ademais, em relação aos presos por sentença condenatória ou prisão cautelar, a proteção não será oferecida nos moldes do programa, mas também não será negada, vez que a tutela da integridade física será exercida por parte dos órgãos de segurança pública, no local onde estão segregados (OLIVEIRA JÚNIOR, 1999, p. 52).

A lei também elenca como medida de proteção, que durante a prisão provisória o colaborador fique em dependência separada dos demais, podendo durante a instrução criminal ser determinado pelo juiz medidas cautelares necessárias à eficácia da proteção e, por fim, na fase de execução da pena, podem ser adotadas medidas especiais destinadas a garantir a segurança do colaborador em relação aos demais presos.

3.4.3 Da proteção ao colaborador preso

Eclode da legislação supra, que a delação pelo investigado ou acusado permite a redução de pena ou o perdão judicial.

No tocante ao benefício da redução de pena, tem-se que poderá, após a colaboração, ser o indivíduo encarcerado e, por isso, necessitar de máxima proteção para não ser alvo de vingança por parte dos demais criminosos, ora seus algozes.

Sem pretender o aprofundamento no tema, mas tão-somente deixando consignado, ao preso é assegurado o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal (art. 3º, da Resolução no 14, de 11/11/94), bem como, tem o condenado à pena de reclusão em regime fechado, direito a cela individual, a qual deve obedecer os requisitos básicos de insalubridade (art. 88, LEP).

Verifica-se, todavia, que a realidade dos estabelecimentos penais no Brasil é diversamente outra.

Na maioria dos estabelecimentos prisionais, os presos não possuem assistência à saúde, jurídica e educacional adequadas, e a demanda é deveras maior que a oferta.

Há também o reconhecimento de que, mesmo existindo regras para individualizar os presos de modo a separá-los por categorias, falta estrutura física para tal afastamento.

A situação torna-se ainda mais grave diante do insuficiente número de agentes penitenciários na supervisão da população carcerária, bem como ante a falta de treinamento adequado, e má remuneração oferecida pelo Estado aos agentes carcerários.

A soma dessas circunstâncias culmina na formação de um sistema paralelo, com normas de sobrevivência não escritas, instituídas pelos detentos, cujo não cumprimento é punido com rigor.

Comentando o assunto, o médico Dráuzio Varela obtempera:

[...] Em cativeiro, os homens, como os demais grandes primatas [...], criam novas regras de comportamento com o objetivo de preservar a integridade do grupo. Esse processo adaptativo é regido por um código penal não escrito, como na tradição anglo-saxônica, cujas leis são aplicadas com extremo rigor [...] Pagar a dívida assumida, nunca delatar o companheiro [...] O desrespeito é punido com desprezo social, castigo físico ou pena de morte [...]. (1999, p. 10).

Descobertos, os delatores são quase sempre punidos com a morte, principalmente para dar exemplo aos demais.

Com efeito, a estrutura atual dos estabelecimentos prisionais no Brasil revela-se como uma agressão e desrespeito à dignidade do preso, principalmente do preso colaborador.

O jurista Júlio Fabbrini Mirabete adverte que:

[...] ainda nos dias de hoje no recinto das prisões respira-se um ar de constrangimento, repressão e verdadeiro terror, agravado pela arquitetura dos velhos prédios em que há confinamento de vários presos em celas pequenas, úmidas, de tetos elevados e escassas luminosidade e ventilação [...]. (1996, p. 431)

Portanto, mesmo estando determinado em lei que o juiz criminal pode determinar medidas especiais, que proporcionem a segurança do colaborador em relação aos demais apenados, diante da realidade apresentada pelos estabelecimentos de recolhimento, tal determinação legal torna-se irrelevante.

Anote-se que é necessário uma reestruturação das cadeias nacionais, com a construção de novas penitenciárias, adaptação das já existentes, dentre outras providências, como melhor treinamento aos funcionários, contratação de maior número de agentes penitenciários, desenvolvimento de programas de recuperação e reintegração, etc.

Por todos esses motivos, André Luís Callegari (2003, p. 179) acredita que os companheiros das atividades criminais não perdoam os traidores, e o arrependido estaria, ao ter reduzida sua pena, condenado à morte. Assim, o interessante para o arrependido seria o perdão judicial, desde que implantado um sistema que garanta sua segurança.

Por outro lado, seria interessante que o réu fosse condenado a cumprir a pena reduzida em regime aberto, pois, desse modo, a proteção dar-se-ia de maneira similar à do que recebeu a benesse do perdão judicial.

Entretanto, para a concretização do acima exposto, faz-se mister prévia alteração legislativa, posto haver, em alguns casos, restrição legal para tal.

Cumpre ressaltar que, efetivamente, a realidade do sistema de execução penal brasileiro revela a existência de vários problemas, dentre eles, o de não garantir a integridade física do colaborador condenado, que recebeu o benefício da redução da pena e deverá cumpri-lo em regime fechado.

3.4.4 Da proteção ao colaborador em liberdade

Após receber o perdão judicial, o colaborador não pode, simplesmente, sair andando pelas ruas como se nada tivesse ocorrido, pois, conforme já mencionado, as organizações criminosas não perdoam os traidores e os condenam à morte.

No entender do Procurador de Justiça Antonio Vicente da Costa Júnior (on-line), os baixos índices de colaboração no Brasil justificam-se pelo fato de que, ao delatar, o indivíduo está praticando um procedimento abominável no Código da Selva que a eles rege.

Segundo o citado autor:

Ao menos, dificultável, portanto, o almejo dessa aliança com o criminoso. A efêmera proteção não os livra do desfecho fatal. E todos os que militam nestas hordas são intimidados por este ritual. Os serviços de inteligência das comunidades criminosas têm aprimorados critérios de busca sempre acionadas com o ímpeto de uma vingança incontrolável, o que os credencia para o êxito, na maioria das empreitadas sinistras. Raro, portanto, que um integrante da associação criminosa não se deixe intimidar por essa inexorável tradição. (on-line)

Apesar da intimidação empreendida pelas associações criminosas, nos Estados Unidos, por exemplo, há bastante tempo o governo mantém um programa de proteção a testemunhas e vítimas de crimes e a maioria dos protegidos são criminosos. Isto se dá pelo fato do governo norte-americano lograr êxito na proteção.

No Brasil, o Programa de Proteção garante às testemunhas (e aos colaboradores) segurança por um prazo de dois anos, prorrogáveis por mais dois, o que, para os colaboradores, torna-se inviável, vez que tal período não serviria para amenizar o aborrecimento causado aos integrantes de seu ex-grupo.

Acerca do limite máximo para a proteção Luciana Ribeiro Aro adverte:

Este dispositivo praticamente fulmina a garantia da proteção, por não fornecer uma segurança completa para a pessoa ameaçada, pois de nada adiantaria a proteção oferecida pelo Estado se esta ficasse limitada apenas a um período, e ainda tão exíguo, sendo possível que ao término deste a pessoa protegida voltasse a ficar sujeita a todos os riscos anteriores, tornando-se preza fácil para as vinganças. (1999, s/p)

É certo que a lei previu, em seu art. 11, parágrafo único, a prorrogação do prazo de dois anos de proteção, mas deixou de estipular em quais hipóteses pode ser prorrogado, ou seja, quais são as "circunstâncias excepcionais" que autorizam a prorrogação.

O correto seria o Estado propiciar a proteção enquanto perdurassem os motivos que a ensejaram, sem qualquer limitação de tempo, uma vez que não teria sentido cessar a proteção enquanto não cessassem as suas causas (ARO, 1999, s/p).

Até o final do ano de 2002, quinze Estados brasileiros participam oficialmente do Sistema Nacional de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, integrado por entidades voluntárias da sociedade civil em parceria com o Poder Público.

A rede de proteção atua nos seguintes Estados: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo [02].

Nos demais, o responsável é a Gavta, órgão da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos.

Urge mencionar que, quem efetivamente garante a proteção das vítimas e das testemunhas coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com inquérito policial ou com o processo criminal, são as ONGs.

Conforme determinação da Lei nº 9.807/99, existem alguns requisitos para o ingresso nos programas de proteção, quais sejam: situação de risco; colaboração; personalidade e conduta compatíveis; inexistência de limitações à liberdade e anuência do protegido.

Portanto, pode-se anotar, como potenciais beneficiários do programa, as pessoas que se encontram em situação de risco decorrente da colaboração prestada a procedimento criminal, que estejam no gozo de sua liberdade e cuja personalidade e conduta sejam compatíveis com as restrições de comportamento exigidas, ao qual desejam voluntariamente aderir.

Insurgem, assim, aqueles que necessitam de proteção mas não se enquadram nos requisitos exigidos tal.

Nesses casos, mesmo não preenchendo os requisitos, não serão privados de eventuais medidas que lhe assegurem a integridade física e psíquica.

A Lei nº 9.807/99 não alterou o dever constitucional dos órgãos de segurança pública de garantir a preservação da incolumidade física das pessoas (art. 144, da Constituição Federal), muito pelo contrário, assegura, em seu artigo 2º, §2º, que os indivíduos que, mesmo estando em situação de risco não se adequarem às hipóteses de inclusão no programa de proteção, receberão dos órgãos de segurança publica o atendimento necessário a garantir a sua proteção.

Acerca da proteção, Paulo César Corrêa Borges (2002, p. 85) entende que faz-se mister a criação de uma rede de proteção, constituída por organizações e cidadãos voluntários, mas assevera que a carência de recursos constitui o maior obstáculo a ser superado.

Realmente, não há como discordar dessa opinião, vez que no ano de 2001 o Governo disponibilizava R$ 10.062.210,00 (dez milhões, sessenta e dois mil, duzentos e dez reais) para manter o Programa de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, nos moldes em que se encontra [03].

De maneira semelhante, em 2002, disponibilizou R$ 10.246.300,00 (dez milhões, duzentos e quarenta e seis mil, duzentos e dez reais) para garantir a manutenção do Programa [04].

Já, para 2003, o orçamento é de R$ 14,4 milhões, verba que deve ser repartida com centros de atendimento a vítimas de violência [05].

Destarte, mesmo havendo dotação financeira destinada ao Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP), a parcela repassada ao Programa de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas acaba sendo exígua, diante da quantidade crescente de necessidades, vez que os custos do programa são muito elevados.

Nessa ótica, Luciana Ribeiro Aro observa:

É lamentável que além dos empecilhos citados para a concessão da proteção a vítimas e testemunhas, o legislador criou uma hipótese de serem ignoradas todas as medidas de proteção previstas na lei, ao prever, no artigo 6º, parágrafo único, que "a execução (do programa de proteção) ficará sujeita à disponibilidade orçamentária" (acrescentamos o texto entre parênteses), assim, poderá ocorrer que, após todo o trâmite para a concessão de proteção à vítima e testemunha, e o seu deferimento, a respectiva execução das medidas efetivas de proteção poderão ser ignoradas pela simples falta de disponibilidade orçamentária. (1999, s/p)

Por outro lado, conclui-se, por ora, tendo em vista a situação financeira dos nossos entes públicos, que as proteções elencadas na lei tratam-se de hipóteses utópicas, uma vez que dificilmente tais medidas serão aplicadas na realidade.

Assim, não obstante seja imprescindível correção e aprimoramento no que diz respeito à proteção dos possíveis colaboradores e seus familiares, com o desenvolvimento de programas eficazes que possibilitem, por exemplo, a troca de identidade, de endereço, ou até, mudança do país, a fim de que estes tenham condições de sobrevivência, sem qualquer comprometimento de sua integridade, o Governo não dispõe de recursos suficientes para arcar integralmente com o custo das medidas.

Concomitantemente com o custo das medidas propriamente ditas, tem que ser levado em conta que existem despesas fixas de pagamento de pessoal, de infra-estrutura e beneficiários, e que as verbas antes mencionadas, destinam-se à manutenção anual do Programa no âmbito federal e estadual.

Portanto, independente dos recursos oficiais, faz-se mister a captação de recursos alternativos, como convênios, colaboradores, movimentos com artistas, etc., para o sucesso do programa.

O primeiro passo para a obtenção de êxito seria o estabelecimento de critérios obrigatórios e exatos para a captação de recursos financeiros para o Programa de Proteção.

É sabido que o Governo não possui recursos para serem aplicados nas áreas mais básicas como: saúde, educação, instrução, moradia etc., e, por conseguinte, deverá ser difícil, a previsão e a existência de verbas orçamentárias significativas para a proteção de colaboradores ameaçados. Entretanto, se houver perseverança e paciência, além da colaboração da sociedade para meios alternativos de obtenção de recursos, em um futuro não muito distante a proteção eficiente poderá ser regra.

Interessante salientar que não há, por enquanto, um programa para a inclusão do colaborador no mercado de trabalho, o que demonstra, claramente, o descaso do Estado para com o futuro daquele após a efetiva proteção.

Por outro lado, um programa assim pode ser útil tanto ao colaborador quanto ao Estado, pois este, após inserir aquele no mercado de trabalho, se desoneraria.

Deve ser considerado, também, que a implantação do Programa de Proteção no Brasil é recente, e ainda está em fase de ampliação e adequação, mas, mesmo assim, vem funcionando de maneira ativa.

Óbvio que, mesmo tendo o Governo brasileiro se baseado nos programas de outros países, deve adaptá-los à realidade nacional e adequá-los à verba disponível, o que vem sendo feito. Saliente-se que não é tarefa fácil.

No entanto, uma boa perspectiva emerge, pois mesmo diante das imperfeições ainda existentes, o Programa de Proteção tem surtido os efeitos almejados, ou seja, vem encorajando, de maneira tímida, os indiciados, acusados ou sentenciados, a delatar e colaborar no desmantelamento das organizações criminosas, garantindo, assim, a segurança de pessoas ameaçadas ou coagidas por colaborar em processos criminais.

Sobre a autora
Juliana Conter Pereira Kobren

advogada em Curitiba (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KOBREN, Juliana Conter Pereira. Apontamentos e críticas à delação premiada no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 987, 15 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8105. Acesso em: 5 nov. 2024.

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